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Feminismo é para todxs:

Política apaixonada.
bell hooks

Introdução
Chegue mais perto do feminismo
A todo lugar que eu vou, conto com orgulho às pessoas que querem saber quem
eu sou e o que eu faço que eu sou uma escritora, uma teórica feminista, uma crítica
cultural. Eu conto a essas pessoas que eu escrevo sobre filmes e cultura popular,
analisando a mensagem nos meios de comunicação. A maior parte das pessoas acha isso
interessante e quer saber mais. Todo mundo vai ao cinema, assiste a televisão, folheia
revistas, e todo mundo tem pensamentos sobre as mensagens que recebem, sobre as
imagens que veem. É fácil para o público diversificado que eu encontro entender o que
eu faço como crítica cultural, entender minha paixão por escrever (muitas pessoas
querem escrever, e muitas o fazem). A teoria feminista, porém – é aí que as questões
cessam. Em vez disso, eu tendo a ouvir tudo sobre o mal do feminismo e as feministas
más: como “elas” odeiam homens; como “elas” querem ir contra a natureza e contra
deus; como “elas” são todas lésbicas; como “elas” estão tomando todos os postos de
emprego e tornando o mundo difícil para os homens brancos, que não tem a mínima
chance.
Quando eu pergunto a essas mesmas pessoas sobre os livros ou as revistas
feministas que elas leram, quando eu as pergunto sobre conferências feministas a que
elas assistiram, sobre as ativistas feministas que elas conhecem, elas respondem me
informando que tudo o que sabem sobre feminismo chegou a suas vidas de segunda
mão, que elas não chegaram perto o suficiente do movimento feminista para saber o que
de fato acontece, sobre o que é exatamente. A maior parte dessas pessoas pensa que
feminismo é um monte de mulheres raivosas que querem ser como os homens. Nem
pensam sobre o feminismo como sendo sobre direitos – sobre mulheres obtendo direitos
iguais. Quando eu falo sobre o feminismo que eu conheço – bem próximo e pessoal –
essas pessoas escutam prontamente, todavia, quando nossas conversas acabam,
rapidamente elas me dizem que eu sou diferente, não como as feministas “de verdade”
que odeiam homens, que são raivosas. Eu as asseguro que eu sou uma feminista tão real
e tão radical quanto se pode ser, e se elas ousarem chegar mais perto do feminismo,
verão que não é como haviam imaginado.
Cada vez que eu saio de um desses encontros, eu quero ter na minha mão um
pequeno livro para que eu possa dizer: “leia esse livro, e ele vai te dizer o que é
feminismo, sobre o que o movimento é”. Eu quero estar segurando na minha mão um
livro conciso, razoavelmente fácil de ler e de entender; não um livro longo, não um livro
grosso com jargão difícil de entender e linguagem acadêmica, mas um livro direto e
claro – fácil de ler sem ser simplista. Desde o momento em que o pensamento, a política
e a prática feministas mudaram minha vida, eu venho querendo esse livro. Eu venho
querendo dá-lo às pessoas que amo para que elas possam entender melhor essa causa,
essa política feminista em que eu acredito tão profundamente, que é o fundamento da
minha vida política.
Eu venho querendo que as pessoas tenham uma resposta para a questão “o que é
feminismo?” que não esteja fundada nem no medo, nem na fantasia. Eu venho querendo
que elas tenham essa definição que seja simples de ler de novo e de novo para que
saibam: “Feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, a exploração sexista,
e a opressão”. Eu amo essa definição, que primeiro ofereci há mais de dez anos no meu
livro Feminist Theory: From Margin to Center (Teoria Feminista: Da Margem para o
Centro). E eu amo essa definição porque ela diz tão claramente que o movimento não é
sobre ser anti-homem. Deixa claro que o problema é o sexismo. E essa clareza nos ajuda
a lembrar que todxs nós, homens e mulheres, fomos socializadxs desde o nascimento
para aceitar o pensamento e a ação sexistas. Como conseqüência, mulheres podem ser
tão sexistas quanto homens. E ao passo que isso não desculpa ou justifica a dominação
masculina, significa, sim, que seria ingênuo e errôneo que pensadoras feministas vissem
o movimento como sendo simplesmente mulheres contra homens. Para acabar com o
patriarcado (outra maneira de falar sobre o sexismo institucionalizado), nós precisamos
ter claro que somos todxs participantes na perpetuação do sexismo até que mudemos
nossas mentes e nossos corações, até que abandonemos o pensamento e a ação sexistas
e ponhamos no lugar pensamento e ação feministas.
Homens, como um grupo, são os que mais tem se beneficiado e ainda se
beneficiam do patriarcado, a partir da suposição de que eles seriam superiores às
mulheres e deveriam nos dominar. Todavia esses benefícios vieram com um preço. Em
contrapartida de todas essas vantagens que os homens recebem do patriarcado, eles
devem dominar as mulheres, nos explorar e nos oprimir, usando violência, se preciso,
para manter o patriarcado intacto. A maior parte dos homens encontra dificuldades em
ser patriarca. A maior parte dos homens é perturbada pelo ódio e medo sobre as
mulheres, pela violência masculina contra as mulheres, mesmo os homens que
perpetuam essa violência. Mas eles temem abrir mão dos benefícios. Eles não estão
certos do que acontecerá com o mundo que conhecem intimamente se o patriarcado
mudar. Então eles consideram mais fácil apoiar passivamente a dominação masculina
mesmo quando sabem em suas mentes e corações que isso é errado. Repetidas vezes
homens me contam que eles não tem ideia do que é que as feministas querem. Eu
acredito neles. Eu acredito na capacidade que eles tem de mudar e crescer. E eu acredito
que se eles soubessem mais sobre feminismo, não mais o temeriam, porque
encontrariam no movimento feminista a esperança de sua própria libertação da ligação
com o patriarcado.
É para esses homens, jovens e velhos, e para todxs nós, que eu escrevi esse
pequeno livro de bolso, o livro que eu fiquei esperando por mais de vinte anos. Eu tive
que escrevê-lo, porque eu continuava esperando que ele aparecesse, mas nunca
apareceu. E sem ele não havia maneira de discutir com as hordas de pessoas dessa nação
que são diariamente bombardeadas com reação negativa1 anti-feminista, que estão
sendo orientadas a odiar e resistir a um movimento sobre o qual conhecem muito pouco.
Deveria haver tantas pequenas cartilhas feministas, panfletos e livros fáceis de ler,
contando-nos tudo sobre feminismo, que esse livro seria só mais uma voz apaixonada
falando abertamente a respeito de política feminista. Deveria haver outdoors;
propagandas em revistas; propagandas em ônibus, metrôs, trens; comerciais de televisão
espalhando a palavra, deixando o mundo saber mais sobre feminismo. Ainda não
estamos lá. Mas isso é o que nós devemos fazer para compartilhar o feminismo, para
fazer com que o movimento entre nas mentes e nos corações de todas as pessoas. A
mudança feminista já tocou todas as nossas vidas de um modo positivo. E ainda assim
nós perdemos de vista o que foi positivo quando tudo o que ouvimos sobre feminismo é
negativo.

1
A autora usa “backlash”. O backlash anti-feminista foi (e ainda é) uma reação extremamente negativa e
condenatória em relação ao feminismo, que ocorreu depois que o movimento alcançou certa
popularidade nos anos 70 nos Estados Unidos.
Quando eu comecei a resistir à dominação masculina, a me rebelar contra o
pensamento patriarcal (e a me opor à voz patriarcal mais forte na minha vida – a voz de
minha mãe), eu ainda era uma adolescente, suicida, depressiva, incerta sobre como eu
encontraria significado para a minha vida e um lugar para eu mesma. Eu precisei do
feminismo para ter um fundamento de igualdade e de justiça no qual me apoiar. Mamãe
se aproximou do pensamento feminista. Ele vê a mim e a todas suas filhas (nós somos
seis) vivendo melhor por causa da política feminista. Ela vê a promessa e a esperança no
movimento feminista. É essa promessa e essa esperança que eu quero dividir com vocês
nesse livro, com todo mundo.
Imagine viver num mundo onde não há dominação, onde mulheres e homens não
são a mesma coisa ou nem sempre iguais, mas onde uma visão de mutualidade é o
ethos2 moldando nossa interação. Imagine viver num mundo onde nós todxs podemos
ser quem somos, um mundo de paz e possibilidade. A revolução feminista sozinha não
vai criar tal mundo; nós precisamos acabar com o racismo, o elitismo de classe, o
imperialismo. Mas fará com que seja possível que sejamos mulheres e homens
totalmente autorrealizadxs, aptxs a criar uma comunidade amorosa, a viver juntxs,
concretizando nossos sonhos de liberdade e justiça, vivendo a verdade de que somos
todxs “criadxs iguais”. Chegue mais perto. Veja como o feminismo pode tocar e mudar
sua vida e todas as nossas vidas. Chegue mais perto e saiba de primeira mão o que o
movimento feminista é realmente. Chegue mais perto e você vai ver: feminismo é para
todxs.

2
Ethos tem a ver com crenças, com uma forma de compreender e encarar o mundo.

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