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03
75 ANOS DA LIBERTAÇÃO
DE AUSCHWITZ
Um relato de viagem
entrevista\\
SÉRGIO MAMBERTI
O ator fala sobre sua carreira,
sua relação com a esquerda e
com o judaísmo
racismo em alta\\
A ofensiva de Bolsonaro contra
a liberdade de expressão
EVANGÉLICOS E O JUDAÍSMO
Seminário em Israel debate a apropriação de símbolos e da história
judaica por igrejas neopentecostais
sumário\\ 03
10
14
Editorial
Liberdade de Expressão: Racismo em Alta
Religião: De Purim a Pessach: proteção
e vingança em diálogo no calendário
judaico
16
Entrevista: Sérgio Mamberti: paixão
26 por Hitler se repete hoje na paixão por
Bolsonaro
Holocausto: Chegar a tempo, mesmo
32 que tarde demais: relato de uma visita a
Auschwitz-Birkenau
04 panorama
internacional\\
A economia
humor\\
desgovernada:
novos paradigmas
Revista eletrônica do Observatório Judaico dos Direitos Projeto gráfico, diagramacão e direção de
expediente\\
44
máximo - para o mundo das finanças
cidade em foco\\ Municipalismo e direito – se torna política de governo, junto
à cidade – contradições e desafios com o ataque à previdência social,
estamos à deriva.
40
Sem políticas públicas adequadas ao
enfrentamento da pandemia, sobra
para a população o medo. Enquanto o
SUS é atacado para beneficiar planos
de saúde privados, mas que não darão
conta das necessidades surgidas pelo
Covid-19, o país caminha a passos lar-
gos em direção à necropolítica.
direitos humanos\\
Migrações e os Mas o vírus não discrimina quem tem
direitos humanos poder econômico e quem não tem. O
que diferencia é a capacidade de re-
agir, de poder lavar as mãos ou usar
álcool gel sempre que necessário.
Boa leitura.
A ECONOMIA DESGOVERNADA:
NOVOS PARADIGMAS
O papa Francisco
lança iniciativa por um O papa Francisco convocou para
março de 2020 uma reunião
planetária em torno de uma nova
de crenças ou nacionalidade,
para um acordo no sentido de
repensar a economia existente,
modelo econômico que economia, chamada simbolicamente e de humanizar a economia de
reduza a concentração de Economia de Francisco, na amanhã: torná-la mais justa,
de renda e integre as linha da associação com o que mais sustentável, assegurando
grandes maiorias seria a visão de São Francisco uma nova preeminência para as
de Assis, aliás local da reunião populações excluídas”.
proposta. Gerou-se com isso um
amplo movimento, por parte de No conjunto, trata-se de repensar a
comunidades de diversas religiões, função da economia na sociedade.
e ampliou-se a visibilidade com a Afinal, a economia em princípio
participação direta de personagens deve servir para vivermos melhor
como Jeffrey Sachs, Joseph Stiglitz, e não para que estejamos a
Amartya Sen, Vandana Shiva, seu serviço. Parece que está
Muhammad Yunus, Kate Raworth se chegando a uma visão de
e outros personagens de primeira bom senso, um reordenar dos
linha mundial, com forte presença argumentos. Uma economia a
de prêmios Nobel. Uma ideia básica, serviço do bem comum implica
de que a economia deve servir à que seja economicamente viável,
sociedade, e não o contrário, está mas também socialmente justa
encontrando um eco profundo. e ambientalmente sustentável.
Vivemos uma era de profunda Este triplo objetivo define um novo
insegurança e busca de novos equilíbrio e uma outra forma de
modelos. O atual não funciona. organização.
2. Democracia participativa:
os processos decisórios
sobre como definimos as nossas 4. Renda básica universal: no
quadro de uma visão geral
hoje essencialmente urbanizadas
e o essencial das políticas que
asseguram o bem-estar da comu-
opções, como priorizamos o uso de que algumas coisas não podem nidade e o manejo sustentável dos
dos nossos recursos, não podem faltar a ninguém, uma forma sim- recursos naturais deve ter raízes
depender apenas de um voto a ples e direta, em particular com em cada município, construindo
cada dois ou a cada quatro anos. as técnicas modernas de trans- assim o equilíbrio econômico,
Com sistemas adequados de in- ferência, é assegurar um mínimo social e ambiental na própria base
formação, gestão descentralizada para cada família. Não se trata de da sociedade.
e ampla participação da socieda- custos, pois a dinamização do con-
de civil organizada precisamos
alcançar um outro nível de racio-
nalidade na organização econômi-
sumo simples na base da socieda-
de dinamiza a economia e gera o
retorno correspondente.
7. Sistemas financeiros como
serviço público: o dinheiro
que manejam os sistemas finan-
ca e social. As novas tecnologias ceiros tem origem nas nossas
abrem imensos potenciais que se
trata de explorar. 5. Políticas sociais de acesso
universal, público e gratui-
to: o acesso à saúde, educação,
poupanças e impostos, constitui
recursos do público e, neste sen-
tido, deve responder às necessi-
8. Economia do conhecimento:
o conhecimento hoje consti-
tui o principal fator de produção.
é absolutamente essencial
para o próprio funcionamento
de uma economia a serviço do
MEA CULPA
direita e a erosão dos processos voltada para o bem comum. “While each of our individual com-
panies serves its own corporate
AI-5 E REFERÊNCIA AO NAZISMO Bolsonaro demitiu, mas não criticou, modo violento, a violência propria-
o secretário da Cultura, Roberto Al- mente dita encontra terreno fértil
Bolsonaro não criticou seu filho vim, que gravou um vídeo patrioteiro para se multiplicar. Nunca antes de
Eduardo, deputado federal, quando inspirado no ministro da propaganda 2019 as polícias mataram tantas
ele pregou a volta do AI-5. Nem o de Hitler, Joseph Goebbels. pessoas “em confronto”. Nunca tan-
general Augusto Heleno Ribeiro, tas mulheres foram mortas no país.
ministro do Gabinete de Segurança Se o vértice dispara manifestações O preconceito organizado é o caldo
Institucional, que o secundou. de intolerância, frequentemente de de cultura da selvageria. �
Mauro Malin é jornalista
DE PURIM A PESSACH:
PROTEÇÃO E VINGANÇA EM
DIÁLOGO NO CALENDÁRIO
JUDAICO Ou “os riscos de o perseguido
se transformar em perseguidor”
O IMBRÓGLIO
SIONISTA-NEOPENTECOSTAL
É DEBATIDO EM HAIFA
Pesquisadores do Brasil, Israel, Europa e América do Norte discutem as
relações entre evangélicos neopentecostais, o judaísmo e Israel
Da esquerda para a direita, Rafael Kruchin, diretor executivo do Instituto Brasil-Israel; Michel Gherman, coordenador da Conferência de Haifa; Marcos Silber, diretor do Departa-
mento de História Hebraica da Univ. de Haifa e, ao microfone, Paul Freston, da Universidade Wilfrid Laurier, Canadá
1. A APROPRIAÇÃO DA ESTÉTICA
Foto: Reprodução
Pastores usam
talitim em culto
neopentecostal
A apropriação de elementos da
estética e da liturgia judaicas
não é fator casual, mas está a
mostrar este aspecto no trabalho
“Sob a dupla honra divina: Etno-
grafia de uma igreja judaico-pen-
serviço de uma legitimação via tecostal no Recife”.
inserção das profecias neopente-
costais em perspectiva histórica. “Há igrejas judaizantes que
Coube à pesquisadora Tahyane incorporam símbolos e práticas
Fernandes, da Universidade judaicas na liturgia e celebram
Federal de Pernambuco (UFPE), festividades judaicas como
2. PROFECIAS INUSITADAS
Haverá a Grande
Tribulação, um
P ara além dessa representação
estética, aspectos centrais do
relato teológico-profético neo-
por Amado, partindo de escritos
dos próprios teóricos dedicados a
este mister:
4. EVANGÉLICOS SE DISTANCIAM
Foto: Reprodução
teses neopentecostais. Coube dos os povos. A
ao pastor Henrique Vieira, em sua escolha de Deus é
exposição, “Uso da memória de pela superação de
Israel no contexto de um extremis- uma atual con-
mo evangélico brasileiro”, afirmar dição econômica
esse distanciamento. “Sempre que e social: trata-se
um povo é vítima de espoliação, da condição dos
massacre, preconceito e genocídio, pobres e oprimi-
este é o lugar que Deus escolhe dos. Deus revela
estar para fazer seu rosto ser visto a universalidade
e seu grito ser ouvido. Na memória de Seu amor a
bíblica de Israel aprendi que por partir da experi-
amor Deus escolheu os pobres ência concreta de
e que toda forma de opressão é atenção às vítimas Pastor Henrique Vieira
anti-bíblica”, afirma o pastor. da Terra”.
A presença de bandeiras de
Manifestação na
frente da Hebraica do
Rio de Janeiro contra
palestra de Bolsonaro
Jayme Brener
CPF: 043.727.578-75
Nu Bank (banco nº 260)
Ag. 0001
C/C 85199586-0
ALDEIA GUARANI
RESISTE A
DESMATAMENTO
Ameaçados pela construção de empreendi-
mento imobiliário ao lado da Terra Indígena
do Jaraguá, índios guaranis convidaram as
Fotos: Samuel Neuman
Uma carta
para Lula
Dia 30 de janeiro, um
grupo de judias e judeus
realizou ato de entrega
de carta de apoio ao
presidente Lula. O evento,
que reuniu em torno de
400 pessoas, contou com
representantes de diver-
sos setores da sociedade
Foto: Paulo Rapoport
Minha mãe era colega da mãe do RO: Como foi sua relação com a
Plinio Marcos. Em uma conversa, ela Casa do Povo e o TAIB?
lhe disse uma vez: “Estou preocupa-
da: meus dois filhos, Sérgio e Cláu- SM: Muitos de meus amigos judeus
dio, estão fazendo teatro”. Ao que a vieram comigo para São Paulo. Fiz
mãe do Plinio respondeu: “Parabéns, parte do Centro Popular de Cultura
o meu fugiu com o circo...”’. Minha (CPC). Comecei a conviver com a
mãe dizia que ficou mais consolada! Casa do Povo, que era ligada ao Par-
Dr. Vitor,
em “Castelo
Ratimbum”
como dizer que passamos frio? tudo o que há para ver ali já foi visto, Mas todo o dispositivo da memória
Tomamos café às 6h30 da manhã mas a rapidez da visita e o excesso não tinha como objetivo, justamen-
e só fomos comer quase às 13h, de brancura do céu e da neblina me te, fazer de cada um de nós, que
mas como dizer que o que senti- forçaram a fotografar sem plano. aceita o apelo para escutar tais his-
mos foi fome? Os problemas de tórias, também uma testemunha?
joelho e quadril me faziam temer Entre as fotos, encontro esta e Aceitar testemunhar, deste lugar
cair, mas não doíam e a sensação me assusto: não era o edifício do de quem não viveu diretamente a
de vulnerabilidade que sentia era crematório, é claro, e nem sei bem catástrofe, não significa também
nada frente à narrativa do medo porque apontei a câmera para o colocar-se no movimento de jamais
que tinham os prisioneiros de cair, alto, mas não consigo evitar de deixar de se interrogar a respeito
em especial durante as longas ver nesta foto uma imagem do daquilo que permanece incompre-
chamadas de manhã e de noite – a passado. Como se os mortos nas ensível? Tornar-se “cúmplice desta
fragilidade do corpo tinha começa- câmaras de gás, as testemunhas lembrança” : não é este o apelo
do a se produzir já no trajeto e cair impossíveis cujas cinzas e restos que faz da Shoah um acontecimen-
doente era sentença de morte. Ali, estão dispersos naquele espaço, to que “não cessa de se escrever”?
caminhando pelas ruas do Museu tentassem nos dizer algo. Uma
e Memorial que outrora foi palco iluminação, nada feito de palavras, Nossa visita terminou em frente ao
de um crime impensável, a língua apenas a coincidência da luz com crematório V, junto à reprodução de
o tempo todo encontrava onde o olhar mediado pela câmera. três, das quatro fotografias clandes-
tropeçar, pronta para resvalar da Como se o lugar de horror trans- tinas tiradas em 1944 por integran-
tragédia ao drama. formado em lugar de memória tes do Sonderkommando – ima-
fosse habitado por fantasmas; gens que, conforme as análises de
Tendo viajado sem computador, só como se ali – e apenas ali –, eles Georges Didi-Huberman, consistem,
consegui ver as fotografias que tirei ainda pudessem cruzar de volta em si mesmas, em gesto de resis-
já depois de voltar ao Brasil. Tinha a fronteira da morte para nos tência e de sobrevivência . Embora
medo do que encontraria, pois esta- transmitir algo. Ler a foto desse seus autores soubessem que não
va decidida a evitar os clichês visuais modo é também, eu sei, resvalar sobreviveriam – justamente por sua
que reiteram a sensação de que da tragédia ao drama. proximidade com a dimensão dos
FALAR DO
negacionismo devem ser
restritos ao massacre dos
judeus na Segunda Guerra
HOLOCAUSTO?
[1] ou podem ser estendidos a
outras barbaridades, como o
caos climático?
Após os crimes cometidos pelo mais premente de negacionismo campos de concentração nazistas.
regime nazista contra os judeus, o hoje, que é o do aquecimento global Me parecia que trazer o termo
termo Holocausto, que em grego de origem antrópica.[3] holocausto para o presente poderia
designa um sacrifício pelo fogo nos ajudar a despertar a mesma
oferecido aos deuses, no qual o Mas aos poucos foi ficando claro indignação e vergonha, impressio-
animal sacrificado era consumido para mim que poderia ser impor- nar, chocar, nos fazer parar e acor-
por inteiro, passou a ser empregado tante, até necessário, compreender dar para o que está acontecendo.
no Ocidente como um nome próprio de que modo a própria singulari-
para designar esse mal extremo e dade do acontecimento que foi o Digo isso ciente de que usar a
sem sentido aparente exercido pelo Holocausto judeu (em hebraico, referência ao Holocausto para
Terceiro Reich, que, entre muitas Shoah, que significa catástrofe ou falar de outros crimes, ainda que
outras atrocidades, tinha o projeto destruição) poderia tornar o nome atrozes e enormes, pode ser visto
de exterminar os judeus europeus. holocausto um instrumento impor- por parte da comunidade judaica
No final da década de 1980, o termo tante na luta contra os diversos como uma espécie de desrespeito
negacionismo [négationisme] pas- tipos de atrocidades que estão ou até mesmo de traição às vítimas
sou a ser usado, primeiramente, em sendo cometidas por essa outra do nazismo durante a Segunda
referência a certos historiadores máquina de morte que culmina Guerra. É certo que aquele acon-
de direita que se auto-intitulavam no Antropoceno – e aqui incluo tecimento não se compara, muito
“revisionistas”, e em seguida às não apenas sua expressão mais menos equivale a nenhum outro,
posições de vários outros inte- extrema, o Ecocídio e a extinção e não é meu objetivo fazer essa
lectuais e políticos que negavam em massa das espécies vivas, aproximação – e por isso a ele re-
quer a existência, quer a dimensão, mas coisas como o abandono das servo, e evidentemente não sou a
quer as causas desse fato histórico populações mais pobres na linha única a fazê-lo, o termo Shoah. Mas
plenamente comprovado. Em meu de frente dos desastres produzidos não penso que o reconhecimento
trabalho sobre a catástrofe ecológi- pelas elites, enquanto estas mes- da singularidade, nem sequer da
ca atual, recuei até o Holocausto[2] mas elites criam muros, e confi- extrema gravidade do Holocausto
justamente porque estava tentando nam um número cada vez maior de judeu deva nos impedir de esta-
entender melhor o negacionismo, refugiados em instituições que nos belecer paralelos e analogias, de
ou, mais precisamente, a forma lembram muito incomodamente os aprender com as semelhanças e
errou a mão, exagerou, pois está a atenção sobre si mesmo. Ou [2] Danowski, D. (2018). Negacionismos. Coleção Pandemia. São
Paulo: Editora n-1, 26 pp.
em total sintonia com seu chefe Ricardo Salles, o “antiministro” do
[3] Aqueles que negam as mudanças climáticas antropogênicas
Bolsonaro e, se tivesse sido mais meio ambiente, aquele que foi posto costumam se autodenominar “céticos do clima”, mas seus críticos
(entre os quais me incluo) preferem chamá-los de negacionistas.
prudente, teria permanecido no ali para destruir o meio ambiente
[4] https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/meio-ambien-
cargo). A gente acaba tendo que e que, não contente em negar a te/231554-cientistas-liderados-por-lcmolion-confrontam-am-
ler coisas como esta manchete da ciência do clima, o aquecimento bientalistas-que-defendem-o-aquecimento-climatico.html#.
XIaeE9F7kWo.
Folha de S. Paulo de 17 de janeiro: global e os dados do INPE sobre
“Citação nazista na cultura e agen- o desmatamento na Amazônia, Déborah Danowski é professora do Departamento
de Filosofia da PUC-Rio. pós-doutora pela Universi-
da econômica não se misturam, acusou ativistas de serem culpados dade de Paris IV e pela PUC-SP
MIGRAÇÕES E OS
DIREITOS HUMANOS
Multidões de deslocados por crises econômicas,
perseguições políticas ou religiosas vagam pelo mundo
enfrentando constantes violações de direitos
de proteção da pessoa do imigrante, representante da sociedade civil divulgar um novo olhar sobre as
com ou sem documentos. O obje- na coordenação do grupo de São migrações, focado no imigrante
tivo do Pacto Global é servir como Paulo. Levantamos várias propos- como fator de desenvolvimento,
um Norte para as ações dos países tas todas contempladas e muitas de contribuição social e cultural,
que aderirem a ele. incluídas no texto final. esclarecer ideias errôneas que
sustentam vários mitos sobre a mi-
A sociedade civil participou ativa- Estados de todo o mundo, excetu- gração e que estão no imaginário
mente. Pessoalmente, participei na ando os Estados Unidos de Améri- coletivo. Inclusive porque o total de
regional de América Latina, como ca, se comprometem a aumentar migrantes no mundo contribui com
as vias de migração regular, mais do 9% do PIB Mundial e suas
melhorar a proteção dos migrantes remessas são de quase 7 trilhões
Declaração Universal tanto na saída, trânsito e chegada, de dólares anuais, três vezes mais
assim como dar garantia de acesso que toda ajuda internacional dada
dos Direitos aos serviços básicos com isonomia pelas organizações internacionais
A Declaração Universal dos de direitos com os nacionais. O aos países em desenvolvimento. �
Direitos Humanos estabelece, Brasil, que tinha assinado durante
[1] Relatório da Divisão de População do Departamento dos
no Art. 14 (Direito de Asilo), o administração Temer, nos primei- Assuntos Econômicos e Sociais do Secretariado das Nações
direito da pessoa que é vítima de ros dias do governo Bolsonaro se Unidas. United Nations, 2017, p. 1.
perseguições, a procurar e gozar retirou do Pacto. Como represen- [2] Brasileiros no mundo. Ministério de Relações Exteriores
. http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/noticias/
de asilo em outros países. Já o tante da sociedade civil, lamentei censo-ibge-estima-brasileiros-no-exterior-em-cerca-de-500-mil/
impressao
Art. 13 (Direito à Liberdade de que, sem consultar a nação ou a [3] Relatório Global Trends do Alto Comissariado das Nações
Movimento), estabelece o direito outros poderes do Estado, o Brasil Unidas para Refugiados (Acnur) 2017.
MUNICIPALISMO
E DIREITO À CIDADE –
contradições e desafios [1]
V
cidades e a preca- ivemos na era das cidades: mundo todo, etc. Da mesma forma,
rização do acesso mais da metade da popula- a degradação ambiental, o cresci-
à moradia, entre ção mundial vive em cidades e mento descontrolado do ambien-
as previsões apontam para uma te físico das cidades e a precari-
outros, tornaram-se elevação desta tendência nas pró- zação do acesso à moradia, entre
fenômenos urbanos ximas décadas. Vivemos também outros, tornaram-se fenômenos
globais” na era da globalização: atualmente, urbanos globais.
o mundo está irremediavelmente
interconectado e sujeito a interde- Os processos acima mencionados
pendências que obrigam a pensar geraram sérios problemas sociais
e a atuar fora dos marcos teóri- e econômicos, com destaque para
cos e políticos convencionais. Os os altos níveis de desemprego, o
fenômenos da urbanização e da crescimento da informalidade, as
globalização, longe de se darem bolhas no mercado imobiliário re-
em paralelo, estão íntimamente sidencial ou o crescimento urbano
entrelaçados. A urbanização é um acelerado pela chegada de fluxos
fenômeno global e a globalização, migratórios. A ausência de uma
por sua vez, se expressa com força resposta política e institucional
nas cidades: deslocamento da ati- suficiente para esses fenômenos,
vidade produtiva, transnacionaliza- por parte dos governos, levou à
ção das finanças e reestruturação eclosão de protestos e mobiliza-
econômica das cidades, surgimen- ções nas ruas. Durante a última
to de dinâmicas de mobilidade que década, várias mobilizações
superam as fronteiras nacionais, e urbanas atravessaram o planeta
que têm como epicentro cidades do de ponta a ponta: do movimento
é particularmente relevante em velmente, uma resposta binária [10] Santos, Boaventura de Sousa. Sociología jurídica
crítica. Para un nuevo sentido común en el derecho. Madrid,
contextos pós-coloniais, em que para esta pergunta é insuficiente Bogotá: Trotta, ILSA, 2009.
os modelos de cidades (coloniza- para captar a complexidade dos [11] Fanon, Frantz. Les damnés de la terre. París: La Décou-
verte, 2002 [1961].
doras) historicamente negaram o processos de configuração das [12] Rolnik, Raquel. La guerra de los lugares. La coloni-
know-how às maiorias, definindo- políticas. Pode ser que ambos os zación de la tierra y la vivienda en la era de las finanzas.
Barcelona: Descontrol, 2018.
-as como “subnormais”, “carentes” circuitos, de cima para baixo e de [13] Marcuse, Peter. «From Critical Urban Theory to the
ou “marginais”, e lhes impuseram baixo para cima, tenham a ver com Right to the City». CITY, vol. 13, n.° 2-3 (2009), p. 185-196.
uma certa maneira de fazer uma certos avanços políticos e legais. [14] Lefebvre, Henri. Le droit à la ville. París: Economica-
-Anthropos, 2009 [1968]
cidade afastada de suas práticas e Por esta razão é que é tão neces- [15] Rolnik, Raquel. La guerra de los lugares. La coloni-
realidades (Rolnik, 2018)[15]. sário analisar esta questão com zación de la tierra y la vivienda en la era de las finanzas.
Barcelona: Descontrol, 2018.
um olhar atento que não se deixe
A quinta contradição tem uma afetar por discursos auto-compla-
relação íntima com a anterior. Se centes. � Referencias bibliográficas
o máximo potencial emancipatório Brenner, Neil; Marcuse, Peter y Mayer, Margit (eds.). Cities
for people, not for profit. Critical urban theory and the
do direito à cidade fica de fora da Raquel Rolnik é catedrática de Arqui-
right to the city. Londres y Nueva York: Routledge, 2011.
tetura e Urbanismo, Universidade de
agenda institucional, então, que São Paulo. raquelrolnik@usp.br Caldeira, Teresa Pires. Ciudad de Muros. Barcelona:
Gedisa, 2007.
papel podem exercer o municipa- Eva Garcia-hueca é coordenadora
científica, Programa Ciudades Globa- Fanon, Frantz. Les damnés de la terre. París: La Décou-
lismo internacional e os governos les, CIDOB. egarcia@cidob.org verte, 2002 [1961].
municipais? Desde 2016, um núme- Tradução: Claudia Heller Frediani, Alexandre Apsan. «El derecho a la ciudad como
ética de compromiso: enseñanzas de las experiencias de
ro crescente de governos locais ar- la sociedad civil en el Sur global». En: Garcia-Chueca,
Eva y Vidal, Lorenzo (eds.). Ampliando derechos urbanos.
ticulados em rede decidiu defender Notas Igualdad y diversidad en la ciudad. Barcelona: CIDOB,
o direito à cidade em determinados [1] Versão traduzida e editada da Introdução à Revista 2019, p. 131-143.
CIDOB d’Afers Internacionals, n.º 123 (diciembre de 2019), Garcia-Chueca, Eva. «Human rights in the city and the
fóruns internacionais e agendas p. 7-18. DOI: doi. doi.org/10.24241/rcai.2019.123.3.7 - La cita right to the city: two different paradigms confronting
globais. No entanto, não está claro de Brenner debería en el texto debería ser Brenner, Marcu-
se y Mayer, 2011 (y no Brenner, 2007 como figura ahora).
urbanisation». En: Oomen, Barbara; Davis, Martha F. y
Grigolo, Michele (eds.). Global Urban Justice: The Rise of
até que ponto essa declaração de [2] Harvey, David. «The Right to the City». International Human Rights Cities. Cambridge: Cambridge University
Press, 2016, p. 103-120.
intenções em relação ao direito à Journal of Urban and Regional Research, vol. 27, n.° 4
(2003), p. 939-941 Harvey, David. «The Right to the City». International
cidade se traduz efetivamente na [3] Harvey, David. «The Right to the City». New Left Review, Journal of Urban and Regional Research, vol. 27, n.° 4
n.° 53, 2008, p. 23-40 (2003), p. 939-941.
elaboração de políticas transfor- Harvey, David. «The Right to the City». New Left Review,
[4] Brenner, Neil; Marcuse, Peter y Mayer, Margit (eds.).
madoras concretas. Embora nos Cities for people, not for profit. Critical urban theory and the n.° 53, 2008, p. 23-40.
right to the city. Londres y Nueva York: Routledge, 2011
últimos anos algumas cidades Herrera Flores, Joaquín. Los derechos humanos como
productos culturales. Madrid: Catarata, 2005.
[5] Garcia-Chueca, Eva. «Human rights in the city and the
tenham adotado políticas urbanas right to the city: two different paradigms confronting urba- Lefebvre, Henri. Le droit à la ville. París: Economica-An-
nisation». En: Oomen, Barbara; Davis, Martha F. y Grigolo,
corajosas (especialmente no que Michele (eds.). Global Urban Justice: The Rise of Human
thropos, 2009 [1968].
Marcuse, Peter. «From Critical Urban Theory to the Right
diz respeito ao direito à moradia), Rights Cities. Cambridge: Cambridge University Press,
2016, p. 103-120.
to the City». CITY, vol. 13, n.° 2-3 (2009), p. 185-196.
vale perguntar até que ponto isso [6] Tavolari, Bianca «Direito à cidade: uma trajetória concei-
Santos, Boaventura de Sousa. Sociología jurídica crítica.
Para un nuevo sentido común en el derecho. Madrid,
foi motivado por essa relevância tual». Novos Estudos CEBRAP, vol.35, n.° 1 (2016), p. 93-109.
Bogotá: Trotta, ILSA, 2009.
[7] Lefebvre, Henri. Le droit à la ville. París: Economica-An-
internacional do direito à cidade thropos, 2009 [1968].
Rolnik, Raquel. La guerra de los lugares. La colonización
de la tierra y la vivienda en la era de las finanzas. Barcelo-
ou, melhor dizendo, pela pressão [8] Herrera Flores, Joaquín. Los derechos humanos como na: Descontrol, 2018.
productos culturales. Madrid: Catarata, 2005.
das lutas sociais concretas desen- [9] Caldeira, Teresa Pires. Ciudad de Muros. Barcelona:
Tavolari, Bianca «Direito à cidade: uma trajetória con-
ceitual». Novos Estudos CEBRAP, vol.35, n.° 1 (2016), p.
volvidas em seu território. Prova- Gedisa, 2007. 93-109.