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CONSTITUIÇÃO E POLÍTICA: UMA RELAÇÃO DIFÍCIL A POLÍTICA EXCLUÍDA DA CONSTITUIÇÃO

No decorrer do séc. XIX foi desenvolvida a questão do primado da A Teoria da Constituição Dirigente minimiza o Estado e a
Constituição como norma fundamental do Estado, que garante os direitos e política, ou seja, reduz a importância da Teoria do Estado e da política
liberdades individuais dos indivíduos. Até então, a Constituição era entendida, consolidando o papel da Constituição como centro do direito público.
conforme proposto por George Jellinek, com a idéia de princípios jurídicos
Busca-se uma legitimidade meramente processual, o problema é
que definem os órgãos supremos do Estado, sua criação e o âmbito de sua a ausência cada vez maior do elemento democrático como justificador da
atuação, ou seja, a política fora da constituição. legitimidade.

Em 1919, a Constituição alemã de Weimar vai tentar conciliar o Para John Hart a Constituição não garante direitos substantivos,
constitucionalismo com a democracia. Na vigência desta Carta que surge o mas impede que a maioria não tenha seus direitos ameaçados, nem ameace
confronto entre as concepções neohegelianas e neokantianas de Estado e os da maioria. Para tanto, a Constituição não contém uma ideologia de
Constituição, assim como a Teoria do Constituição de Hans Kelsen, que governo, simplesmente garante o processo governamental.
destaca a Constituição estatal como norma fundamental, que não é posta,
Para Lhuman, parte das concepções das teorias processuais da
mas pressuposta.
Constituição estão ligadas à idéia de legitimação pelo procedimento. È uma
legitimidade institucional, não proveniente de derivações valorativas.
Em 1928, Carl Schmitt, busca, com a sua Teoria da Constituição,
Para as teorias processuais, a Constituição deve ser entendida
superar a divisão gerada pelo positivismo normativista, entre Teoria Geral do apenas como uma norma jurídica superior.
Estado, Direito Constitucional e Política, reabilitando o político na análise dos
temas da teoria constitucional. No mesmo ano, Rudolf Smend, em sua Para Estévez Araujo a teoria procedimental da Constituição não
Constituição e Direito Constitucional, apresenta a “Teoria da Integração”, em tem qualquer preocupação com a legitimidade democrática, satisfazendo-se
que a Constituição é a ordenação jurídica da dinâmica vital na qual se com o mero cumprimento dos procedimentos previstos.
desenvolve a vida do Estado.
A desjuridificação assim como a descontitucionalização não
Segundo Maurizio Fioravanti, as Constituições do século XX, ampliariam o espaço da cidadania, pois, enquanto a constituição não é
concretizada, não há nem um espaço de cidadania.
especialmente após a Segunda Guerra Mundial, assumem conteúdo político,
abrangendo toda a sociedade, não só o Estado. Surge a Teoria Material da Para Garcia Enterría a Constituição só pode ser entendida como
Constituição, ligada ao predomínio das Constituições sociais (ou norma. Compreendê-la também como uma estrutura política seria
programáticas) do pós-guerra, que permite compreender o Estado anticientífico.
Constitucional Democrático, que leva em consideração os fins, princípios Para Eloy Garcia a doutrina constitucional conseguiu criar todo
políticos e ideologia que conformam a Constituição, a realidade social da qual um aparato técnico no domínio do estritamente jurídico, ao custo de renunciar
aos componentes políticos.
faz parte e sua pretensão de transformação.
A questão da normatividade da Constituição tornou-se crucial
Surge a “Teoria da Constituição Dirigente”, de Canotilho, que
para a Teoria da Constituição, tendo em vista o papel cada vez mais
procura estabelecer uma vinculação jurídica para os atos políticos na destacado dos novos tribunais constitucionais. A soberania desses tribunais
Constituição. Para ele, essa concepção está ligada à defesa da mudança da sobre os demais poderes caracteriza-se pelo fato dos mesmos pretenderem
realidade pelo direito.
ser o “cume da soberania”, transformando-se em um substituto de poder
constituinte soberano.

A questão fundamental é a da substituição do Poder Legislativo,


eleito pelo povo, pelo governo dos juízes constitucionais.

A NECESSIDADE DA POLÍTICA PARA A CONSTITUIÇÃO

A Constituição não pode ser entendida como entidade normativa


independente e autônoma, sem história e temporalidade próprias. Sem
entender o Estado, não há como entender a Constituição, o que desqualifica
a constante hostilidade da Teoria da Constituição contra o Estado.

O poder constituinte refere-se ao povo real, não ao idealismo


jusnaturalista ou à norma fundamental pressuposta, pois diz respeito à força
e autoridade do povo para estabelecer a Constituição com pretensão
normativa, mantendo-a ou revogando. O poder constituinte não se limita a
estabelecer a Constituição, mas tem existência permanente, pois dele deriva
a própria força normativa da Constituição.

A democracia e a soberania popular pressupõem a titularidade


do poder do Estado, cuja legitimação e decisão surgem do povo. A
legitimidade da Constituição está vinculada ao povo e o povo é uma realidade
concreta. Dessa forma, a democracia não pode também ser entendida
apenas como técnica de representação e de legislação, como mera técnica
jurídica

Não se pode, portanto, entender a Constituição fora da realidade


política, com categorias exclusivamente jurídicas. A Constituição não é
exclusivamente normativa, mas também política; as questões constitucionais
são também questões políticas. A política deve ser levada em consideração
para a própria manutenção dos fundamentos constitucionais.

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