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Agradeço inicialmente a Deus, que me deu saúde, força e sabedoria para enfrentar essa
jornada acadêmica.
A minha família, em especial ao meu pai, que me oportunizou estar aqui hoje, me
apoiou de forma incondicional e me incentivou nos momentos difíceis.
Agradeço aos meus amigos de faculdade, companheiros dessa jornada, que a fizeram
mais alegre e com certeza, inesquecível.
Ao meu querido orientador, Professor Carlos Paschoalik Antunes, por todo auxílio e
dicas imprescindíveis para a conclusão deste trabalho.
A todos que direta ou indiretamente fizeram parte de minha formação, o meu muito
obrigada.
RESUMO
O presente trabalho tem como sua principal finalidade explicar o princípio da correlação entre
acusação e sentença. Apresenta-se os sistemas inquisitório e acusatório, este último adotado
no Brasil e que ensejou a criação do referido princípio, que existe justamente para assegurar o
processo acusatório, com sua consequente separação de funções. Também apresenta-se o
princípio da ampla defesa e do contraditório, de essencial observância, pois são a base do
sistema acusatório. Informa-se o conceito de fato para o direito penal e para o processo penal,
além do conceito de identidade e seus desdobramentos. Por fim, apresenta-se a aplicação do
princípio da correlação no ordenamento jurídico brasileiro através dos institutos da emendatio
libelli e da mutatio libelli.
This work has as its main purpose to explain the principle of correlation between accusation
and sentence. It presents the inquisitorial and accusatorial systems, the latter adopted in
Brazil, which led to the creation of that principle, which exists precisely to ensure the
adversarial process, with its consequent separation of functions. It also presents the principle
of legal defense and contradictory, essential compliance, since they are the basis of the
adversarial system. Informs the concept of fact to criminal law and criminal proceedings,
beyond the concept of identity and its consequences. Finally, the application of the principle
of correlation is presented in Brazilian legal system through the institutes of libelli emendatio
and libelli mutatio.
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 08
I - SISTEMA E PRINCÍPIOS INFORMADORES DA CORRELAÇÃO..................... 09
1.1- Sistema Acusatório e Sistema Inquisitório..................................................................... 09
1.2- Princípio do Contraditório.............................................................................................. 11
1.3- Princípio da Defesa......................................................................................................... 14
II - CORRELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO E SENTENÇA........................................... 16
2.1- Identidade entre o fato imputado e o fato constante na sentença................................... 17
2.1.1- Conceito de fato para o processo penal e para o direito penal.....................................19
2.1.2- O conceito de identidade............................................................................................. 20
2.1.3- Regra geral de identidade ou solução no caso concreto.............................................. 21
2.1.3.1- Identidade e o critério teleológico da garantia do direito de defesa......................... 22
2.1.3.2- Regra de identidade: conteúdo da representação do fato imputado e do fato
considerado na sentença......................................................................................................... 23
2.2- A identidade do objeto do processo e o julgamento de toda a imputação...................... 29
2.3- Violação da regra da correlação entre acusação e sentença........................................... 31
2.4- Correlação entre acusação e sentença e ne bis in idem.................................................. 33
III - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO.................................................................................................. 36
3.1- Emendatio libelli.............................................................................................................36
3.1.1- Momento adequado..................................................................................................... 37
3.1.2- Transação penal e suspensão condicional do processo................................................39
3.1.3- Emendatio libelli em segunda instância...................................................................... 41
3.2- Mutatio libelli................................................................................................................. 42
3.2.1- Momento adequado..................................................................................................... 44
3.2.2- Procedimento............................................................................................................... 44
3.2.3- Fato diverso e fato novo.............................................................................................. 46
3.2.4- Mutatio libelli em ação privada................................................................................... 47
3.2.5- Mutatio libelli em segunda instância........................................................................... 48
CONCLUSÃO...................................................................................................................... 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 51
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INTRODUÇÃO
Historicamente, o sistema acusatório é composto por um juiz que não tem iniciativa
probatória, ficando à cargo das partes fornecer qualquer tipo de prova, tendo mais valor a
prova testemunhal e a confissão do acusado, prevalecendo no entanto o princípio da
presunção de inocência e permanecendo o réu solto até que fosse definitivamente considerado
culpado.
No mais, nesse sistema há a publicidade dos atos processuais e a oralidade como
características fundamentais.
Ainda sobre as características do sistema acusatório, relata Fábio Capela:
Não obstante à existência desses dois modelos, surgiu com o Code d’Instruction
Criminalle francês, de 1808 o sistema misto, o qual se configura como a fusão dos dois
sistemas anteriores.
No sistema misto, há duas fases, a primeira inquisitória, na qual acontece o
recolhimento de provas, sem acusação, o que explica ser fora do crivo do contraditório. Se
apura o fato e a autoria, documentando as provas colhidas de forma escrita e secreta. E a
segunda fase, acusatória, a qual é pública e oral, além de existir a figura do acusado, do
acusador e do julgador.
O princípio do contraditório está na CF, em seu art. 5º, inciso LV, ou seja, é uma
garantia constitucional, a qual deve ser respeitada por todas as legislações vigentes.
12
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes;
Com base no princípio do contraditório, o juiz tem que julgar o acusado com base nos
fatos que foram a ele imputados, sendo que é imprescindível que tenha sido concedida
oportunidade de o acusado se defender, apresentar a sua versão.
Em relação a esse princípio, relata Fábio Capela:
A vinculação que o pedido da parte acusadora tem sobre a matéria a ser decidida
pelo magistrado é uma decorrência do princípio do contraditório, pois se trata de
uma garantia dada às partes, principalmente ao réu, a regra de que o juiz não pode
julgar o acusado por fato diverso do apresentado na imputação penal (2008, p. 53).
Quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo
por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar, havendo um perfeito
equilíbrio na relação estabelecida entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à
liberdade e à manutenção do estado de inocência do acusado (2015, p.37-38).
Vale ressaltar o conceito clássico do contraditório, o qual foi criado por Joaquim
Canuto Mendes de Almeida, conforme esse conceito, o contraditório tem seus alicerces no
binômio informação – reação.
De acordo com esse conceito, é necessário que seja dada às partes informação, e
possibilitada a reação, ou seja, a informação necessariamente tem que ser concedida, tendo a
informação em mãos, a parte vai reagir se for de seu interesse.
Nesse sentido aduz Fábio Capela:
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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes;
Tem que haver a correlação entre a acusação e a sentença para que haja respeito as
garantias fundamentais da ampla defesa e do contraditório. O acusado não pode ser pego de
surpresa com uma sentença baseada em fatos dos quais ele não teve a oportunidade de se
defender.
Relata Fernando Capez:
É a regra segundo a qual o fato imputado ao réu, na peça inicial acusatória, deve
guardar perfeita correspondência com o fato reconhecido pelo juiz, na sentença, sob
pena de grave violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa,
consequentemente, ao devido processo legal (2015, p. 608).
E por fim:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. PRELIMINAR.
SUBMISSÃO DA RÉ A JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI COM
FUNDAMENTO EM CIRCUNSTÂNCIA NÃO NARRADA NA DENÚNCIA.
OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. OCORRÊNCIA. SENTENÇA
ANULADA. PRELIMINAR ACOLHIDA.
- No processo penal, a mínima alteração da narrativa contida na denúncia, com a
inclusão de elementos ou circunstâncias não descritos na peça originalmente
ofertada, deve se submeter às regras do art. 384 do CPP. - Se a denúncia narra que a
acusada agiu sob a influência do estado puerperal e não menciona ter procedido com
animus necandi, é defeso ao juiz na sentença de pronúncia reconhecer esta
circunstância não descrita, sob pena de violação ao princípio da correlação. -
Preliminar acolhida. (TJ-MG - Rec em Sentido Estrito: 10625100046220001 MG,
Relator: Nelson Missias de Morais, Data de Julgamento: 29/08/2013, Câmaras
Criminais / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 09/09/2013) Disponível
em: <www.jusbrasil.com.br/jurisprudencias> Acesso em: 16-07-2016.
No processo penal o acusado defende-se dos fatos que foram a ele imputados pela
acusação, e não da classificação formulada pela acusação. Por essa razão a sentença tem que
estar de acordo com os fatos descritos na peça acusatória, sob pena de violar os princípios do
contraditório e da ampla defesa.
Sendo assim, o objeto do processo, que são os fatos nele descrito, em regra devem
permanecer inalterados, desde a peça acusatória até a sentença, e caso venham a mudar, deve
ser respeitado o princípio do contraditório.
O conceito de fato no processo penal e no direito penal são distintos, e para o estudo
do tema da correlação entre acusação e sentença é importante saber o conceito em cada um
deles.
O conceito de fato vai além do que a ciência do direito pode apresentar. Mesmo no
campo jurídico, o seu conceito varia muito de acordo com a área do direito a qual apresenta
sua definição.
No direito penal e no processo penal o fato apresenta diferentes conceitos. No direito
penal fato é algo abstrato, conduta que pode ser praticada ou não por alguém, algo que pode
acontecer, no processo penal fato é algo concreto, que realmente possa ter acontecido,
condutas que em tese foram praticadas pelo sujeito.
É necessário frisar que o fato no processo penal pode não ter acontecido, pois o fato
imputado que está sendo imputado a alguém configura-se como uma hipótese, o qual poderá
deixar de ser uma hipótese apenas na sentença. Só na sentença é que poderá se afirmar se o
fato realmente ocorreu ou não.
Com isso não se quer dizer, contudo, que o fato imputado, necessariamente, existiu
ou ocorreu. O fato está sendo imputado, atribuído a alguém, mas não se sabe ainda
se ele existiu ou não. Tal certeza somente será alcançada no momento da sentença.
Assim, embora possa parecer contraditório, o fato processual, isto é, o fato
imputado, que constitui o objeto do processo, não deixa de ser algo hipotético, no
sentido de que não se tem certeza, ou melhor, tem-se, apenas, uma suspeita de que
aquele acontecimento concreto, aquele suceder histórico, efetivamente ocorreu. O
fato processual é um concreto acontecimento histórico tido por existente, mas que
pode não ter efetivamente existido (BADARÓ, 2013, p. 101-102).
O processo gira em torno do objeto, que são os fatos imputados, não gira em torno do
tipo penal, sendo assim o acusado se defende dos fatos, a defesa trabalha de modo com que os
fatos ao final do processo sejam considerados inexistentes ou se existentes, que tenham
ocorrido de forma diferente. Todo processo tem objeto, mesmo no que ao final tem como
resultado uma sentença penal absolutória, nesses casos o objeto é o fato que hipoteticamente
ocorreu.
20
Para se falar em identidade, é necessário que exista duas coisas distintas para fazer
uma comparação.
No caso do tema em estudo, a identidade se relaciona com a ideia da comparação entre
as representações que são feitas no momento da imputação dos fatos e no momento da
sentença.
Porém, ao comparar as representações feitas no momento da imputação dos fatos e no
momento da sentença, pode ser que se chegue à conclusão de que elas não são idênticas.
Além das considerações sobre o fato feitas por Badaró, vale fazer algumas
considerações sobre a imputação, que são de muita importância no processo penal.
A imputação é a atribuição de um fato considerado pelo direito penal fato típico, é a
atribuição de um fato considerado um ilícito penal, tipificado em algum dos artigos do código
penal. Ou seja, é a atribuição de um fato que realmente aconteceu, um fato concreto, que por
suas características se enquadrou em algum dos artigos do código penal.
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É possível arquitetar uma regra geral de identidade ou solução no caso concreto, mas
nem sempre o problema da correlação entre acusação e sentença pode ser resolvido através de
uma regra geral.
Porém, sendo a imputação a atribuição de um fato concreto, e portanto específico e
único, a busca de uma regra geral é, na verdade, a procura de um parâmetro
uniforme que possa ser utilizado na generalidade dos casos, permitindo estabelecer
quando é possível ou em que hipótese é vedado considerar determinada alteração do
fato imputado na sentença (BADARÓ, 2013, p. 106).
22
A regra da correlação entre acusação e sentença tem conteúdo mais amplo, visando a
preservar a garantia do contraditório, que, sem dúvida, encontra-se intimamente
ligado ao direito de defesa. Porém, conforme já acreditamos ter demonstrado, o
contraditório não visa a assegurar apenas o direito de defesa, ou assegurar a posição
do réu no processo. O contraditório, ao possibilitar a participação dos interessados, é
elemento de legitimidade da própria função jurisdicional, interessando também ao
Estado e não apenas ás partes. Por outro lado, no que diz respeito às partes, é certo
que o contraditório deve ser assegurado e preservado em relação a ambas, autor e
réu (BADARÓ, 2013, p. 112).
A mudança do fato que tem relevância para o direito penal, também terá relevância
para o processo penal, isso porque para se adequar uma conduta num tipo penal é necessário
que a pessoa tenha agido de forma a enquadrar sua ação nesse tipo penal.
Para o processo penal, não importa se os elementos são acidentais ou essenciais, a
alteração de qualquer deles representa alteração do objeto do processo. Um fato que é
circunstancial ou acidental no âmbito do direito penal, no âmbito do processo penal pode se
apresentar como tendo relevância. Aduz Gustavo Henrique Badaró:
Por outro lado, pode ocorrer uma alteração que seja processualmente relevante, sem
que signifique modificação do fato penal. As alterações relevantes do fato
processual podem incidir, sob a ótica do fato penal, nas circunstâncias do delito, mas
o que é circunstancial para o direito penal pode ser relevante para o processo penal,
a acidentalia delicti pode ser um aspecto relevante do fato processual,
principalmente em face da defesa apresentada pelo réu (2013, p. 115).
A defesa não pode mudar o objeto do processo, ela não pode ampliá-lo ou alterá-lo. É
a peça de acusação que vai delimitar o objeto do processo, o que cabe à defesa é apenas expor
suas alegações com o objetivo de convencer o juiz que sua tese é a correta, com o objetivo de
ampliar o objeto de análise do juiz. Essas alegações feitas pela defesa sobre o fato imputado
que vão dar relevância ou não aos fatos imputados pela acusação. Em regra, todos os fatos
imputados pela acusação têm relevância penal, porém só os contestados pela defesa que tem
relevância processual.
Antes do juiz condenar o acusado pela prática de tipo penal diverso ao que foi
imputado a ele na acusação, deverá ser concedida a oportunidade de o acusado se defender, se
essa condenação for causar surpresa ao acusado.
Relata Gustavo Henrique Badaró:
A questão pode se mostrar ainda mais sutil. Há situações em que a alteração pode
ser processual e penalmente relevante, mesmo que, em relação a esse último, não se
altere o tipo penal invocado. A identidade do título do delito, contido na acusação e
na sentença, não é suficiente para excluir a modificação do fato, visto que pode
haver identidade de tipo penal e diversidade de fato, como, por exemplo, nos tipos
culposos, nos crimes de forma vinculada, ou nos tipos penais múltiplos (BADARÓ,
2013, p. 118).
Iniciando a explicação dos crimes considerados culposos, esses têm que ser
caracterizados na peça acusatória como negligentes (desprezar, desatender, não cuidar),
imprudentes (falta de atenção, descuido) ou imperitos (ignorância, inexperiência). Dessa
forma não pode se admitir que um indivíduo ao qual tenha sido imputado na peça acusatória a
prática de homicídio culposo por imprudência, devido a trafegar em velocidade alta, seja
condenado pela prática de homicídio culposo por imperícia, por não ter a experiência
necessária para condução de veículos.
A jurisprudência abaixo elucida a impossibilidade de serem considerados na sentença
fatos que não foram imputados na peça acusatória.
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Passando aos crimes de forma vinculada, e tomando por exemplo o crime de maus
tratos, não se pode admitir, ainda que dentro do mesmo tipo penal, que uma
imputação por maus tratos consistentes em sujeitar uma criança a 14 horas diárias de
trabalho numa carvoaria, o que é excessivo e inadequado, redunde em uma
condenação pelo abuso nos meios de correção e disciplina, porque a criança ficava
acorrentada e presa dentro de casa.
E quanto aos tipos penais múltiplos, como no crime de participação em suicídio,
quem foi acusado de ter auxiliado alguém a suicidar-se, por lhe fornecer a arama
utilizada em tal atividade, não pode ser surpreendido por uma condenação pelo
mesmo delito, mas porque instigou, reforçando o propósito suicida de quem já
pretendia pôr cabo em sua vida (2013, p. 119).
Como visto, somente o caso concreto poderá mostrar se foi respeitado o princípio da
correlação entre a acusação e a sentença e o princípio do contraditório. E somente o caso
concreto poderá mostrar se a modificação do fato imputado poderá ocorrer ou não na
sentença.
Sendo assim, é necessário observar quando o fato modificado tem relevância para o
direito processual. O fato modificado pode ter relevância tanto para o direito processual
quanto para o direito penal. Por ser o fato processual diferente do fato penal, é possível que a
alteração no objeto do processo tenha relevância para o direito processual e não tenha para o
direito penal.
De qualquer forma, não é aceitável a modificação dos fatos no momento da sentença,
sem que se utilize as regras da mutatio libelli.
Sendo o fato processual diverso do fato-tipo, não tem sentido determinar quais os
tipos de crime que podem ser indiferentemente mudados para outros. Conforme já
demonstrado, o fato pode mudar, mas permanecer idêntico o tipo penal, ou, por
outro lado, o fato pode permanecer idêntico, mas variar a fattispecie legal
(BADARÓ, 2013, p. 120).
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A última situação exposta acima por Badaró (2013, p.119) pode ser exemplificada
com o caso de “uma peça acusatória que impute ao acusado o fato de induzir alguém ao
suicídio, mas que conceitue tal fato, erroneamente como homicídio e não como o fato
tipificado no art. 122 do CP (Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio)”.
Pode ocorrer também de as modificações nos fatos não serem processualmente
relevantes, não tendo necessidade de emendatio libelli, mas serem relevantes no âmbito penal.
Conclui-se, portanto, que pode ocorrer três situações. Pode acontecer de a modificação
no objeto do processo ter relevância no âmbito do direito penal e no âmbito do direito
processual. Pode acontecer de a modificação no objeto do processo só ter relevância no
âmbito do direito processual. E, no último caso, pode acontecer de a alteração no objeto do
processo só ter relevância no âmbito do direito penal.
Nos dois primeiros casos, para que o juiz, no momento da sentença, possa considerar
fato diferente do imputado na peça acusatória, é fundamental o órgão julgador faça o
aditamento da denúncia, sendo fundamental a mutatio libelli. No último caso, seria necessário
a emendatio libelli.
No tema de correlação entre acusação e sentença, também deve se considerar um outro
aspecto para determinar a relevância da modificação dos fatos imputados na peça acusatória,
esse aspecto diz respeito à acusação, se ela também não foi prejudicada, se a ela foi
assegurado o contraditório.
A alteração fática pode não afrontar o direito de defesa, mas pode prejudicar a
acusação. O direito de defesa não pode ser o critério exclusivo na determinação da
relevância da alteração do fato imputado. É necessário pensar na acusação, o outro
polo da relação processual que irá integrar o contraditório. Se a regra da correlação
entre acusação e sentença tem por objetivo preservar o princípio do contraditório, e
se diz respeito não só à defesa, mas a possibilidade de ambas as partes estarem em
condição de se contradizer, violação do exercício da acusação é também violação ao
princípio do contraditório (BADARÓ, 2013, p. 121).
morte no momento da sentença, devido ao surgimento de novos fatos. Nesse caso não houve
violação ao direito de defesa, pois a defesa teve benefícios, porém houve violação ao
princípio do contraditório, pois o juiz no momento da sentença levou em consideração fatos
que não foram imputados pela acusação.
Em situações como essa, é necessário o aditamento da denúncia, é necessário a
mutatio libelli, para que possa ser exercido o contraditório e para que o órgão acusador exerça
corretamente sua função. Se o juiz pudesse julgar com base em fatos não imputados na peça
acusatória, ele estaria agindo de ofício e usurpando a função do Ministério Público.
A mutatio libelli se faz necessária nos casos em que surgem fatos não imputados ao
réu na peça acusatória, mesmo que dessa situação resulte uma tipificação que tenha pena mais
branda, isso porque deve se preservar o papel do ministério público, é o órgão acusador que
tem o poder da imputação.
Na hipótese de classificação errônea dos fatos, é possível mudar o tipo penal, seja para
mais grave ou menos grave, pois não há mudança dos fatos, há somente uma classificação
errada, por exemplo, se os fatos foram classificados como furto, mas na verdade seria um
roubo, pois há violência ou grave ameaça, nesse caso há a emendatio libelli. De outro lado, se
há mudança dos fatos, não pode haver nova tipificação, sem que ocorra a mutatio libelli.
As jurisprudências abaixo ilustram o acima exposto:
Ordem de habeas corpus concedida para cassar em parte o acórdão recorrido apenas
afastando a condenação do paciente quanto ao delito previsto no art. 157, § 2º, I e II,
do Código Penal.
(STJ - HC: 172790 ES 2010/0088363-0, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento:
08/04/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/04/2014)
Disponível em: <www.jusbrasil.com.br/jurisprudencias> Acesso em: 16-07-2016.
Nesse sentido:
A sentença deve julgar todos os fatos imputados ao acusado. O juiz não pode
sentenciar com base em fatos novos, que não foram imputados ao réu na peça acusatória, mas
também não pode deixar de julgar algum fato que foi imputado ao réu, tem que haver
identidade da representação do objeto do processo.
Para que haja respeito à regra da correlação entre acusação e sentença, é necessário
que todo o objeto da imputação seja analisado na sentença, de modo a evitar a violação do
princípio do contraditório e a ofensa à função do órgão de acusação.
Haverá a violação da regra da correlação quando ao réu for imputado a prática de dois
ou mais crimes e o juiz proferir sentença de modo a julgar somente um dos crimes, ignorando
o outro, da mesma forma, também haverá violação da regra se ao acusado for imputado a
prática de apenas um crime e o juiz, no momento da sentença, deixar de considerar algum
aspecto desse crime. Nos dois casos há o julgamento citra petita.
30
O fato de o juiz ser obrigado a julgar todo o objeto da imputação, não significa que ele
tem o dever de condenar ou absolver o réu por todo o objeto processual. Pode por exemplo,
no caso de uma imputação pelo art. 138 (calúnia) com a causa de aumento de pena do artigo
141, inciso IV (quando a pessoa for maior de 60 anos), em que o juiz condenar o réu somente
pelo artigo 138, por concluir que na época dos fatos a pessoa não era maior de 60 anos. Nesse
caso a sentença não é citra petita, porque o juiz analisou todo o objeto processual.
As imputações que tiverem mais de um crime, farão com que as sentenças tenham
mais de um capítulo, ela terá o tanto de capítulos que tiver de imputações e deverá julgar todo
o objeto processual.
Nesse sentido, expõe Badaró:
Nos casos de duas imputações em uma mesma denúncia, a questão pode ser
facilmente solucionada atentando-se para o reflexo que o cúmulo de pretensões
produz na sentença. Cada decisão sobre uma das pretensões será um capítulo da
sentença, no caso de cumulação de pretensões. Segundo Chiovenda, haverá tantos
capítulos de sentença quantos forem os capítulos da demanda. Com isso, cada vez
que se imputa mais de um delito ao acusado, na verdade, estamos diante de várias
imputações, ou melhor, de tantas imputações quantos são os delitos atribuídos.
Por outro lado, há posições que reduzem os capítulos da sentença à solução de
questões de fato e de direito. Tal posição, contudo, não parece a mais correta, tendo
em vista que a solução das questões de mérito influenciam na formação lógica da
sentença e concorrem para determinar seu conteúdo, mas, consideradas
isoladamente, não possuem relevo autônomo; pelo contrário, visam à preparação de
um ato final sobre o objeto do processo (2013, p. 124-125).
afirmando que toda a relação processual inexiste, sendo que o vício surgiu apenas no
momento da sentença.
Relata Badaró sobre o julgamento extra petita:
Quando o juiz violando a regra da correlação entre acusação e sentença, ao jugar com
base em fatos que não foram imputados ao réu na peça acusatória, ele está criando um
problema de ilegitimidade, pois não é ele que tem a legitimidade para imputar fatos ao réu,
sendo assim, o processo deve ser declarado absolutamente nulo.
Conforme o art. 564, II, do Código de Processo Penal, Art. 564. A nulidade ocorrerá
nos seguintes casos: I - Por incompetência, suspeição ou suborno do juiz; II - Por
ilegitimidade de parte. Assim dispõe Aduz Badaró:
Por fim, ainda que se queira pensar em inexistência apenas da sentença, e não de
toda a relação jurídica processual, tal posição não parece correta. Houve sentença, e
os requisitos mínimos para que tal ato ingresse no mundo jurídico estão presentes.
Apenas tal sentença não terá validade. Essa decisão, como ato processual, existe e
produz seus efeitos jurídicos até que outra decisão venha lhe retirar a eficácia, em
razão do vício que caracteriza a nulidade (2013, p. 129).
Em relação ao julgamento citra petita ou infra petita, o juiz não usurpa a função do
Ministério Público, pois não age de ofício. Nesses casos, o juiz não profere sentença com base
em fatos não imputados ao réu pela acusação, mas sim, profere sentença com base nos fatos
imputados, mas deixando de analisar alguns. Nesses casos a sentença, em relação ao que
julgou, é válida.
33
O fato de a sentença não respeitar a regra da correlação não significa que ela deverá
ser considerada totalmente nula. Deve-se analisar os capítulos da sentença, e só considerar
nulos os que realmente são. A sentença pode ser parcialmente nula.
Quando houver mais de um crime imputado ao réu, a sentença deve ter mais de um
capítulo. E cada capítulo deve ser analisado isoladamente em relação a existência de vícios,
sendo que somente o capítulo que for eivado de vícios deverá ser invalidado, atendendo-se
assim o princípio da economia processual e atendendo um critério de razoabilidade.
O tema da correlação entre acusação e sentença também tem relação com a coisa
julgada.
Quando a sentença transita em julgado, forma-se a coisa julgada material, ou seja, a
sentença torna-se imutável. Essa coisa julgada material possui uma função negativa,
denominada de ne bis in idem, essa denominação quer dizer que nenhum juiz pode julgar
novamente a mesma pessoa pelo mesmo fato, o qual já foi objeto de uma relação processual
que teve sentença que transitou em julgado.
Após o oferecimento da peça acusatória, em regra os fatos imputados nela devem
permanecer inalterados durante toda a relação processual, no entanto, pode haver a emendatio
libelli quando aos fatos foi dada definição jurídica errônea ou a mutatio libelli quando surgir
prova de circunstância ou elementar não contida na acusação. Em relação ao julgamento de
recursos, também deve haver a obediência à regra da correlação, deve o juiz de segundo grau
se ater aos fatos imputados ao réu na peça acusatória.
Como pode ser analisado, a regra da correlação entre acusação e sentença assegura que
o objeto processual permaneça o mesmo durante todo o trâmite do processo, ou seja, que o
objeto processual permaneça inalterado. Essa inalterabilidade continua sendo assegurada após
o término do processo, com o trânsito em julgado, pois, conforme já exposto, este faz coisa
julgada material, a qual tem como consequência o ne bis in idem, que impede que qualquer
juiz julgue a mesma pessoa pelos mesmos fatos que foram objeto da sentença transitada em
julgado.
Deve-se também fazer algumas considerações sobre o conceito de objeto do processo
para efeito de correlação entre acusação e sentença e para efeito de coisa julgada, esse
conceito é bem mais restrito quando se pensa em correlação do que quando se analisa coisa
34
julgada. No processo penal, apesar de o objeto do processo ter que permanecer o mesmo
desde a imputação pela acusação até a sentença, por meio da emendatio libelli é possível que
o Ministério Público faça o aditamento da peça acusatória, desde que antes da sentença de
primeiro grau, incluindo assim novos fatos, e em relação a ação penal privada, também é
possível a modificação dos fatos, quando o querelante, antes de transcorrido o lapso
decadencial, modifique a queixa.
Já no processo civil, não é possível a modificação dos fatos a qualquer tempo antes da
sentença de primeiro grau, só é possível a modificação até o momento final da fase
postulatória.
Em relação ao processo civil, relata Badaró:
A razão disso é simples: no processo civil, um dado fático que não tenha sido
incluído na causa de pedir remota não pode ser acrescido ao processo após o
despacho saneador, porque o autor poderá, formulando nova demanda, trazê-lo à
apreciação do Poder Judiciário. Por outro lado, em face do princípio dispositivo,
poderá também deixar de incluir tal aspecto fático na sua pretensão, o que é
perfeitamente possível, ante a disponibilidade da situação material debatida. O autor,
ao formular o seu pedido e expor a causa de pedir, é que irá determinar em que
medida a situação da vida será trazida ao processo (2013, p. 135).
No processo penal, porém, o fato naturalístico deve ser imputado como um todo, não
se permitindo ao acusado trazer apenas porção da conduta delitiva ou,
posteriormente, formular demanda autônoma sobre parte do fato que não tenha sido
trazida ao processo. Um fato da natureza que se afigure crime deve ser trazido por
inteiro ao processo, dele se extraindo todas as consequências penais. Daí por que, se
no curso do processo é descoberto um novo aspecto daquele fato já imputado ao
acusado, o mesmo deverá ser trazido ao processo, o que será feito através da mutatio
libelli, que poderá ocorrer até o momento da sentença. Já no processo civil, tal regra
não existe, tendo em vista que o autor poderá levar tal aspecto fático ao Judiciário,
por meio de demanda autônoma (2013, p. 135-136).
A emendatio libelli é uma correção feita pelo juiz da tipificação dada pelo Ministério
Público de forma errônea aos fatos imputados ao réu. O juiz corrige a tipificação sem alterar
os fatos, mesmo que dessa correção resulte crime que tenha pena mais grave.
O acusado defende-se dos fatos imputados, não da tipificação legal dada a eles na peça
acusatória, sendo assim, a defesa não poderá alegar surpresa ao ocorrer a emendatio libelli.
A emendatio libelli pode ocorrer tanto na ação penal pública como na ação penal
privada, o que fica evidente ao ler o artigo 383 do Código de Processo Penal.
Dispõe o CPP Art. 383. “O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na
denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em
consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. Relata Fernando Capez:
A emendatio libelli, por sua vez, é uma correção, uma emenda ao libelo, sem que se
altere a essência da acusação. São correções ou alterações em aspectos acidentais ou
secundários da acusação que serão mudados, permanecendo ela substancialmente
idêntica (2013, p. 147).
37
Com a correção da tipificação dos fatos, o crime pode passar a ser de menor potencial
ofensivo, admitindo-se a transação penal ou a ter pena mínima igual ou inferior a um ano,
admitindo-se a suspensão condicional do processo.
Está expresso no CPP:
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa,
poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de
aplicar pena mais grave.
§ 1.º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de
proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o
disposto na lei.
§ 2.º Tratando-se de infração de competência de outro juízo, a este serão
encaminhados os autos.
Se o juiz, ao realizar a emendatio libelli, perceber que o crime tem pena mínima igual
ou inferior a um ano, ele não pode sentenciar o processo, de acordo com o disposto no art. 89
da lei dos Juizados, ele deve remeter os autos ao Ministério Público para que este possa fazer
a proposta da suspensão condicional do processo.
O art. 89 da lei 9099/95 dispõe:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá
propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não
esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os
demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.
Nos casos em que um determinado fato, subsumido a um tipo penal com pena
máxima superior a 2 anos, venha a receber outra classificação jurídica, passando a
ser subsumido a outro tipo penal, com pena máxima igual ou inferior a 2 anos, o juiz
comum se tornará incompetente para o julgamento, devendo remeter o feito para o
Juizado Especial Criminal. Assim, em verdade, embora os autos tenha sido
conclusos para a sentença, o juiz não deverá condenar o acusado, mas se limitar a,
diante de nova definição jurídica do fato, proferir uma decisão interlocutória, na qual
se declara incompetente, remetendo o feito ao Juizado Especial Criminal. No
juizado, deverá ser designada audiência para que o Ministério Público formule
proposta de transação penal e o réu tenha oportunidade de celebrar a transação
penal, ou para que o Ministério Público apresente proposta de suspensão condicional
do processo. Se não for aceita a proposta de transação penal, o feito prosseguirá no
Juizado, devendo o juiz proferir sentença (2013, p. 150-151).
Decidiu o STJ:
O tribunal pode fazer a emendatio libelli, porém, em recurso exclusivo da defesa, deve
ser atendido o princípio da non reformatio in pejus, ou seja, o réu não poderá ser prejudicado
com a correção da tipificação.
Dispõe o CPP o Art. 617. “O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao
disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a
pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”. Relata Fernando Capez:
Não existe qualquer limitação para a aplicação dessa regra em segunda instância,
pois não há que se falar em surpresa para as partes; entretanto, se a emendatio libelli
importar em aplicação de pena mais grave, o tribunal não poderá dar a nova
definição jurídica que implique prejuízo do réu, no caso de recurso exclusivo da
defesa, sob pena de afronta ao princípio que veda a reformatio in pejus (2014, p.
539).
Decidiu o TJ:
Assim, se alterada a classificação legal, o crime passar a ser definido como infração
de menor potencial ofensivo ou como delito que admite a suspensão condicional do
processo, deve-se converter o julgamento em diligência. No caso de infração de
menor potencial ofensivo, o tribunal remeterá o feito ao Juizado Especial Criminal,
em que será realizada a audiência na qual será feita a proposta de transação. Por
outro lado, no caso de cabimento da suspensão condicional do processo, o feito
deverá ser remetido ao juiz de primeiro grau, para que seja formulada a proposta e
realizada a audiência para a aceitação ou não. Não aceita a proposta de transação
penal ou de suspensão condicional do processo, conforme o caso, os autos
retornarão ao Tribunal, que deverá retomar o julgamento do recurso (2013, p. 152-
153).
Decidiu o TJ:
Decidiu o STJ:
3.2.2. Procedimento
Dispõe o CPP:
A mutatio libelli só é cabível no caso de fato diverso, pois ele tem relação com a
imputação originária, sendo que no caso de fato novo, devido ele não ter relação com a
imputação originária, será necessário nova peça acusatória.
Aduz Gustavo Henrique Badaró:
incabível na hipótese a aplicação do art. 384 do CPC, ainda que com o aditamento
da denúncia, a que se refere o parágrafo único do mesmo dispositivo, eis que
inexistente qualquer circunstância elementar que tenha sido omitida na denúncia e
que, provada durante a instrução criminal, imponha nova definição jurídica ao fato.
3. Além do mais, falsificação de nota fiscal e sua não emissão, referidas nos incisos
III e V do art. 1º da Lei 8.137/90 não constituem, por si sós, crime contra a ordem
tributária, mas apenas condutas que podem levar à supressão ou redução de tributo,
núcleo do tipo descrito no caput do mesmo dispositivo legal. 4. Apelação provida
para, mantida a imputação feita na denúncia, julgá-la improcedente, eis que não
provadas a materialidade e a autoria da falsificação ou a ocorrência da sonegação
fiscal. (TRF-1 - ACR: 90916 AP 1998.01.00.090916-0, Relator: JUIZ OSMAR
TOGNOLO, Data de Julgamento: 29/03/2000, TERCEIRA TURMA, Data de
Publicação: 26/06/2000 DJ p.52)
(Disponível em: <www.jusbrasil.com.br/jurisprudencias> Acesso em: 16-07-2016).
Com relação à hipótese de ação penal de iniciativa privada, deve-se fazer a distinção
entre ação penal de iniciativa exclusivamente privada e ação penal subsidiária da
pública. Na primeira o legitimado ativo é somente o ofendido ou uma das pessoas
enumeradas no CPP, art. 31, já, na última, em virtude da inércia do Ministério
Público que é o legitimado ordinário, qualquer daquelas pessoas ou o ofendido
poderá apresentar queixa (CR, art. 5º, LIX; CPP, art. 29) como substituto processual
(2008, p. 125-126).
pública ou nas ações privadas subsidiárias, o juiz não pode avisar o querelante que surgiu
novas circunstâncias fáticas”.
Já o terceiro posicionamento, adotado por Benedito Garcia Pozzer (2001, p. 162-163)
e Tourinho Filho (2002, p. 257), defendem que “o juiz pode com base na analogia (CPP, art.
3º), provocar o aditamento”.
Sobre essas três correntes, aduz Fábio Capela:
Das três correntes apresentadas parece que a razão está com a segunda, uma vez que
na primeira há demasiado apego aos princípios da oportunidade e da
disponibilidade, no sentido de não admitir aditamento pelo querelante nas ações de
iniciativa exclusivamente privada. Acreditar que o elemento fático a ser
possivelmente aditado à queixa já teria sido objeto de ação penal é um erro, pois não
é possível renunciar a algo que nem mesmo se sabe de sua existência. Não se deve
presumir tanto o conhecimento do novo aspecto fático por parte do querelante como
a não ciência deste mesmo elemento, como faz, neste último caso, a terceira
corrente, porque há a possibilidade de o autor da ação de iniciativa privada já, em
razão do conhecimento deste, ter se posicionado pela sua não submissão ao
Judiciário. Contrariamente, o segundo posicionamento, não fazendo nenhuma
presunção, reconhece e garante tanto os princípios da oportunidade e disponibilidade
quanto o direito ao aditamento, ou seja, o querelante pode aditar a queixa acerca do
elemento fático descoberto, todavia do juiz não poderá ser cobrado o dever de
cientificá-lo. Outro condicionante é a decadência, pois para poder haver o
aditamento mister observar se esta já ocorreu, para isso imprescindível constatar
quando o querelante teve ciência deste novo aspecto fático, se há seis meses ou mais
a decadência torna-se de imperioso reconhecimento (CP, art. 130) (2008, p. 128).
Não se aplica a mutatio libelli em segunda instância, pois o réu tem que ter direito ao
duplo grau de jurisdição. Se houvesse o aditamento na segunda instância, o réu seria
condenado pelo tribunal, suprimindo seu direito ao duplo grau de jurisdição.
Em recurso exclusivo da defesa essa devolução para a aplicação da mutatio libelli não
pode ocorrer, pois prejudicaria o réu e infringiria o princípio da non reformatio in pejus.
Decidiu o TJ:
APELAÇÕES CRIMINAIS - FURTO QUALIFICADO - AUTORIA E
MATERIALIDADE DEMONSTRADAS RELATIVAMENTE A DELITO
DIVERSO - RECEPTAÇÃO - MUTATIO LIBELLI - ART. 384 DO CPP -
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA -
SÚMULA N.º 453 DO STF - ABSOLVIÇÃO IMPOSTA - RECURSOS
PROVIDOS. 1. Entendendo o Tribunal que a definição jurídica correta para o fato
criminoso é diversa daquela constante explícita ou implicitamente da denúncia, não
tendo havido aditamento ou inconformismo da acusação, impõe-se a absolvição dos
acusados, nos termos da Súmula n.º 453 do STF, porque inaplicável, em segunda
instância, o art. 384 do CPP. 2. Recursos providos. (TJ-MG - APR:
10145140024087001 MG, Relator: Eduardo Brum, Data de Julgamento:
09/03/2016, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação:
16/03/2016) Disponível em: <www.jusbrasil.com.br/jurisprudencias> Acesso em:
16-07-2016.
E por fim, temos a súmula do Supremo Tribunal Federal nº 160 “É nula a decisão do
Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados
os casos de recurso de ofício”.
50
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 5ª Ed. São Paulo: Método, 2012.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre Acusação e Sentença. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000.
_______. Correlação entre Acusação e Sentença. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013.
BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e Direito Processual Penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1996.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 21ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17ª Ed. São Paulo: Atlas, 2001.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12ª Ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
_______. Código de Processo Penal Comentado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.