Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Docente da Divisão de Cirurgia Pediátrica, 2Docente da Divisão de Cirurgia Vascular e Endovascular. Departamento de Cirurgia e
Anatomia da FMRP-USP.
Correspondência: Maria de Fátima G S Tazima. Divisão de Cirurgia Pediátrica, Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP.
Av. Bandeirantes, 3900. CEP: 14048-900 - Ribeirão Preto /SP. (email: mftazima@terra.com.br)
Tazima MFGS, Vicente YAMV de A, Moriya T. Biologia da ferida e cicatrização. Medicina (Ribeirão Preto) 2008;
41 (3): 255-60.
O reparo de feridas, uma solução de continui- selando as bordas da ferida, ainda sem valor mecâni-
dade dos tecidos, decorrente da lesão por agentes me- co, mas facilitando as trocas. O coágulo formado es-
cânicos, térmicos, químicos e bacterianos, é o esforço tabelece uma barreira impermeabilizante que protege
dos tecidos para restaurar a função e estruturas normais. da contaminação. Com a lesão tecidual, há liberação
O conhecimento dos complexos eventos fisio- local de histamina, serotonina e bradicinina que cau-
lógicos da cicatrização de feridas é de grande impor- sam vasodilatação e aumento de fluxo sanguíneo no
tância para o cirurgião. local e, conseqüentemente, sinais inflamatórios como
A regeneração é a restauração perfeita da ar- calor e rubor. A permeabilidade capilar aumenta cau-
quitetura do tecido pré-existente, na ausência de for- sando extravasamento de líquidos para o espaço ex-
mação de cicatriz, e embora seja o tipo ideal no uni- tracelular, e conseqüente edema.
verso de cicatrização de feridas, ela só é observada A resposta inflamatória, que perdura cerca de
no desenvolvimento embrionário, organismos inferio- três dias,e na qual ocorre a migração seqüencial das
res ou em determinados tecidos como ossos e fígado. células para a ferida é facilitada por mediadores bio-
Na cicatrização de feridas a acurácia da regeneração químicos que aumentam a permeabilidade vascular, fa-
é trocada pela velocidade de reparo. vorecendo a exsudação plasmática e a passagem de
A reparação de feridas passa pelas seguintes elementos celulares para a área da ferida. Os media-
etapas básicas: fase inflamatória, fase proliferativa (que dores bioquímicos de ação curta são a histamina e sero-
incluem reepitelização, síntese da matriz e neovascu- tonina e as mais duradouras são a leucotaxina, bradici-
larização) e fase de maturação. nina e prostaglandina. A prostaglandina é um dos me-
diadores mais importantes no processo de cicatriza-
1- FASE INFLAMATÓRIA ção, pois além de favorecer a exsudação vascular, es-
timula a mitose celular e a quimiotaxia de leucócitos.
Inicia-se no exato momento da lesão. O san- Os primeiros elementos celulares a alcançar o
gramento traz consigo plaquetas, hemácias e fibrina, local da ferida são os neutrófilos e os monócitos, com
255
Biologia da ferida e cicatrização Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 255-60.
Tazima MFGS, Vicente YAMV de A, Moriya T http://www.fmrp.usp.br/revista
256
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 255-60. Biologia da ferida e cicatrização
http://www.fmrp.usp.br/revista Tazima MFGS, Vicente YAMV de A, Moriya T
declina por volta de quatro semanas e se equilibra com palmente nas abertas. Porém, se ocorre de forma exa-
a taxa de destruição e, então, se inicia a fase de gerada e desordenada causa defeitos cicatriciais im-
maturação do colágeno que continua por meses, ou portantes por causa da diferenciação dos fibroblas-
mesmo anos. tos em miofibroblastos, estimulados por fatores de
crescimento.
2.3- Epitelização
3.2- Remodelação
Nas primeiras 24 a 36 horas após a lesão, fato-
res de crescimento epidérmicos estimulam a prolife- A maturação da ferida tem início durante a 3ª
ração de células do epitélio. Na pele os ceratinócitos semana e caracteriza-se por um aumento da resistên-
são capazes de sintetizar diversas citocinas que esti- cia, sem aumento na quantidade de colágeno. Há um
mulam a cicatrização das feridas cutâneas. equilíbrio de produção e destruição das fibras de
As células epiteliais migram, a partir das bor- colágeno neste período, por ação da colagenase. O
das, sobre a área cruenta, da ferida e dos folículos desequilíbrio desta relação favorece o aparecimento
pilosos próximos, induzindo a contração e a neo- de cicatrizes hipertróficas e quelóides. O aumento da
epitelização da ferida e, assim, reduzindo a sua super- resistência deve-se à remodelagem das fibras de
fície. Os ceratinócitos, localizados na camada basal colágeno, com aumento das ligações transversas e
da epiderme residual ou na profundidade de apêndi- melhor alinhamento do colágeno, ao longo das linhas
ces dérmicos, revestidos de epitélio, migram para de tensão. A fase de maturação dura toda a vida da
recobrir a ferida. As células epiteliais movem-se, aos ferida, embora o aumento da força tênsil se estabilize,
saltos e desordenadamente, até as bordas, aproximan- após um ano, em 70 a 80% da pele intacta. A inclina-
do-as. A epitelização envolve uma seqüência de alte- ção da curva de maturação é mais aguda durante as
rações nos ceratinócitos da ferida: separação, migra- primeiras seis a oito semanas.
ção, proliferação, diferenciação e estratificação.
3.3- Tipos de cicatrização de feridas
2.4- Matriz Extracelular
Existem três formas pelas quais uma ferida
A matriz extracelular, também conhecida como pode cicatrizar, que dependem da quantidade de teci-
substância fundamental, substitui rapidamente o coá- do lesado ou danificado e da presença ou não de in-
gulo depositado no leito da ferida logo após o trauma. fecção: primeira intenção, segunda intenção e tercei-
A principal função da matriz é a restauração da conti- ra intenção (fechamento primário retardado).
nuidade do tecido lesado, funcionando como um arca-
bouço para a migração celular. Os fibroblastos são as • Primeira intenção: é o tipo de cicatrização que ocorre
maiores fontes de proteínas da matriz, onde irão orde- quando as bordas são apostas ou aproximadas, ha-
nar os feixes de colágeno produzidos, também, pelos vendo perda mínima de tecido, ausência de infec-
próprios fibroblastos, além de ser arcabouço para os ção e mínimo edema. A formação de tecido de gra-
vasos neoformados. É constituída de várias proteínas, nulação não é visível. Exemplo: ferimento suturado
como fibrina e colágeno, proteoglicanos (ácido hia- cirurgicamente (Figura 2).
lurônico e condroítina), glicoproteínas (fibronectina e
• Segunda intenção: neste tipo de cicatrização ocorre
laminina), água e eletrólitos.
perda excessiva de tecido com a presença ou não
de infecção. A aproximação primária das bordas
3- FASE DE MATURAÇÃO não é possível. As feridas são deixadas abertas e
se fecharão por meio de contração e epitelização.
3.1- Contração da ferida
• Terceira intenção: designa a aproximação das mar-
A ferida sofre um processo de contração, por gens da ferida (pele e subcutâneo) após o trata-
meio de um movimento centrípeto de toda a espessu- mento aberto inicial. Isto ocorre principalmente quan-
ra da pele circundante, reduzindo a quantidade e o do há presença de infecção na ferida, que deve ser
tamanho da cicatriz desordenada. Este processo é um tratada primeiramente, para então ser suturada pos-
importante aliado da cicatrização das feridas, princi- teriormente.
257
Biologia da ferida e cicatrização Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 255-60.
Tazima MFGS, Vicente YAMV de A, Moriya T http://www.fmrp.usp.br/revista
• Limpa-contaminadas: são
os ferimentos que apresentam
contaminação grosseira, em
acidente doméstico por exem-
plo ou em situações cirúrgicas
em que houve contato com os
tratos respiratório, digestivo,
urinário e genital, porém em
situações controladas. O risco
de infecção é cerca de 10%.
• Contaminadas: são consi-
deradas contaminadas as fe-
ridas acidentais, com mais de
seis horas de trauma ou que
tiveram contato com terra e
Figura 2: Representação esquemática da cicatrização por primiera e por segunda intenção. fezes, por exemplo. No ambi-
ente cirúrgico são considera-
das contaminadas as em que
3.4- Classificação das feridas a técnica asséptica não foi devidamente respeita-
da. Os níveis de infecção podem atingir 20 a 30%
As feridas podem ser classificadas de três for- (cirurgia dos cólons).
mas diferentes de acordo com o agente causal, o grau • Infectadas: são aquelas que apresentam sinais ní-
de contaminação e o comprometimento tecidual. tidos de infecção.
3.4.1- Agente causal 3.4.3- Comprometimento tecidual
• Incisas ou cirúrgicas: são produzidas por um ins- • Estágio I: comprometimento da epiderme apenas,
trumento cortante. As feridas limpas são geralmente sem perda tecidual.
fechadas por suturas. Agentes: faca, bisturi, lâmi- • Estágio II: ocorre perda tecidual e comprometi-
na, etc. mento da epiderme, derme ou ambas.
• Contusas: são produzidas por objeto rombo e ca- • Estágio III: há comprometimento total da pele e
racterizadas por traumatismo das partes moles, he- necrose de tecido subcutâneo, entretanto não atin-
morragia e edema. ge a fáscia muscular.
• Lacerantes: São ferimentos com margens irregu- • Estágio IV: há extensa destruição de tecido, che-
lares e com mais de um ângulo. O mecanismo da gando a ocorrer lesão óssea ou muscular ou necrose
lesão é por tração: rasgo ou arrancamento tecidual. tissular.
Um exemplo clássico é a mordedura de cão.
• Perfurantes: são caracterizadas por pequenas 3.5- Fatores que interferem na cicatrização
aberturas na pele. Há um predomínio da profundi- Vários fatores locais e gerais podem interferir
dade sobre o comprimento. Exemplos: bala ou pon- em maior ou menor grau no processo de cicatrização,
ta de faca. entretanto em muitos deles o cirurgião pode interferir
para otimizar o resultado final.
3.4.2- Grau de contaminação
As feridas podem ser limpas, limpa-contamina- 3.5.1- Fatores locais
das, contaminadas e infectadas. Os fatores locais são relacionados às condições
da ferida e como ela é tratada cirurgicamente (técni-
• Limpas: são as que não apresentam sinais de in- ca cirúrgica).
fecção e em que não são atingidos os tratos respi-
ratório, digestivo, genital ou urinário. Probabilidade • Vascularização das bordas da ferida: A boa irri-
de infecção é baixa, em torno de 1 a 5 %. Exemplo: gação das bordas da ferida é essencial para a cica-
feridas produzidas em ambiente cirúrgico. trização, pois permite aporte adequado de nutientes
258
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 255-60. Biologia da ferida e cicatrização
http://www.fmrp.usp.br/revista Tazima MFGS, Vicente YAMV de A, Moriya T
259
Biologia da ferida e cicatrização Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 255-60.
Tazima MFGS, Vicente YAMV de A, Moriya T http://www.fmrp.usp.br/revista
Tazima MFGS, Vicente YAMV de A, Moriya T. Wound biology and healing. Medicina (Ribeirão Preto) 2008;
41 (3): 255-60.
ABSTRACT: A profound knowledge about the complex physiological processes underlying the
cicatrization of wounds is crucial for any surgeon. Here, the following stages of wound regeneration
are emphasized: inflammation, proliferation, and maturation.
260