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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS


Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Tópicos Especiais: Processos de Subjetivação e Esquizoanálise

Professora: Dra. Roberta Carvalho Romagnoli


Aluna: Bruna Coutinho Silva
Valor: 20 pontos

ESTUDO DIRIGIDO I

Texto: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 28 de novembro de 1947. Como criar para si
um corpo sem órgãos. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e
esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1996, v. 3, cap. 9, p. 9-29.

Nesse texto os autores examinam o conceito de Corpo sem Órgãos, termo retirado de Antonin
Artaud, como um conceito crítico à racionalidade. A partir dessa premissa responda as
questões abaixo, atentos às normas da ABNT.

1) O CsO oscila entre os estratos e o plano de consistência, entre os modelos e as forças.


Explique a afirmativa de que o CsO se opõe ao organismo e não aos órgãos.

O organismo é um modo de organização de órgãos, de estratificação do corpo, que


circunscreve seus limites de possibilidades. O organismo, portanto, restringe, territorializa,
sedimenta pela forma que assume. Assim colocam Deleuze e Guattari (1996, p. 21): “O
organismo não é o corpo, o CsO, mas um estrato sobre o CsO, quer dizer um fenômeno de
acumulação, de coagulação, de sedimentação que lhe impõe formas, funções, ligações,
organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas para extrair um
trabalho útil”.
Daí que os estratos sedimentados em uma certa organização dos órgãos que se trata do
que o CsO quer atravessar para romper, desarrumar, rearranjar, não com os órgãos em si. A
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ideia de CsO como experimentação, nesse sentido, sustenta a abertura, a saída da forma
organizada no organismo para que seja possível a circulação das forças do fora; a saída do si-
mesmo organizado, interno, para a vinculação com o externo, com o que lhe escapa. Os
próprios órgãos experimentando outros estados que não os previstos no bojo de sua
programação, função e ordem hierarquizada no organismo. “O órgão muda transpondo um
limiar, mudando de gradiente” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 14).
O CsO procura a sustentação de outros modos de expressão de si, inclusive, outras
maneiras de uso dos órgãos: sinestesia e experiência inesperada – porque não ver com o
nariz? Sentir com os olhos? Tatear com os ouvidos? Esse tipo de rearranjo,
desterritorialização, que o CsO busca fazer passar. Produção, velocidades, intensidades: é o
que circula no CsO, que busca a ruptura dos estratos, engastados uns nos outros, mas que não
cessam de ser feitos, e desfeitos, por esse movimento de produção e captura incessante e
imanente.

2) A experimentação do CsO tem riscos. Quais são esses riscos e qual prudência é
necessária?

Os exemplos levantados pelos autores – o corpo catatônico e esfacelado do


esquizofrênico, o corpo dolorido e costurado do masoquista, o corpo atacado, invadido do
paranoico – revelam não apenas a faceta do CsO como experimentação, modo de criação
singular de uma experimentação, mas também sua dimensão destruidora. O caos da
desestratificação por si mesmo é antiprodutivo, por não conseguir fazer passar as
intensidades, bloqueando-as ou mantendo-as sem um sentido mínimo que permita ainda
alguma identificação e, portanto, alguma sustentação de si na realidade. Como colocam
Deleuze e Guattari (1996, p. 23-24):

O pior não é permanecer estratificado – organizado, significado, sujeitado – mas


precipitar os estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós,
mais pesados do que nunca. Eis então o que seria necessário fazer: instalar-se sobre
um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar aí um lugar
favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga possíveis,
vivenciá-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmento por
segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma
nova terra. É seguindo uma relação meticulosa com os estratos que se consegue
liberar as linhas de fuga, fazer passar e fugir os fluxos conjugados, desprender
intensidades contínuas para um CsO.
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Não é um raciocínio maniqueísta, já que a desestratificação pode ser aterradora, violenta, e já


que a organização se desfeita abre precedentes para o nada, o caos pelo caos. O CsO
efetivamente construído, portanto, possibilita a circulação entre os estratos e as forças do fora,
conseguindo fazer oscilar, vibrar, sem sucumbir.
A questão não é absolutamente a de se desfazer e desprezar os estratos, mas de não
tomá-los como dominantes, passar por eles, usar quando necessário, e ter a disponibilidade da
abertura para as intensidades; ser o que consegue deixar passar as forças sem se desintegrar.
Sustentar intensidades e estratos para fazer existir. “É somente aí que o CsO se revela pelo
que ele é, conexão de desejos, conjunção de fluxos, continuum de intensidades. Você terá
construído sua pequena máquina privada, pronta, segundo as circunstâncias, para ramificar-se
em outras máquinas coletivas” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 24). Estabelecer fluxos,
mesmo se há imobilidade; reconhecer, mesmo sendo capaz de continuar mudando; não se
identificar com a identidade, mas não perdê-la.

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