Você está na página 1de 177

Universidades Lusíada

Soares, Victor Manuel Lopes, 1964-


A requalificação arquitetónica de edifícios
históricos e a sua conversão em equipamento
coletivo-hotel cultural : o Convento da Cartuxa
como caso de estudo
http://hdl.handle.net/11067/2472

Metadados
Data de Publicação 2016-06-16
Resumo As cidades na sua funcionalidade estão sujeitas a diferentes ações, e
dependem da sua capacidade de resistir ao tempo. São por isso reflexo
dos seus processos de vida. Por isso podemos afirmar que elas crescem,
desenvolvem-se e consequentemente degradam-se, mas também
recuperam das agressões de que são alvo, reabilitam-se e funcionam
consoante as solicitações por parte dos seus utilizadores. Toda e qualquer
cidade têm carácter e identidade, e, geram uma relação emocional com os
seus utilizadores...
Palavras Chave Edifícios históricos - Conservação e restauro, Edifícios - Reforma para
outro uso, Convento da Cartuxa (Évora, Portugal), Évora (Portugal) -
Edifícios, estruturas, etc.
Tipo masterThesis
Revisão de Pares Não
Coleções [ULL-FAA] Dissertações

Esta página foi gerada automaticamente em 2020-05-28T07:58:56Z com


informação proveniente do Repositório

http://repositorio.ulusiada.pt
UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA
Faculdade de Arquitetura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitetura

A requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua


conversão em equipamento coletivo-hotel cultural:
o Convento da Cartuxa como caso de estudo

Realizado por:
Victor Manuel Lopes Soares
Orientado por:
Prof. Doutor Arqt. Luís Manuel Pires Pereira

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Horácio Manuel Pereira Bonifácio


Orientador: Prof. Doutor Arqt. Luís Manuel Pires Pereira
Arguente: Prof. Doutor Arqt. Orlando Pedro Herculano Seixas de Azevedo

Dissertação aprovada em: 8 de Junho de 2016

Lisboa

2015
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A

Faculdade de Arquitetura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitetura

A requalificação arquitetónica de edifícios históricos


e a sua conversão em equipamento coletivo-hotel
cultural: o Convento da Cartuxa como caso de
estudo

Victor Manuel Lopes Soares

Lisboa

Novembro 2015
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A

Faculdade de Arquitetura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitetura

A requalificação arquitetónica de edifícios históricos


e a sua conversão em equipamento coletivo-hotel
cultural: o Convento da Cartuxa como caso de
estudo

Victor Manuel Lopes Soares

Lisboa

Novembro 2015
Victor Manuel Lopes Soares

A requalificação arquitetónica de edifícios históricos


e a sua conversão em equipamento coletivo-hotel
cultural: o Convento da Cartuxa como caso de
estudo

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e


Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a
obtenção do grau de Mestre em Arquitetura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Luís Manuel Pires Pereira

Lisboa

Novembro 2015
Ficha Técnica
Autor Victor Manuel Lopes Soares
Orientador Prof. Doutor Arqt. Luís Manuel Pires Pereira
Título A requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão
em equipamento coletivo-hotel cultural: o Convento da Cartuxa como
caso de estudo
Local Lisboa
Ano 2015

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

SOARES, Victor Manuel Lopes, 1964-

A requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo-hotel


cultural : o Convento da Cartuxa como caso de estudo / Victor Manuel Lopes Soares ; orientado por
Luís Manuel Pires Pereira. - Lisboa : [s.n.], 2015. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura,
Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I – PEREIRA, Luís Manuel Pires, 1958-

LCSH
1. Edifícios históricos - Conservação e restauro
2. Edifícios - Reforma para outro uso
3. Convento da Cartuxa (Évora, Portugal)
4. Évora (Portugal) - Edifícios, estruturas, etc.
5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitetura e Artes - Teses
6. Teses - Portugal - Lisboa

1. Historic buildings - Conservation and restoration


2. Buildings - Remodeling for other use
3. Convento da Cartuxa (Évora, Portugal)
4. Évora (Portugal) - Buildings, structures, etc.
5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitetura e Artes - Dissertations
6. Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC
1. NA109.P8 S63 2015
Obrigado a todos que de alguma forma,
tornaram possível este meu sonho.
AGRADECIMENTOS

“Existem pessoas que marcam a nossa vida para sempre, por alguma razão, por razão
nenhuma ou por algum propósito” Obrigado a todas elas.

Ao meu orientador, Prof. Doutor Arquiteto, Luis Manuel Pires Pereira, obrigado pelo
apoio e força que me incutiu, por forma a fechar este ciclo. Obrigado por ter percebido,
o meu interesse por esta área e me ter ajudado na escolha do tema.

Aos meus Pais, pelo apoio incondicional a todos os níveis e na confiança que sempre
depositaram em mim.

Às minhas filhas Filipa e Catarina, por as ter privado de alguns momentos que deveria
estar mais presente.

Aos meus amigos Carolina e Jorge, pela presença constante e apoio incansável, nos
bons e maus momentos do meu percurso académico.

Aos colegas de curso, agradeço a solidariedade demonstrada, em momentos por tão


difíceis e à partilha de conhecimentos que foi tão importante. Assim como à amizade
patente nos longos anos de curso.

Obrigado ao Prof. Doutor Arquiteto Pedro Boléu.


APRESENTAÇÃO

A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão


em equipamento coletivo- Hotel Cultural: O convento da Cartuxa como
caso de estudo.

Victor Manuel Lopes Soares

As cidades na sua funcionalidade estão sujeitas a diferentes ações, e dependem da


sua capacidade de resistir ao tempo. São por isso reflexo dos seus processos de vida.
Por isso podemos afirmar que elas crescem, desenvolvem-se e consequentemente
degradam-se, mas também recuperam das agressões de que são alvo, reabilitam-se e
funcionam consoante as solicitações por parte dos seus utilizadores. Toda e qualquer
cidade têm carácter e identidade, e, geram uma relação emocional com os seus
utilizadores. Assim todos os intervenientes e produtores de cidade devem perceber a
melhor forma de intervir no seu espaço. Todos somos agentes na forma de conhecer a
cidade e portanto temos a nossa função.

Devido às condições atuais e tendo em conta como as cidades se apresentam é


urgente que, no quadro atual, exista a preocupação de reabilitar as cidades, atuando
no seu espaço e nos seus edifícios, dotando-os de qualidade e função e corrigindo
equívocos sofridos pelas diversas ações de que foram alvo ao longo da sua vida, mas
com a premissa de não lhes retirar os dois valores que a simbolizam: alma e
identidade. O arquiteto pela sua qualificação surge como protagonista, tendo em conta
a sua formação.

O processo de reabilitação e reconversão, que se pretende estudar, faz-se como uma


abordagem integrada, procurando alcançar a adequabilidade reconvertendo uma área
e um edifício de eleição. Para tal foi necessário uma análise séria de todos os dados
sobre as características da situação existente e a proposta resultante tem como
consequência a preocupação como o passado e futuro.

Palavras-chave: Cidades, Equipamento, Reabilitação.


PRESENTATION

The architectural rehabilitation of historic buildings and their conversion


into equipment collective- Cultural Hotel: The monastery of the
Charterhouse as a case study

Victor Manuel Lopes Soares

The cities in their functionality are subject to different actions and depend on its ability
to withstand the weather. They are therefore a reflection of their life processes. So we
can say that they grow, they develop and consequently degrade, but also recover from
attacks that are targeted if rehabilitate and operate according to the requests from its
users. Any city have character and identity, and create an emotional relationship with
its users. So all stakeholders and town producers should realize the best way to
intervene in their space. We are all actors in order to know the city and so we have our
function.

Due to current conditions and taking into account how cities present is urgent that in
the current context, there is the concern to rehabilitate the cities, working in their space
and in its buildings, providing them with quality and function and correcting suffered
misunderstandings by several actions that have suffered throughout his life, but with
the premise of not them remove the two values that symbolize: soul and identity. The
architect for their qualification emerges as the protagonist, taking into account their
training.

The process of rehabilitation and retraining, to be studied, is made as an integrated


approach, trying to reach the adequacy reconverting an area and a favorite building.
This is why we need a serious examination of all the data on the characteristics of the
situation and the resulting proposal has the effect of concern as the past and future.

Keywords: Cities, Equipment and Rehabilitation.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Planta do Conjunto (Arquivo Torre do Tombo) ………..………………… 40


Ilustração 2 - Edificações desde o período romano ao séc. X, de acordo com os
trabalhos arqueológicos (Portugal, 2013) (Arquivo Torre do Tombo) ……………....… 41

Ilustração 3 - Pousada de Santa marinha da Costa- Implantação Final (1985)


(Arquivo Torre do Tombo ) …………………………………………………..................… 42
Ilustração 4 - Projecto de arquitetura: Alterações da Plantas P1 - Sector 1-1.1 do
convento e Sector 1.2 de Anexo (Arquivo Torre do Tombo) ………………………..…. 44
Ilustração 5 - Projeto de arquitetura: Alterações e retificações das Plantas P5 e P6 -
Sector 1-1.1 do convento e Sector 1.2 de Anexo (Arquivo Torre do
Tombo)………………………………………………………………………………..……… 45
Ilustração 6 - Vista frontal do convento (Arquivo Torre do Tombo) …...…………….... 46
Ilustração 7- Projeto de arquitetura: Alçado A4 do Sector 1-1.1, convento e Sector 1.2
de Anexo (Arquivo Torre do Tombo) ………………………………………………..…..... 47
Ilustração 8 - Projeto de arquitetura: Alçado A5 do, convento e Sector 1.2 de Anexo
(Arquivo Torre do Tombo) ……………………………………………………………..…... 48
Ilustração 9 - Igreja da Cartuxa - Alçado Frontal (Victor Soares) …………………….. 50
Ilustração 10 - Santa Cecília de Trastevere - Roma (Remi
Jouan)………………………………………………………………………………..……..… 51
Ilustração 11 - Convento da Cartuxa – Vista aérea do conjunto atualmente Caxias
(Instituto Geográfico do Exército) ……………………………………………………….... 54
Ilustração 12 - Fachada atual da Igreja da Cartuxa (Victor Soares) ……………….…. 55
Ilustração 13 - Proposta de Rodrigues de Lima – 1949 - Arquivos do Ministério da Justiça
…………………………………………………………………………………..…… 56
Ilustração 14 - Exterior vista de uma das alas (Victor Soares) ………………………... 59
Ilustração 15 - Exterior e apresentação das patologias no exterior da ala lateral (Victor
Soares) …………………………………………………………...………………………….. 61
Ilustração 16 - Exterior e apresentação das patologias nos alçados (Victor Soares).. 61
Ilustração 17 - Muro exterior e seu estado de degradação (Victor Soares) …….……. 62
Ilustração 18 – Interior do claustro (Victor Soares) ………..………………………….… 64
Ilustração 19 - Vista dos tectos interiores (Victor Soares) …………………..…….…… 65
Ilustração 20 - Patologias das argamassas (Victor Soares) …………….…….....….… 66
Ilustração 21 – Patologias em pavimentos, paredes e tectos (Victor Soares) ............ 67
Ilustração 22 - Vista interior e verificação do estado dos pavimentos paredes (Victor
Soares) ........................................................................................................................ 68
Ilustração 23 - Planta à cota 10.52 (Victor Soares) ..................................................... 73
Ilustração 24 - Planta à cota 14.32 (Victor Soares) ..................................................... 73
Ilustração 25 - Planta à cota 17.20 (Victor Soares) ..................................................... 74
Ilustração 26 - Planta à cota 20.10 (Victor Soares) ..................................................... 74
Ilustração 27 - Planta das coberturas (Victor Soares) ................................................. 75
Ilustração 28 - Alçado Principal (Victor Soares) .......................................................... 75
Ilustração 29 - Alçado Lateral Esquerdo (Victor Soares) ............................................ 76
Ilustração 30 - Corte A-A (Victor Soares) .................................................................... 76
Ilustração 31 - Corte B-B (Victor Soares) .................................................................... 76
Ilustração 32 - Corte C-C (Victor Soares) .................................................................... 76
Ilustração 33 - Corte D-D (Victor Soares) .................................................................... 77
Ilustração 34 - Planta Piso -1 (Victor Soares) ............................................................. 78
Ilustração 35 - Planta Piso 0 (Victor Soares) ............................................................... 79
Ilustração 36 - Planta Piso 1 (Victor Soares) ............................................................... 80
Ilustração 37 - Cortes A-A e B-B (Victor Soares) ........................................................ 82
Ilustração 38 - Cortes C-C e D-D (Victor Soares) ....................................................... 85
Ilustração 39 - Corte E-E (Victor Soares) .................................................................... 86
Ilustração 40 - Alçados Principal e Lateral Esquerdo (Victor Soares) ......................... 88
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS

DGARQ - Direcção-Geral de Arquivos


IPPAR - Instituto Poruguês do Património Arquitectónico
SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
SUMÁRIO

1.Introdução ………………………......................................................................………21
1.1. Objectivos ……………………………………………………………………………..21
1.2. Justificação …………………………………………………………………………... 22
1.3. Caso de estudo ……………………………………………………………………….25
1.4. Metodologia ………………………………………………………………………...... 26
1.5. Organização …………………………………………………………………………..27
Capítulo I
2. Caracterização metodológica da reabilitação de edifícios ……………………….…..29
2.1. Princípios da conservação e reabilitação …………………………………….……29
2.2. Práticas de conservação e reabilitação ……………………………………..……..34
2.3. Definição de estratégias ……………………………………………………………..35
2.4. Caso de estudo como elemento de reflexão ………………………………….…...38
2.5. Pousada de Santa Marinha da Costa - Arqto. Fernando Távora ………………..40
Capítulo II
3. História do Edifício ……………………………………………………………………..…49
3.1. Antecedentes históricos …………………………………………………...…………49
3.2. História do conjunto no séc. XX …………………………….………………..…..... 54
4. Caracterização arquitetónica e estrutural do edifício ……………………….…………59
4.1. Inspeção e diagnóstico …………………………………………………………...….59
4.2. Grau e extensão da degradação …………………………………………...…..…. 63
Capítulo III
5. Projeto ……………………………………………………………………………………...69
5.1. A metodologia como suporte da intervenção …………....………………………..69
5.2. Situação existente ……………………………………………………………….……72
5.3. Proposta de intervenção …………………………………………………………..…77
5.3.1. Conceito da intervenção ………………………………………………….……..78
5.3.2. Programa …………………………………………………………………….……83
5.3.3. Forma ………………………………………………………………………..…….84
5.3.4. Espacialidade …………………………………………………………….……….86
5.3.5. Materialidade ……………………………………………………………………. 87
6. Considerações finais …………………………………….....................................….… 91
Referências ………………………………………...................................…………….….. 95
Bibliografia ……………………………………………….................................…….…….. 99
Lista de anexos …………………………………………………...............……………… 103
A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

1. INTRODUÇÃO

1.1. OBJECTIVOS

O século XX foi palco de profundas alterações aos mais diversos níveis em todo o
mundo.

Verificaram-se grandes progressos científicos e tecnológicos a par de alterações


económicas e sociais. O mundo mudou é um facto e tal como o resto do mundo
Portugal foi fazendo o seu percurso. Apesar das vicissitudes Portugal foi fazendo o
seu caminho reagindo às mudanças políticas, estratégicas, económicas, técnicas e
culturais. Se no nos primeiros sessenta anos vivemos rodeados de várias carências,
os últimos trinta anos do século XX, foram reflexo de uma verdadeira transformação
nos diversos âmbitos.

Vivemos hoje períodos de grande revolução social. Podemos dizer que esta situação
formula e dão origem a crises de desenvolvimento e estas por sua vez criam novos
modelos de regulação social. Por isso são procuradas novas formas dessa regulação
social que assim sendo, geram movimentos de procura de novas formas de viver em
conjunto com o impacto espacial.

Sendo assim podemos afirmar que este não é um período favorável do ponto de vista
económico e social. Há que criar, portanto, novos processos num cenário
desfavorável, sendo determinante a necessidade de nos recolocarmos e ponderar
novas formas de atuação, determinando novos rumos e procedimentos que nos
permitam superar as adversidades. Estas, contudo poderão ter em conta as soluções
existentes como forma de vencer esses elementos adversos.

O homem do século XXI abarca hoje um vasto conhecimento. Além disso esse
conhecimento é suportado por meios até há bem pouco tempo impensáveis. Significa
isso para os novos desafios o homem só necessita fazer recurso à sua consciência e
agir de acordo com ela. Tendo isso em conta, pode-se afirmar que esta problemática
acaba por ser transversal nas diversas áreas de atuação do homem. O urbanismo e a
arquitetura incluídos.

Estas duas áreas são responsáveis pelo espaço que vivemos e configuram enquanto
espaço que vivemos, lugares de memórias. As cidades cresceram incaracterísticas,
muitas vezes voltando as costas para o património construído. Vimos os centros

Victor Manuel Lopes Soares 21


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

urbanos envelhecer e esvaziar-se, contudo, hoje a reabilitação urbana faz parte das
agendas políticas tanto a nível internacional como nacional, numa perspetiva de
reorganização da cidade e do território. Começa a ser um tema presente nos diversos
âmbitos da nossa sociedade, passando por questões sociais, económicas e politicas e
portanto chegando ao domínio profissional dos arquitetos. Posto isto, podemos afirmar
que esta nova realidade alimenta discussões técnicas e filosóficas na forma e no modo
de intervir.

Estes desafios proporcionam ao arquiteto, desafios e dificuldades que obrigam a


procedimentos, cabendo a este “construir” o percurso a seguir e as medidas mais
ajustadas, em conformidade com as exigências de qualidade.

Pensando que o espaço é dos seus utilizadores, há que recuperar o significado da


memória de lugar, recorrendo de forma sensível e consciente a critérios que
determinem as soluções mais adequadas ao problemas que este tipo de intervenção
suscitam. Há que procurar formas de sustentabilidade nas resoluções para o
património edificado. A arquitetura como praxis especializada tem a capacidade e o
privilégio de estabelecer critérios específicos e de exigência nesses processos de
intervenção.

Na perspetiva da importância do tema, procurou-se neste trabalho apresentar critérios


de análise e formas de intervir na reabilitação de um edifício. Pretende-se assim
realizar um estudo e debate sobre a reabilitação e reconversão dos edifícios,
selecionando para isso o Convento da Cartuxa como caso de estudo, e recorrendo a
diversos casos exemplares no processo de reabilitação e reconversão em novos usos,
para fazer a análise comparativa.

1.2. JUSTIFICAÇÃO

Numa apreciação atual podemos dizer que as cidades são o reflexo de um passado, e
que contemplam atos de diferentes civilizações, tecnologias e filosofias, e de
diferentes imaginários, onde se constatam as atitudes dos seus construtores. Estas
cruzam culturas e ações edificadas que formaram a (in) coerência com que elas se
apresentam.

Victor Manuel Lopes Soares 22


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

A cidade (dos lugares) pode ser «melhorada», valorizada através de intervenções


integradas que, aproveitando a identidade, a história e a alma dos lugares, ora incidem
a sua ação sobre a materialidade da paisagem (edificada ou natural), a imaterialidade
da imagem ou no condicionamento das relações e dos serviços que ela providencia.
Este processo tem tudo que ver com ordenamento e desenho urbano, espaço
privilegiado de atuação dos arquitetos e urbanistas ao longo dos tempos. O desenho
urbano, esse ato de influenciar a concretização da cidade através da expressão em
documentos gráficos de diversos tipos de ideologias e filosofias que impregnam os
espaços e as relações humanas, pode ser a síntese de um conjunto de pensamentos e
sentimentos que promovem a subida do valor (emocional) dos diferentes lugares da
cidade, refletindo-se, posteriormente, no preço (mais elevado) do metro quadrado dos
terrenos e dos edifícios. […] (Cidrais, 2010, p.1-8)

A partir desta afirmação, podemos afirmar que o valor da cidade é fundamental e


quando se pensa em (re) desenha-la, o arquiteto tem que ter o objetivo de assumir um
compromisso de promover um desenho urbano que contenha valor, emoção e
significado. Contudo não o deve fazer isolado, sendo necessário procurar
coadjuvantes para o apoiar.

Nos tempos atuais a edificação de raiz, por diversas questões, é muito limitada, sendo
a recuperação e gestão do parque habitacional existente um meio de revitalizar e
reabilitar as cidades. Hoje, mais do que nunca, reabilitação de espaços públicos e de
edifícios abandonados é um meio para a devolução das cidades aos seus habitantes.

Nesta perspetiva, o objetivo principal será apresentar a capacidade que o desenho


arquitetónico tem para ser determinante, nas intervenções de reabilitação.

O arquiteto tem responsabilidade na organização do espaço enquanto criador de


formas, deve trabalhar para a sociedade e não em seu benefício e servir a mesma,
intervém em diversos campos, deve ser consciencioso, conhecer a circunstância e
fazer parte dela, deve educar, colaborar, valorizar o positivo e ser sempre aluno, deve
ser humilde e conhecer o homem em geral, deve ser homem organizador do espaço,
criador de felicidade. (Távora, 2008, p. 75)

O arquiteto, quer pela sua formação, quer pelo domínio pluridisciplinar, é fundamental
na resposta que pressupõe uma diversidade esta tipologia de intervenção. É ele o
especialista na organização da cidade e do espaço e quem interpreta melhor a
diversidade concetual e formal.

Isto pressupõe que para o processo de desenvolvimento urbano e social, este, tem
que ser feito por um especialista dotado e acreditado na componente teórica e prática
para validar as opções tomadas, enquanto fator determinante no objeto em questão.

Victor Manuel Lopes Soares 23


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

As questões que este tipo de intervenção levanta não deixam de ter a sua importância
e serem apaixonantes no ponto de vista dos arquitetos, sendo estes agentes
fundamentais do processo. É ele o elemento determinante, e que tem que agir em
conformidade pondo em prática as opções corretas, influenciado positivamente o
resultado desejado.

O método de conceção de cidade deve ser posto em causa e deve ser atualizado.
Levantam-se questões sobre a conceção dos espaços públicos e privado, da cidade e
do campo, interior e exterior. Questionam-se as noções de distância, de diversidade, de
mistura e densidade. Numa sociedade com práticas e necessidades cada vez mais
diversas e individualizadas, qual o papel dos equipamentos coletivos e serviços
urbanos? É importante compreender e perceber como agir e como conceber cidades
produtivas, atraentes e equitativas numa sociedade hipertexto, mediante estas
questões. (Archer, 2010, p. 78-95).

O que Archer afirma remete-nos também para o processo de reabilitação do espaço


urbano e construído, em que há que a necessidade de pensar o espaço urbano com
novos conceitos e onde o valor do lugar e a sua identidade deverão ser premissas
fundamentais, não esquecendo fatores fundamentais, tais como a requalificação
social, a promoção da intergeracionalidade, a regeneração e recuperação do
património. Aqui a recuperação do património será entendido com ator principal,
porque será ele o promotor dessas premissas.

Reabilitar por meio da arquitetura é uma forma que potencia modelos mais
participados e enquadra uma realidade mais sustentável e participada.

As palavras “arquitetura”, “arte” e “reabilitação” estão relacionadas, não justificando


que percorram caminhos distintos, podendo juntas atingir objetivos valiosos.

Reabilitação é re+habilitar. O prefixo “re” significa repetição, restabelecimento num


estado, é a ideia de voltar com vigor novo ao ponto inicial de ações que com o tempo
se enfraqueceram, alteraram ou desfizeram. Habilitar é tornar hábil, capaz. Reabilitar é
restabelecer no seu estado anterior, readquirir a boa forma ou crédito. Assim, podem
ser ferramentas fundamentais em todo um processo estratégico de valorização, que
nos permite, enquanto utilizadores, reencontrarmo-nos, reabilitarmo-nos. (Silva, 2015,
p. 27-28).

Verifica-se assim que o que foi referido, faz parte da solução e que aplicadas em
conjunto complementam uma abordagem integrada e de adequabilidade. Para tal é
necessária uma análise séria de todos os dados sobre as características do cenário
futuro e um processo participado dos diferentes atores.

Victor Manuel Lopes Soares 24


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

1.3. CASO DE ESTUDO

O Convento da Cartuxa, em Caxias, fundado no início do século XVII pela ordem


monástica criada por São Bruno, é um dos dois conventos cartuxos instalados em
Portugal. A igreja, com uma imponente fachada em calcário, é o edifício mais
importante do conjunto inserido num terreno com aproximadamente 32.500m², que se
localiza na estrada do Murganhal, na freguesia de Caxias, pertencente ao Conselho de
Oeiras.

Desde 1903, serve de instalações ao Centro Educativo Padre António de Oliveira,


cujas primeiras instalações faziam parte do conjunto das Mónicas- Lisboa, que, por
razões de ordem funcional e ambiental, não se encontrava adequadas para o
internamento e reabilitação dos jovens.

Em 1925 foi executado um projeto de reabilitação e ampliação, com o propósito de


reaproveitar o antigo convento, e atualizar as instalações existentes. Mas só nos anos
cinquenta, estas obras ficam concluídas, com um projeto de Raul Rodrigues Lima
(1909 - 1980) apresentando a implantação que hoje se verifica. As instalações que se
mantem até hoje, são estruturadas por vários elementos, nomeadamente o Edifício
Horizonte, Edifício da Administração, Edifício da Cozinha e Serrilharia e ainda
contemplam o Campo Desportivo, a zona de Jardinagem e a Portaria.

Este conjunto assume características particulares, e de acordo com o Plano Diretor


Municipal (PDM) de Oeiras, o Centro Educativo situa-se num terreno integrado numa
zona urbana. Atualmente o Centro padre António Vieira está desativado e como tal
pelo seu valor arquitetónico e paisagístico e identidade, é um conjunto de eleição para
uma intervenção, implicando reabilitar, requalificar e dar novos usos.

Sabendo que a Reabilitação é um dos caminhos futuros da arquitetura e assume uma


crescente importância nas sociedades, e, tendo em conta que este processo constitui
um meio que irá devolver a sua dignidade - enquanto memória e valor- e identidade,
será este meio, uma forma de o enquadrar no meio urbano.

Para isso propõe-se uma intervenção no total do conjunto construído, dando destaque
ao edifício do convento e aos anexos existentes que aparentem qualidades funcionais,
espaciais e formais. O objetivo é a transformação em um hotel cultural.

Victor Manuel Lopes Soares 25


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Organizado por áreas temáticas da cultura portuguesa, este hotel para além de
alojamento, pretende oferecer serviços relacionado com diversas atividades culturais
que vão desde a gastronomia às artes plásticas, passando pelas artes tradicionais.
Pretende-se um conceito contemporâneo, na forma de viver as novas formas de
alojamento.

1.4. METODOLOGIA

O mais importante deste trabalho é que este funcione como reflexão sobre o tema
abordado e que forneça debates que aportem um conjunto de mais-valias para esta
temática da reabilitação. Sendo assim, procurou-se que o seu desenvolvimento fosse
feito pelo acompanhamento de diversos autores, cujo trabalho nesta área específica,
fosse inquestionável.

Este trabalho recorre á teoria da arquitetura como elemento vital no processo de


intervenção. No processo da arquitetura é fundamental que a base e o conhecimento
teórico sejam o suporte da componente prática.

Procurou-se revisitar a história da arquitetura até à tratadística referente à


conservação do património, recorrendo para isso à evidência dos principais tratados,
retirando de cada um os fundamentos principais.

Em termos metodológicos, o processo de levantamento de dados estruturou-se em


duas fases: a recolha propriamente dita e a análise e interpretação dos dados
recolhidos e sua posterior síntese materializada na construção de um estudo
concretizado.

Para isso, fez-se uma vasta pesquisa bibliográfica e documental, tendo como base a
compilação de um espólio traduzido pelos diversos estudos existentes: monografias,
livros e artigos de revistas.

Este trabalho foi complementado pelo levantamento das construções que integram o
conjunto, determinando patologias e para isso complementando fichas próprias.

A vista “in loco” pode levar à captação de pormenores que, de outra maneira, muito
provavelmente não seriam visíveis.

Victor Manuel Lopes Soares 26


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Além disso, o apoio em fotografias, antigas ou tiradas durante a elaboração deste


trabalho através de uma visita ao local, complementam as fontes de pesquisa para
análise.

Na observação, constituiu-se uma hierarquização das qualidades construtivas dos


edifícios, por meio da discriminação de itens, de forma a torná-los claras enquanto
produto.

1.5. ORGANIZAÇÃO

Como os objetivos deste trabalho procuram um cruzamento de factos e na articulação


destes, a sua estrutura formal. Em primeiro lugar, a acuidade descritiva que enquadra
o contexto histórico, em segundo as reflexões que contextualizam o cruzamento dos
dados e que resulta numa reflexão articulando a arquitetura a requalificação e a
reabilitação na sua vertente projetual, enquanto realidade cultural.

A organização é feita metodologicamente em três capítulos, obedecendo a um


desenvolvimento, abordando os conteúdos de forma a contextualizar o todo. Por
conseguinte, visa clarificar o processo e a visão nos processos de reabilitação,
procurando uma visão de modelo integrado e dinâmico, importante para o seu
entendimento

No capítulo I aborda-se a análise bem como o levantamento da situação atual do


conjunto existente. Recorre-se à sua história, carateriza-se o sítio, o uso atual e ainda
o estado de conservação de cada uma das partes que compõem o conjunto edificado.

No capítulo II surge o teor do tema, onde são abordados os princípios e práticas da


reabilitação e a apresentação de casos concretos em que as boas práticas foram
determinantes para o resultado. Aqui se propõe entender o que significa intervir em
objetos do passado e como se pode entender estas obras no presente.

No Capítulo III, além do suporte teórico, apresenta-se o projeto em si, por meio de
processos de reabilitação atuais, apresentando a viabilidade e a definição de uma
estratégia, que valide o processo.

Nas Considerações Finais apresenta-se todo o processo desenvolvido no tema,


comparando as questões teóricas, os métodos e estratégias de intervenção bem como
postura do arquiteto perante tão sensíveis questões, sejam de ordem física ou

Victor Manuel Lopes Soares 27


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

intelectual, que devem ser refletidas na solução a apresentar no caso de estudo que
se apresenta.

Victor Manuel Lopes Soares 28


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Capítulo I

2. CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA DA REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS

2.1. PRINCÍPIOS DA CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

A reabilitação, como atitude, e, fundamental na estratégia de pensar cidade, é hoje


encarada como a forma mais viável de regeneração e consolidação das cidades.

A reabilitação, e a conservação são uma opção inteligente e racional, tanto nas


vertentes culturais e económicas. Esta opção não se refere somente a edifícios com
valor patrimonial, mas também a edifícios correntes.
Em ambos os casos, devem ser adotadas regras de abordagem e serem
estabelecidas metodologias de projeto e construção que definam os objetivos
estabelecidos para a intervenção nos edifícios, dotando-os ou voltando a dotar os
mesmos de capacidades funcionais adequadas às necessidades atuais, conservando
o essencial do objeto, por um processo que garanta, a criação de uma nova unidade.

Portugal foi um dos signatários da “Carta da Cracóvia 2000 – Princípios para a


Conservação e Restauro do Património Construído”, carta de recomendações
internacionais, que é muito clara no reconhecimento do valor intrínseco ao sistema
construtivo do edifício colocando o valor histórico e o valor artístico a par com outras
áreas interessadas na conservação do património construído, nomeadamente com o
valor arquitetónico. Conforme descrito nos princípios 1, 2 e 3 da Carta Cracóvia 2000,
estabelece-se o que se deve compreender por uma boa prática de reabilitação, ou
conservação de um edifício e a importância do necessário envolvimento e
funcionamento de equipas multidisciplinares. Um pressuposto importante de um projeto
que prevê uma intervenção de reabilitação é o de entender o edifício como um todo
unitário e não como o resultado de um somatório de partes, no qual existem umas mais
fundamentais e importantes para o edifício, que devem ser conservadas, conforme
ocorre correntemente com as fachadas e outras menos importantes que, por
consequência, podem ser demolidas. Com o decorrer do tempo deixamos de dominar
as práticas e técnicas antigas de construção, sendo assim complicado recorrer e
encontrar mão-de-obra qualificada nestas áreas, o que dificulta a prática de ações de
reabilitação e manutenção. São muitas vezes os estudos económicos, pouco
fundamentados que apontam no sentido da demolição e reconstrução. Mas existem
também situações em que simplesmente se aceita que o edifício não possui
capacidade resistente para cumprir a função a que se destina, porque é antigo ou
porque não se domina esta prática construtiva, sendo que na maior parte da vezes um
diagnóstico rigoroso permite concluir que a estrutura se encontra em bom estado e que
os materiais são de qualidade que permite a sua reabilitação. É importante referir que
grande parte dos edifícios antigos degradados resulta do seu abandono e falta de

Victor Manuel Lopes Soares 29


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

manutenção e não da fraca qualidade construtiva ou dos materiais utilizados. (Freitas,


2012, p. 24)

A questão da reutilização de edifícios com valor patrimonial parte do pressuposto de


que tanto a sua deterioração bem como como as alterações que se devem executar,
demonstram a necessidade de adaptação e adequabilidade aos usos
contemporâneos, que hoje são expectáveis.

Assim sendo, um dos objetivos da sua recuperação, passa por definir um léxico, que
simultaneamente preserve a linguagem que o carateriza e ao mesmo tempo uma
imagem que o situe dentro da contemporaneidade, sem contudo, esquecer toda a
legislação em vigor.

Refira-se que para uma recuperação ponderada e qualificada, a segurança, o


desempenho energético e conforto ambiental são requisitos fundamentais.

O arquiteto encontra hoje uma grande oportunidade com o atual quadro da


necessidade de preservação do património arquitetónico. A fórmula de construir no
existente resulta do facto de que a enorme produção da construção recente nos
confronta com objetos utilizados no limbo da crítica e da história. (Tostões, 2013, p. 46)

Perante esta afirmação, pode-se afirmar que quando se aborda a intervenção no


património histórico, está-se a organizar um discurso universal em que as
especificidades tipológicas, linguísticas e construtivas, estão presentes.

Relativamente aos processos de intervenção, há que fazer uma identificação que está
na base dos procedimentos a adotar, e que devem ser:

a) Conservação

Consiste em dotar os edifícios históricos. Com condições de habitabilidade, conforto e


segurança, salvaguardando as suas qualidades. Na conservação, a intervenção é
mínima e a salvaguarda dos materiais originais é condição sine qua non por forma a
assegurar a autenticidade.

b) Restauro

Conjunto de ações especializadas, visando a recuperação estética, resultando numa


conceção idêntica à original. Pretende-se assim restabelecer a forma, imagem e
materiais de uma determinada época.

Victor Manuel Lopes Soares 30


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

c) Reabilitação

Forma de intervenção que pretende possibilitar o uso eficiente e compatível do


edificado, através de alterações e ampliações, salvaguardando sempre o valor
histórico, cultural e arquitetónico. Esta intervenção objetiva dotar o edificado de
exigências funcionais novas e que melhorem a sua performance.

d) Reconstrução

Conjunto de operações que tenham como objetivo construir de novo, parte ou


integralmente, uma edificação em risco.

O processo de intervenção de reabilitação num edifício é, sem dúvidas um processo


complexo, e porque não dizer, por vezes árduo, em que nos deparamos com diversas
condicionantes, uma vez que, perante o valor intrínseco de objetos considerados
únicos ou singulares, a intenção requer ponderação e conhecimento técnico profundo.
Não raro, é o facto de se ir pelo caminho mais fácil, optando-se pela sua destruição.
Este principio tem como base muitas vezes as questões económicas, ou seja, é mais
fácil e barato fazer de novo do que reconstruir. Aqui nos deparamos muitas vezes com
uma hipocrisia técnica e cultural e que por vezes se chega ao “culto” do “fachadismo”.
É o caminho mais fácil e sem dúvida o mais incorreto.

Desde logo, defendemos que numa intervenção de conservação e reabilitação, a


profunda análise às caraterísticas do edificado existente, tanto estrutural bem como
construtivo. Esta análise será feita a partir da observação direta com registo
pormenorizado, e a partir daí estabelecer o diagnóstico das anomalias que o afetam.
O diagnóstico completo e bem executado, como já foi referido, assume uma
preponderância no processo, porque é nele que se referenciam as condições de
conservação, em que os edifícios se encontram.

Os projetos de arquitetura sobretudo, e os projetos das diversas especialidades, para


serem executados com critério e segurança, necessitam deste diagnóstico
identificador dos elementos estruturais, artísticos, que vão condicionar as opções
projetuais.

Victor Manuel Lopes Soares 31


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Podemos afirmar que um diagnóstico deficiente, obrigatoriamente condiciona a


execução de um projeto, vocacionando-o para o insucesso. Assim sendo, este período
de análise, definido com critérios adequados, é fundamental para o percurso da obra e
consequentemente para o resultado final.

Uma operação de reabilitação, na sua concretização, está vinculada a um projeto


completo multidisciplinar e exaustivo.

Relativamente à formação da equipe multidisciplinar, esta terá que reunir as


especialidades necessárias, tendo em conta as características do objeto, alvo de
intervenção e a produção destes projetos tem que assumir um grande respeito perante
o edificado existente.

Outro procedimento para qualquer processo de reabilitação, ou mesmo ampliação,


visa a adaptação ao objeto construído, respeitando a sua essência e identidade. Caso
esta afirmação, seja invertida no seu sentido, isto é, o objeto construído, ter a
obrigatoriedade de se adaptar ao novo projeto, podemos afirmar que a intervenção
estará votada ao insucesso, uma vez que, a sua identidade se perderá.

A reabilitação, quanto aos processos tecnológicos, movimenta-se numa área que


podemos afirmar como vasta, em que a oposição, soluções tradicionais versus
soluções inovadoras são entendidas como contraponto.
Aliás os processos tecnológicos, enquanto material e a sua função tectónica
materializam duas posições: uma conservadora -respeito integral pelas soluções
existentes, mantendo-as até á exaustão e outra mais reformista – em que as questões
patrimoniais são menos valorizadas.

Refira-se que a afirmação acima é uma questão constante no debate sobre a


reabilitação, e por vezes chega-se a algum fundamentalismo nas posições.

Quanto a nós, este antagonismo é injustificado, por considerarmos que há


compatibilidade entre atitudes. Tal como o recurso exclusivo a materiais e tecnologias
tradicionais não é garantia de uma intervenção bem-sucedida, a utilização de materiais
e técnicas inovadoras, não será uma atitude contraproducente e muito menos

Victor Manuel Lopes Soares 32


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

desrespeitadora dos materiais existentes. A sua utilização poderá ser uma mais-valia
para garantir a manutenção e preservação dos materiais tradicionais.

Consideramos que perante as características construtivas “originais” do existente, a


introdução de novos materiais e processos tecnológicos, melhoram o desempenho da
conservação/reabilitação.

Outro elemento essencial no processo, e, quanto a nós fundamental, é a


concretização do programa arquitetónico, que dependendo dos seus objetivos, implica
a utilização de materiais com alto desempenho.

Relativamente à estrutura, há que ter uma atitude mais abrangente de reflexão e


recorrer ao bom senso e os conhecimentos técnicos e científicos, para estes poderem
consignar a reabilitação como um ato completo.

Quanto ao modelo de discurso e pensamento que se estabelecem nas intervenções


estruturais, deve estabelecer consonância de todas as atividades incluídas no
processo. Este terá que ser um princípio orientador.
Pensando na reabilitação, existe pouca legislação regulamentada que lhe dê suporte
legal. Assim, utilizar essa regulamentação poderá trazer inconvenientes para o
processo. Para tal, para se interpretar os regulamentos técnicos, há que estabelecer
prioridade na leitura dos problemas associados a possíveis interpretações. Sabemos
nós, que os regulamentos que vigoram atualmente foram pensados para edifícios de
raiz. Adaptar esses regulamentos para edifícios já consolidados, pode causar a
destruição do valor patrimonial dos edifícios em questão.

A multidisciplinariedade com a participação de diversos agentes, que muitas vezes


não estão incluídos no processo, tais como historiadores de arte, arqueólogos,
conservadores-restauradores, permite falar em intervenções exemplares, seja na fase
de execução ou na fase de projeto.

O tema da reabilitação é cada vez mais um tema central, sendo este um dos indícios
de que o âmbito de atuação sofreu alterações, e que aqueles que surgem hoje em
minoria formam a guarda avançada de uma postura que vencerá os preconceitos,
conduzindo a um interesse a cada momento maior e entusiasta, por este tipo de
intervenções. (Appleton, 2013, p. 30-35)

Victor Manuel Lopes Soares 33


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Podemos dividir os edifícios antigos em património monumental, património edificado


classificado e património edificado corrente.

Quanto ao património monumental, existem conjuntos de excelência, que pela sua


relevância internacional são classificados como Património Mundial da Humanidade.
Relativamente ao património edificado classificado, este caracteriza-se, tendo em
conta a antiguidade, autenticidade, raridade e singularidade. Os edifícios que foram
construídos antes da generalização da aplicação das estruturas de betão armado em
que os materiais dominantes são a pedra, a madeira, a cal e o vidro, são aqueles que
consideramos edifícios antigos.

Considerando o seu valor cultural, o património monumental deve exigir uma


abordagem na qual a preservação dos métodos e técnicas construtivas tradicionais
deve ser imprescindível, do mesmo modo que estas intervenções não podem ser
intrusivas nem irreversíveis, atendendo que deve ser privilegiada a lógica de
conservação face à logica exigencial. Com base em informação do INE47, que foi
atualizada em Janeiro de 2010, o número de fogos que se incluem neste grupo, é
superior a 700 000. (Freitas, 2012, p. 21)

2.2. PRÁTICAS DE CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

A realização das operações de reabilitação deve considerar uma série de fatores que
condicionam o processo. Estes fatores -valor patrimonial e estado de conservação-
são aspetos fundamentais a ter em conta, e portanto são premissas de suma
importância.

O processo de reabilitação deve prever uma análise de viabilidade e contemplar um


claro programa que legitime a intenção do promotor. Aqui a função do programa é
importantíssimo, considerando que a adaptabilidade do novo programa deve estar
condicionada pela pré-existência. O contrário é um equívoco.

Assim sendo, é importante conhecer profundamente e em pormenor a construção que


se pretende reabilitar, pois será deste conhecimento que vamos ter elementos que
definem o tipo de intervenção a realizar.

O (re) conhecimento executado deve estender-se às construções da proximidade,


para nos apercebermos da possibilidade da existência ou não de justaposição
construtiva ao longo do tempo.

Victor Manuel Lopes Soares 34


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

As tarefas relacionadas com um bom diagnóstico, que passam pelas ações de


pesquisas documentais, levantamentos, reconhecimentos e ensaios, poderão por
vezes não fornecer certezas absolutas, sendo necessário considerar uma abordagem
faseada da informação que se pretende, para que o processo de decisão seja eficaz e
não acarrete mais custos e morosidade, tendo em conta a importância deste últimos
fatores, em processos desta natureza. Não é menos verdade que a viabilidade de um
processo de reabilitação está diretamente dependente da sua exequibilidade nas
questões temporais, financeiras e técnicas. Não é menos verdade, que a viabilidade
das operações de reabilitação, invariavelmente está dependente em termos
económicos da sua escala de intervenção, podendo mesmo afirmar que algumas
serão inviáveis.

A margem de incerteza relativa à uma intervenção de reabilitação, está diretamente


ligada à qualidade da elaboração do estudo de diagnóstico e futuro projeto. A falta
destes vai refletir-se no descontrolo financeiro e até uma interferência na gestão da
obra, porque certamente os novos trabalhos não previstos em projeto irão
sobrecarregar o somatório previsto na fase de projeto e orçamentação.

Quando a questão do reabilitar é o tema principal, há que considerar os valores


tangíveis e intangíveis, o primeiro pela valorização do próprio imóvel existente e o
segundo por valores de ordem histórico, cultural e artísticos que este transmite, sem
esquecer que a reabilitação, tendo como fundamento a reutilização do construído,
contribui para um desenvolvimento sustentável.

Na reabilitação de edifícios antigos é muito difícil assegurar algumas das exigências


atuais, sendo muitas vezes impossível, ou possível, mas com condições económicas
difíceis de comportar. Esta dificuldade surge também porque a legislação nacional em
vigor para a construção é uma legislação voltada para a construção de edifícios novos,
não tendo grande preocupação com as exigências específicas no caso de uma
intervenção de reabilitação, sendo que a necessidade de respeitar a legislação, para a
construção nova, também não é clara. Tendo em consideração a importância desta
questão é necessária uma análise sobre a atual legislação e o projeto de reabilitação
de edifícios antigos. (Freitas, 2012, p.25)

2.3. DEFINIÇÃO DE ESTRATÉGIAS

O pormenor da intervenção de reabilitação, após conhecer o estudo de diagnóstico,


passa a conhecer as necessidades de intervenção global no edifício, as soluções de
reparação e a estimativa de custo unitário dos trabalhos de reabilitação, que lhe
possibilitará definir uma estratégia de intervenção. É importante perceber que

Victor Manuel Lopes Soares 35


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

diferentes soluções têm custos e durabilidades diferentes pelo que é fundamental o


promotor efetuar uma correta avaliação técnica e económica. (Silva, 2015, p.119)

Na intervenção em determinados edifícios é pertinente dar especial atenção à garantia


de qualidade, fundamentalmente quando a intervenção recai em edifícios considerados
importantes ao nível patrimonial. Para garantir essa qualidade existem fatores que não
devem ser descorados, devendo esta passar: pela garantia de autenticidade; pela
necessidade de durabilidade, uma vez que se espera que o tempo de vida de uma
construção antiga seja bastante maior do que o de uma construção corrente; pela
exigência de compatibilidade e reversibilidade, na perspetiva de que a não
compatibilidade de material trará degradação e danos a curto prazo e que
reversibilidade deixará aberta a possibilidade de no futuro se alterar a solução
implementada; pela análise económica que deverá em certos casos ter uma atenção
ao valor patrimonial intangível do imóvel, parcela dificilmente quantificável, mas que
deverá ser contabilizada na análise económica do mesmo. Um edifício vale pelo que
representa para um povo ou para uma cultura, e não pelo somatório de parcelas
atribuídas ao terreno, ao imóvel, ao tipo de ocupação, etc. (Freitas, 2012, p. 27)

Perante as duas afirmações acima, podemos afirmar que muitas vezes, a opção é a
demolição do edifício, preservando somente a fachada do mesmo. Esta situação tão
frequente, nada mais é que um sinal da incapacidade do mesmo em adaptar-se às
novas exigências. Isto leva-nos a afirmar que o novo programa proposto deve ajustar-
se às caraterísticas do existente e não um obstáculo aos objetivos traçados.

A reabilitação de um edifício inicia-se sempre pela identificação da sua tipologia


original, sendo esta determinante para o programa que vier a ser dado, essencial para
a adaptação do mesmo a novos usos. Este novo programa poderá determinar novas
cargas na estrutura e mesmo nas condições ambientais que surgirão na nova função.

A análise construtiva é, quanto a nós o segundo passo e determinante, pois irá alertar
para a existência de um conjunto de caraterísticas próprias afetas a um determinado
tipo de construção. Esta identificação valida a verificação de condicionantes para o
seu desempenho futuro.

Esta caracterização pode ser feita de variadas formas, mas o registo dos aspetos mais
relevantes, feitos a partir do levantamento arquitetónico e estrutural, determina a
caracterização tipológica e morfológica e reconhecer o tipo de construção e a sua
época da construção.

Complementarmente devem realizar-se inspeções e sondagens, e estas podem ser


intrusivas, recorrendo aos meios adequados. Com as inspeções e sondagens verifica-
se o estado de conservação do edifício, nomeadamente os elementos primários. Esta

Victor Manuel Lopes Soares 36


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

tarefa permite determinar quais são os elementos passíveis de substituição ou reforço,


impedindo a continuidade da degradação.

Desnecessário será dizer que o registo do estado de conservação do edifício deverá


obedecer a critérios bem estruturados e fundamentados, possibilitando, no decurso do
projeto, uma atenção especial e caso haja necessidade, recorrer à sua reconstituição.

Após o diagnóstico e após ser feito o seu registo, é importante um trabalho de


investigação sobre situações análogas, obtendo assim elementos complementares
que permitirão adotar as soluções mais adequadas. Esta investigação permitirá ainda,
determinar as origens de determinadas patologias, com origem em fenómenos físicos
complexos.

Assim sendo, o registo criterioso das anomalias verificadas, das causas e soluções
para possível intervenção, é um enorme auxilio para os projetistas. A concretização de
uma base de dados, para posterior utilização, será também um objetivo. Esta base de
dados contribuirá, para trabalhos futuros, encontrar a compatibilidade das soluções
tecnológicas, construtivas e formais permitindo garantir a qualidade atual e futura do
edifício. Muitas vezes os fenómenos e o padrão da sua causa podem determinar a sua
solução.

Partindo do princípio que na construção, a existência e inevitabilidade do erro, tanto a


nível de projeto, bem como de construção, manutenção ou uso inapropriado, seja um
dado adquirido, torna fundamental o registo das patologias e a análise dos motivos
que lhe deram origem.

A interdisciplinaridade, nas operações de reabilitação assume uma concreta


importância, tendo em conta a origem das anomalias. Estas anomalias, muitas vezes
com origem em fenómenos físicos e químicos, muitas vezes complexos na sua
compreensão, envolvem um nível de conhecimentos e áreas diversas.

A complementaridade dos conhecimentos é assim vantajoso, pois permite solucionar


de problemas complexos com origens diversas.

Victor Manuel Lopes Soares 37


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

2.4. CASO DE ESTUDO COMO ELEMENTO DE REFLEXÃO

O presente trabalho pretende elaborar uma reflexão acerca da intervenção num objeto
com as mesmas características e ter em comum uma importância incontestável no
nosso património construído.

A abordagem ao tema é feita com base num caso de estudo: a Pousada de Santa
Marinha da Costa de Fernando Távora 1(1923-2005).

A eleição deste projeto está em consonância com a opção da dissertação. Ambos são
edifícios históricos e conventuais, que ao longo do tempo foram objeto de obras,
incluindo subtrações, adições, reconstruções, apresentando além de tudo uma
proximidade tipológica.

Retomando a opção, podemos afirmar que este edifício antes da intervenção estavam
praticamente votados ao abandono, e em ruina parcial. A intervenção sofrida visou
sobretudo a sua reconversão, sendo Santa Marinha da Costa, reconvertido a pousada,
sendo hoje considerada uma obras de relevo dentro do panorama da arquitetura
portuguesa do século XX, traduzindo-se numa obra de arquitetura de incontestável
cunho de autor e de sólido relevo na arquitetura contemporânea portuguesa e
internacional.

A fortíssima semelhança possibilita a abordagem do tema perante metodologias


projetuais, contextos, problemas e imposições idênticas.

A análise do projeto de Santa Marinha da Costa é feita através de ferramentas e de


conceitos apreendidos no estudo de variadíssimas contribuições teóricas no campo do
restauro e intervenção no património, sobretudo, a Teoria do Restauro, de Cesare

1 Arquiteto português diplomado pela Escola de Belas-Artes do Porto em arquitetura no ano de


1952.1
No âmbito pedagógico, a sua ação foi muito relevante na afirmação do curso de Arquitetura da
Escola Superior de Belas Artes do Porto (mais tarde Faculdade de Arquitetura da Universidade
do Porto) e no curso de Arquitetura do Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade de Coimbra (DARQ-FCTUC) - que apoiou a construir no final da
década de 1980, em colaboração com Alexandre Alves Costa, Domingos Tavares e Raul
Hestnes Ferreira.
Membro da Organização dos Arquitetos Modernos, introduziu, em associação com outros
arquitetos (ICAT) e a partir do fim dos anos quarenta, uma reflexão que não tinha precedente
em Portugal sobre o corolário social da arquitetura, em oposição às realizações e aos
discursos oficiais da época.
Como criador de uma nova lógica de construção, deu transversal ênfase às paisagens
originais, utilizando-as como dados culturais que deverão ser integrados no diálogo com a
arquitetura

Victor Manuel Lopes Soares 38


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Brandi2 (1906-1988) e O Culto Moderno dos Monumentos, livro de Aloïs Riegl3 (1858-
1905).

No caso de Cesare Brandi, verificamos uma nova abordagem metodológica


fundamentada em processos de análise crítica da obra de arte, realçando a validação
dos seus aspetos históricos e qualidades estéticas, com o objetivo de garantir a
transmissão da comunicação estética patente em cada obra.

Resulta desta análise uma sustentação das opções tomadas e decisões que
configuram as ações da intervenção. Cada caso é visto como único para Brandi,
dificultando assim a eleição de normas e regras fixas. Salvaguarda o conhecimento
profundo da história do objeto em causa, sobretudo a sua matéria e a sua estética.

Esse conhecimento deve ser sempre acompanhado pelo conhecimento crítico e assim
definir as opções e ações consequentes a partir de um juízo prévio.

Para Aloïs Riegl, o mais importante é o significado de monumento histórico,


classificando-os em duas categorias: os valores rememorativos, valores esses
diretamente ligados à história e á memória e os valores de contemporaneidade que
estão em consonância com o presente e o homem moderno.

Estes valores patentes num monumento histórico, faz com que se compreendam e
avaliem os possíveis conflitos, possibilitando uma crítica analítica das metodologias,
estratégias e escolhas a adotar numa intervenção de recuperação. Para Riegl o
absoluto e a rigidez de normas são negados, contemplando variadas soluções para
cada caso.

Tendo como base os contributos destes dois autores é aberto um espaço para uma
postura crítica e formulação de juízos de valor na intervenção em património, surgindo
como possíveis abordagens metodológicas, resultando num projeto de arquitetura

2 Cesare Brandi foi um dos principais nomes da restauração de objetos de arte.


Fundamentou o "restauro crítico" nos quarenta juntamente com Roberto Pane e Renato
Bonelli.
3Alois Riegl foi um historiador da arte pertencente à Escola de Viena de História da Arte.

Victor Manuel Lopes Soares 39


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

qualificada, cuja base é a mesma: a reconversão de um edifício conventual/monástico


a pousada.

2.4.1. POUSADA DE SANTA MARINHA DA COSTA - GUIMARÃES

Local: Santa Marinha da Costa- Guimarães


Autor: Fernando Távora
Localizada na Serra de Santa Catarina, no Monte da Penha, na cidade de Guimarães,
esta Pousada, foi a reconversão do antigo Mosteiro de Santa Marinha da Costa.

Este conjunto localizado nos arredores de Guimarães, situa-se numa encosta


envolvida por um parque que sobressai pela beleza florestal que o envolve.

Ilustração 1- Planta do Conjunto (Arquivo Torre do Tombo)

A sua igreja -elemento que se destaca no conjunto- aparece referenciada no século XI,
levantando-se a hipótese de que o conjunto tivesse origem anterior, tal como vieram
provar os vestígios encontrados no claustro do mosteiro. No século VI e VII, terá
albergado um templo suevo-visigótico e no século IX é edificada a Igreja, por iniciativa
da condessa Mumadona a igreja consagrada a Santa Marinha da Costa, que passaria
a fazer parte do Mosteiro da Costa, fundado em 1154 sob o patrocínio da rainha D.
Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques.

Victor Manuel Lopes Soares 40


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Esta obra foi realizada porque nela instalar-se-ia a sede do Condado Portucalense,
obrigando a construção de um grandioso edifício e a reedificação da Igreja. Apesar
das contradições relativas á fundação, sabe-se que no séc. XII, este estava entregue
aos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho quando se inicia uma nova reconstrução.

Ilustração 2 - Edificações desde o período romano ao séc. X, de


acordo com os trabalhos arqueológicos (Portugal, 2013) – (Arquivo
Torre do Tombo)

Os frades da Ordem de São Jerónimo viriam a substituir os monges Agostinhos em


1528, criando um importante colégio de estudos superiores nas áreas da Teologia e
das Ciências que assumiria uma importância igual ou mesmo superior à Universidade
de Coimbra.

A criação deste colégio obrigou a uma profunda remodelação das diversas


dependências que formavam o conjunto, elementos que perduraram mesmo após o
Decreto de extinção das ordens religiosas masculinas e nacionalização dos seus bens
em 1934. Com o Mosteiro abandonado, este viria a sofrer um grande processo de
degradação, tendo este atingido o seu expoente quando do incêndio de 1959.
A Igreja de linhas rocaille, elemento ímpar do conjunto, enquadrada por uma escadaria
setecentista toda em granito e por um grandioso átrio exterior é imponente e apresenta
um movimento dinâmico na sua volumetria, reforçado pelos elementos escultóricos
que dela fazem parte, organizando um harmonioso conjunto, que se vislumbra de
qualquer ponto de um vasto território.

Victor Manuel Lopes Soares 41


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

A sua fachada é organizada a partir de um portal de dupla altura, através de linhas


recortadas e uma vigorosa balaustrada que rematam a empena.

Nesta fachada de profusa decoração, surgem como elentos de destaque as esculturas


em granito, representando Sta. Marinha, S. Jerónimo e Sta. Paula surgem elevadas,
duas torres sineiras acopladas lateralmente.

Ilustração 3 - Pousada de Santa marinha da Costa-


Implantação Final (1985)

O interior, amplo e equilibrado é enriquecido por uma profusão de imagens sagradas -


Sta. Marinha, São Francisco, Nossa Senhora do Carmo, São Tiago e São Jerónimo –
e por retábulos setecentistas e altares em talha dourada.
O estilo rocaille sobressai de forma expressiva na “peça” mais monumetal do interior
que é o Coro e ainda no seu Orgão. O Coro é sustentado por volumosas esculturas
em madeira, que o tornam ainda num elemento de grande expressão.

A Capela-mor é encimada por uma extraordinária abóboda de berço organizada por


caixotões, de imagem da renascentista. Muitos consideram que é a melhor expressão
da Renascença no Norte de Portugal.

Victor Manuel Lopes Soares 42


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Na sacristia, surge ornamentada por esbeltas talhas douradas setecentistas, e onde


surgem dois elegantes contadores em pau-santo, enriquecidos com aplicação de
ferragens em bronze e cobre.

No decurso da década de oitenta do século XX e após profunda pesquisa


arqueológica, este conjunto viria ser objeto de um projeto de recuperação e
reconversão para pousada.

Exteriormente o claustro, é organizado por uma geometria de grande simplicidade,


contudo as suas fachadas formalizam dois pisos, em que as galerias inferiores
apresentam uma clássica arcada de volta perfeita assente em robustas colunas,
enquanto o piso superior é rasgado por varandas com elementos em ferro. No seu
interior, os canteiros e a fonte central introduzem um sentido de harmonia e equilíbrio
espacial.

A parte tardoz apresenta a varanda de São Jerónimo, cuja cobertura em madeira é


sustentada por vigorosos pilares e ao centro surge uma fonte com uma taça esculpida,
ladeada por paredes revestidas por painéis de azulejos setecentistas.

Pelo terreno estendem-se os jardins onde emerge o elemento vegetal de recurso


ancestral -o Buxo- em contraste com a floresta de carvalhos e de outras espécies
arbóreas. Aqui ainda se podem observar diversos tanques de água de apoio a uma
zona agrícola de horta e laranjal.

Esta era a matéria existente e na qual Fernando Távora se baseou, fazendo uma
leitura objetiva do legado, sem contudo ser dominado por preconceitos, atuando de
uma forma que o resultado assumisse um compromisso na identidade da arquitetura.

Assim, podemos verificar que o projeto de Fernando Távora afirma uma metodologia
com premissas e objetivos que correspondem a uma das abordagens mais influentes
no debate cultural sobre intervenções no património que desde então se realiza em
Portugal.

Esta metodologia procurou clarificar o processo histórico do edificio, fazendo uma


reconstiuição construtiva e espacial das fases que marcaram a sua construção.

Victor Manuel Lopes Soares 43


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Contrariando a dicotomia novo/antigo, tão em voga na altura, Fernado Távora assume


os valores das pré-existências valorizando-as e acrescentando as partes necessárias.
Os elementos que definem e valorizam o conjunto são postos a serviço do projeto, não
tendo peias em demolir as “peças arruinadas” e as que foram justapostas sem critério
nas intervenções ao longo do tempo.

A aferição da escala, do “ritual de espaços”, daquilo que essencialmente define o


edifício, passa por leituras arqueológicas e históricas colocadas ao serviço do projeto.
Esta reconstituição essencialista do edifício obriga a demolir aquilo que é considerado
degenerado e a repor aquilo que é considerado erradamente arruinado pela história.

Para Távora é importantíssimo distinguir claramente o novo do antigo, proporcionando


o diálogo que deve existir nessa atitude assumindo assim a história do edifício, ou
seja, essa história não começa nem termina com a nova intervenção, sendo esta
considerada, apenas mais uma etapa de um processo.

Ilustração 4 - Projecto de arquitetura: Alterações da Plantas P1 -


Sector 1-1.1 do convento e Sector 1.2 de Anexo (Arquivo Torre do
Tombo)

Assim sendo podemos verificar que o conjunto do mosteiro onde sobressai a Igreja
assume, através da sua volumetria, relevante posição na leitura do todo.

Victor Manuel Lopes Soares 44


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

A nova construção é implantada no terreno, sem afetar a estrutura existente, procura


uma forma racional de se agregar à história do edifício. A Igreja não sofre nenhuma
alteração, sendo só alvo de reabilitação, mantendo a sua função.

O programa da pousada é distribuído sobretudo pelas alas conventuais, tendo como


referência o claustro que assume relativa importância na organização desses espaços.

No corpo principal a poente do conjunto é instalada a receção, os serviços


administrativos, sala de estar diretamente ligada ao claustro. Na ala a nascente
sobretudo, são instalados os novos quartos, aproveitando os antigos dormitórios.

Ilustração 5 - Projeto de arquitetura: Alterações e retificações das Plantas P5 e


P6 - Sector 1-1.1 do convento e Sector 1.2 de Anexo (Arquivo Torre do Tombo)

Os acessos tanto horizontais, bem como os verticais, privativos e públicos, surgem de


forma natural, pelas premissas das circulações existentes.

Victor Manuel Lopes Soares 45


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

O novo corpo de quartos (no total de 31) em forma de um “L” insere-se no terreno, de
forma contida. Do exterior, esta nova construção, surge como um plano cuja caixilharia
já não remete para qualquer ideia de transparência, ou de mobilidade, ou até de
manifesto estrutural.

Este corpo, desenhado com uma linguagem contemporânea, desenvolve-se num


volume alongado implantado perpendicularmente à Igreja formalizando um novo
páteo, agora rebaixado.

A intenção de encaixar este novo elemento na topografia nada mais é que a intenção
objetiva de não retirar o protagonismo ao volume existente.

Este corpo além dos quartos, irá albergar as áreas de serviço como a cozinha,
lavandaria e áreas dependentes, as áreas técnicas, o refeitório, as instalações
sanitárias e balneários para o pessoal de serviço.
Será este corpo o principal protagosnista do projeto.

O novo corpo, “inserido dialecticamente” no processo de crescimento do edifício,


consegue transmitir uma certa austeridade monástica, expressa através de uma grande
economia de meios técnicos e uma extrema simplicidade nas soluções adoptadas, quer
a nível espacial, quer a nível dos acabamentos e mobiliário, equilibrados pelo engenho
de uma mente irredutível de modernidade e cultura. (Vaz, 2009 p. 96)

Ilustração 6 - Vista frontal do convento (Arquivo Torre do Tombo)

Victor Manuel Lopes Soares 46


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Apercebemo-nos aqui da intenção de Távora em seguir as premissas da Carta de


Veneza( 1964)4. Para Távora a história do edifício é parte integrante do projeto. Assim
sendo, o pressuposto de inovar, através da criação de espaços que cumprissem os
novos programáticos, viria contribuir para uma vida mais longa do velho edifício,
conservando e reafirmando as partes mais significativas.

Na visão de Fernando Távora o conceito de património é mais vasto. Para ele o


território em si é património e qualquer intervenção em edificos existentes, deve
recusar o mimetismo do mesmo, cuja obrigação do projetista é intervir de forma
criativa construindo assim uma forma de reconstruir através de um processo de
continuidade formal.

Távora trabalha e molda a preexistência, usa como material de projecto, relê a história
e aceita as diferentes intervenções anteriores, restaurando, corrigindo ou mesmo
alterando, num sentido crítico de manter a leitura do edifício e das suas fases
anteriores. (Coelho, 2011 p. 56)

A construção e reconversão verificou-se em duas fases, em que a primeira seria


recuperar o antigo convento incluindo as antigas celas monásticas, os corpos do
claustro e a segunda a justaposição do novo corpo com dois pisos para quartos e
ainda mais dois subterrâneos, onde se instalaram cozinhas e serviços anexos,
lavandaria e estacionamento.

É certo que a pousada introduzirá novo uso no velho mosteiro, mas é certo, também,
que se os homens fazem as casas, as casas fazem os homens, o que justifica a
manutenção, no novo edifício, de uma escala e de um ritual de espaços que,traduzindo
a presença de um passado que seguramente não volta, aqui se recordam e utilizam
pela actualidade do seu significado. (Costa, 1993 p. 116)

Ilustração 7 - Projeto de arquitetura: Alçado A4 do Sector 1-1.1, convento e Sector 1.2 de


Anexo (Arquivo Torre do Tombo)

4.Texto aprovado no II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos


Históricos, em Veneza, no período de 25 a 31 de Maio de 1964.

Victor Manuel Lopes Soares 47


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 8 - Projeto de arquitetura: Alçado A5 do convento e Sector 1.2 de Anexo (Arquivo


Torre do Tombo)

Para Távora a opção de cultivar a diferença e a rutura define-se como um método que
sentitiza duas vertentes complementares.

Távora não neutraliza a preexistência, pelo contrário, lê nela a história, os diferentes


estilos e linguagens, tentando do melhor modo possível clarificálos.
Para o futuro deixa também a noção de que a regra, cada um a deverá encontrar a
partir do existente, caso a caso, com rigor e imaginação e legível em cada obra única e
insubstituível, (Costa, 1997, p.276)

Victor Manuel Lopes Soares 48


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Capítulo II

3. HISTÓRIA DO EDIFÍCIO

3.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A Ordem dos Cartuxos foi fundada por São Bruno5 de Colônia (1035-1101), monge
alemão, de família nobre. Sacerdote amigo e admirado pelo Arcebispo de Reims,
considerado inteligente e piedoso, começou a dar aulas na escola da Catedral de
Reims, até que, cinquentenário e cônego amadureceu a inspiração de servir a uma
Ordem religiosa. Após uma experiência de vida solitária iria para a região de Grenoble
onde o bispo, o futuro São Hugo, oferecer-lhe-ia um lugar solitário nas montanhas da
sua diocese. No mês de junho de 1084 o mesmo bispo conduziu Bruno e seis colegas
ao deserto do maciço montanhoso de Chartreuse (Cartuxa) que dará seu nome à
Ordem. Ali constroem seu eremitério formado com algumas casinhas de madeira que
se abrem a uma galeria, que permite aceder sem sofrer demasiado pela intempérie do
tempo aos lugares de vida comunitária: A igreja, o refeitório e o Capítulo. Após alguns
anos de vida solitária, Bruno foi chamado pelo Papa Urbano II para exercer funções na
Sede Apostólica, em Roma.

Perante este fato, a sua comunidade, considerando que não poderia existir sem ele,
pensou primeiramente em separar-se, mas finalmente deixou-se convencer por
continuar a vida na qual tinham sido formados. Conselheiro do Papa, Bruno não se
sentia à vontade na Corte Pontifícia. Bruno, viria a permanecer somente uns meses
em Roma. Com a aprovação do Papa fundaria o novo eremitério nos bosques da
Calábria, ao sul da Itália, com alguns novos colegas.

Bruno para seus congéneres, era considerado um modelo vivo, apesar de não ter
escrito nenhuma regra monástica para eles. Após a sua morte, os seus sucessores,
permaneceram naquele lugar, e guiando-se pela experiência foram criando

5 Ainda jovem, a estudar na escola catedralícia de Reins. Adquirido o grau de doutor e


nomeado Cônego do Capítulo da catedral, foi designado em 1056 escolaster, isto é, Reitor da
Universidade. Foi um dos maestros mais renomeados de seu tempo : « …um homem prudente,
de palavra profunda ».

Victor Manuel Lopes Soares 49


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

gradualmente um gênero de vida eremítica próprio, que se transmitiria a seus


continuadores, nunca por códigos escritos, mas sim pelo exemplo.

Especificamente a Ordem dos Cartuxos, como norma seguia a filosofia de absoluto


silêncio, a fim do aprofundamento na oração e à meditação das coisas divinas, ofícios
litúrgicos comunitários, obediência aos superiores, trabalhos agrícolas, transcrição de
manuscritos e livros.

A Ordem dos Cartuxos é considerada a mais rígida de todas as ordens da Igreja, e


atravessou a história sem reformas.

Os primeiros estatutos seriam elaborados por Guigo que seriam o texto da Regra
cartusiana. Com o correr do tempo verificaram-se outras adições ou modificações
necessárias, adaptando-se às novas condições de tempos e lugares.

Estes Estatutos, verdadeira soma de espiritualidade monástica, são a transmissão de


um caminho de oração, que conduz à contemplação ou ao conhecimento verdadeiro
de Deus, a quem a vida está inteiramente consagrada.

Ilustração 9 - Igreja da Cartuxa- Alçado frontal


(Victor Soares)

Victor Manuel Lopes Soares 50


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

No decurso do Concílio Vaticano II6, foram redigidos os "Estatutos renovados da


Ordem cartusiana", para serem conformes ao código de Direito canônico de 1983,
estes Estatutos foram de novo revisados até chegar aos "Estatutos da Ordem
cartusiana", aprovados pelo Capítulo Geral de 1987.

Segundo estes estatutos, a comunidade cartusiana está formada por monges do


claustro, sacerdotes ou aqueles que são destinados a sê-lo -Padres - e por monges
conversos ou donatos -Irmãos. Os monges do claustro vivem uma solidão mais estrita,
não saindo da cela individual, a não ser para a liturgia sobretudo aos domingos.

As principais atividades baseiam-se na oração, leitura e trabalho de manutenção das


instalações em prol da comunidade. Toda a manutenção das instalações é feitas por
eles, executando trabalhos que vão da carpintaria à agricultura.

Estes monges vivem sem ter nada como próprio, apesar de conservar a propriedade e
disposição de seus bens. Ao fim de sete anos fazem os votos definitivos e também
concretizam a doação perpétua.

Ilustração 10 - Santa Cecília de Trastevere- Roma (Remi Jouan)

6 O Concílio Vaticano II (CVII), XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convocado no dia
25 de Dezembro de 1961, através da bula papal "Humanae salutis", pelo Papa João XXIII.
Este mesmo Papa inaugurou-o, a ritmo extraordinário, no dia 11 de outubro de 1962. O
Concílio, realizado em 4 sessões, só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, já sob o
papado de Paulo VI.

Victor Manuel Lopes Soares 51


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Existem também conventos de cartuxas femininas, as quais admitem os mesmos tipos


de vocação com os nomes de monjas de coro, monjas conversas e monjas donatas.

Em Portugal a Ordem, viria instalar-se primeiro no Convento de Santa Maria Scala


Coeli, popularmente chamado Convento da Cartuxa, situado na freguesia do Bacelo,
na cidade de Évora, junto à estrada de Arraiolos, a cerca de 1km das Portas da Lagoa.

Em 1598, D. Filipe II obteve do Papa Clemente VII a bula 'Circa Curam' com a licença
para atribuí-la aos frades cartuxos, instalados na Travessa dos Brunos, na Pampulha.

O convento da Cartuxa em Caxias conhecido como Cartuxa de Laveiras, também


designado como Cartuxa de Santa Maria do Vale da Misericórdia "Sanctae Mariae
Vallis Misericordiae"7, Cartuxa de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia, Cartuxa de
Lisboa e Mosteiro de São Bruno, é fundado provisoriamente em 1595.

Este convento foi construído em terrenos doados por D. Simoa Godinho8, filha de um
dos primeiros colonos de S. Tomé e Príncipe, casada com o fidalgo D. Luis de Almeida
e após a sua morte em Lisboa em 1594, deixaria a Santa Casa da Misericórdia como
sua principal herdeira. Nesses bens, deixa a quinta em Laveiras para a fundação de
um convento. A partir do início do século XVII a Ordem cartusiana, passaria a dispor
de um segundo convento em Portugal -a primeira seria em Évora- agora em Laveiras.

A Igreja da Cartuxa foi inicialmente construída no vale da Ribeira de Barcarena para


os frades de São Bruno e dedicada a Nossa Senhora da Conceição e a São Bruno. Só
no inicio do Século XVII surgiu o atual conjunto da Cartuxa, num local mais ermo que o
anterior, com a construção do edifício principal -a Igreja- numa imitação livre da Igreja

7 O facto de a Cartuxa ter sido construída para os frades de São Bruno, no vale da Ribeira de
Barcarena, e da doadora ter fundado uma capela na igreja da Conceição Velha (na qual
repousam os seus restos mortais), em Lisboa, sob a invocação de Nossa Senhora da
Misericórdia, justifica que ao mosteiro fosse dada a designação de 'Valles Misericordiae', e que
a igreja tenha sido dedicada a Nossa Senhora da Conceição e a São Bruno.

8 Nascida em S. Tomé, no seio de uma família rica de fazendeiros, acabaria mais tarde, já
casada com o fidalgo Luís de Almeida, por vir viver para a capital do reino, onde viria a
expressar o seu carácter profundamente humano através de inúmeras obras de solidariedade,
nomeadamente junto da Misericórdia

Victor Manuel Lopes Soares 52


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

da Cartuxa de Évora, cuja linguagem plástica se assemelha à de Santa Cecília de


Trastevere9, em Roma.

Em 1603 tem início a construção do ermitério para 12 monges cartuxos e seria


ampliado entre 1613 e 1736, passando a ter um claustrum minus, rodeado por cinco
capelas, igreja, sacristia, capítulo e refeitório, assim como um claustrum maius,
rodeado pelas habitações dos monges cartuxos. A edificação das habitações dos
monges nunca chega a concretizar-se em toda a sua totalidade.

Entre 1613 e 1621 o ermitério foi ampliado num local ligeiramente a Oeste do
existente, decorrendo a sua construção até 1736.

O terramoto de 1755 danifica a igreja10, cuja reconstrução decorreu segundo um


projeto de Carlos Mardel.

Com a extinção no século XIX das ordens religiosas pelo regime liberal, a Ordem da
Cartuxa fechou os dois mosteiros que detinha em Portugal11, obrigando a que os
monges da Cartuxa de Lisboa se pusessem em fuga, abandonando a clausura e
seguindo a pé pelo país em busca de porto seguro12.

A 12 de Março de 1834 a sentença da Junta do Exame do Estado Atual e


Melhoramento Temporal das Ordens Religiosas suprimiu, extinguiu e profanou o
Hospício de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia de Laveiras13.

9 Santa Cecilia in Trastevere (Igreja de Santa Cecília em Trastevere) é uma igreja


de Roma construída no século V, segundo a lenda, sobre a casa onde viviam Valeriano e sua
esposa Cecília, cristã, que sofreu o martírio sob o imperador Marco Aurélio.

10 Em 1758, o padre-cura Francisco dos Santos Pereira, ao aludir a Laveiras, entre outras
localidades da região, logo após o terramoto, referia a ermida de Nossa Senhora de Porto
Seguro, que pertencia aos Monges de São Bruno, lugar de romagens.
11 Em 1823, pela Lei de 24 de Outubro a Ordem da Cartuxa foi reduzida a uma casa
(permanecendo a de Évora), tendo sido feito o inventário de bens móveis e imóveis do
mosteiro entre os quais dos da botica, do cartório, da livraria, e das terras de que a ordem
dispunha em Povos, Laveiras, Caxias, Loures, Frielas, Apelação, Colares e Sintra, e ainda das
propriedades em Lisboa, nomeadamente o hospício na Rua Direita do Salitre. No entanto, a
supressão não chega a concretizar-se.

12A Cartuxa de Évora fechou no ano seguinte, em 1834, após o fecho compulsivo e a expulsão
dos monges da congregação

13 Pela mesma portaria foi proposto que o Frei José Felix fosse integrado na comunidade do

Mosteiro de Mafra dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho.

Victor Manuel Lopes Soares 53


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

3.2. HISTÓRIA DO CONJUNTO NO SÉC. XX

A partir de a 31 de Maio de 1903, foi instalado na área do Convento da Cartuxa o


Reformatório Central de Lisboa, o qual foi transferido do Convento das Mónicas, em
Lisboa, tendo em conta a vasta área de quatro hectares disponível e mesmo porque o
Convento das Mónicas, apresentava condições precárias e algo degradantes.

Ilustração 11 - Convento da Cartuxa – Vista aérea do conjunto atualmente Caxias (Instituto


Geográfico do Exército)

Pelas condições do lugar, caraterizado por um curso de água, áreas de terreno com
potencialidades agrícolas, um vasto olival e ainda uma pedreira onde se exploravam
inertes e cal, esta estava em condições de albergar os jovens e ainda fornecer um
conjunto de atividades ligadas ao ensino nas áreas de horticultura, pomologia,
jardinagem, viticultura e artes de construção civil.

A partir de 1911, e com a publicação da Lei de Proteção à Infância, a casa de


Correção viria a ser designada como Escola Central de Reforma. Com a construção
de novas instalações destinadas à regeneração moral e social, o conjunto estava
organizado em três seções: Instrução, industrial e agrícola.

Em 1930, o então Inspetor-geral dos Serviços, Dr. Augusto de Oliveira, e tendo em


conta as necessidades da nova população interna, solicita a elaboração de um projeto
mais completo, aproveitando as bases do antigo Convento.

Victor Manuel Lopes Soares 54


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 12 - Fachada atual da Igreja da Cartuxa (Victor Soares)

Este projeto contemplava um programa com a construção de novas instalações e a


adaptação do edifício a três setores: o primeiro albergaria dormitórios, refeitório, casas
de banho, lavabos e retretes, salas de família, aulas, quartos para o perceptor e
auxiliares, rouparia, recreio adaptável a jogos escolares, com árvores, bancos, retrete
e lavabo; instalações comuns às três divisões e suas dependências; o segundo com
ginásio, enfermaria geral e quartos de isolamento, quartos de observação e castigo,
sala de conselhos, aula de música e canto oral, piscina e lavatórios anexos a um dos
tanques de irrigação, lavandaria a vapor, instalação da bomba de incêndios; secção
preparatória; e o terceiro, com rouparia, aulas de ar livre, de instrução primária, de
ciências naturais, de trabalhos manuais e pré-aprendizagem, salão de festas,
receções e conferências, recreios adaptáveis a jogos escolares, com árvores, bancos,
retretes e lavabos, casa de habitação para o preceptor adjunto e família; instalações
para oficinas: alfaiataria, sapataria, carpintaria mecânica e civil, marcenaria,
serralharia, tipografia e encadernação, e aula de desenho profissional; instalações
agrícolas e pecuárias: vacaria com anexo para lacticínios (manteigaria e queijaria),
pocilga, instalações canículas, nitreiras e respetivas canalizações, silos, construção de
um depósito de água para serventia comum às instalações agrícolas e às oficinas,
construção de tanques e acabamento da rede geral de irrigação, aula de ciências
naturais, rudimentos de agricultura e de tecnologia agrícola e industrial.

Victor Manuel Lopes Soares 55


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 13 - Proposta de Rodrigues de Lima- 1949 (Arquivos do Ministério da Justiça)

Além disso deveria ser contemplada a construção e levantamento de muros de


vedação de toda a propriedade; instalação da canalização geral de esgotos; instalação
dos pára-raios necessários à segurança do edifício; aquisição ou aluguer das terras do
Infantado anexas ao Casal de Laveiras; construção e compra de habitações - para o
pessoal interno e para o pessoal externo, em Laveiras; e, desassoreamento da ribeira
de Barcarena, com o auxílio dos desempregados.

Contudo, o projeto de Augusto de Oliveira não viria a ser construído. Só mais tarde, e
já com a direção do centro a cargo do Dr. José Guardado Lopes e após a criação da
Comissão das Construções Prisionais, pelo Ministério das Obras públicas, foi possível
elaborar o plano das novas ampliações. Para isso foi nomeada uma comissão da qual
faziam parte o Prof. Doutor José Beleza dos Santos e os arquitetos Pedreira de
Almeida e Rodrigues Lima, tendo como assistente técnico, representante dos Serviços
Jurisdicionais de Menores, o próprio diretor do Reformatório Dr. José Guardado Lopes.

Este projeto viria a ser construído, surgindo o novo complexo do Reformatório Central
de Lisboa para internar centenas de jovens, estes, ordenados por idades e pelas
penas a cumprir, tornando-se assim, na maior estrutura do género e no mais moderno
reformatório nacional. Para além da execução de obras de recuperação das antigas
Oficinas, foram construídos mais alguns edifícios a Este do convento, dos quais uma
enfermaria nova, Cozinha/Refeitório e três unidades de acolhimento.

Victor Manuel Lopes Soares 56


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

O conjunto contemplou um bairro habitacional, constituído por nove habitações,


destinadas aos funcionários do Reformatório, permanecendo até aos dias de hoje,
com a estrutura inicial de residências geminadas, tendo sofrido apenas pequenas
intervenções pontuais de recuperação, ou algumas alterações funcionais.

O Centro Educativo Padre António de Oliveira, que chegou a albergar cerca de 500
jovens, foi a maior instituição do género a nível nacional, vê-se hoje encerrado.

Victor Manuel Lopes Soares 57


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Victor Manuel Lopes Soares 58


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

4. CARACTERIZAÇÃO ARQUITETÓNICA E ESTRUTURAL DO EDIFÍCIO

4.1. INSPEÇÃO E DIAGNÓSTICO

Quando se faz uma intervenção num edifico antigo, há a necessidade em saber se a


intervenção a realizar, tem como objetivo a reposição da qualidade inicial, ou se, essa
intervenção permite através da nova função, melhorar as suas condições de
funcionamento, adequando-o às melhores exigências de qualidade e conforto. Neste
contexto. Surge a necessidade de se fazer um bom diagnóstico, que permitirá uma
análise mais detalhada, pelos técnicos especialistas e com vasta experiência no
domínio das diversas técnicas de construção utilizadas ao longo da história.

Ilustração 14 – Exterior vista de uma das alas (Victor Soares)

A partir desse rastreio, obtém-se o estado de conservação do edifício, tendo assim


elementos que irão delinear as estratégias a seguir.

De uma forma geral a metodologia pode variar, contudo, para este trabalho, optou-se
pela seguinte:

1 – Pesquisa histórica que identifique a funcionalidade presente e passada da


construção.

2 – Recolha e análise de informação desenhada e escrita.

3 – Levantamento exaustivo do seu estado no interior.

4 – Análise do seu estado exterior e condições da envolvente.

Victor Manuel Lopes Soares 59


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

5 – Análise de implementação de um plano de monitorização à estrutura.

6 – Sondagens e ensaios que permitam a caracterização dos materiais.

Serão estas ações a permitir um diagnóstico que deve sustentar as futuras ações de
intervenção sobre o edifício, que poderão ser de reabilitação, restauro ou de
substituição ou demolição de elementos. Caso seja necessário pode-se ainda
estabelecer novas medidas de apoio ao diagnóstico.

Tendo em conta a complexidade do diagnóstico, pela diversidade de fatores distintos,


este obriga a uma equipe multidisciplinar com vasta experiência qualificada e
comprovada nos domínios da patologia e reabilitação de edifícios.

Tendo em conta o grau de intervenção e o seu valor, os procedimentos a incluir no


diagnóstico serão discutidos pela equipa projetista. A informação que este diagnóstico
fornece será sistematizada para facilitar a sua consulta e compreensão, traduzindo-se
num documento escrito com a seguinte estrutura:

1 - Introdução;

2 – Localização e descrição do edifício;

3 – Descrição dos elementos construtivos em análise;

4 – Sondagens, medições e ensaios;

5 – Caracterização do estado de degradação e identificação de anomalias;

6 – Causas prováveis de anomalias;

7 – Metodologia proposta para os trabalhos de reabilitação;

8 – Estimativa de custos;

9 – Conclusão.

Victor Manuel Lopes Soares 60


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 15 - Exterior e apresentação das patologias no exterior da ala lateral


(Victor Soares)

A estratégia a seguir num processo com estas características vai depender em muito
da qualidade das soluções propostas e da estimativa orçamental global. (Freitas, 2012,
p.26-27)

Neste trabalho, há a intenção objetiva, de chegar a resultados que possam contribuir


com consistência, para que no futuro se possam realizar recuperações e revitalizações
mais precisas.

Ilustração 16 - Exterior e apresentação das patologias nos alçados (Victor Soares)

A prática de projeto determina que os projetistas utilizem esta estrutura de análise


devido à sequência lógica de análise do edifício e seus elementos construtivos.

Victor Manuel Lopes Soares 61


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

A utilização desta tabela proporciona elementos de análise do geral para o particular


de cada edifício e de cada um dos seus elementos construtivos e ainda a possibilidade
de obter uma caracterização genérica da construção.

A utilização de um método de análise criterioso e bem estruturado permite um


aperfeiçoamento e uma possível atualização à medida das necessidades.

Assim sendo, a utilização de uma ferramenta de análise e diagnóstico é fundamental,


e vai constituir um elemento preponderante para o desenvolvimento do projeto.

Ilustração 17 – Muro exterior e seu estado de degradação (Victor Soares)

Victor Manuel Lopes Soares 62


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Quadro: Método Simplificado de Diagnóstico – Matriz Geral

Zona do Elemento de Componentes Anomalias Causas das


edifício construção anomalias

Exterior Coberturas Materiais Fissuras Humidades

Paredes Revestimentos Humidades Infiltrações

Vãos Outros Degradação Condensações

Infiltrações
acidentais

Erros de
construção

Interior Coberturas Materiais Fissuras Humidades

Paredes Revestimentos Humidades Infiltrações

Vãos Outros Degradação Condensações

Infiltrações
acidentais

Erros de
construção

4.1.1. GRAU E EXTENSÃO DA DEGRADAÇÃO

IGREJA, CONVENTO E CLAUSTROS

A área externa e interna da Igreja e edifícios adjacentes, pelas suas características


refletem um conjunto de elementos arquitetónicos, que configuram uma imagem
harmoniosa do conjunto. Contudo o tempo deixou as suas marcas, resultando num
conjunto de patologias que remetem para uma degradação, comprometendo a sua
vida útil.

Urge sanar estas anomalias a fim de restaurar/ recuperar e garantir o perfeito


funcionamento dos elementos construtivos da edificação.

Victor Manuel Lopes Soares 63


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 18 – Interior do Claustro (Victor Soares)

1. Vistoria Externa

1.1. Fissuras na união das paredes

Constatou-se a presença de diversas fissuras verticais e horizontais, sobretudo nas


uniões parede/pavimento externo (calçamento) em praticamente toda a extensão do
edifício. Estas resultam de movimentações higrotérmicas entre componentes distintos.
A implantação do corpo da igreja, apesar de estar numa plataforma mais elevada, no
seu perímetro está rodeada por terreno com um declive acentuado e pouco ajustado,
sem caleira de recolha de águas o que propicia o acúmulo de água nessas zonas, e
consequentemente, o desenvolvimento de fungos e bolores, favorecendo o acesso da
água para o interior da edificação.

1.2. Recalque no piso dos passeios, nos alçados frontal e tardoz e alçados laterais.

Constatou-se um recalque próximo à escada de acesso a entrada principal do edifício


da Igreja, cuja origem será de um possível vazamento na rede de distribuição de água
pluvial. Apesar de algumas intervenções –pequenas obras- para sanar o problema,
este não está resolvido.

Victor Manuel Lopes Soares 64


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 19 - Vista dos tectos interiores (Victor Soares)

1.3. Fissuras de janelas

Observam-se o aparecimento de fissuras, no canto das aberturas de janelas geradas


pela deficiência de vergas e contra-vergas, cuja origem, está relacionada com o tempo
que as mesmas não são alvo de obras.

Salienta-se que esta patologia possibilita a percolação de água e, posterior


deterioração da argamassa interior e de revestimento, bem como dos materiais
constituintes pelas movimentações higroscópicas.

1.4. Degradação das fachadas da edificação

1.4.1. Constatou-se o desenvolvimento de bolor e fungos, bem como o


desprendimento do emboço nas extremidades das paredes, Tal fato foi observado em
toda a extensão das fachadas da edificação.

1.4.2. A presença de humidade constante nas fachadas propiciam o desenvolvimento


de microrganismos (fungos e bolores) resultando na degradação da pintura e
da argamassa de revestimento, comprometendo, assim a vida útil dos materiais.

Victor Manuel Lopes Soares 65


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 20 – Patologia das argamassas (Victor Soares)

1.4.3. Constata-se a presença de fissuras nas paredes, expostas, diariamente a


variação de temperatura. Verifica-se que é oriunda da falta de reparo efetuados que
desrespeitaram os procedimentos necessários a serem adotados quando da união
entre materiais distintos.

2. Cobertura

Nota-se a ocorrência de telhas quebradas e/ou empenadas que ocasionam o


aparecimento de infiltrações e vazamentos.

3. Vistoria na parte interna da edificação

A área interna, necessita uma atenção especial nas questões que podem contribuir
para a degradação e o comprometimento da vida útil da edificação. A seguir são
apresentadas as patologias identificadas:

3.1. Conservação dos pisos

Por meio de uma análise visual constataram-se diversas patologias nos pisos da
edificação, a saber:

Victor Manuel Lopes Soares 66


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 21 – Patologias em pavimentos, paredes e tectos (Victor Soares)

3.2. Conservação das pinturas e revestimentos das paredes

As principais patologias identificadas são listadas a seguir:

3.2.1. Patologia presente nas paredes nas regiões próximas as janelas e portas. Tal
fato deve-se à atuação de sobrecargas, ocasionando a entrada de água (humidade) e
a deterioração.

3.2.2. “Cantos vivos” danificados: verifica-se vários “cantos vivos” (quinas) quebrados
nas paredes que comprometem o sistema de pintura. Essas patologias são geradas
pelo atrito e impactos de equipamentos e utensílios utilizados incorretamente.

3.2.3. Humidade ascensional: vários locais apresentam patologias ocasionadas por


humidade ascensional. Esta corresponde a um foco de descolamento/estufamento da
pintura/revestimento causando deterioração da mesma.

3.2.4. Inclinação inadequada dos peitoris das janelas: as janelas, em praticamente sua
totalidade, apresentaram peitoris com inclinação para região interna. Como não existe
pingadeira tem-se o retorno da água de chuva e consequentemente a deterioração da
argamassa de revestimento e da pintura.

3.2.5. Patologias de humidade causados por vazamentos nas calhas de escoamento


pluvial do telhado: observou-se, nas regiões superiores, a presença de manchas de
humidade oriundas, possivelmente, de vazamentos da tubulação de captação de água

Victor Manuel Lopes Soares 67


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

do telhado. Pode-se observar que os vazamentos está a deteriorar a pintura e


ocasionando a formação de microrganismos (fungos).

Ilustração 22 – Imagens do interior e verificação do estado dos pavimentos e paredes


(Victor Soares)

3.3. Conservação das portas

As portas encontram-se desgastadas, com presença de humidade e cupins, partes


quebradas, falta de fechaduras e/ou dobradiças.

3.4. Conservação das Janelas

Durante a vistoria diagnosticou várias patologias nas janelas da edificação. A maioria


oriunda da ação das intempéries e da falta de manutenção, destacando-se: janelas
apodrecidas oriunda da presença de humidade, regiões danificadas devido a falta de
serviços de manutenção, janelas com vidros quebrados e/ou desuniformes.

Victor Manuel Lopes Soares 68


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Capítulo III

5. PROJETO

5.1. A METODOLOGIA COMO SUPORTE DE INTERVENÇÃO

Cada unidade do tempo que nos alcança revela-nos o nosso posicionamento num
determinado contexto ético e estético. Em consequência e face à elevada acumulação
nos últimos dois seculos de tantos bens patrimoniais, quer em grandes unidades
urbanas, edifícios notáveis e como também em espaços públicos de sociabilização,
que destino temos para eles na atualidade? Farão sentido ainda na nossa vida atual?
Todos têm lugar? Temos critérios objetivos e subjetivos válidos para suportar as
escolhas para o presente e para o futuro? Atualmente para sermos modernos temos de
incorporar parte ou o todo antigo herdado? E com que critérios e expressões? O
património humaniza a sociedade? Mas então o que é o património e que importância
tem efetivamente nas nossas atuais vidas? Existe um ideal de património só porque
existe património? O património é a alma nostálgica do homem perante si próprio?
(Mestre, 2012, p. 9)

Só uma atitude critica, nos pode levar a desenhar uma estratégia com garantias, num
quadro da reabilitação e valorização do património. É assim que podemos almejar um
objetivo que se pretende sério e para o qual o arquiteto deve estar informado.

O quadro de atuação deve basear-se no propiciar da adaptação do edificado


patrimonial aos atuais modos de vida e às suas mais estritas exigências de segurança
e conforto, conservando a sua identidade.

Na cidade, enquanto forma e conteúdo, o espaço público e os seus equipamentos


funcionaram como parte do todo, sendo um todo, e por todos vivido. Assim sendo, os
espaços públicos devem ser alvo de intervenções muito qualificadas e criteriosas.

Como primeiro passo da reabilitação de um edifício ou de um conjunto edificado passa


pela identificação dos seus problemas e da causa destes.

Numa primeira fase, há que realizar um trabalho de campo, cujo objetivo deve ser
fazer um levantamento exaustivo do edificado e das suas características, onde deve
constar a idade do edifício, o seu estado, as condições de salubridade, o seu carácter
espacial, a qualidade, o número pisos, espaços e a sua função. Esta informação é
obtida em levantamento no local e registada e documentada, em fichas próprias.

Nas edificações mais antigas, com métodos de construção tradicional, surge por
diversas vezes a repetição do sistema construtivo, facilitando a identificação de

Victor Manuel Lopes Soares 69


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

anomalias e da falta da adequabilidade às exigências de conforto atuais. Deste modo


as necessidades de intervenção são similares nos diferentes edifícios, uma vez que as
patologias são genericamente comuns e com a mesma origem.
Para facilitar a interpretação na fase de recolha de dados no processo de reabilitação,
surge como boa prática a elaboração de desenhos que permitam compreender o
edifício tridimensionalmente, caracterizando os seus elementos constituintes e
percebendo a função que cada um tem no mesmo. Esta informação deve ser exposta
em fichas de tipificação construtiva, para posterior análise. (Silva, 2015, p.119)

Após uma exaustiva, análise é necessário determinar o que será melhor manter, o que
se deve reabilitar ou o que já não é possível reabilitar pelo facto de se encontrar num
grau de degradação bastante avançado.

Esta atitude implica ter em conta a função a que se destina o edifício, seja ela
diferente ou não, tendo em conta que qualquer edifico pode receber uma nova função.
Como premissa da reabilitação de um edifício passa por resolver todos os seus
problemas e patologias, procurando, numa lógica de beneficiação do edifício, a
melhoria do seu desempenho funcional ou procurando novas funções.

Após a definição do tipo de reabilitação e decidida a função do edifício é necessário


escolher materiais e técnicas a aplicar, tendo em conta a solução construtiva do
edifício, respeitando sempre a existência destas.

Devido á importância das operações de reabilitação, é indispensável reunir informação


e documentação sobre casos concretos e que tenham sido considerados como
modelos. Para isso, é necessário convergir um planeamento prévio com um projeto
correto que contemple um detalhado projeto de execução.

Posto isto e por entendermos que um equipamento coletivo têm um carácter


estratégico e fulcral no desenvolvimento de uma região, ou mesmo de um país, para
este projeto e devido às características e localização do conjunto, optou-se por um
equipamento coletivo cultural.

Como premissa desta ideia, está o que consideramos estratégico na relação deste
equipamento com a coletividade onde está inserido. Independentemente da sua
função, os equipamentos coletivos qualificam uma localidade, tornam-se pontos
centrais e de reunião das populações e de atração de novos habitantes. Poder-se-á
afirmar que são além de serem elementos fundamentais no desenvolvimento de uma
sociedade, estabelecem um estatuto a uma localidade.

Victor Manuel Lopes Soares 70


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Qualquer lugar deve orgulhar-se do seu passado, e numa perspetiva dessa


preservação, a organização de um espaço para uso coletivo, responsabiliza essa
comunidade, ajudando a manter uma identidade.

A conversão de um edifício ou de um conjunto edificado num equipamento cultural é


assim uma mais-valia na qualidade dos habitantes, e por isso a opção em organizar o
atual conjunto do Convento da Cartuxa num equipamento cultural diversificado, vai
conjugar um conjunto de necessidades.

Quadro – Definições para cada uma das fases do projeto de Reabilitação

Fase do projeto Produto

Levantamento da situação existente


Instrução
Objetivos e características gerais das edificações existentes,
Programa funcional com tempo previsto, usuário, atividades,
requisitos e especificações funcionais e tecnológicas.

Projeto Funcional Característica morfológica-dimensional dos espaços e dos


elementos, tipo de ação para o usuário em cada ambiente
(tipologia do elemento espacial).

Projeto Requisitos e especificações tecnológicas, modelos funcionais e


tecnológico tecnológicas.

Durabilidade do Modelo de funcionamento primário da edificação e suas partes


projeto onde se determinam as soluções técnicas a serem adotadas.

5.2. SITUAÇÃO EXISTENTE

O conjunto do Convento da Cartuxa localiza-se num terreno com uma área


aproximada de 32.500m², envolvido por uma densa área arborizada, constituída
sobretudo por pinheiros e vegetação de pouco porte. A topografia é bastante irregular,
com uma diferença de cotas, que atinge os 30 metros.

Victor Manuel Lopes Soares 71


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Esta área limitada por uma grande cerca tem duas entradas, uma a Nascente/Sul e
outra a Sul/Poente, sendo esta ultima a entrada principal.

Em 2003, foi realizado um projeto que implicou a demolição dos dois pavilhões que se
encontravam no terreno a Sul do CEPAO, que iriam integrar a nova Cidade Judiciária.
Este projeto não teria persecução devido ao incumprimento variado,
fundamentalmente não cumprindo regras do Plano director Municipal de Oeiras,
mantendo-se o terreno até hoje sem qualquer ocupação.

O conjunto alberga uma variedade de elementos, sendo a Igreja o principal edifico,


complementado pelos restantes que forma construídos na década de cinquenta. Estes
contemplam uma implantação dispersa, com acessibilidades desorganizadas em
termos territoriais.

O conjunto apresenta uma fragilidade organizacional dos edifícios principais que


compunham o Centro, causando a dispersão das áreas de atividades ou serviços.
Esta implantação limita a deslocação de um lugar para o outro das atividades, como,
por exemplo atualmente, da Administração para o Refeitório, que se localiza no
extremo oposto do território, ou do atual Edifício Horizonte para a Biblioteca que
funciona no edifício da Administração.

Victor Manuel Lopes Soares 72


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Desenhos da Situação Existente

Ilustração 23 - Planta à cota 10.52 (Victor Soares)

Ilustração 24 - Planta à cota 14.32 (Victor Soares)

Victor Manuel Lopes Soares 73


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 25 - Planta à cota 17.20 (Victor Soares)

Ilustração 26 - Planta à cota 20.10 (Victor Soares)

Victor Manuel Lopes Soares 74


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 27 - Planta das coberturas (Victor Soares)

Ilustração 28 - Alçado Principal (Victor Soares)

Victor Manuel Lopes Soares 75


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 29 - Alçado Lateral Esquerdo (Victor Soares)

Ilustração 30 - Corte A-A (Victor Soares)

Ilustração 31 - Corte B-B (Victor Soares)

Ilustração 32 - Corte C-C (Victor Soares)

Victor Manuel Lopes Soares 76


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 33 - Corte D-D (Victor Soares)

Nota: Estas Imagens estão apensas aos anexos em escala maior.

5.3. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Procurou-se neste projeto garantir acessibilidade plena para todas as pessoas,


colaboradores, visitantes e usuários, como forma de integração e inclusão social. A
organização espacial procura o convite ao convívio e ao uso dos espaços em sua
totalidade.
Quanto à flexibilidade e reversibilidade os espaços comportam certo nível de
flexibilidade de uso, diminuição ou ampliação de sua capacidade de usuários e
colaboradores, limitados às condições mínimas de bom funcionamento. Organizam-se
espaços multifuncionais que permitam diversas configurações de forma rápida, com
baixo custo operacional. Na eleição dos materiais, adotam-se soluções de acordo com
os avanços tecnológicos para a maior viabilidade do método construtivo, além de
estética intemporal. Relativamente às áreas exteriores esta incide na transformação e
preservação da paisagem funcionando como complemento do conjunto arquitetónico.

Victor Manuel Lopes Soares 77


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 34 - Planta Piso -1 (Victor Soares)

Assim sendo é proposto um projeto de arranjos exteriores que se coadune com as


futuras construções em todas as suas transparências privilegiem a interação entre os
seus ambientes e o verde circundante.

5.3.1. CONCEITO DA INTERVENÇÃO

A riqueza dos lugares que constituem as cidades atuais, está diretamente relacionado
com a diversidade e com a unidade, possibilitando várias leituras sobre um conjunto
de questões que se levantaram a parir da sua organização ao longo do tempo.

A partir do entendimento de que o lugar arquitetónico engloba um edifício e a relação


que este estabelece com a envolvente, foi objetivo fundamental que o projeto do Hotel
e serviços de apoio, partisse dos contextos e pré-existências, com a intenção de criar
um novo contexto para organizar um novo lugar.

Assim, o lugar como elemento com “sentido” constituiu as condicionantes e o projeto


com “objetivos”, assume a circunstância do protagonismo de acontecimento.

Victor Manuel Lopes Soares 78


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Neste contexto, o projeto assume-se com “um facto” perseguindo uma resposta ao
programa e sobretudo ao lugar.

Ilustração 35 - Planta Piso 0 (Victor Soares)

As premissas podem remeter para as palavras de Mies van der Rohe quando afirma
que é certo que a arquitetura depende dos feitos, mas o seu verdadeiro campo de
atividade é o reino do significado, Espero que compreendam que a arquitetura não tem
nada que ver com a invenção das formas. Não é um jogo para crianças pequenas ou
grandes. A arquitetura escreveu a história das épocas e nomeou-as. A arquitetura
depende do seu tempo, é a cristalização da sua estrutura interna, é o lento
aperfeiçoamento da sua “forma”.

Victor Manuel Lopes Soares 79


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 36 - Planta Piso 1 (Victor Soares)

Nestas palavras está implícito, que a arquitetura influência processos transformadores


do seu tempo. É bem verdade que nos dias de hoje a arquitetura assume uma
progressiva globalização.

Assim sendo, foi objetivo que a forma a construir, se defina como figura, com um claro
valor semântico que remeterá para as dimensões percetivas do “objeto”.
Como conceito final podemos referir que tudo está na génese da própria Ordem.

Esta ordem contemplativa apoia-se particularmente em três elementos:


a solidão; certa combinação de vida solitária e de vida comunitária; a liturgia
cartusiana.

A solidão implica a separação do mundo, assegurada pela clausura, no entanto, esta


clausura e a guarda da cela não asseguram mais do que uma solidão exterior.

A cela é uma moradia acondicionada, por forma a proporcionar ao Cartuxo a solidão


tão completa possível. A esta está sempre associada um pequeno jardim. É na cela
onde o monge permanece em solidão a maior parte do dia, durante toda a vida.

Victor Manuel Lopes Soares 80


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

“o costume da tranquila escuta do coração, que deixe entrar a Deus por todas
suas portas e sendas”…estatuto 4.2.

Toda a nova ala de quartos foi criada segundo este conceito. Todos eles estão
separados entre si e ligados por um pano de vidro, que proporciona ao utente uma
noção de aparece/desaparece.

“separados de todos, estamos unidos a todos já que é em nome de todos que


nos montemos na presença só Deus vivo”…estatuto 34.2

O quarto relaciona-se com um jardim que está semi fechado ( tal como uma gaiola de
madeira), que poderá assegurar a tal “solidão exterior”.

A combinação da vida solitária e da vida comunitária, reflete-se no seu exterior,


através de três zonas principais, que organizam o edifício:

- O Claustro Grande
- Lugares Comunitários
- Talheres

Assente numa ideia de tectónica- numa perspetiva da questão estética da arte de


construir, entrecruzando processo com produto, cria-se um conjunto geométrico,
configurando uma estrutura formal que resulta da interação convergente dos distintos
elementos, que organizam o carácter tipológico do objeto.

Os volumes que configuram toda a forma surgem numa relação que pretende uma
multiplicidade interpretativa do lugar, referenciando o largo e a sua envolvente.

Assim obtém-se uma massa que funciona por densidade, solidez e estabilidade
surgindo como elemento privilegiado da representação, onde as condições tectónica e
espacial se subordinam ao carácter do objeto.

Victor Manuel Lopes Soares 81


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 37 - Cortes A-A e B-B (Victor Soares)

O Claustro Grande é um espaço bastante marcante na vida do Convento, que tem


como propósito reagrupar todas as celas e tornar o espaço interior mais intimista.
Situação que não aconteceu neste caso, um dos lados nunca foi construído.

Assim, foi pensado faze-lo através de um bloco sobre-elevado, que tem como função
na proposta, os “Atelieres-Núcleo de Empresas”. Estes, são complementados por uma
varanda, igualmente fechada com um ripado de madeira colocado na vertical.

A zona de encontro da “vida comunitária” local, com a designação de “espaços


comerciais”, propomo-lo a uma cota inferior (enterrado), mantendo as características
iniciais, do Claustro, sem o desvirtuar

Lugares comunitários. Os mais importantes são a igreja, o capítulo e lugares de


trabalho. Na nossa proposta é uma zona que praticamente só teve reformulação de
interiores para mudança de funções. Quanto á igreja, pelo seu valor arquitetónico,
propomos “solta-la” dos edifícios que nela encostam.
Por forma a reforçar esta ideia, ainda se propõe retirar as coberturas inclinadas dos
edifícios confinantes.

Victor Manuel Lopes Soares 82


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Talheres. “os talheres que fazem mais ruídos” (carpintaria, forja, etc) zonas mais
afastadas do resto do mosteiro para não turvar o silêncio.

Por forma a manter o mesmo conceito, foi pensado ao nível do piso -1,instalar todos
os espaços dedicados a workshops das mais diversas atividades. Espaços que na
situação atual, já se encontravam bem delineados, tendo só que se prever instalações
sanitárias e reformular acessos.

5.3.2. PROGRAMA

Aqui são apresentadas as diretrizes para o programa de necessidades, condicionantes


e demais características requeridas para o desenvolvimento do projeto.
Pretende-se, portanto, por meio deste programa funcional objetivando a clara leitura
dos princípios e conceitos do Hotel, tornando assim uma referência para suas
atividades.

Programa dos espaços:

Piso -1
1 - Espaços Comerciais
2 - Serviços de Apoio
3 - S.P.A.
4 - Oficina de Culinária
5 - Oficina de Cerâmica
6 - Oficina de Pintura
7 - Oficina de Escultura
8 - Oficina de Artesanato
9 - Oficina de Cestaria
10 - Oficina de Música
11 - Oficina de Restauro
12 - Oficina de Design e Moda
13 - Cozinha de Apoio ao Restaurante
14 - Instalações sanitárias de Funcionários

Victor Manuel Lopes Soares 83


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Piso 0
1 - Quartos
2 - Quartos com “Mezzanine”
3 - Serviços Gerais
4 - Zonas de Estar
5 - Restaurante
6 - Serviços de Apoio
7 - Sala de Conferências
8 - Instalações Sanitárias Públicas
9 - Recepção
10 - Serviços Administrativos
11 - Sala de Reuniões
12 - Igreja
13 - Sala de Exposições Temporárias
14 - Cafetaria/Biblioteca

Piso 1
1 - Ateliers-Núcleo de Empresas
2 - Salas de Reuniões
3 - Receção
4 - Arrumos
5 - Sala de Grandes Eventos
6 - “Mezzanines”

5.3.3. FORMA

A Igreja em conjunto com a ala adjacente e o próprio claustro, ocupa uma posição
central e constitui-se como signo identificador do edifício e estabelece o percurso
regrador do conjunto. É a partir dela que se faz a ligação interior/exterior, procurando
desse modo a fixação de espaços, criando os lugares internos.

Os limites físicos do contexto, neste projeto é resolvido com um elemento estruturante


dos espaços -a nova ala- cuja agregação, define a intencionalidade de marcar o
cenário como um único objeto.

Victor Manuel Lopes Soares 84


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Este novo espaço organiza e consolida o claustro, funcionando como “vazio”, não
visível do exterior, fazendo contudo a agregação dos corpos.

Ilustração 38 - Cortes C-C e D-D (Victor Soares)

Este resulta numa unidade volumétrica, com a adição deste fragmento físicos pontual,
intencionalmente projetado no sentido da unidade formal. A utilização do material-
betão branco, na construção da superfície é concordante com a unidade formal
pretendida para a totalidade do conjunto.

Define-se uma estratégia de distribuição dos diversos espaços numa intenção de


agregação de todos os elementos. A volumetria proposta responde desta maneira a
uma intenção de volume único, recorrendo aos volumes em consola (construídos em
betão com pigmento de óxido de ferro) como somatório que permite reconhecer uma
composição, aproximando-se do padrão conceptual do cubismo.

Victor Manuel Lopes Soares 85


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Ilustração 39 - Corte E-E (Victor Soares)

O sistema formal da volumetria do conjunto desenvolve-se, deste modo em em corpos


donde se destacam um elemento –pátios, denominados como espaço de
contemplação, cuja intenção projetual é de exponenciar a geometria do objeto.

O volume do restaurante, que aparece na continuidade do bloco dos quartos, tem


como acabamento o aço corten.

A “Forma” é deste modo, no âmbito do discurso arquitetónico, uma categoria,


resultando numa interpretação contextual procurando a pertinência de
contemporaneidade.

5.3.4. ESPACIALIDADE

É objetivo nesta requalificação, e pelas condições existentes, proporcionar a para de


um conceito e de um programa, aquilo que podemos chamar a visualização de um
passeio arquitetónico, como meio de estabelecer uma lógica espacial, que
fundamentalmente é requerido pelo programa e pela pré-existência.

O conceito de espacialidade pressupõe imediatamente uma qualidade natural,


relacionada com a forma desse espaço e da sua direccionalidade.

Victor Manuel Lopes Soares 86


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Sendo assim, o edifício proposto, quanto à forma de resposta ao programa sustenta-


se deliberadamente na ideia da construção de percursos. Estes definem dois
caracteres – o público e o privado.

Esta opção parte de uma lógica funcional, criando limites na utilização do edifício, ou
seja, o espaço privado não é permeável a uma utilização do público em geral. A igreja
mantém a sua identidade e será aberta ao culto.

A nível do Piso -1, todo o espaço ocupado pelo grande espaço vazio será ocupado
pela área comercial e pelas oficinas fundamentalmente. Na parte coberta (espaços
comerciais) o recurso a iluminação zenital enriquece plasticamente a cobertura do
grande Páteo (Claustro).

No Piso 0, onde se implanta a zona nobre do hotel, com a manutenção da Igreja ao


culto, funcionará a zona administrativa e a área dos quartos, organizados em duas
tipologias (um simples e outro com “mezzanine”. Neste nível o grande claustro começa
a definir a sua espacialidade, tanto pelo tratamento de pavimento bem como a
justaposição de mais um volume construído.

O Piso 1 está voltado para uma pluridisciplinaridade de funções que atualmente se


exigem num equipamento desta natureza. Aqui serão instaladas os ateliers de núcleos
de empresas e um espaço para eventos.

5.3.5. MATERIALIDADE

O betão é conhecido pela sua resistência à compressão e altamente durável e foi


adotado o betão armado como principal material de construção, quer em estrutura,
quer nas paredes exteriores. Esta escolha baseou-se não só na resistência acrescida
conferida ao edifício pelo betão como também num fator muito importante para
qualquer edifício, que é a inércia térmica, conseguida através da alta densidade do
referido material. Em consonância com o betão optou-se por mais dois matérias de
riqueza plástica, que pretendem ser contrastantes, mas ao mesmo tempo
coadunarem-se numa leitura de conjunto: ao madeira e o aço corten.

Victor Manuel Lopes Soares 87


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

O efeito da inércia térmica e permitem uma interação positiva com o clima em muitas
outras vertentes. Tudo passa pela construção de edifícios com estruturas pesadas
(paredes, pavimentos e coberturas), muito bem isoladas termicamente, que permitam
uma relação direta (por armazenamento e radiação) com o ambiente interior.

Em face do tipo de construção pretendido foi considerada uma estrutura porticada de


betão armado respeitando os condicionalismos arquitetónicos. Os pilares tem uma
secção circular e quadrada. As lajes são maciças vigadas com espessuras que variam
entre os 0,15, 0,20 e 0,30m (ao limpo). Foi também necessário dimensionar núcleos
de elevador e monta-cargas, escadas e muros de contenção (zona da possível
ampliação, onde se encontrarão possivelmente vestígios arqueológicos do baluarte e
que se pretendem visíveis e visitáveis), elementos estes, inteiramente constituídos por
betão armado.

Por forma a melhorar o comportamento sísmico da estrutura, aproveita-se a


contribuição dos núcleos e muros de contenção, visto serem elementos verticais de
uma grande inércia, quando comparados com os pilares utilizados no projeto.

Ilustração 40 - Alçados Principal e Lateral Esquerdo (Victor Soares)

Victor Manuel Lopes Soares 88


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

As comunicações entre pisos serão realizadas através de escadas constituídas por


lajes maciças de betão armado e elevadores. Quanto ao piso térreo, este será
constituído por uma camada de material britado, um filme plástico sobre o qual se
executará um massame armado.

As fundações serão fixas (através de sapatas ou maciços de encabeçamento de


estacas) ou flutuantes com vigas e lajes de fundação.

Os maciços de encabeçamento admitem múltiplas estacas. A sua tipologia é muito


ampla: lineares, retangulares de várias estacas e pentagonais. Tanto sapatas como
maciços admitem qualquer número de pilares e paredes com posição totalmente livre.

As fundações são diretas, constituídas por sapatas de betão armado, condicionadas


pela capacidade de carga do terreno.

De modo a conferir uma maior estabilidade ao conjunto, absorver momentos


provenientes dos elementos verticais e eventuais assentamentos diferenciais, as
sapatas estão ligadas por um conjunto de vigas de fundação. As vigas de betão,
isoladas ou incorporadas em lajes maciças e que coincidem com as consolas
projetadas.

Os elementos verticais serão paredes portantes em betão e pilares de betão armado


com impulsos horizontais, muros de alvenaria genérica ou de blocos de betão que
podem ser armados. As lajes podem ser maciças e ou fungiformes maciças quando
necessário o piso técnico. As vigas de equilíbrio e os lintéis atuam sobre os maciços
de encabeçamento de estacas e sobre as sapatas.

As paredes interiores com aplicação de wallmate sobre betão no qual são aplicadas
placas de pladur garantem uma permeabilidade de respiração. Os vãos das paredes
exteriores e os existentes nos pátios interiores permitem a saída do vapor do interior
(elemento habitual em edifícios desta tipologia) para o exterior dos edifícios.

Com os materiais aplicados garante-se que a maior parte das paredes e tetos tenham
capacidade para interagir (absorver e devolver) com parte da humidade que se
encontra suspensa no ar, resultante de atividades humanas. Utilizam-se tintas

Victor Manuel Lopes Soares 89


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

permeáveis para impedir a interação das humidades resultante da utilização massiva


dos espaços.

Para otimizar o contributo da inércia térmica, é importante evitar que os materiais


pesados como o betão sejam revestidos com outros materiais leves –estes funcionam
como um isolante e interrompem o intercâmbio térmico que se pretende manter entre
os materiais com elevada inércia térmica e o ambiente interior- desse modo, a
utilização desses materiais foi evitada.

A utilização de materiais específicos em paredes interiores tetos e coberturas fornece


um isolamento térmico que associado à inércia térmica protege o ambiente do interior
do edifício.

Victor Manuel Lopes Soares 90


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente convivemos com problemas na reabilitação das nossas cidades, seja em


grandes conjuntos edificados, ou mesmo edifícios pontuais urbanos ou rurais. Apesar
de sabermos que essa degradação tem várias origens, sabemos também que diversos
técnicos e teóricos ligados ao património, criteriosamente suscitam debates, onde
caminhos são apontados e soluções são ponderadas.

Reabilitar não é o mero gesto de recuperar. Recuperar pressupõe uma intervenção


mais lata, obrigando a um conjunto de ações que defina uma identidade para esses
objetos.

É fundamental definir um conjunto de sistemas com base científica e cultural e serem


acionadas políticas ‘de recuperação do património.

Para isso há que perceber as atuais transformações a que as cidades estão sujeitas,
definindo modelos de gestão num contexto de organização social.

No intuito de colmatar as falhas nos processos de reabilitação, devem os “atores”


privilegiar e redefinir novas políticas, tanto legais como culturais. Razão tem Nuno
Portas quando afirma: “Que agora talvez já se possa perceber melhor do que quando
me referia ao território enquanto arquitetura, implicando necessariamente “arquitetos”,
de diferentes e convergentes habilidades. Se as respetivas formações souberem
responder aos novos desafios espaciais da urbanidade contemporânea (Portas, 2011,
p. 212), as ações devem ser pluridisciplinares e envolver um conjunto de técnicos e
meios para uma solidificação dos processos.

Cada edifício tem um protagonismo com diferentes valores e significados, tendo ou


não, sido alvo de alterações ao longo do tempo. Esta “vida” faz dele um objeto único.
Sabemos também que a manutenção dos edifícios possui um significado abrangente
tanto econômico, social, acadêmico, cultural e técnico e por isso podemos afirmar que
não existem “regras universais” aplicáveis a todas as intervenções no património.

Entende-se por manutenção de edifícios “o conjunto de atividades a serem realizados


para conservar ou recuperar a capacidade funcional da edificação e de suas partes

Victor Manuel Lopes Soares 91


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

constituintes bem como o de atender as necessidades e segurança dos seus


utilizadores.

Cabe então aos projetistas através da sua cultura e conhecimento, perceber de que
forma poderá manter presente, as memórias do passado.

O que reflete o sucesso de uma intervenção é sobretudo a postura, perante o objeto,


refletindo sobre as suas pré-existências, procurando através da sua longa vida os
elementos que definem a sua história e assim definir o que há a preservar evidenciado
o seu caráter.

A reabilitação e reconversão apresenta-se como uma operação difícil e complexa de


se realizar. A importância da manutenção da memória do edifício é o aspeto mais
importante, independente dos objetivos finais. A concretização de uma nova função,
no caso deste trabalho, direcionada para o turismo, a sua valorização depende
precisamente no facto de estar integrada num edifício com memória, sendo por isso
importante que a intervenção no património seja realizada com esse intuito, ou seja, o
de permitir a continuidade do edifício, carregado de história que refletem a sua vida.

A abordagem apresentada e o seu resultado apresenta-se como um caminho possível


no campo da reconversão de usos. Contudo, não pode ser encarado como solução
única.

Tome-se o caminho que se quiser, o diagnóstico das patologias de um edifício como


um todo ou em partes significa identificar as manifestações e sintomas das falhas,
determinar as origens e mecanismos de formação, estabelecer procedimentos e
recomendações para uma atuação.

É a partir do diagnóstico, que se pode planear as atividades de recuperação. Estes


dados recolhidos buscam maximizar o desempenho quanto à segurança e
habitabilidade dos edifícios e minimizar os custos das intervenções a serem efetuadas
no mesmo.

Uma conclusão a que se chegou após a realização deste trabalho é que a aposta na
reabilitação e reconversão de edifícios é uma aposta premente e com futuro. Um dos
principais é a renovação e revitalização do património edificado: reabilita-se um
edifício já existente e, ao atribuir-lhe uma nova função, como a de equipamento

Victor Manuel Lopes Soares 92


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

coletivo, aqui apresentado, dinamiza-se a área que o rodeia, tornando-a


potencialmente mais atrativa.

Com este estudo, concluiu-se, também, que a profundidade de intervenção de uma


operação de reabilitação e conversão de edifícios depende, maioritariamente, de três
fatores: Função inicial do edifício; Estado de conservação do edifício; Função
pretendida para o edifício.

Não há dúvidas que este tipo de reconversão de usos tem sido bastante bem sucedido
no sentido, em que há uma procura no mercado deste tipo de unidades. Este tipo de
intervenção apresenta a grande vantagem de possibilitar a recuperação de um
conjunto em estado de abandono e degradação.

A proposta apresentada foca-se na resolução das principais fragilidades e


necessidades sentidas no conjunto, procurando evidenciar as suas potencialidades
através da nova reorganização funcional e consequentemente formal.

Após um exaustivo levantamento e uma leitura do lugar deu-se então inicio a


metodologia de intervenção a praticar, a reabilitação e ampliação. Estas duas
abordagens foram criteriosamente impostas em função das condições atuais das
estruturas pré-existentes e no programa a implementar. O objetivo fundamental é que
estas duas abordagens se complementem e dessa união novo/antigo, possa resultar
um espaço unificado e apto para as novas funções.

Uma parte do conjunto foi alvo de obras de restauro, bem como na reorganização e
adaptação dos espaços às novas funções, conferindo-lhes novas características e
novos usos imprescindíveis para o decorrer das novas atividades, tendo em vista
manter a originalidade do edifício. No intuito de gerar espaços mais cómodos e à
implementação do novo programa perante aos espaços existentes, a tipologia original
sofre ligeiras alterações, devido à conjugação com os espaços propostos na
ampliação.

Neste projeto, procurou-se valorizar e potenciar sobretudo a pré-existência, não só


atribuindo-lhe uma vida nova como também um novo programa adaptado as
necessidades e as exigências de condições de uso.

Victor Manuel Lopes Soares 93


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Para complemento, encerramento e remate do claustro, propôs-se a criação de um


novo volume tornando-os num único em termos físicos e funcionais, aglutinando todos
os espaços procurando um funcionamento mais dinâmico, prático e desejável.

Para o novo corpo, optou-se por uma solução de estrutura base formada por sapatas,
pilares, vigas e paredes em betão armado. Esta eleição de materiais, bem como a
disposição destes espaços seguiram um modelo que facilmente se enquadraria com a
intervenção ao existente.

Espera-se, através deste trabalho, obter resultados que possam contribuir para uma
reflexão para a conservação do património, bem como das consequências das
atitudes com relação à conservação dos mesmos, proporcionando, no futuro,
reabilitações mais objetivas.

A simples ação de preservação e consciencialização de processo, está diretamente


ligado com o crescimento das sociedades, pois tanto o presente e o passado são
elementos fundamentais para esse crescimento.

Há assim, necessidade de criar uma consciência ativa para preservar o património


edificado, ou as gerações futuras conhecerão o passado apenas através de imagens
de arquivo

Victor Manuel Lopes Soares 94


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

REFERÊNCIAS

APPLETON, João (2013) – Património urbano: boas práticas de conservação e


reabilitação de edificios. Revista Património. Lisboa. 1 (Nov. 2013) 30-35.

ARCHER, François (2010) - Novos princípios do urbanismo seguido de novos


compromissos do urbanismo um léxico. 2.ª ed. Lisboa : Livros Horizonte.

CIDRAIS, Álvaro (2010) - Um breve discurso sobre o valor da cidade. [S.l. : s.n.].
Documento de apoio à disciplina de Cidade e Território, de Álvaro Cidrais, acedido na
plataforma Moodle da Universidade Lusíada de Lisboa. [Consult. 27 Nov. 2012].
Disponível em WWW:<URL:www.lis.ulusiada.pt>.

COELHO, Paulo (2011) - Fernando Távora. Vila do Conde: Quidnovi.

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CONSERVAÇÃO “CRACÓVIA 2000”


(2000) - Carta de Cracóvia 2000: princípios para a conservação e o restauro do
património construído [Em linha]. Cracóvia: [s.n.].[Consult. 18 Jun.2014].Disponível em
WWW:<URL:http://www.patrimoniocultural.pt/media/uploads/cc/cartadecracovia2000.p
df>.

CONSELHO EUROPEU DE URBANISTAS (2003) - A Nova Carta de Atenas 2003: a


visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as cidades do seculo XXI. Lisboa:
CEU.

COSTA, Alexandre Alves (1993) - Convento de Santa Marinha Guimarães, 1975-1984.


In TRIGUEIROS, Luís - Fernando Távora. Lisboa : Blau. p. 110-119.

COSTA, Alexandre Alves (2013) – Lugares praticados versus lugares de memória.


Revista Património. Lisboa. 1 (Nov. 2013) 8-10.

Fernandes, J. M. A. (1958). Monografia do Reformatório Central de Lisboa Padre


António de Oliveira – 1871-1958. Lisboa: Oficinas Gráficas do Reformatório.

FILGUEIRAS, Octávio Lixa (1962) - Da função do social do arquitecto, para uma teoria
da responsabilidade numa época de encruzilhada. Porto : Edições Sousa & Almeida,
Lda.

Victor Manuel Lopes Soares 95


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

FREITAS, Vasco Peixoto (2012) - Manual de apoio ao projecto de reabilitação de


edifícios antigos, Coordenação Vasco Peixoto de Freitas, FEUP, Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto, 1ª edição

FREITAS, Vasco Peixoto; BARREIRO, Eva (2012) - Projeto de reabilitação de edifícios


antigos: ação de formação. Braga: [s.n.]. Ação de formação promovida pela Ordem
dos Engenheiros na Biblioteca Lúcio Craveiro a 8 e 9 de Março de 2013.

FREITAS, Vasco Peixoto; LOPES, Nuno Valentim (2013) - Projeto de reabilitação de


edifícios antigos: ação de formação. Braga: [s.n.]. Ação de formação promovida pela
Ordem dos Engenheiros na Biblioteca Lúcio Craveiro a 8 e 9 de Março de 2013.

GOOGLE INC. (2012) – Google earth [Em linha]. Montain View: Google Inc. [Consult.
11 Out. 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://download-
start.com/downloads/98865>.

ICOMOS (1999) - Carta de Florença: carta dos jardins históricos 1981. Cadernos de
socio-museologia [Em linha]. 15 (1999) 215-221.[Consult. 18 Jun. 2014].Disponível em
WWW:<URL:http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=
1&ved=0CCAQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistas.ulusofona.pt%2Findex.php%2Fcad
ernosociomuseologia%2Farticle%2Fdownload%2F341%2F250&ei=d325U8qTJqie0QX
lpYCgAQ&usg=AFQjCNGPVaHf1Mp6kObzhW8jPH5w9XR9MA&bvm=bv.70138588,d.
bGQCarta de Atenas, 1931

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUITETOS E TÉCNICOS DE


MONUMENTOS HISTÓRICOS, Veneza, (1964) - Carta de Veneza: carta internacional
sobre a conservação e o restauro de monumentos e sítios [Em linha]. Veneza: [s.n.].
[Consult. 25 Jun. 2014]. Disponível em
WWW:<URL:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/d7af9_Carta_de_Veneza_1
964.pdf>.

MESTRE, Victor (2012) – Espaços e edifícios reabilitados: o que é o património e para


que serve. In TRAÇO ALTERNATIVO – ARQUITECTOS ASSOCIADOS EVIDA - Guia
de arquitectura, espaços e edifícios reabilitados. Lisboa: Vida Económica. p. 9.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A


CULTURA (1999) - Carta de Nairobi, 1976. Cadernos de sociomuseologia [Em linha].
15 (1999) 187-208. [Consult. 18 Jun. 2014]. Disponível em

Victor Manuel Lopes Soares 96


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

WWW:<URL:http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=
2&ved=0CCUQFjAB&url=http%3A%2F%2Frevistas.ulusofona.pt%2Findex.php%2Fcad
ernosociomuseologia%2Farticle%2Fdownload%2F339%2F248&ei=x365U6njCsrL0QX
12IGwDA&usg=AFQjCNFNJPE31eIdaAkNvfvp7neUPFdZsw&bvm=bv.70138588,d.bG
Q>.

PORTAS, Nuno (1969) – A cidade como Arquitectura. Lisboa : Livros Horizonte.

SILVA, João Manuel Silva (2015) - O Processo Teórico na reabilitação: Alvôco das
Varzeas como estudo de caso, dissertação apresentada à Universidade Lusiada de
Lisboa, para a obtenção do grau de Mestre

TÁVORA Fernando (2008) - Da Organização do Espaço. 8.ª ed. Porto : FAUP


publicações.

TOSTÕES, Ana (2013) – Património moderno: conservação e reutilização como um


recurso. Revista Património. Lisboa. 1 (Nov. 2013) 45-46.

UNIÃO EUROPEIA. Conselho da Europa (1975) - Carta europeia do património


arquitetónico: adotada pelo Conselho da Europa em Outubro de 1975 [Em linha].
Amesterdão: [s.n.]. [Consult. 18 Jun. 2014]. Disponível em
WWW:<URL:http://5cidade.files.wordpress.com/2008/03/cartaeuropeiadopatrimonioarq
uitectonico.pdf>.

VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes (2009) - Património: Intervir ou


Interferir?.Coimbra: Faculdade de Ciências e Tecnologias da Unversidade de Coimbra.
Dissertação de Mestrado.

ZEVI, Bruno (1957) - História da arquitectura moderna. 2.ª ed. Buenos Aires : Emecé
Editores, S. A.

Victor Manuel Lopes Soares 97


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Victor Manuel Lopes Soares 98


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

BIBLIOGRAFIA

BRANDI, Cesare (2006) – Teoria do Restauro. Alfragide: Orion.

CORREIA, Fernando Rui de Alberto Rosado (2003) - De conventos a pousadas (1872-


1997) - a requalificação da função através dos tempos - (Estudo comparado). Lisboa :
Universidade Técnica de Lisboa. Dissertação.

COSTA, Alexandre Alves (1993) - Convento de Santa Marinha Guimarães, 1975-1984.


In TRIGUEIROS, Luís - Fernando Távora. Lisboa : Blau. p. 110-119.

COSTA, Alexandre Alves (2000) – Então é Portugal, hein? Cheira bem! Jornal
Arquitectos. N.º197. (Setembro-Outubro 2000). 35-39

CULLEN, Gordon (1983) – Paisagem Urbana. Lisboa : Edições 70.

LAMAS, José MRG (2004) – Morfologia urbana e desenho da cidade. Porto: Fundação
Calouste Gulbenkian.

LINCH, Kevin (1960) – A imagem da cidade. Lisboa : Edições 70.

MASCARÓ, J. (2010) – O custo das decisões arquitectónicas. Porto Alegre:


Masquatro.

RIEGL, ALOÏS (1903) - O CULTO MODERNO DOS MONUMENTOS

HTTP://DX.DOI.ORG/10.11606/ISSN.1980-4466.V0I2P6-16

NUNES, JOANA REBELO (2011) – RECONVERSÃO DE EDIFÍCIOS PREEXISTENTES EM


UNIDADES HOTELEIRAS, ESTUDO DE CASO: CONVENTO DE SANTA IRIA E ANTIGO COLÉGIO

FEMININO DE TOMAR. LISBOA : UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA. DISSERTAÇÃO.

RODRIGUES, Duarte (2002) – A evolução do parque habitacional português: reflexões


para o futuro. Lisboa: INE.

SILVA, João Manuel Silva (2015) - O Processo Teórico na reabilitação: Alvôco das
Varzeas como estudo de caso, dissertação apresentada à Universidade Lusiada de
Lisboa, para a obtenção do grau de Mestre.

TÁVORA, Fernando (1996) - Da Organização do Espaço. Porto : FAUP Publicações.

Victor Manuel Lopes Soares 99


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

TOMÉ, Miguel (2002) – Património e Restauro em Portugal (1920-1995). Porto: FAUP.

TOSTÕES, Ana (1997) - Os verdes anos da arquitectura portuguesa dos anos 50.
Porto : FAUP Publicações.

Victor Manuel Lopes Soares 100


ANEXOS
A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Carta de Cracóvia

Anexo B - Carta de Veneza

Anexo C - Carta de Nairobi

Anexo D - Carta de Atenas

Anexo E - Peças Desenhadas

LEVANTAMENTO ARQUITETÓNICO – SITUAÇÃO EXISTENTE

Des.01 – Planta do piso -1

Des.02 – Planta do piso 0

Des.03 – Planta do piso 1

Des.04 – Planta do piso 2

Des.05 – Planta das coberturas

Des.06 – Alçados

Des.07 – Cortes

ESTUDO PRÉVIO – SITUAÇÃO PROPOSTA

Des.01 – Programa funcional

Des.02 – Planta de Implantação

Des.03 – Planta do piso -1

Des.04 – Planta do piso 0

Des.05 – Planta do piso 1

Des.06 – Planta do piso 2

Des.07 – Planta das coberturas

Victor Manuel Lopes Soares 103


A Requalificação arquitetónica de edifícios históricos e a sua conversão em equipamento coletivo - Hotel Cultural

Des.08 – Alçados

Des.09 – Cortes

Des.10 – Cortes

Victor Manuel Lopes Soares 104


ANEXO A
Carta de Cracóvia
CARTA DE CRACÓVIA 2000

PRINCÍPIOS PARA A CONSERVAÇÃO E O RESTAURO DO PATRIMÓNIO


CONSTRUÍDO

Cracóvia (Polónia), 26 de Outubro de 2000

Reconhecendo o contributo dos indivíduos e das instituições que, ao longo de três anos,
participaram na preparação da Conferência Internacional sobre Conservação “Cracóvia
2000” e na sua Sessão Plenária com o título “o património cultural como fundamento do
desenvolvimento da civilização”, os signatários, participantes na Conferência
Internacional sobre Conservação “Cracóvia 2000”, conscientes dos profundos
significados associados ao património cultural, submetem aos responsáveis pelo
património os seguintes princípios como orientação dos seus esforços na salvaguarda
desses bens culturais.

PREÂMBULO

Atuando no espírito da Carta de Veneza (1964), tendo em conta as recomendações


internacionais e motivados pelo processo da unificação europeia, na entrada do novo
milénio, os signatários da presente Carta estão conscientes de viver um tempo no qual
as identidades, num contexto cada vez mais amplo, se tomam mais distintas e
singulares. A Europa atual caracteriza-se pela diversidade cultural e, assim, pela
pluralidade de valores fundamentais associados ao património móvel, imóvel e
intelectual, o que implica diferentes significados que originam conflitos de interesse.

Esta situação requer de todos os responsáveis pela salvaguarda do património cultural


uma maior atenção aos problemas e às decisões a serem tomadas na prossecução dos
seus objetivos.

Cada comunidade, tendo em conta a sua memória coletiva e consciente do seu


passado, é responsável, quer pela identificação, quer pela gestão do seu património.

Os monumentos, considerados como elementos individuais desse património, possuem


valores que se alteram com o tempo. Esta alteração de valores, que podemos identificar
em cada monumento é, afinal, uma das características do património, ao longo da
História. Através deste processo de mudança de valores, cada comunidade desenvolve
uma consciência e um conhecimento da necessidade de preservar os bens culturais
construídos, pois eles são portadores dos seus próprios valores patrimoniais comuns.

Este processo não pode ser objeto de uma definição redutora. Apenas se pode indicar
o modo segundo o qual pode ser identificado.

Os instrumentos e os métodos utilizados para uma correta preservação do património


devem adaptar-se às situações concretas, que são evolutivas, sujeitas a um processo
de contínua mudança.

O contexto particular de escolha destes valores requer a elaboração de um projeto de


conservação e a tomada de uma série de decisões que constituem o projeto de restauro,
de acordo com critérios técnicos e organizativos apropriados.

Conscientes dos profundos valores da Carta de Veneza, e trabalhando para os mesmos


objetivos, propõem os seguintes princípios para a conservação e restauro do património
construído.

OBJETIVOS E MÉTODOS

1.O património arquitetónico, urbano ou paisagístico, assim como os elementos que o


compõem resulta de uma dialéctica entre os diferentes momentos históricos e os
respetivos contextos socioculturais. A conservação deste património é o objetivo desta
Carta. A conservação pode ser realizada mediante diferentes tipos de intervenções, tais
como o controlo do meio ambiental, a manutenção, a reparação, o restauro, a renovação
e a reabilitação. Qualquer intervenção implica decisões, escolhas e responsabilidades
relacionadas com o património, entendido no seu conjunto, incluindo os elementos que
embora hoje possam não ter um significado específico, poderão, contudo, tê-lo no
futuro.

2. A manutenção e a reparação constituem uma parte fundamental do processo de


conservação do património. Estas ações exigem diversos procedimentos,
nomeadamente investigações prévias, testes, inspeções, controlos, acompanhamento
dos trabalhos e do seu comportamento pós-realização. Os riscos de degradação do
património devem ser previstos em relatórios apropriados para permitir a adoção de
medidas preventivas.
3. A conservação do património construído é executada de acordo com o projeto de
restauro, que se inscreve numa estratégia para a sua conservação a longo prazo. O
“projeto de restauro” deverá basear-se num conjunto de opções técnicas apropriadas e
ser elaborado segundo um processo cognitivo que integra a recolha de informações e a
compreensão do edifício ou do sítio. Este processo pode incluir o estudo dos materiais
tradicionais, ou novos, o estudo estrutural, análises gráficas e dimensionais e a
identificação dos significados histórico, artístico e sociocultural. No projeto de restauro
devem participar todas as disciplinas pertinentes e a coordenação deve ser levada a
cabo por uma pessoa qualificada na área da conservação e restauro.

4. Devem ser evitadas reconstruções de partes significativas de um edifício, baseadas


no que os responsáveis julgam ser o seu “verdadeiro estilo”

A reconstrução de partes muito limitadas, com um significado arquitetónico pode ser


excecionalmente aceite, na condição de se fundamentar, em documentação precisa e
irrefutável. Se for necessário para o uso adequado do edifício, podem-se incorporar
elementos espaciais e funcionais, mas estes devem exprimir a linguagem da arquitetura
atual. A reconstrução total de um edifício, que tenha sido destruído por um conflito
armado ou por uma catástrofe natural, só é aceitável se existirem motivos sociais ou
culturais excecionais, que estejam relacionados com a própria identidade da
comunidade local.

DIFERENTES TIPOS DE PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO

5. Qualquer intervenção que afete o património arqueológico, devido à sua


vulnerabilidade, deve estar estritamente relacionada com a sua envolvente: o território
e a paisagem. Os aspetos destrutivos das escavações devem reduzir-se tanto quanto
seja possível. Cada escavação deve ser acompanhada de documentação completa
sobre os trabalhos arqueológicos.

Tal como em qualquer intervenção patrimonial, os trabalhos de conservação de achados


arqueológicos devem basear-se no princípio da intervenção mínima. Os trabalhos
arqueológicos só podem ser realizados por profissionais e a metodologia e técnicas
usadas devem ser estritamente controladas. Para a proteção e apresentação pública de
sítios arqueológicos deve encorajar-se: o recurso a técnicas modernas; a criação de
bancos de dados; a utilização de sistemas de informação e a utilização de técnicas de
apresentação virtual dos sítios.
6. O objetivo da conservação dos monumentos e dos edifícios com valor histórico, que
se localizem em meio urbano ou rural, é o de manter a sua autenticidade e integridade,
incluindo os espaços interiores, o mobiliário e a decoração, de acordo com o seu
especto original. Tal conservação requer um “projeto de restauro” apropriado, que defina
os métodos e os objetivos. Em muitos casos, requer-se ainda um uso apropriado para
os monumentos e edifícios com valor histórico, compatível com os seus espaços e o
seu significado patrimonial. As obras em edifícios com valor histórico devem analisar e
respeitar todas as fases construtivas pertencentes a períodos históricos distintos.

7. A decoração arquitetónica, as esculturas e os elementos artísticos, que fazem parte


integrante do património construído, devem ser preservados mediante um projeto
específico vinculado ao projeto geral de restauro.

Esta metodologia pressupõe que o especialista em restauro do património construído


possua os conhecimentos e a formação adequadas, para além da capacidade cultural,
técnica e prática, para interpretar os diferentes ensaios e análises nas áreas artísticas
específicas. O “projeto de restauro” deve garantir uma relação correta com o conjunto
envolvente, incluindo o ambiente, a decoração e a escultura e respeitando as técnicas
tradicionais da construção e a sua necessária integração como uma parte substancial
do património construído.

8. As cidades e as aldeias históricas, no seu contexto territorial, representam uma parte


essencial do nosso património universal. Cada um destes conjuntos patrimoniais deve
ser considerado como um todo, com as suas estruturas, os seus espaços e as
características socioeconómicas, em processo de contínua evolução e mudança.

Qualquer intervenção deve envolver todos os sectores da população e requer um


processo de planeamento integrado, cobrindo uma ampla gama de atividades. Em meio
urbano, a conservação tem por objeto, quer os conjuntos edificados, quer os espaços
livres. A sua área de intervenção tanto pode restringir-se a uma parcela de um grande
aglomerado urbano, como englobar a totalidade de uma pequena cidade ou mesmo
uma aldeia, integrando sempre os respetivos valores imateriais, ou intangíveis. Neste
contexto, a intervenção na cidade histórica deve ter presente a morfologia, as funções
e as estruturas urbanas, na sua interligação com o território e a paisagem envolventes.
Os edifícios que constituem as zonas históricas podendo não se destacar pelo seu valor
arquitetónico especial, devem ser salvaguardados como elementos de continuidade
urbana, devido às suas características dimensionais, técnicas, espaciais, decorativas e
cromáticas, elementos de união insubstituíveis para a unidade orgânica da cidade.

O “projeto de restauro” das cidades ou aldeias históricas deve, não só verificar a


sustentabilidade das opções estratégicas que assume, como prever o processo de
gestão de futuras alterações, ligando as questões da conservação do património aos
aspetos económicos e sociais. Para além do conhecimento das estruturas físicas devem
ser estudadas as influências que futuras alterações poderão provocar, bem como os
necessários instrumentos param gerir essas alterações.

O “projeto de restauro” de cidades e aldeias históricas deve considerar que os imóveis


do tecido urbano desempenham uma dupla função:

a) são elementos definidores da forma urbana, mas também;

b) possuem uma espacialidade interna, que constitui um dos seus valores essenciais.

9. As paisagens reconhecidas como património cultural são o resultado e o reflexo da


interação prolongada nas diferentes sociedades entre o homem, a natureza e o meio
ambiente físico. São testemunhos da relação evolutiva das comunidades e dos
indivíduos com o seu meio ambiente.

Neste contexto, a sua conservação, preservação e desenvolvimento centram-se nos


aspetos humanos e naturais, integrando valores materiais e intangíveis. É importante
compreender e respeitar o carácter das paisagens e aplicar leis e normas adequadas
que harmonizem os usos mais importantes do território com valores paisagísticos
essenciais.

Em muitas sociedades, as paisagens possuem uma relação histórica com o território e


com as cidades. A integração da conservação da paisagem cultural com o
desenvolvimento sustentado de regiões e localidades com atividades ecológicas, assim
como com o meio ambiente natural requerem uma consciencialização e uma
compreensão das suas relações ao longo do tempo, o que implica o estabelecimento
de relações com o meio ambiente construído, de regiões metropolitanas, cidades e
núcleos históricos.
A conservação integrada de paisagens arqueológicas ou com interesse paleontológico,
bem como o desenvolvimento de paisagens que apresentam alterações muito
significativas, envolvem a consideração de valores sociais, culturais e estéticos.

10. As técnicas de conservação devem estar intimamente ligadas à investigação


pluridisciplinar sobre materiais e tecnologias usadas na construção, reparação e no
restauro do património edificado. A intervenção escolhida deve respeitar a função
original e assegurar a compatibilidade com os materiais, as estruturas e os valores
arquitetónicos existentes.

Quaisquer novos materiais ou tecnologias devem ser rigorosamente testados,


comparados e experimentados antes da respetiva aplicação.

Embora a aplicação in situ de novas tecnologias possa justificar-se para uma boa
conservação dos materiais originais, estas devem ser constantemente controladas
tendo em conta os resultados obtidos, o seu comportamento ao longo do tempo e a
possibilidade da sua eventual reversibilidade.

Deve estimular-se o conhecimento dos materiais e técnicas tradicionais de construção,


bem como a sua apropriada manutenção no contexto da sociedade contemporânea,
considerando-as como componentes importantes do património cultural.

GESTÃO

11. A gestão das cidades históricas e do património cultural em geral, tendo em conta
os contínuos processos de mudança, transformação e desenvolvimento, consiste na
adoção de regulamentos apropriados, na tomada de decisões, que implicam
necessariamente escolhas, e no controlo dos resultados. Um aspeto essencial deste
processo, é a necessidade de identificar os riscos, de antecipar os sistemas de
prevenção apropriados e de criar planos de atuação de emergência. O turismo cultural,
apesar dos seus aspetos positivos para a economia local, deve ser considerado como
um risco.

Deve prestar-se uma particular atenção à otimização dos custos envolvidos. A


conservação do património cultural deve constituir uma parte integrante dos processos
de planeamento económico e gestão das comunidades, pois pode contribuir para o
desenvolvimento sustentável, qualitativo, económico e social dessas comunidades.
12. A pluralidade de valores do património e a diversidade de interesses requerem uma
estrutura de comunicação que permita uma participação efetiva dos cidadãos no
processo, para além dos especialistas e gestores culturais. Caberá às comunidades
adotar os métodos e as formas apropriadas para assegurar uma verdadeira participação
dos cidadãos e das instituições nos processos de decisão.

FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO

13. A formação e a educação em património cultural exige a participação da sociedade


e a integração da temática nos sistemas nacionais de educação a todos os níveis. A
complexidade dos projetos de restauro, ou de quaisquer outras intervenções de
conservação, por envolverem aspetos históricos, técnicos, culturais e económicos,
requerem a nomeação de responsáveis bem formados e competentes.

A formação dos especialistas em conservação deve ser interdisciplinar e incluir o


estudo da história da arquitetura, da teoria e das técnicas da conservação. Esta
formação deve assegurar uma qualificação adequada, necessária à resolução de
problemas de investigação, bem como para resolver corretamente as Intervenções de
conservação e restauro de uma forma profissional e responsável.

A formação de profissionais e técnicos nas disciplinas da conservação deve considerar


a evolução das metodologias e do conhecimento técnico e participar no debate atual
sobre as teorias e as políticas de conservação.

A qualidade da mão-de-obra e o trabalho técnico durante os projetos de restauro devem


também ser valorizados com uma melhor formação profissional.

MEDIDAS LEGAIS

14. A proteção e conservação do património construído podem ser melhoradas através


da adoção de medidas legais e administrativas. Estas medidas devem assegurar que
os trabalhos de conservação sejam realizados por especialistas em conservação ou sob
sua supervisão.

As disposições legais também podem prever um período de estágios práticos, no


contexto de programas estruturados. Deve conceder-se uma atenção especial aos
recém- formados especialistas em conservação do património cultural, nomeadamente
no momento da graduação como profissionais independentes. Este grau deveria ser
adquirido sob supervisão de especialistas em conservação.

ANEXO: DEFINIÇÕES

O Comité de Redação da Carta de Cracóvia 2000 usou os seguintes conceitos e


terminologia:

a)Património: é o conjunto das obras do homem nas quais uma comunidade reconhece
os seus valores específicos e particulares e com os quais se identifica. A identificação
e a valorização destas obras como património é, assim, um processo que implica a
seleção de valores.

b) Monumento: é uma entidade identificada como portadora de valor e que constitui um


suporte da memória. Nele, a memória reconhece aspetos relevantes relacionados com
atos e pensamentos humanos, associados ao curso da história e, todavia, acessíveis a
todos.

c) Autenticidade: é o somatório das características substanciais, historicamente


provadas, desde o estado original até à situação atual, como resultado das várias
transformações que ocorreram no tempo.

d)Identidade: entende-se como a referência coletiva englobando, quer os valores atuais


que emanam de uma comunidade, quer os valores autênticos do passado.

e) Conservação: é o conjunto das atitudes de uma comunidade que contribuem para


perpetuar o património e os seus monumentos. A conservação do património construído
é realizada, quer no respeito pelo significado da sua identidade, quer no reconhecimento
dos valores que lhe estão associados.

f) Restauro: é uma intervenção dirigida sobre um bem patrimonial, cujo objetivo é a


conservação, da sua autenticidade e a sua posterior apropriação pela comunidade.

g) Projeto de restauro: o projeto, resultante das opções de conservação, é o processo


específico através do qual a conservação do património construído e da paisagem são
realizados com sucesso.

Comité de Redação: Alessandra Melucco (Itália), André De Naeyer (Bélgica), Andrzej


Kadluczka (Polónia), Andrzej Michalowski (Polónia), Giuseppe Cristinelli (Itália), Herb
Stovel (Canadá), Jacek Purchla (Bélgica), Jan Schubert (Alemanha), Javier Rivera
Blanco (Espanha), Jean Louis Luxen (Bélgica), Joseph Cannataci (Malta), Jukka
Jokilehto (Finlândia -Itália), Krzystof Pawlowski (Polónia), Ingval Maxwell (Escócia),
Ireneusz Pluska (Polónia) , Manfred Wehdorn (Áustria), Marek Konokpa (Polónia); Mário
Docci (Itália), Michael Petzet (Alemanha), Mihály Zádor (Hungria), Ray Bondin (Malta),
Robert de Jong (Países Baixos), Salvador Pérez Arroyo (Espanha), Sherban
Cantacuzino (Inglaterra), Tamas Fejerdy (Hungria), Tatiana Kirova (Itália) e Zbigniew
Kobilinski (Polónia).
ANEXO B
Carta de Veneza
CARTA DE VENEZA

CARTA INTERNACIONAL SOBRE A CONSERVAÇÃO E O RESTAURO DE


MONUMENTOS E SÍTIOS, 1964

DEFINIÇÕES

Art.1 - O conceito de monumento histórico engloba, não só as criações arquitetónicas


isoladamente, mas também os sítios, urbanos ou rurais, nos quais sejam patentes os
testemunhos de uma civilização particular, de uma fase significativa da evolução ou do
progresso, ou algum acontecimento histórico. Este conceito é aplicável, quer às grandes
criações, quer às realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural
com o passar do tempo.

Art.2 - A conservação e o restauro dos monumentos devem recorrer à colaboração de


todas as ciências e técnicas que possam contribuir para o estudo e a proteção do
património monumental.

Art.3 - A conservação e o restauro dos monumentos têm como objetivo salvaguardar


tanto a obra de arte como as respetivas evidências históricas.

CONSERVAÇÃO

Art.4 - Para a conservação dos monumentos é essencial que estes sejam sujeitos a
operações regulares de manutenção.

Art.5 - A conservação dos monumentos é sempre facilitada pela sua utilização para fins
sociais úteis. Esta utilização, embora desejável, não deve alterar a disposição ou a
decoração dos edifícios. É apenas dentro destes limites que as modificações que sejam
necessárias efetuar poderão ser admitidas.

Art.6 - A conservação de um monumento implica a manutenção de um espaço


envolvente devidamente proporcionado. Sempre que o espaço envolvente tradicional
subsista, deve ser conservado, não devendo ser permitidas quaisquer novas
construções, demolições ou modificações que possam alterar as relações volumétricas
e cromáticas.

Art.7 - Um monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que


está inserido. A remoção do todo ou de parte do monumento não deve ser permitida,
exceto quando tal seja exigido para a conservação desse monumento ou por razões de
grande interesse nacional ou internacional.

Art.8 - Os elementos de escultura, pintura ou decoração que façam parte integrante de


um monumento apenas poderão ser removidos se essa for a única forma de garantir a
sua preservação.

RESTAURO

Art.9 - O restauro é um tipo de operação altamente especializado. O seu objetivo é a


preservação dos valores estéticos e históricos do monumento, devendo ser baseado no
respeito pelos materiais originais e pela documentação autêntica. Qualquer operação
desse tipo deve terminar no ponto em que as conjecturas comecem; qualquer trabalho
adicional que seja necessário efetuar deverá ser distinto da composição arquitetónica
original e apresentar marcas que o reportem claramente ao tempo presente. O restauro
deve ser sempre precedido e acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do
monumento.

Art.10 - Quando as técnicas tradicionais se revelarem inadequadas, a consolidação de


um monumento pode ser efetuada através do recurso a outras técnicas modernas de
conservação ou de construção, cuja eficácia tenha sido demonstrada cientificamente e
garantida através da experiência de uso.

Art.11 - As contribuições válidas de todas as épocas para a construção de um


monumento devem ser respeitadas, dado que a unidade de estilo não é o objetivo que
se pretende alcançar nos trabalhos de restauro. Quando um edifício apresente uma
sobreposição de trabalhos realizados em épocas diferentes, a eliminação de algum
desses trabalhos posteriores apenas poderá ser justificada em circunstâncias
excecionais, quando o que for removido seja de pouco interesse e aquilo que se
pretenda pôr a descoberto tenha grande valor histórico, arqueológico ou estético e o seu
estado de conservação seja suficientemente bom para justificar uma ação desse tipo. A
avaliação da importância dos elementos envolvidos e a decisão sobre o que pode ser
destruído não podem depender apenas do coordenador dos trabalhos.

Art.12 - Os elementos destinados a substituírem as partes que faltem devem integrar-


se harmoniosamente no conjunto e, simultaneamente, serem distinguíveis do original
para que o restauro não falsifique o documento artístico ou histórico.
Art.13 - Não é permitida a realização de acrescentos que não respeitem todas as partes
importantes do edifício, o equilíbrio da sua composição e a sua relação com o ambiente
circundante.

SÍTIOS HISTÓRICOS

Art.14 - Os sítios dos monumentos devem ser objeto de um cuidado especial, por forma
a assegurar que sejam tratados e apresentados de uma forma correta. Os trabalhos de
conservação e restauro a efetuar nesses locais devem inspirar-se nos princípios
enunciados nos artigos precedentes.

ESCAVAÇÕES

Art.15 - Os trabalhos de escavação devem ser efetuados de acordo com as normas


científicas e com a "Recomendação definidora dos princípios internacionais a aplicar em
matéria de escavações arqueológicas", adotadas pela UNESCO em 1956. Deve ser
assegurada a manutenção das ruínas e tomadas as medidas necessárias para garantir
a conservação e proteção dos elementos arquitetónicos e dos objetos descobertos. Para
além disso, devem tomar-se todas as medidas que permitam facilitar a compreensão do
monumento, sem distorcer o seu significado. Todos os trabalhos de reconstrução devem
ser rejeitados à priori. Só a anastylosis, isto é, a remontagem das peças soltas que
existam num estado de desagregação, pode ser permitida. Os materiais utilizados para
reintegração deverão ser sempre reconhecíveis e o seu uso restringido ao mínimo
necessário para assegurar as condições de conservação do monumento e restabelecer
a continuidade das suas formas.

PUBLICAÇÃO

Art.16 - Os trabalhos de conservação, restauro ou escavação devem ser sempre


acompanhados por um registro preciso, sob a forma de relatórios analíticos ou críticos,
ilustrados com desenhos e fotografias. Todas as fases dos trabalhos de reparação,
consolidação, recomposição e reintegração, assim como os elementos técnicos e
formais identificados ao longo dos trabalhos devem ser incluídos. Este registro deverá
ser guardado nos arquivos de um organismo público e posto à disposição dos
investigadores. Recomenda-se também, que seja publicado.

Texto aprovado no II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos


Históricos, em Veneza, no período de 25 a 31 de maio de 1964.
Carta de Amsterdão, Carta europeia do património arquitetónico, adotada pelo Conselho
da Europa em Outubro de 1975

INTRODUÇÃO

Graças à iniciativa do Concelho da Europa em declarar 1975 como o Ano Europeu da


Arquitetura, foram feitos esforços consideráveis em todos os países Europeus para
tornar o público mais consciente dos insubstituíveis valores cultural, social e económico
representados pelos monumentos históricos, pelos grupos de edifícios e pelos sítios
interessantes situados quer nas cidades, quer no campo. Era importante coordenarem-
se todos estes esforços a nível Europeu, para se conseguir uma abordagem conjunta
ao assunto e, acima de tudo, para se forjar uma linguagem comum que declarasse os
princípios gerais em que deve ser baseada a ação concertada das autoridades
responsáveis e do público em geral. Foi com essa intenção que o Concelho da Europa
rascunhou a Carta que se apresenta a seguir.

Claro que não chega declararem-se os princípios; eles têm que ser aplicados. No futuro,
o Concelho da Europa irá dedicar os seus esforços a um estudo aprofundado sobre as
formas e os meios de aplicação destes princípios em cada país diferente, ao firme
melhoramento das leis e dos regulamentos existentes e ao desenvolvimento da
formação vocacional neste campo. A Carta Europeia do Património Arquitetónico foi
adotada pelo Comité de Ministros do Concelho da Europa e foi solenemente proclamada
no Congresso sobre o Património Arquitetónico Europeu, reunido em Amsterdão entre
21 e 25 de Outubro de 1975. O Comité de Ministros, considerando que o objetivo do
Concelho da Europa é conseguir uma maior unidade entre os seus membros para as
questões relativas à salvaguarda, e concretizar os ideais e princípios que são seu
património comum; Considerando que os estados membros do Concelho da Europa que
aderiram à Convenção Cultural Europeia e, em 19 de Dezembro de 1954, se
comprometeram, à luz do Artigo 1 dessa convenção, a tomar as medidas apropriadas
para salvaguardarem e para encorajarem o desenvolvimento de outras contribuições
nacionais para o património cultural Europeu comum; Reconhecendo que o património
arquitetónico, uma insubstituível expressão da riqueza e da diversidade da cultura
Europeia, é partilhado por todos os povos, e que todos os Estados Europeus devem
mostrar uma solidariedade real para com esse património; Considerando que o futuro
do património arquitetónico depende largamente da sua integração no contexto da vida
dos povos, bem como do peso que lhe for dado no planeamento regional e urbano, e
nos esquemas de desenvolvimento; Tendo em atenção a Recomendação da
Conferência Europeia de Ministros responsáveis pela preservação e reabilitação do
património cultural de monumentos e sítios, reunida em Bruxelas, em 1969, e a
Recomendação 589 (1970) da Assembleia Consultiva do Concelho da Europa,
apelando por uma carta relacionada com o património arquitetónico; Declara a sua
determinação em promover uma política comum Europeia e uma ação concertada para
a proteção do património cultural baseadas nos princípios da conservação integrada;
Recomenda que os governos dos estados membros empreendam os necessários
passos legislativos, administrativos, financeiros e educacionais para implementarem
uma política de conservação integrada, bem como para despertarem o interesse público
por essa política, tendo em consideração os resultados da campanha do Ano Europeu
do Património Arquitetónico, organizado em 1975 sob os auspícios do Concelho da
Europa; Adota e proclama os princípios da seguinte carta, delineada pelo Concelho do
Comité Europeu para os Monumentos e Sítios:

1. O Património arquitetónico Europeu não consiste apenas nos nossos monumentos


mais importantes; ele inclui também o agrupamento de edifícios menores existentes nas
nossas cidades antigas e nas aldeias características, situados nos seus ambientes
naturais ou produzidos pelo homem. Durante muitos anos, só eram protegidos e
restaurados os maiores monumentos e, ainda assim, sem referência às respetivas
envolventes. Compreendeu-se, mais recentemente, que se as envolventes forem
ameaçadas, até mesmo esses monumentos podem perder muito do seu carácter.
Atualmente é reconhecido que os grupos de edifícios, mesmo se estes não estiverem

Incluídos entre os de mérito extraordinário, podem ter uma atmosfera que lhes
proporcione a qualidade de obras de arte, aglutinando diferentes períodos e estilos num
conjunto harmonioso. Esses grupos também devem ser preservados. O património
arquitetónico é uma expressão da história e ajuda-nos a compreendermos a relevância
que tem o passado para a vida atual.

2. O passado, conforme está incorporado no património arquitetónico, proporciona o tipo


de ambiente indispensável a uma vida completa e equilibrada.

Atualmente, em face de uma civilização em rápida transformação, na qual os sucessos


brilhantes são acompanhados por perigos graves, as pessoas têm um sentimento
instintivo sobre o valor deste património. Este património deve se transmitido às
gerações futuras no seu estado autêntico e na totalidade da sua variedade como parte
essencial da memória da raça humana. De outra forma, será destruída parte da
consciência que o homem tem da sua própria comunidade.
3. O património arquitetónico é um capital de insubstituível valor espiritual, cultural,
social e económico. Cada geração constrói uma diferente interpretação do passado e
deriva uma nova inspiração a partir dele. Este capital tem sido acumulado ao longo dos
séculos; a destruição de qualquer parte desse passado deixa-nos mais pobres, uma vez
que nada de novo que tenhamos criado, mesmo que de muita qualidade, consegue fazer
valer a pena essa perda. A nossa sociedade atual tem que acautelar os seus recursos.
Longe de ser um luxo, este património é um bem económico que pode ser usado para
se economizarem os recursos da comunidade.

4. A estrutura dos centros e sítios históricos conduz a um equilíbrio social harmonioso.

Pela oferta das condições corretas para o desenvolvimento de uma larga gama de
atividades, as nossas cidades e aldeias antigas favorecem a integração social. Elas
podem se adaptar novamente a uma benéfica diversidade de atividades e a uma mistura
social mais satisfatória.

5. O património arquitetónico desempenha um papel importante na educação. O


património arquitetónico proporciona uma riqueza de material para a explicação e para
a comparação de formas e de estilos, bem como das suas aplicações. Atualmente,
quando a apreciação visual e a experiência direta desempenham um papel decisivo na
educação, é essencial manterem-se vivas as evidências dos diferentes períodos e das
suas realizações. A sobrevivência desta evidência só pode ser assegurada se for
compreendida a sua necessidade pelo maior número possível de pessoas,
especialmente pela geração mais nova que irá ser o seu guardião futuro.

6. O património está em perigo. Ele é ameaçado pela ignorância, pela obsolescência,


por degradações de todos os tipos e pela negligência. O planeamento urbano pode ser
destrutivo quando as autoridades cedem muito rapidamente às pressões económicas e
às exigências do tráfego motorizado. A tecnologia contemporânea mal aplicada e o
restauro mal concebido podem ser desastrosos para as estruturas antigas. Acima de
tudo, a especulação imobiliária alimenta todo o tipo de erros e omissões, e derrota os
planos mais cuidadosamente concebidos.

7. A conservação integrada previne estes perigos. A conservação integrada é


conseguida pela aplicação de técnicas sensatas de restauro e pela correta escolha de
funções apropriadas. No curso da história, os centros das cidades e de algumas aldeias
têm sido deixados degradarem-se e transformaram-se em áreas com habitação em
condições abaixo do aceitável. Esta degradação deve ser compreendida num espírito
de justiça social e não deve provocar a partida dos habitantes mais pobres. Por essa
razão, a conservação deve ser uma das primeiras considerações em todos os
planeamentos urbanos e regionais. Deve-se assinalar que a conservação integrada não
impede a introdução da arquitetura moderna nas áreas que contêm edifícios antigos,
desde que sejam totalmente respeitados o contexto, as proporções, as formas, as
dimensões e a escala existentes, e que sejam usados materiais tradicionais.

8. A conservação integrada está dependente de suporte legal, administrativo, financeiro


e técnico.

Legal

A conservação integrada deve usar plenamente as leis e regulamentos existentes que


contribuam para a proteção e preservação do património arquitetónico. Quando essas
leis e regulamentos forem insuficientes para este objetivo, eles devem ser
suplementados por instrumentos legais apropriados aos níveis nacional, regional e local.

Administrativo

Para a execução de uma política de conservação integrada, devem ser estabelecidos


serviços administrativos adequadamente providos de pessoal.

Financeiro

Sempre que necessário, devem ser encorajados a manutenção e o restauro do


património arquitetónico e das partes individuais que lhes pertencem através de formas
adequadas de apoio e de incentivo financeiro, inclusivamente de medidas fiscais. É
essencial que os recursos financeiros necessários disponibilizados pelas autoridades
públicas para o restauro dos centros históricos sejam, pelo menos, iguais aos alocados
para a construção nova.

Técnico

Atualmente existem poucos arquitetos, técnicos de todos os tipos, empresas


especializadas e operários formados para responderem às necessidades do restauro.
É necessário que se desenvolvam estruturas de formação e que se aumentem as
perspetivas de emprego para as competências de gestão, técnicas e manuais
relevantes. A indústria da construção deve ser instada a adaptar-se a estas
necessidades. As profissões tradicionais devem ser encorajadas em vez de as
deixarmos morrer.
9. A conservação integrada não consegue ser bem-sucedida sem a cooperação de
todos. Apesar de o património arquitetónico pertencer a todos, cada uma das suas
partes está, ainda assim, à mercê de qualquer indivíduo. O público deve ser
corretamente informado para que os cidadãos possam ser chamados a participarem nas
decisões que afetam o seu ambiente. Cada geração só tem o uso deste património
durante a duração da sua vida, mas é responsável pela sua transmissão às gerações
futuras.

10. O património arquitetónico europeu é propriedade comum do nosso continente. Os


problemas da conservação não são peculiares de um qualquer país. Eles são comuns
a toda a Europa e devem ser tratados de uma forma coordenada. Compete ao Concelho
da Europa garantir, dentro de um espírito de solidariedade, que os estados membros
seguem políticas coerentes.
ANEXO C
Carta de Nairobi
CARTA DE NAIROBI, 1976

UNESCO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA

19ª SESSÃO - NAIROBI, 1976

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e


a Cultura, reunida em Nairobi, de 26 de Outubro a 30 de Novembro de 1976, em sua
décima nona sessão.

Considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais fazem parte do ambiente


quotidiano dos seres humanos em todos os países, constituem a presença viva do
passado que lhes deu forma, asseguram ao quadro da vida a variedade necessária para
responder à diversidade da sociedade e, por isso, adquirem um valor e uma dimensão
humana suplementares, Considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais
constituem através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da
diversidade das criações culturais, religiosas e sociais da humanidade e que sua
salvaguarda e integração na vida contemporânea são elementos fundamentais na
planificação das áreas urbanas e do planeamento físico-territorial.

Considerando que, diante dos perigos da uniformização e da despersonalização que se


manifestam constantemente em nossa época, esses testemunhos vivos de épocas
anteriores adquirem uma importância vital para cada ser humano e para as nações que
neles encontram a expressão de sua cultura e, ao mesmo tempo, um dos fundamentos
de sua identidade, Considerando que, no mundo inteiro, sob pretexto de expansão ou
de modernização, destruições que ignoram o que destroem e reconstruções irracionais
e inadequadas ocasionam grave prejuízo a esse património histórico considerando que
os conjuntos históricos ou tradicionais constituem um património imobiliário cuja
destruição provoca muitas vezes perturbações sociais, mesmo quando não resulte em
perdas económicas.

Considerando que essa situação implica a responsabilidade de cada cidadão e impõe


aos poderes públicos obrigações que só eles podem assumir, considerando que, diante
de tais perigos de deterioração e até de desaparecimento total, todos os Estados devem
agir para salvar esses valores insubstituíveis, adotando urgentemente uma política
global e ativa de proteção e de revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e
de sua ambiência, como parte do planeamento nacional, regional ou local.

Constatando que em muitos países falta uma legislação suficientemente eficaz e flexível
que diga respeito ao património arquitetónico e a suas relações com o planeamento
físico-territorial.

Observando que a Conferência Geral já adotou instrumentos internacionais para a


proteção do património cultural e natural, tais como a Recomendação que Define os
Princípios Internacionais a serem Aplicados em Relação às Escavações Arqueológicas
(1956), a Recomendação Relativa à Salvaguarda da Beleza e do Carácter dos Sítios e
Paisagens (1962), a Recomendação sobre a Preservação dos Bens Culturais
Ameaçados pela Realização de Obras Públicas ou Privadas (1968) e a Recomendação
sobre a Proteção, no Plano Nacional, do Património Cultural e Natural (1972).

Desejando complementar e ampliar o alcance das normas e dos princípios formulados


nesses instrumentos internacionais. Tendo-lhe sido apresentadas propostas relativas à
salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua função na vida
contemporânea, questão que constitui o ponto 27 da ordem do dia da sessão. Tendo
decidido, em sua décima oitava sessão, que esse assunto seria objeto de uma
recomendação aos Estados Membros.

Adota, em 26 de Novembro de 1976, a presente recomendação. A Conferência Geral


recomenda aos Estados Membros que apliquem as disposições seguintes, adotando
medidas sob a forma de lei nacional ou de outra forma, destinadas a efetivar, nos
territórios sob sua jurisdição, os princípios e as normas formuladas nesta
recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que levem esta recomendação
ao conhecimento das autoridades nacionais, regionais e locais, assim como às
instituições, serviços ou órgãos e associações interessados na salvaguarda dos
conjuntos históricos ou tradicionais e seu entorno a Conferência Geral recomenda aos
Estados Membros que lhe apresentem, nas datas e na forma que ela determinar,
relatórios sobre a maneira como aplicaram a presente recomendação.

DEFINIÇÕES

1- Para os efeitos da presente recomendação considera-se conjunto histórico ou


tradicional, todo o agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios
arqueológicos e paleontológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no
meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto-de-vista
arqueológico, arquitetónico, pré-histórico, histórico, estético ou sociocultural.

Entre esses "conjuntos", que são muito variados, podem-se distinguir especialmente os
sítios pré-históricos, as cidades históricas, os bairros urbanos antigos, as aldeias e
lugarejos, assim como os conjuntos monumentais homogéneos, ficando entendido que
estes últimos deverão, em regra, ser conservados em sua integridade.

Entende-se por "ambiência" dos conjuntos históricos ou tradicionais, o quadro natural


ou construído que influi na perceção estática ou dinâmica desses conjuntos, ou a eles
se vincula de maneira imediata no espaço, ou por laços sociais, económicos ou
culturais.

Entende-se por "salvaguarda" a identificação, a proteção, a conservação, a restauração,


a reabilitação, a manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e
de seu entorno.

PRINCÍPIOS GERAIS

2- Dever-se-ia considerar que os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência


constituem um património universal insubstituível. Sua salvaguarda e integração na vida
coletiva de nossa época deveriam ser uma obrigação para os governos e para os
cidadãos dos Estados em cujo território se encontram. Deveriam ser responsáveis por
isso, no interesse de todos os cidadãos e da comunidade internacional, as autoridades
nacionais, regionais ou locais, segundo as condições próprias de cada Estado Membro
em matéria de distribuição de poderes.

3- Cada conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveria ser considerado em


sua globalidade, como um todo coerente cujo equilíbrio e carácter específico dependem
da síntese dos elementos que o compõem e que compreendem tanto as atividades
humanas como as construções, a estrutura espacial e as zonas circundantes. Dessa
maneira, todos os elementos válidos, incluídas as atividades humanas, desde as mais
modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso respeitar.

4- Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser protegidos


ativamente contra quaisquer deteriorações, particularmente as que resultam de uma
utilização imprópria, de acréscimos supérfluos e de transformações abusivas ou
desprovidas de sensibilidade que atentam contra sua autenticidade, assim como as
provocadas por qualquer forma de poluição. Todos os trabalhos de restauração a serem
empreendidos deveriam basear-se em princípios científicos. Do mesmo modo, uma
grande atenção deveria ser dispensada à harmonia e à emoção estética que resultam
da conexão ou do contraste dos diferentes elementos que compõem os conjuntos e que
dão a cada um deles seu carácter particular.

5- Nas condições da urbanização moderna, que produz um aumento considerável na


escala e na densidade das construções, ao perigo da destruição direta dos conjuntos
históricos ou tradicionais se agrega o perigo real de que os novos conjuntos destruam
indiretamente a ambiência e o carácter dos conjuntos históricos adjacentes. Os
arquitetos e urbanistas deveriam empenhar-se para que a visão dos monumentos e
conjuntos históricos, ou a visão que a partir deles se obtém, não se deteriore e para que
esses conjuntos se integrem harmoniosamente na vida contemporânea.

6- Numa época em que a crescente universalidade das técnicas construtivas e das


formas arquitetónicas apresentam o risco de provocar uma uniformização dos
assentamentos humanos no mundo inteiro, a salvaguarda dos conjuntos históricos ou
tradicionais pode contribuir extraordinariamente para a manutenção e o
desenvolvimento dos valores culturais e sociais peculiares de cada nação e para o
enriquecimento arquitetónico do património cultural mundial.

POLÍTICA NACIONAL, REGIONAL E LOCAL

7- Em cada Estado Membro deveria se formular, nas condições peculiares a cada um


em matéria de distribuição de poderes, uma política nacional, regional e local a fim de
que sejam adotadas medidas jurídicas, técnicas, económicas e sociais pelas
autoridades nacionais, regionais e locais para salvaguardar os conjuntos históricos ou
tradicionais e sua ambiência e adaptá-los às exigências da vida contemporânea. Essa
política deveria influenciar o planeamento nacional, regional e local e orientar a
ordenação urbana e rural e o planeamento físico-territorial em todos os níveis. As ações
resultantes desse planeamento deveriam se integrar à formulação dos objetivos e
programas, à distribuição das funções e à execução das operações. Dever-se-ia buscar
a colaboração dos indivíduos e das associações privadas para a aplicação da política
de salvaguarda. MEDIDAS DE SALVAGUARDA

8- A salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência deveria se


ajustar aos princípios anteriormente enunciados e aos métodos expostos a seguir,
determinando-se as medidas concretas de acordo com as competências legislativas e
constitucionais e com a organização social e económica de cada Estado.
MEDIDAS JURÍDICAS E ADMINISTRATIVAS

9- A aplicação de uma política global de salvaguarda dos conjuntos históricos e


tradicionais e de sua ambiência deveria basear-se em princípios válidos para cada país
em sua totalidade. Os Estados Membros deveriam adaptar as disposições existentes
ou, se necessário, promulgar novos textos legislativos e regulamentares para assegurar
a salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência, levando em
conta as disposições contidas neste capítulo e nos seguintes. Conviria revisar as leis
relativas ao planeamento físico territorial, ao urbanismo e à política habitacional de modo
a coordenar e harmonizar suas disposições com as das leis relativas à salvaguarda do
património arquitetónico. Essas legislações deveriam encorajar a adaptação ou a
adoção de disposições, nos planos urbanos, regional ou local, para assegurar tal
salvaguarda.

10- As disposições que estabeleçam um sistema de salvaguarda dos conjuntos


históricos ou tradicionais deveriam enunciar os princípios gerais relativos ao
estabelecimento e à adoção dos planos e documentos necessários e, particularmente:
as condições e restrições gerais aplicáveis às zonas protegidas por lei e a suas
imediações; a indicação dos programas e operações previstas em matéria de
conservação e de infraestrutura de serviços; as funções de manutenção e a designação
dos encarregados de desempenhá-las; os campos a que se poderão aplicar as
intervenções de urbanismo, de reestruturação e de ordenação do espaço rural; a
designação do órgão encarregado de autorizar qualquer restauração, modificação, nova
construção ou demolição no perímetro protegido; as modalidades de financiamento e
de execução dos programas de salvaguarda.

11- Os planos e documentos de salvaguarda deveriam definir especialmente: as zonas


e os elementos a serem protegidos; as condições e restrições específicas que lhes
dizem respeito; as normas que regulam os trabalhos de manutenção, restauração e
transformação; as condições gerais de instalação das redes de suprimento e dos
serviços necessários à vida urbana ou rural; as condições que regerão a implantação
de novas construções.

12- A legislação de salvaguarda deveria ser, em princípio, acompanhada de disposições


preventivas contra as infrações à regulamentação de salvaguarda e contra qualquer alta
especulativa dos valores imobiliários nas zonas protegidas, que possa comprometer
uma proteção e uma restauração concebidas em função do interesse coletivo. Essas
disposições poderiam envolver medidas de planeamento urbano que influam no preço
dos terrenos por construir - tais como o estabelecimento de planos de ordenação
distritais ou de extensão mais reduzida, a concessão do direito de preempção e a um
órgão público, a expropriação no interesse da salvaguarda, ou a intervenção
compulsória em caso de incapacidade ou descumprimento por parte dos proprietários -
e instituir sanções efetivas como a suspensão das obras, a obrigação de reconstituir
e/ou multa apropriada. João Manuel Machado da Silva 185

13- O respeito às medidas de salvaguarda deveria ser imposto tanto às coletividades


públicas quanto às particulares. Dever-se-ia estabelecer, todavia, um mecanismo de
recurso contra as decisões ilegais, arbitrárias ou injustas.

14- As disposições referentes à construção de edifícios para órgãos públicos e privados


e a obras públicas e privadas deveriam adaptar-se à regulamentação da salvaguarda
dos conjuntos históricos e de sua ambiência.

15- Em particular, as disposições relativas aos imóveis e quarteirões insalubres, assim


como à construção de habitações sociais deveriam ser concebidas ou reformuladas de
modo que não apenas se ajustem à política de salvaguarda, mas que para ela
contribuam. O regime de eventuais subvenções deveria ser, consequentemente,
estabelecido e modulado sobretudo para facilitar o desenvolvimento de habitação
subsidiadas e de edifícios públicos através da reabilitação de construções antigas. Só
deveriam ser permitidas as demolições de edificações sem valor histórico ou
arquitetónico e as subvenções ocasionalmente resultantes deveriam ser estritamente
controladas. Além disso, uma parte suficiente dos créditos previstos para a construção
de habitações sociais deveria ser destinada à reabilitação de edificações antigas.

16- Os efeitos legais das medidas de proteção a edificações e terrenos deveriam ser
levados ao conhecimento público e registradas em um órgão oficial competente.

17- Respeitadas as condições próprias a cada país e a distribuição de poderes das


diversas administrações nacionais, regionais e locais, a execução de obras de
salvaguarda deveria se inspirar nos seguintes princípios: uma autoridade responsável
deveria encarregar-se da coordenação permanente de todos os intervenientes: serviços
públicos nacionais, regionais e locais ou grupos de particulares; os planos e documentos
de salvaguarda deveriam ser elaborados depois que todos os estudos científicos
necessários houverem sido efetuados por equipas multidisciplinares compostas,
principalmente, de: especialistas em conservação e restauração, incluídos os
historiadores da arte; arquitetos e urbanistas; sociólogos e economistas; ecólogos e
arquitetos paisagistas; especialistas em saúde pública e assistência social; e, em geral,
especialistas em todas as matérias relativas à proteção e revitalização dos conjuntos
históricos e tradicionais; as autoridades deveriam tomar a iniciativa de organizar a
consulta e a participação da população interessada; os planos de salvaguarda deveriam
ser aprovados pelo órgão designado por lei; os serviços públicos encarregados de
aplicar as disposições de salvaguarda em qualquer nível - nacional, regional e local -
deveriam contar com pessoal necessário e com meios técnicos, administrativos e
financeiros adequados.

MEDIDAS TÉCNICAS, ECONÔMICAS E SOCIAIS

18- Dever-se-ia estabelecer, nos níveis nacional, regional ou local, uma relação dos
conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência a serem salvaguardados. Essa
relação deveria indicar prioridades para facilitar uma alocação racional dos limitados
recursos disponíveis para fins de salvaguarda. As medidas de proteção, de qualquer
tipo, que tiverem carácter urgente, deveriam ser tomadas sem esperar que se
estabeleçam planos e documentos de salvaguarda.

19- Deveria ser feita uma análise de todo o conjunto, inclusive de sua evolução espacial,
que contivesse os dados arqueológicos, históricos, arquitetónicos, técnicos e
económicos. Deveria ser produzido um documento analítico destinado a determinar os
imóveis ou os grupos de imóveis a serem rigorosamente protegidos, conservados sob
certas condições, ou, em circunstâncias absolutamente excecionais e
escrupulosamente documentadas, destruídos, o que permitiria às autoridades
suspender qualquer obra incompatível com esta recomendação. Além disso, deveria ser
realizado, com a mesma finalidade, um inventário dos espaços abertos, públicos e
privados, assim como de sua vegetação.

20- Além dessa investigação arquitetónica, são necessários estudos pormenorizados


dos dados e das estruturas sociais, económicas, culturais e técnicas, assim como do
contexto urbano ou regional mais amplo. Esses estudos deveriam abranger, se possível,
dados demográficos e uma análise das atividades económicas, sociais e culturais, os
modos de vida e as relações sociais, os problemas fundiários, infraestrutura urbana, o
estado do sistema viário, as redes de comunicação e as inter-relações recíprocas da
zona protegida com as zonas circundadas. As autoridades competentes deveriam
atribuir suma importância a esses estudos e compreender que, sem eles, não seria
possível estabelecer planos eficazes de salvaguarda.
21- Antes da formulação de planos e normas de salvaguarda e depois da análise acima
descrita, conviria, em princípio, estabelecer uma programação que leva-se igualmente
em consideração o respeito aos dados urbanísticos, arquitetónicos, económicos e
sociais, e a capacidade de o tecido urbano e rural acolher funções compatíveis com seu
carácter específico. A programação deveria visar à adaptação das densidades de
ocupação e a prever o escalonamento das operações, assim como a necessária
acomodação temporária durante as obras e os locais para realojamento permanente
dos habitantes que não puderem regressar a sua morada anterior. Essa programação
deveria ser elaborada com a maior participação possível das coletividades e populações
interessadas. Uma vez que o contexto social, económico e físico dos conjuntos
históricos e de sua ambiência está em constante evolução, os estudos e investigações
deveriam ser regularmente atualizados. Seria essencial, portanto, que a elaboração dos
planos de salvaguarda e sua execução se baseassem nos estudos disponíveis, em vez
de serem retardadas indefinidamente enquanto se aprimora o processo de
planeamento.

22- Uma vez estabelecidos e aprovados os planos e normas de salvaguarda pela


autoridade pública competente, seria conveniente que seus autores fossem
encarregados de sua execução ou direção.

23- Nos conjuntos históricos ou tradicionais que possuírem elementos de vários


períodos diferentes, a ação de salvaguarda deveria levar em consideração as
manifestações de todos esses períodos.

24- Quando existirem planos de salvaguarda, os programas de saneamento urbano ou


de beneficiamento que consistirem na demolição de imóveis desprovidos de interesse
arquitetónico ou histórico ou arruinados demais para serem conservados, na supressão
de acréscimos e construções superpostas sem valor e, até mesmo, na demolição de
edificações recentes que rompam a unidade do conjunto só poderão ser autorizados
nos termos do plano de salvaguarda.

25- Os programas de saneamento urbano ou de beneficiamento aplicáveis a zonas que


não estão incluídas nos planos de salvaguarda deveriam respeitar os edifícios e outros
elementos que possuam um valor arquitetónico ou histórico e seus acessórios. Se tais
elementos estivessem arriscados de sofrer danos com esses programas deveriam ser
elaborados, necessária e previamente, os planos de salvaguarda pertinentes.
26- É necessária uma vigilância permanente para evitar que essas operações
beneficiem apenas a especulação ou sejam utilizadas com finalidades contrárias aos
objetivos do plano.

27- Em qualquer operação de saneamento urbano ou de beneficiamento que afete um


conjunto histórico deveriam ser observadas as normas gerais de segurança relativas a
incêndios e catástrofes naturais, desde que sejam compatíveis com os critérios de
salvaguarda do património cultural. Em caso contrário, devem ser buscadas soluções
particulares em colaboração com todos os serviços interessados, a fim de garantir o
máximo de segurança, sem ameaça alguma ao património cultural.

28- Um cuidado especial deveria ser adotado na regulamentação e no controle das


novas construções para assegurar que sua arquitetura se enquadre harmoniosamente
nas estruturas espaciais e na ambiência dos conjuntos históricos. Para isso, uma análise
do contexto urbano deveria preceder qualquer construção nova, não só para definir o
carácter geral do conjunto, como para analisar suas dominantes: harmonia das alturas,
cores, materiais e formas, elementos constitutivos do agenciamento das fachadas e dos
telhados, relações dos volumes construídos e dos espaços, assim como suas
proporções médias e a implantação dos edifícios. Uma atenção especial deveria ser
prestada à dimensão dos lotes, pois qualquer modificação poderia resultar em um efeito
de massa, prejudicial à harmonia do conjunto.

29- Não se deveria autorizar o isolamento de um monumento através da supressão do


seu entorno; do mesmo modo, o seu deslocamento só deveria ser decidido
excecionalmente e por razões de força maior.

30- Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser protegidos


contra a desfiguração resultante da instalação de suportes, cabos elétricos ou
telefónicos, antenas de televisão ou painéis publicitários de grande escala. Se já
existirem, deverão ser adotadas medidas adequadas para suprimi-los. Os cartazes, a
publicidade luminosa ou não, os letreiros comerciais, a sinalização das ruas, o mobiliário
urbano e o revestimento do solo deveriam ser estudados e controlados com o maior
cuidado, para que se integrem harmoniosamente ao conjunto. Deveria ser feito um
esforço especial para evitar qualquer forma de vandalismo.

31- Os Estados Membros e as instituições interessadas deveriam proteger os conjuntos


históricos ou tradicionais e sua ambiência contra os danos cada vez mais graves
causados por determinados avanços tecnológicos, tais como quaisquer formas de
poluição, através da proibição de se implantarem indústrias nocivas em sua proximidade
e da adoção de medidas preventivas contra os efeitos destrutivos dos ruídos, dos
choques e das vibrações produzidas contra as deteriorações provenientes de uma
excessiva exploração turística.

32- Dado o conflito existente na maior parte dos conjuntos históricos ou tradicionais
entre o trânsito automobilístico, por um lado e a densidade do tecido urbano e as
características arquitetónicas por outro, os Estados Membros deveriam estimular e
ajudar as autoridades locais a encontrar soluções para esse problema. Para consegui-
lo e para favorecer o trânsito de pedestres, conviria estudar com extremo cuidado a
localização e o acesso dos parques de estacionamento não só dos periféricos como dos
centrais, e estabelecer redes de transporte que facilitem ao mesmo tempo a circulação
dos pedestres, o acesso aos serviços e o transporte público. Numerosas operações de
reabilitação, tais como, entre outras, a instalação subterrânea de redes elétricas e de
outros cabos, que seriam demasiadamente onerosas se fossem feitas separadamente,
poderiam ser, então, coordenadas fácil e economicamente com o desenvolvimento da
rede viária.

33- A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de


revitalização. Seria, portanto, essencial manter as funções apropriadas existentes e, em
particular, o comércio e o artesanato e criar outras novas que, para serem viáveis a
longo prazo, deveriam ser compatíveis com o contexto económico e social, urbano,
regional ou nacional em que se inserem. O custo das operações de salvaguarda não
deveria ser avaliado apenas em função do valor cultural das construções, mas também
do valor derivado da utilização que delas se possa fazer. Os problemas sociais
decorrentes da salvaguarda só podem ser colocados corretamente se houver referência
a essas duas escalas de valor. Essas funções teriam que se adaptar às necessidades
sociais, culturais e económicos dos habitantes, sem contrariar o carácter específico do
conjunto em questão. Uma política de revitalização cultural deveria converter os
conjuntos históricos em polos de atividades culturais e atribuir-lhes um papel essencial
no desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.

34- Nas zonas rurais todos os trabalhos que implicarem uma degradação da paisagem,
assim como quaisquer mudanças nas estruturas económicas e sociais deveriam ser
cuidadosamente controlados para preservar a integridade das comunidades rurais
históricas em seu ambiente natural.
35- A ação de salvaguarda deveria associar a contribuição da autoridade pública à dos
proprietários particulares ou coletivos e à dos habitantes e usuários, isoladamente ou
em grupo, cujas iniciativas e participação ativa deveriam ser estimuladas. Uma
cooperação constante em todos os níveis deveria, portanto, ser estabelecida entre as
coletividades e os particulares, especialmente através dos seguintes meios:
informações adaptadas aos tipos de pessoas atinentes; pesquisas preparadas com a
participação das pessoas interrogadas; criação de grupos consultivos nos órgãos de
planeamento; representação dos proprietários, dos habitantes e dos usuários, a título
consultivo, nos órgãos de decisão, de gestão e de revitalização das operações
relacionadas com os planos de salvaguarda, ou criação de órgãos de economia mista
que participem da execução.

36- Deveriam ser estimuladas a fundação de grupos voluntários de salvaguarda e de


associações de carácter não lucrativo e a instituição de recompensas honoríficas ou
pecuniárias para que sejam reconhecidas as realizações exemplares em todos os
campos da salvaguarda.

37- Os investimentos públicos previstos pelos planos de salvaguarda dos conjuntos


históricos e de sua ambiência deveriam ser avalizados pela consignação de créditos
adequados nos orçamentos das autoridades centrais, regionais e locais. O conjunto
desses créditos deveria ser administrado de forma centralizada pelos órgãos de direito
público, privado ou mistos encarregados de coordenar nos níveis nacional, regional ou
local todas as formas de ajuda financeira e de orientá-las a uma aplicação global.

38- A ajuda pública, em qualquer das formas descritas nos parágrafos seguintes,
deveria pressupor as intervenções da coletividade, onde for necessário e conveniente,
e levar em consideração o custo adicional da restauração, ou seja, o custo suplementar
imposto ao proprietário em relação ao novo valor venal ou locativo do edifício.

39- Em geral, esses investimentos públicos deveriam servir, antes de mais nada, para
conservar os edifícios existentes, particularmente as habitações de baixa renda e
somente aplicar-se a novas construções na medida em que elas não constituírem uma
ameaça à utilização e às funções dos edifícios existentes.

40- Dever-se-iam conceder doações, incentivos fiscais, subsídios ou empréstimos em


condições favoráveis aos proprietários particulares e usuários que houverem realizado
as obras estabelecidas pelos planos de salvaguarda e de acordo com as normas fixadas
por esses planos. Esses incentivos fiscais, doações, subsídios e empréstimos poderiam
ser concedidos, em carácter prioritário, a grupamentos de proprietários ou de usuários
de habitações e estabelecimentos comerciais, pois as operações agrupadas se tornam
economicamente mais vantajosas que as ações individuais. As vantagens financeiras a
serem concedidas aos proprietários particulares e aos usuários deveriam estar,
eventualmente, subordinadas ao acatamento de determinadas condições impostas no
interesse do público, tais como garantia da integridade dos imóveis, possibilidade de
visitação aos edifícios, acesso aos parques, jardins ou sítios, realização de fotografias,
etc.

41- Dotações especiais deveriam ser previstas nos orçamentos dos órgãos públicos ou
privados para a proteção dos conjuntos históricos ou tradicionais ameaçados por
grandes obras públicas ou privadas e pela poluição. As autoridades públicas deveriam
prever igualmente dotações especiais para a reparação dos danos causados pelos
desastres naturais.

42- Todos os serviços e administrações que atuam na construção pública deveriam,


ainda, agenciar seus programas e orçamentos de maneira a contribuir para a
reabilitação dos conjuntos históricos ou tradicionais, através do financiamento a obras
que correspondam simultaneamente a seus próprios objetivos e aos dos planos de
salvaguarda.

43- Para aumentar os recursos financeiros disponíveis os Estados Membros deveriam


incrementar a criação de estabelecimentos financeiros públicos ou privados para a
salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência, dotados de
personalidade jurídica e que pudessem receber doações de particulares, de fundações
e de empresas industriais e comerciais. Os doadores poderiam desfrutar de isenções
fiscais.

44- As instituições públicas e os estabelecimentos de crédito privados poderiam facilitar


o financiamento a obras de qualquer género destinadas a proteger os conjuntos
históricos ou tradicionais e sua ambiência, através da criação de um órgão que se
encarregasse da concessão de empréstimos aos proprietários, com taxas reduzidas e
longos prazos de reembolso.

45- Os Estados Membros e as autoridades interessadas em todos os níveis poderiam


facilitar a criação de associações sem fins lucrativos que se encarregassem da
aquisição e, se for o caso, depois de restaurá-los, da venda dos imóveis mediante a
utilização de fundos de operações especialmente destinados a manter nos conjuntos
históricos ou tradicionais os proprietários que desejarem protegê-los e preservar suas
características.
46- É essencial evitar que as medidas de salvaguarda acarretem uma rutura da trama
social. Para evitar, nos imóveis ou nos conjuntos a serem restaurados , o traslado dos
habitantes, com prejuízo dos menos favorecidos, poderiam ser concedidas
indemnizações que compensassem a alta do aluguel, para que os ocupantes pudessem
conservar suas habitações e seus pontos de comércio e produção assim como seus
modos de vida e suas ocupações tradicionais, especialmente o artesanato rural, a
agricultura em pequena escala, a pesca etc. Essas indemnizações, determinadas em
função dos rendimentos, ajudariam os interessados a fazer frente ao aumento dos
encargos provocados pelas obras realizadas.

PESQUISA, ENSINO E INFORMAÇÃO

47- Para aperfeiçoar a competência dos especialistas e dos artesãos necessários e para
fomentar o interesse e a participação de toda a população no trabalho de salvaguarda,
os Estados Membros deveriam adotar as medidas que se seguem, de acordo com sua
competência legislativa e constitucional.

48- Os Estados Membros e as coletividades interessadas deveriam encorajar as


pesquisas e os estudos sistemáticos sobre: aspetos urbanísticos dos conjuntos
históricos ou tradicionais e de sua ambiência; as interconexões entre salvaguarda,
urbanismo urbano e planeamento físico-territorial; os métodos de conservação
aplicáveis aos conjuntos históricos; a alteração dos materiais; a aplicação das técnicas
modernas aos trabalhos de conservação; as técnicas artesanais indispensáveis à
salvaguarda.

49- Deveriam ser instaurados e desenvolvidos ensinamentos específicos sobre os


temas acima e que compreendessem estágios de formação prática. Além disso é
indispensável estimular a formação de técnicos e de artesãos especializados na
salvaguarda dos conjuntos e de quaisquer espaços abertos que os circundam. O
desenvolvimento das técnicas artesanais, ameaçadas pelo processo de
industrialização, também deveria ser estimulado. Seria de desejar que as instituições
interessadas cooperassem nessa esfera com os organismos internacionais
especializados no assunto, tais como o Centro de Estudos para a Conservação e a
Restauração dos Bens Culturais, de Roma, o Conselho Internacional de Monumentos e
Sítios (ICOMOS) e o Conselho Internacional de Museus (ICOM).

50- A formação do pessoal administrativo encarregado das operações locais e


salvaguarda dos sectores históricos deveria, onde for adequado e necessário , ser
financiada e dirigida pelas autoridades competentes, de acordo com um programa a
longo prazo.

51- A tomada de consciência em relação à necessidade da salvaguarda deveria ser


estimulada pela educação escolar, pós-escolar e universitária e pelo recurso aos meios
de informação tais como os livros, a imprensa, a televisão, o rádio e o cinema e as
exposições itinerantes. As vantagens, não apenas estéticas e culturais, mas também
sociais e económicas que pode oferecer uma política bem conduzida de salvaguarda
dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser objeto de uma
informação clara e completa. Essa informação deveria ser amplamente difundida entre
os organismos especializados, tanto privados como públicos, nacionais, regionais e
locais e entre a população, para que saiba porque e como seu padrão de vida pode ser
melhorado.

52- O estudo dos conjuntos históricos deveria ser incluído no ensino em todos os níveis
e, particularmente, no de história, para inculcar no espírito dos jovens a compreensão e
o respeito às obras do passado e para mostrar o papel desse património na vida
contemporânea. Esse ensino deveria utilizar amplamente os meios audiovisuais e as
visitas aos conjuntos históricos ou tradicionais.

53- Conviria facilitar o acesso a cursos de aperfeiçoamento e reciclagem para pessoal


docente e para guias, bem como a formação de instrutores para ajudar os grupos de
jovens e de adultos desejosos de se iniciar no conhecimento dos conjuntos históricos
ou tradicionais.

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

54- Os Estados Membros deveriam colaborar, no que se refere à salvaguarda dos


conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência, recorrendo, se for necessário,
à ajuda de organizações internacionais, intergovernamentais e não governamentais,
principalmente ao Centro de Documentação UNESCO - ICOM - ICOMOS. Essa
cooperação multilateral ou bilateral deveria ser judiciosamente coordenada e
concretizar-se através de medidas com as seguintes: intercâmbio de informações de
todos os géneros e de publicações científicas e técnicas; organização de seminários e
de grupos de trabalho sobre temas específicos; concessão de bolsas de estudos e de
viagem, envio de pessoal científico, técnico e administrativo e fornecimento de material;
luta contra todas as formas de poluição; execução de grandes projetos de salvaguarda
de conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência e difusão da experiência
adquirida. Nas regiões situadas de um lado e de outro de uma fronteira onde ocorrerem
problemas comuns de planeamento e salvaguarda de conjuntos históricos ou
tradicionais e sua ambiência, os Estados Membros deveriam coordenar suas políticas e
ações para conseguir a melhor utilização e proteção desse património; assistência
mútua entre países vizinhos para a salvaguarda de conjuntos de interesse comum,
característicos do desenvolvimento histórico e cultural de região.

De acordo com o espírito e com os princípios da presente recomendação, nenhum


Estado Membro deveria tomar qualquer medida para demolir ou alterar as
características dos bairros, cidades e sítios históricos situados nos territórios ocupados
por esse Estado.
ANEXO D
Carta de Atenas
CARTA DE ATENAS, 2003

O Conselho Europeu de Urbanistas (CEU) está confiante que durante o séc. XXI a
Europa irá progredir para uma integração plena. Nesta perspetiva, o CEU apresenta
uma Visão partilhada e coletiva sobre o futuro das cidades europeias, como fundamento
da Nova Carta de Atenas 2003 (parte A). Trata-se de uma Visão de uma rede de
cidades, em que estas:

Conservarão a sua riqueza cultural e a sua diversidade, resultantes da sua longa


história;

Ficarão ligadas entre si por uma multitude de redes, plenas de conteúdos e de funções
úteis;

Permanecerão criativas e competitivas, mas procurarão, simultaneamente a


complementaridade e a cooperação; Contribuirão de maneira decisiva para o bem-estar
dos seus habitantes e, num sentido mais lato, de todos os que as utilizam;

Uma breve referência às principais questões e desafios que afetam as cidades no


princípio do séc. XXI; Os necessários compromissos dos urbanistas para pôr em prática
esta Visão;

A Nova Carta de Atenas 2003 dirige-se sobretudo aos urbanistas profissionais que
trabalham na Europa e a todos os que se interessam por este tipo de trabalho, a fim de
os orientar nas suas ações, de modo a assegurar maior coerência na construção de
uma rede de cidades com pleno significado e a transformar as cidades europeias em
cidades coerentes, a todos os níveis e em todos os domínios.

O planeamento estratégico do território e o urbanismo são indispensáveis para garantir


um Desenvolvimento Sustentável, hoje entendido como a gestão prudente do espaço
comum, que é um recurso crítico, de oferta limitada e com procura crescente nos locais
onde se concentra a civilização. Isto implica o trabalho de equipas multidisciplinares,
abarcando todas as disciplinas e “savoir- faire”, a várias escalas e em processos de
longo prazo. Este atributo especial que caracteriza a especificidade da profissão de
urbanista consiste em saber considerar simultaneamente uma variedade de questões e
de prever, antecipadamente, o seu impacto no espaço e na sociedade. O CEU está
consciente tanto da variedade como da universalidade da profissão de urbanista na
Europa, pois tem à sua responsabilidade a riqueza da diversidade das cidades e das
regiões europeias. […]
A identidade pessoal dos cidadãos está muito relacionada com a identidade da sua
cidade. Ora, as dinâmicas que resultarem do fenómeno da imigração urbana
contribuirão para novas e mais fortes identidades urbanas. Cada cidade desenvolverá
a sua própria alquimia social e cultural – resultado da sua história e das formas do seu
desenvolvimento. Terá como consequência a manutenção de uma grande diversidade
de características e identidades das cidades e das regiões nas diferentes partes da
Europa.

Na Cidade coerente, as trocas e as integrações entre as diferentes culturas presentes


darão à vida na cidade uma riqueza e uma diversidade muito maiores, a juntar à
atratividade da cidade, não só para residência, como para o trabalho, a educação, os
negócios e o lazer. […]

Natureza, paisagem e espaços livres urbanos

A oportunidade de todos viverem e trabalharem em espaços de proximidade, ligados a


um património cultural e natural bem conservado (paisagens significativas, sítios
arqueológicos, monumentos, espaços rurais e vizinhanças tradicionais, parques, praças
e outros espaços exteriores, massas de água, lagos, rios, zonas húmidas, litoral
marítimo e margens de rios, reservas naturais), será cuidadosamente preservado e
multiplicado. O planeamento do território e urbanismo continuarão a ser as ferramentas
eficazes para conseguir a proteção destes elementos do património natural e cultural,
bem como o veículo para a criação de novos espaços livres que darão coerência aos
tecidos urbanos.

A relação emocional do homem com o seu ambiente, o sentido de pertença ao sítio, é


uma condição fundamental para alcançar a qualidade de vida na cidade. As cidades e
as aglomerações urbanas mais apreciadas são aquelas que proporcionam uma
experiência ambiental rica e positiva. A qualidade ambiental que contribui para a
harmonia social e a vitalidade cultural tornam-se um dos fatores-chave do sucesso
económico de uma cidade […]

A coerência na utilização do espaço

Através do planeamento prudente e de outras intervenções adequadas, a articulação


das diferentes redes espaciais, no interior e ao redor das cidades, será particularmente
melhorada. Nas cidades coerentes, as funções essenciais dos centros e de outros nós
das redes policêntricas serão mantidas e melhoradas; estes locais serão servidos
eficazmente por redes de comunicação e transportes, sem que estes prejudiquem a sua
vitalidade e animação.

Para ser coerente com estes princípios, os espaços naturais do Continente europeu
deverão ser efetivamente protegidos contra a extensão e a multiplicação das redes
urbanas, tanto pela conjugação de medidas de proteção e estímulo, como pela
promoção pública da tomada de consciência sobre o valor e a necessidade absoluta da
sua salvaguarda e valorização.

A importância do espírito do lugar e da cultura na coerência da cidade e na sua


qualidade de vida

Paralelamente às considerações sobre o uso e a organização dos solos e do espaço, a


atratividade própria de cada cidade europeia será preservada e melhorada, contribuindo
assim para uma melhor qualidade de vida para todos, já que, perto de três quartos da
população da Europa habita nas suas cidades. O desenho urbano e a composição
urbana serão os elementos essenciais para o renascimento das cidades. Permitirão
eliminar as clivagens entre as várias partes da cidade e procurarão preservar o carácter
próprio de cada cidade e a sua continuidade face à tendência de homogeneização das
relações interpessoais, através de diferentes políticas de espaços urbanos e diferentes
tipos de medidas e intervenções, nos quais o urbanista terá um papel chave. Estas
incluem: O relançamento do desenho urbano e da composição urbana para proteger e
melhorar as ruas, as praças, os caminhos de peões e outros percursos, como
instrumentos da coesão social e de continuidade do tecido urbano;

Reabilitação das formas urbanas não humanizadas e degradadas; Medidas necessárias


para facilitar os contactos entre as pessoas e para multiplicarmos os locais de descanso
e de lazer;

Medidas para melhorar o sentimento individual e coletivo de segurança, que é um


elemento essencial da liberdade e bem-estar individuais;

Esforços para criar ambientes urbanos simbólicos provenientes do espírito próprio de


cada lugar, valorizando assim a diversidade de carácter de cada cidade;

Manutenção e exigência de um alto nível de excelência estética em todos os locais da


cidade;

Proteção sistemática dos elementos do património natural e cultural, assim como a


proteção e extensão das redes de espaços abertos urbanos.
Cada um destes desenvolvimentos positivos será gerido de diferentes modos em cada
país e em cada cidade, segundo as condições históricas locais e segundo a importância
atribuída às condições sociais e económicas. Ao mesmo tempo, a coesão no seio da
União Europeia alargada aumentará; as estruturas administrativas e sociais da Europa
ganharão maturidade e as orientações sobre a organização e planeamento e
preservação do espaço serão gradualmente incorporadas e postas em prática, sendo
incluídas no “acquis communautaire”. Os objetivos comuns às cidades europeias tornar-
se-ão claros e largamente aceites, enquanto cada uma procurará valorizar e manter os
elementos do seu carácter único. […]

Desafios para as cidades do futuro

Os conceitos-chave do desenvolvimento sustentável, da identidade urbana, da vida em


comunidade, da segurança, da saúde e da proteção médica, tornam-se cada vez mais
assuntos sensíveis para os urbanistas e para os processos de planeamento estratégico
do território.

A necessidade crescente de um ambiente urbano que ofereça qualidade de vida, mas


também a proteção da saúde e a segurança pública, lançam às cidades o importante
desafio de desenvolver um futuro no qual os aspetos de sustentabilidade social,
económica e ambiental sejam equilibrados. Desenvolver novas identidades baseadas
nas novas influências culturais é também um dos grandes desafios que as cidades
devem resolver. A vida urbana tende a desenvolver uma grande diversidade de culturas
capazes de coexistir e de respeitar a diversidade das suas tradições recíprocas. Além
disso, as cidades europeias deveriam evoluir de tal forma que poderiam aproveitar as
migrações internas dos cidadãos dos Estados Membros, atualmente autorizados a
deslocar- se e a estabelecer-se livremente na maior parte dos países da Europa. A
recuperação dos laços e da solidariedade sociais entre as diferentes gerações parece
ter-se transformado num elemento crítico para o futuro bem-estar das populações
urbanas.

O desenvolvimento de processos inovadores de democracia local constitui um outro


desafio importante – trata-se de procurar novas vias para mobilizar todos os atores, com
o objetivo de aumentar a participação e de assegurar a promoção dos interesses
comuns de todos os grupos. A participação dos cidadãos permite uma melhor
compreensão das exigências das pessoas e pode dar início a uma verdadeira evolução
cultural, que conduzirá à aceitação de soluções muito diversas para fazer face às
diferentes necessidades dos vários grupos, preservando sempre uma identidade
partilhada da cidade. […]

4. Alterações urbanas

Tendências

A cidade não é uma entidade edificada contínua, densa, mas inclui sempre uma
variedade de formas e espaços urbanos. O desenvolvimento das cidades e das regiões
não é só o resultado de técnicas modernas de planeamento do espaço, mas também o
resultado de desenvolvimentos informais e não planeados do passado. O contexto para
o desenvolvimento futuro das cidades está a mudar. As tecnologias de informação e de
comunicação permitem comunicações mundiais diretas e imediatas. A acessibilidade
física progrediu imenso, como consequência da melhoria das infraestruturas,
nomeadamente no que diz respeito ao transporte de pessoas e bens sobre redes
otimizadas e bem geridas que se estendem rapidamente. Os sistemas tendem a
funcionar com mais eficácia, a custos reduzidos, gerando novas soluções e novas
formas e modelos urbanos.

Questões das cidades

Uma melhor acessibilidade física que resulta de infraestruturas de transporte


melhoradas tende, no entanto, a criar barreiras e obstáculos, especialmente para os
modos de transporte e de deslocação mais lentos. Tem como resultado que as
estruturas físicas dominantes conduzam à fragmentação das estruturas dos arredores
da cidade e da paisagem. A suburbanização e a dispersão das funções urbanas para
as zonas periféricas da cidade implicam distâncias de deslocação maiores e, finalmente,
a deterioração da qualidade dos equipamentos e dos serviços. Um decréscimo do uso
do transporte público e um crescimento da utilização do transporte individual agrava
ainda mais os problemas das cidades.

Em termos económicos, o processo de globalização manifesta-se por uma dispersão


mundial da produção, assim como uma concentração da gestão e das funções nas
grandes cidades. Isto pode conduzir ao crescimento acelerado das regiões
metropolitanas em detrimento de outras formas de organização territorial.

A crescente disparidade entre os diferentes grupos terá como resultado não somente
alterações nas políticas urbanas, mas também nas grandes zonas desfavorecidas,
contrastando com os esquemas de desenvolvimento sofisticados para as novas
atividades económicas e quarteirões residenciais bem mantidos, destinados a grupos
privilegiados.

Desafios para as cidades do futuro

Devem ser aplicados os novos desenvolvimentos tecnológicos nas comunicações, na


informação e nos transportes, de tal modo que os cidadãos e a vida na cidade no seu
conjunto, deles beneficiem. Novos equilíbrios entre os objetivos históricos e culturais e
a tecnologia terão como resultado a criação de novas identidades urbanas, mais
atraentes. Não há que hesitar em utilizar todos os desenvolvimentos tecnológicos
possíveis para apoiar o desenvolvimento sustentável e a perenidade das cidades no
futuro.

São necessárias novas regras para o desenho e composição urbana, onde as partes
antigas e novas das cidades devem ser planeadas de maneira coerente para oferecer
soluções apropriadas, ligando sempre o passado ao futuro. É preciso também que
existam laços contínuos entre os espaços livres e os espaços construídos – às
diferentes escalas territoriais desde o quarteirão à cidade, e das redes de cidades ao
território global da Europa. As formas urbanas devem integrar uma mistura social e
urbana e devem contribuir para uma melhor qualidade de vida. O lazer na cidade pode
tornar-se uma combinação de ambientes virtuais e físicos, com possibilidades ainda
desconhecidas.

Ao mesmo tempo, é preciso lembrarmo-nos que um número significativo dos utilizadores


das cidades não vive nas cidades. Para estes é importante oferecer ambientes e
serviços de alta qualidade. O processo de planeamento do espaço deve gerar um
verdadeiro compromisso entre todos os atores e salvaguardar os interesses coletivos –
um instrumento essencial para assegurar o desenvolvimento sustentável e a coesão
social.

Os critérios de organização do espaço deverão ser adaptados à competição entre as


cidades para o desenvolvimento económico e, por essa razão, devem ser aplicadas
todas as técnicas do pensamento estratégico nas políticas urbanas.

Finalmente, o carácter único da cultura urbana europeia, parcialmente herdada da sua


histórica e dos seus diferentes estilos de vida, necessita de urbanistas profissionais que
tenham a consciência e o saber fazer necessários para compatibilizar as novas formas
urbanas com as necessidades da população do séc. XXI. […]
B2 – Os compromissos dos Urbanistas

Esta parte da Carta apresenta os compromissos dos urbanistas profissionais que


trabalham na Europa. Descreve o conjunto de valores que deve orientar os atos
profissionais dos urbanistas nas suas intervenções junto dos poderes públicos e
população, de forma a poder pôr em prática esta Visão e aplicar os princípios de
desenvolvimento das cidades preconizados nesta Carta.

O urbanismo e o planeamento do território são fundamentalmente trabalho de equipa


transdisciplinar, envolvendo diferentes profissionais e atores, num processo complexo.
O objetivo deste capítulo – os compromissos dos urbanistas – é identificar os urbanistas
com o trabalho de outros profissionais, clarificando as suas competências e reforçando
a coesão e a solidariedade entre urbanistas. O papel do urbanista evolui com o
desenvolvimento da sociedade, das leis e das políticas de ordenamento do território.
Estas variam segundo os quadros políticos e sociais de cada país onde trabalham os
urbanistas nos diferentes papéis de investigadores, funcionários administrativos,
gestores, especialistas consultores, ou professores. O que distingue os urbanistas é o
facto de se concentrarem nos interesses da sociedade na sua globalidade, em cada
forma de estabelecimento humano ou região, e sobre o futuro a longo prazo.

Os urbanistas analisam, elaboram esquemas, implementam e monitorizam estratégias


e políticas de desenvolvimento. Como em todas as disciplinas, contribuem também para
a formação profissional e investigação, a fim de adaptarem permanentemente o ensino
às necessidades do presente e do futuro. Os urbanistas participam ativamente, eles
próprios, em todas as diferentes fases e escalas do processo de organização do espaço,
ainda que não possam estar comprometidos da mesma maneira em todas elas ao
mesmo tempo.

É largamente reconhecido que o planeamento não consiste apenas em elaborar planos.


Trata-se também dum processo político para atingir um equilíbrio entre os interesses
em causa, públicos e privados, de forma a permitir as arbitragens necessárias aos
conflitos de interesse que surjam entre as diferentes exigências do planeamento e dos
programas de desenvolvimento. Isto mostra a importância do papel de urbanista como
mediador. O saber-fazer dos urbanistas em matéria de mediação e de negociação
tornar-se-á cada vez mais importante, tanto hoje como no futuro.

O papel do urbanista é hoje mais exigente que nunca. Requer capacidades acrescidas
em matéria de composição urbana, de síntese, de gestão e de administração, para
desenvolver todas as etapas do processo do planeamento do território. Exige uma
aproximação humanista e científica e a procura de um consenso social, sempre no
respeito pelas diferenças individuais e decisões políticas, para conseguir pôr em prática
a implementação, gestão, monitorização e revisão dos planos e programas.

A complexidade e o desafio deste papel requer toda uma série de obrigações


específicas aos urbanistas, que serão os profissionais do séc. XXI, tanto como
conselheiros estratégicos como “planeadores do território”, como gestores
administradores-animadores urbanos ou como especialistas científicos.

O urbanista como humanista e cientista compromete-se a:

Analisar as características existentes e as tendências, considerando o contexto


geográfico em sentido lato e concentrando-se nas necessidades a longo prazo, para
oferecer uma informação completa, clara e rigorosa aos decisores, aos atores e à
população em geral;

Tornar acessível a informação disponível, considerando os indicadores europeus, e


adotar representações que facilitem o debate público e a compreensão partilhada das
soluções propostas e dos processos de tomada de decisão;

Conservar um conhecimento apropriado sobre a filosofia, a teoria, a investigação e a


prática contemporânea do ordenamento do território e do urbanismo, através da
formação contínua; Contribuir para a formação e ensino e para o desenvolvimento da
profissão de urbanista na Europa, integrando a teoria e a prática;

Encorajar a crítica saudável e construtiva da teoria e prática do planeamento territorial


e partilhar resultados da experiência e da investigação, para contribuir para a evolução
do conhecimento e para a competência em matéria de planeamento do território e
urbanismo.

O urbanista como planeador urbano e visionário compromete-se a:

Pensar em todas as dimensões que permitam a articulação de estratégias locais e


regionais no quadro das tendências globais (“Pensar globalmente, Agir localmente”);

Aumentar as escolhas e as oportunidades para todos, reconhecendo uma


responsabilidade especial nas necessidades das populações desfavorecidas; Proteger
a integridade e o ambiente natural, a excelência da composição urbana e preservar a
herança cultural do ambiente construído para as gerações futuras;
Propor alternativas em relação a problemas e desafios específicos, medindo limiares e
impactos, pôr em evidência as identidades locais e contribuir para o seu próprio
desenvolvimento, implementando programas e estudos de viabilidade;

Desenvolver e elaborar estratégias espaciais de desenvolvimento mostrando as


oportunidades para o desenvolvimento futuro das cidades ou das regiões; Identificar o
posicionamento ótimo do plano, ou do esquema, nas redes (inter) nacionais, mais
relevantes, de cidades e regiões;

Convencer todos os atores a partilhar uma visão comum e de longo prazo, para a sua
cidade ou região, acima dos interesses e objetivos individuais.

O urbanista como conselheiro estratégico e mediador compromete-se a:

Respeitar os princípios de solidariedade, subsidiariedade e igualdade nas tomadas de


decisão, tanto nas decisões que propõe como na sua implementação;

Aconselhar as autoridades preparando-lhes propostas e soluções, com metas a cumprir,


objetivos a atingir, análises de impacto e diagnósticos, procurando sempre melhorar e
realçar a importância do bem-estar público; Sugerir e elaborar instrumentos
operacionais que assegurem a eficiência e a justiça social nas políticas de ordenamento;

Facilitar a verdadeira participação pública e a responsabilização das autoridades locais,


dos decisores, dos atores económicos e dos cidadãos, para coordenar
desenvolvimentos e assegurar a continuidade e a coesão espaciais;

Coordenar e organizar a colaboração entre todos os atores envolvidos de forma a


encontrar um consenso e resolver os conflitos através de decisões inequívocas
preparadas para as autoridades competentes;

Esforçar-se por um alto nível de comunicação que assegure o conhecimento e a


compreensão dos futuros utilizadores. O urbanista como gestor-administrador urbano
compromete-se a:

Adotar modos de gestão estratégica no processo de desenvolvimento espacial, indo


claramente acima da elaboração dos planos, destinados a servir as necessidades
burocráticas administrativas;

Alcançar a eficiência e eficácia das proposições adotadas, tendo em conta a viabilidade


económica e os aspetos ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável;
Considerar o planeamento do território segundo os princípios e os objetivos do Esquema
de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC) e outros documentos de política
da União Europeia (UE), para adaptar as propostas locais e regionais às estratégias e
políticas europeias;

Coordenar diferentes níveis territoriais e diferentes sectores a fim de assegurar a


colaboração, o envolvimento e o apoio de todas as autoridades administrativas e
territoriais;

Estimular o partenariado entre os sectores público e privado, para valorizar os


investimentos, criar emprego e atingir a coesão social;

Beneficiar positivamente dos Fundos Europeus, encorajando a participação das


autoridades locais e regionais nos programas e projetos cofinanciados pela UE;

Monitorizar e avaliar permanentemente os planos para corrigir resultados não previstos,


propor soluções ou ações, e assegurar uma inter-relação retractiva contínua entre as
políticas de planeamento territorial e a sua implementação. […] (“A Nova Carta de
Atenas 2003, A visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as cidades do seculo
XXI”, Lisboa, 20 de Novembro de 2003)
ANEXO E
Peças Desenhadas
N
9.92

10.70 10.52
UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

9.55 PLANTA PISO -1


ARQUITETURA

10.18
CADEIRA:

7.99 7.60 7.99

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Planta do piso -1

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 01


N
14.44

14.53

14.64 14.64

14.64

14.45
14.68

14.70

14.51 14.47 14.32

14.47

14.66 14.66

14.47

14.55 14.54
UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES
14.60

PLANTA PISO 0
ARQUITETURA
14.60

14.45

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Planta do piso 0

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 02


N
14.44

17.71

17.20

17.20

14.45

14.70

14.51 14.47 14.32

14.47

14.66 14.66

14.47

14.55 14.54
UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES
14.60

PLANTA PISO 1
ARQUITETURA
14.60

14.45

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Planta do piso 1-EXISTENTE

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 03


N
20.50 17.20

20.33

20.10

14.70 14.47 14.32 20.40

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

PLANTA PISO 2
ARQUITETURA

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Planta do piso 2

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 04


N
UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

PLANTA DAS COBERTURAS ARQUITETURA

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Planta das Coberturas

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 05


14.10

9.92

14.32
13.94

10.18

7.99 7.99 7.99


7.60 7.60 7.60 7.60

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

ARQUITETURA

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 06


14.60 14.45 14.32

10.70 10.52 10.37


10.18
9.55
9.55 9.55

7.99 7.99
7.60

CORTE A-A

23.14

20.10

19.22 19.22

14.66 14.47 14.47 14.66 14.54 14.52 14.55


14.35 14.33

CORTE B-B

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES
20.33 20.10
20.00

17.60 17.71
17.20
ARQUITETURA
14.53 14.55 14.60 14.45 14.62
14.33

10.70

9.55
CADEIRA:
7.99

PROJETISTA:

Victor Soares
CORTE C-C PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

17.20

Cortes
14.64 14.68 14.54 14.54 14.62

10.52
10.18

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 07

CORTE D-D
FLUXO HOTELEIRO

comerciais
arrumos

PLANTA PISO 0 PLANTA PISO 1

PLANTA PISO -1

arrumos

HOTELEIROS

PLANTA PISO -1

FLUXO CULTURAL
UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

PLANTA PISO 0

ARQUITETURA

CADEIRA:

14.44

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:
PLANTA PISO 0
14.70
14.47 14.32

14.47

CONVENTO DA CARTUXA
14.66

14.47

LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

PLANTA PISO 1

PROGRAMA FUNCIONAL
Planta do piso 0

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 s/escala 01


arrumos

PLANTA PISO -1
LEGENDA

1 ESTACIONAMENTO
2
3 CONVENTO

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

ARQUITETURA

3
CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:
2 Caxias - Oeiras
FASE:

1
2

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 s/escala 02


N
1

11.05

11.00

1 1

11.05

11.05 3
11.00
2 11.05
Gabinete Gabinete Gabinete Gabinete

12 09.92
10.52
10.70 UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

09.55
PLANTA PISO -1
4 14 ARQUITETURA
5 6 7 8 9 10 11
10.85 10.85 10.85 10.85 10.85 10.85 10.85

13 CADEIRA:
10.18
07.99 07.99 07.99 07.99 07.99 07.99 07.99 07.99
PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

LEGENDA - PLANTA PISO -1

1 CONVENTO DA CARTUXA
2 LOCAL:

3 ZONA DE "SPA" Caxias - Oeiras


4 FASE:
5
6
7
Planta do piso -1
8
9
10
11 DATA DESENHO: ESCALA:

12 Agosto 2015 1/500 03


13 COZINHA DE APOIO AO RESTAURANTE
14
N
14.38 14.38

14.33
13
14.33
14.53 8
14 14.44
14.64
14.51
14.45
14.32

12 14.47 14.32

CLAUSTRO GRANDE

14.47

CLAUSTRO
PEQUENO
14.66 14.66 14.66

8
7 11
6 6 8 14.47

14.33

9 10 10
14.55 14.54 UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES
corredor de acesso aos quartos 14.60 14.60

PLANTA PISO 0
2 2 2 2 2 2 2
3
2 2 2 2 2 ARQUITETURA
4

14.30 14.45

14.45 corredor de acesso aos quartos CADEIRA:

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
5
PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

LEGENDA - PLANTA PISO 0

1 QUARTOS CONVENTO DA CARTUXA


2 QUARTOS COM MEZZANINE LOCAL:

3 Caxias - Oeiras
4 ZONAS DE ESTAR FASE:
5 RESTAURANTE
6
7
Planta do piso 0
8
9
10
11 DATA DESENHO: ESCALA:

12 IGREJA Agosto 2015 1/500 04


13
14 CAFETARIA/BIBLIOTECA
N
17.68
17.63
17.68 3
17.68
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
2 2

17.20
5
17.20

14.45

14.55 14.54 UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES
14.60

17.90 PLANTA PISO 1


ARQUITETURA

14.30
CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

LEGENDA - PLANTA PISO 1

1 ATELIERS-NUCLEO DE EMPRESAS CONVENTO DA CARTUXA


2 LOCAL:

3 Caxias - Oeiras
4 ARRUMOS FASE:
5 SALA PARA GRANDES EVENTOS

Planta do piso 1

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 05


N
20.50

20.33

20.10

20.40

19.22

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

PLANTA PISO 2
ARQUITETURA

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Planta do piso 2

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 06


N
UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

PLANTA DAS COBERTURAS


ARQUITETURA

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
PROFESSOR:

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Planta das Coberturas

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 07


13.94 14.45 14.32
14.66

10.18

7.99 7.99 7.99

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

ARQUITETURA

CADEIRA:

PROJETISTA:

Victor Soares
14.10 PROFESSOR:

9.92

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 08


14.60 14.60 14.45 14.60 14.45

10.70 10.85 10.85 10.85 10.76


10.52 10.37
10.18
9.55

7.99 7.99 7.99

CORTE A-A

20.10
19.22 19.22

14.66 14.47 14.47 14.66 14.54 14.52 14.55 14.55 14.55


14.35 14.33 14.33 14.33

11.05 11.00 11.00

CORTE B-B

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

ARQUITETURA

20.33 CADEIRA:

17.68 17.90
17.20

PROJETISTA:
14.38 14.53 14.55 14.60 14.60 14.45
14.33 14.33
14.30

Victor Soares
11.00 11.05 11.00
10.70 PROFESSOR:
9.55

7.99

CORTE C-C
CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
FASE:

Cortes

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 09


20.33 20.50

17.68
17.20

14.53 14.64 14.66


14.33 14.38

11.00

CORTE E-E

UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA


FACULDADE DE ARQUIETURA E ARTES

ARQUITETURA

CADEIRA:

PROJETISTA:

17.20 Victor Soares


14.64 14.66 14.53 14.66 14.54 14.54 14.45 PROFESSOR:

10.52
10.18

CONVENTO DA CARTUXA
LOCAL:

Caxias - Oeiras
CORTE D-D
FASE:

Cortes

DATA DESENHO: ESCALA:

Agosto 2015 1/500 10

Você também pode gostar