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1.

Tuberculose – Características Gerais

A tuberculose (TB), antiga enfermidade descrita como tísica, foi conhecida, no século XIX, 
como peste branca, ao dizimar centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. 
A partir da metade do século XX, houve acentuada redução da incidência e da mortalidade
relacionadas à TB, já observada àquela ocasião em países desenvolvidos, sobretudo pela
melhoria das condições de vida das populações (SAAVACOOL, 1986).

No início da década de 1980, houve recrudescimento global da TB: nos países de alta renda,
esse recrudescimento se deveu principalmente à emergência da infecção pelo Vírus da Imu-
nodeficiência Humana (HIV) e, nos países de baixa renda, devido à ampliação da miséria e do
processo de urbanização descontrolada, além de desestruturação dos serviços de saúde e dos
programas de controle da tuberculose (BLOOM, 1992; CDC, 1993; ROSSMAN; MACGREGOR, 1995).

A TB é uma doença que pode ser prevenida e curada, mas ainda prevalece em condições de
pobreza e contribui para perpetuação da desigualdade social (BRASIL, 2010).

1.1. Agente etiológico

A TB pode ser causada por qualquer uma das sete espécies que integram o complexo
Mycobacterium tuberculosis: M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti,
M. pinnipedi e M. caprae.

Em saúde pública, a espécie mais importante é a M. tuberculosis, conhecida também como


bacilo de Koch (BK). O M. tuberculosis é fino, ligeiramente curvo e mede de 0,5 a 3 μm.
É um bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), aeróbio, com parede celular rica em lipídios

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(ácidos micólicos e arabinogalactano), o que lhe confere baixa permeabilidade, reduz a
efetividade da maioria dos antibióticos e facilita sua sobrevida nos macrófagos (ROSSMAN;
MACGREGOR, 1995).

Em alguns locais, o M. bovis pode ter especial relevância como agente etiológico da TB e
apresenta-se de forma idêntica ao M. tuberculosis, com maior frequência da forma ganglionar
e outras extrapulmonares. A ocorrência é mais comum em locais que consomem leite e
derivados não pasteurizados ou não fervidos de rebanho bovino infectado; em pessoas que
residem em áreas rurais e em profissionais do campo (veterinários, ordenhadores, funcionários
de matadouros, entre outros). Nessas situações, os serviços de vigilância sanitária devem
ser informados para atuar na identificação precoce das fontes de infecção e no controle
da doença, prevenindo assim a ocorrência de novos casos. Outro grupo de micobactérias,
as micobactérias não tuberculosas (MNT), compreendem diversas espécies como M. avium,
M. kansasii, M. intracellulare e M. abscessos com relevância epidemiológica no Brasil restrita
a determinadas populações ou regiões (BIERRENBACH et al., 2001).

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1.2. Transmissão

O M. tuberculosis é transmitido por via aérea, de uma pessoa com TB pulmonar ou laríngea,
que elimina bacilos no ambiente (caso fonte), a outra pessoa, por exalação de aerossóis
oriundos da tosse, fala ou espirro. O termo “bacilífero” refere-se a pessoas com TB pulmonar
ou laríngea que tem baciloscopia positiva no escarro. Esses casos têm maior capacidade
de transmissão, entretanto pessoas com outros exames bacteriológicos como cultura e/ou
Teste Rápido Molecular da Tuberculose (TRM-TB) positivos também podem transmitir. A TB
acomete, prioritariamente, o pulmão que também é a porta de entrada da maioria dos casos.

A transmissão se faz por via respiratória, pela inalação de aerossóis produzidos pela tosse, fala
ou espirro de um doente com tuberculose ativa pulmonar ou laríngea. As gotículas exaladas
(gotículas de Pflüger) rapidamente se tornam secas e transformam-se em partículas menores
(<5-10 μm de diâmetro). Essas partículas menores (núcleos de Wells), contendo um a dois bacilos,
podem manter-se em suspensão no ar por muitas horas e são capazes de alcançar os alvéolos,
onde podem se multiplicar e provocar a chamada primo-infecção (RIEDER; OTHERS, 1999). Outras
vias de transmissão (pele e placenta) são raras e desprovidas de importância epidemiológica.
Os bacilos que se depositam em roupas, lençóis, copos e outros objetos dificilmente se
dispersam em aerossóis e, por isso, não têm papel na transmissão da doença.

A probabilidade de uma pessoa ser infectada depende de fatores exógenos. Entre eles, pode-
-se citar a infectividade do caso-fonte, a duração do contato e o tipo de ambiente partilhado.

Os pacientes com exame bacteriológico de escarro positivo sustentam a cadeia de transmissão


da doença. Estima-se que uma pessoa com baciloscopia positiva infecte de 10 a 15 pessoas em
média, em uma comunidade, durante um ano. Entre pessoas que têm contatos duradouros
com pacientes com TB pulmonar, aqueles com BAAR positivo no escarro são os que mais
transmitem a doença. Em geral, eles têm a forma TB pulmonar cavitária ou, mais raramente,
a TB laríngea. Aqueles com baciloscopia de escarro negativa, mesmo com TRM-TB ou cultura
positivos no escarro, têm infectividade menor. Pessoas com cultura de escarro negativa e as
com TB extrapulmonar exclusivamente são desprovidas de infectividade. Pacientes com TB
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pulmonar e infecção pelo HIV, na dependência de maior comprometimento da imunidade, podem


ter menos frequentemente acometimento pulmonar e apresentação cavitária da doença e,
assim, também menor infectividade (GRZYBOWSKI; BARNETT; STYBLO, 1975).

O risco de transmissão da TB perdura enquanto o paciente eliminar bacilos no escarro. Com


o início do tratamento, a transmissão tende a diminuir gradativamente e, em geral, após
15 dias, ela encontra-se muito reduzida. A importância de realizar baciloscopia de escarro
de controle reside não somente na confirmação da eficácia do esquema terapêutico, mas
também na avaliação de risco para os contatos. As medidas de controle da infecção pelo M.
tuberculosis devem ser mantidas até que seja confirmada a negativação ou bacilos não viáveis
à baciloscopia do caso fonte (ver capítulo “Medidas de Controle de Infecção da Tuberculose
em Unidades de Saúde”). Crianças com TB pulmonar, em geral, têm baciloscopia negativa e,
por isso, pouca importância na cadeia de transmissão da doença.

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O bacilo é sensível à luz solar, e a circulação de ar possibilita a dispersão de partículas
infectantes. Com isso, ambientes ventilados e com luz natural direta diminuem o risco
de transmissão.

1.3. Risco de adoecimento

O risco de adoecimento, isto é, a progressão para a TB ativa após infecção, depende de


fatores endógenos, em especial da integridade do sistema imune. Em saúde pública, a
importância de um fator de risco reside na sua associação com a ocorrência da doença e
na prevalência desse fator na população avaliada (RIEDER; OTHERS, 1999). O maior risco de
adoecimento para a TB descrito é a infecção pelo HIV. Dentre outros fatores conhecidos,
destacam-se o tempo decorrido da infecção ao desenvolvimento de TB ativa (maior risco
de adoecimento nos primeiros dois anos após exposição), a idade menor que dois anos
ou maior que 60 anos e a presença de determinadas condições clínicas (doenças e/ou
tratamentos imunossupressores).

No Brasil, assim como em outros países que possuem condições de vida semelhantes, alguns
grupos populacionais têm maior vulnerabilidade para a TB. O Quadro 1 ilustra essas populações
e os seus respectivos riscos de adoecimento, em comparação com a população em geral.

Quadro 1 – Risco de adoecimento por tuberculose nas populações vulneráveis

Populações vulneráveis Risco de adoecimento por TB

Pessoas vivendo em situação de rua1 56 X maior

Pessoas vivendo com o HIV 2 28 X maior

Pessoas privadas de liberdade 2 28 X maior

Indígenas** 3 X maior

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Fonte: CGPNCT/SVS/MS.
1
Dados do Sistema de Notificação e Acompanhamento dos Casos de Tuberculose – TB-WEB/SP e Prefeitura Municipal
da São Paulo. Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Censo da população em situação de rua
na muni­cipalidade de São Paulo, 2015. São Paulo, 2015.
2
Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan, avaliados março de 2017.

Estima-se que 10% das pessoas que foram infectadas pelo M. tuberculosis adoeçam:
5% nos dois primeiros anos que sucedem a infecção e 5% ao longo da vida, caso não recebam
o tratamento preventivo preconizado. O risco de adoecimento por TB pode persistir por
toda a vida (COMSTOCK; EDWARDS; LIVESAY, 1974). A TB primária, aquela que ocorre logo
após a infecção, é comum em crianças e nos pacientes com condições imunossupressoras.
Habitualmente, é uma forma grave, porém com baixo poder de transmissibilidade. Em outras
circunstâncias, o sistema imune é capaz de contê-la, pelo menos temporariamente. Os bacilos
podem permanecer como latentes (infecção latente pelo M. tuberculosis – ILTB) por muitos

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anos até que ocorra a reativação, produzindo a chamada TB pós-primária (ou secundária).
Em 80% dos casos acomete o pulmão, e é frequente a presença de cavidade.

A reinfecção pode ocorrer se a pessoa tiver uma nova exposição, sendo mais comum em
áreas onde a prevalência da doença é alta.

A infecção prévia pelo M. tuberculosis não evita o adoecimento, ou seja, o adoecimento não
confere imunidade e recidivas podem ocorrer.
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A tuberculose (TB) pode acometer uma série de órgãos e/ou sistemas. A apresentação da TB
na forma pulmonar, além de ser mais frequente, é também a mais relevante para a saúde
pública, pois é essa forma, especialmente a bacilífera, a responsável pela manutenção
da cadeia de transmissão da doença. A busca ativa de sintomático respiratório (SR) (ver
capítulo Detecção de Casos de Tuberculose) é uma importante estratégia para o controle
da TB, uma vez que permite a detecção precoce das formas pulmonares. No entanto o
diagnóstico de TB é mais amplo do que a busca ativa e deve considerar os vários aspectos
descritos neste capítulo.

Sintomático respiratório
Pessoa que, durante a estratégia programática de busca ativa,
apresenta tosse por 3 semanas ou mais*. Essa pessoa deve ser
investigada para tuberculose através de exames bacteriológicos.

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*Considerar especificidades da duração da tosse em populações especiais (ver capítulo Detecção de Casos
de Tuberculose).

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1. Diagnóstico Clínico

Não raramente, a TB pode manifestar-se sob diferentes apresentações clínicas, relacionadas


com o órgão acometido. Desta forma, outros sinais e sintomas, além da tosse prolongada,
podem ocorrer e devem ser valorizados na investigação diagnóstica individualizada (CONDE;
FITERMAN; LIMA, 2011; SBPT; COMISSÃO DE TUBERCULOSE, 2009; TB CARE I, 2015).

1.1. Tuberculose pulmonar

Os sinais, sintomas e as manifestações radiológicas dependem do tipo de apresentação da


TB. Classicamente, as principais formas de apresentação são a forma primária, a pós-primária
(ou secundária) e a miliar. Os sintomas clássicos, como tosse persistente seca ou produtiva,
febre vespertina, sudorese noturna e emagrecimento, podem ocorrer em qualquer das três
apresentações.

A TB pulmonar primária normalmente ocorre em seguida ao primeiro contato do indivíduo


com o bacilo e, por isso, é mais comum em crianças. As manifestações clínicas podem ser
insidiosas, com o paciente apresentando-se irritadiço, com febre baixa, sudorese noturna e
inapetência. Nem sempre a tosse está presente. O exame físico pode ser inexpressivo.

A TB pulmonar pós-primária ou secundária pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais


comum no adolescente e no adulto jovem. Tem como característica principal a tosse seca
ou produtiva. Em locais com elevadas taxas de incidência de TB, toda pessoa que procura a
unidade de saúde devido à tosse prolongada (busca passiva) deve ter a TB incluída na sua
investigação diagnóstica.

Nos casos em que a tosse é produtiva, a expectoração pode ser purulenta ou mucoide,
com ou sem sangue. A febre vespertina, sem calafrios, não costuma ultrapassar os 38,5 oC.
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A sudorese noturna e a anorexia são comuns. O exame físico geralmente mostra fácies de
doença crônica e emagrecimento, embora indivíduos com bom estado geral e sem perda do
apetite também possam ter TB pulmonar. A ausculta pulmonar pode apresentar diminuição
do murmúrio vesicular, sopro anfórico ou mesmo ser normal.

A TB miliar refere-se a um aspecto radiológico pulmonar específico, que pode ocorrer tanto
na forma primária quanto na forma secundária da TB. É uma forma grave da doença, que
é mais comum em pacientes imunocomprometidos, como pessoas infectadas com HIV em
fase avançada de imunossupressão. A apresentação clínica pode ser aguda ou subaguda,
com maior frequência em crianças e em adultos jovens. De uma forma mais incomum, a
TB miliar apresenta-se como doença crônica (idosos) ou mesmo febre de origem obscura.
Os sintomas como febre, astenia, emagrecimento e tosse ocorrem em 80% dos casos.

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O exame físico pode mostrar hepatomegalia (35% dos casos), alterações do sistema nervoso
central (30% dos casos) e alterações cutâneas do tipo eritemato-máculo-pápulo-vesiculosas
(incomum).

1.2. Tuberculose extrapulmonar

As apresentações extrapulmonares da TB têm seus sinais e sintomas dependentes dos


órgãos ou sistemas acometidos. Sua ocorrência aumenta em pacientes coinfectados pelo
HIV, especialmente entre aqueles com imunocomprometimento grave. As principais formas
diagnosticadas em nosso meio são listadas a seguir:

TB pleural – É a forma mais comum de TB extrapulmonar em pessoas não infectadas pelo


HIV. Ocorre mais em jovens e cursa com dor torácica do tipo pleurítica. A tríade astenia,
emagrecimento e anorexia ocorre em 70% dos pacientes, e febre com tosse seca, em 60%.
Eventualmente, simula pneumonia bacteriana aguda. Nos pacientes com maior tempo de
evolução dos sintomas pode ocorrer dispneia. O líquido pleural tem características de
exsudato, predomínio de linfócitos e baixo rendimento tanto da pesquisa de BAAR (<5%)
quanto da cultura (<15%). Níveis elevados de adenosina deaminase (ADA) no líquido pleural
têm sido aceitos como critério diagnóstico de TB. A cultura para TB do escarro induzido é
positiva em até 50% dos pacientes, mesmo sem outra alteração visível na radiografia de tórax
além do derrame pleural (CONDE et al., 2003).

Empiema pleural tuberculoso – É consequência da ruptura de uma cavidade tuberculosa


para o espaço pleural e, por isso, além de líquido no espaço pleural, muitas vezes ocorre
também pneumotórax secundário à fístula broncopleural. Clinicamente, é indistinguível de
um empiema pleural por bactéria comum. Diferentemente do que ocorre na TB pleural, o
rendimento da baciloscopia direta e da cultura para TB no líquido do empiema tuberculoso
é alto.

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TB ganglionar periférica – É a forma mais frequente de TB extrapulmonar em pessoas vivendo
com HIV (PVHIV) e em crianças, sendo mais comum abaixo dos 40 anos. Cursa com aumento
subagudo, indolor e assimétrico das cadeias ganglionares cervicais anterior e posterior, além
da supraclavicular. Em PVHIV, o acometimento ganglionar tende a ser bilateral, associado com
maior comprometimento do estado geral. Ao exame físico, os gânglios podem apresentar-se
endurecidos ou amolecidos, aderentes entre si e aos planos profundos, podendo evoluir para
flutuação e/ou fistulização espontânea, com a inflamação da pele adjacente. O diagnóstico
é obtido por meio de aspirado por agulha e/ou ressecção ganglionar, para realização de
exames bacteriológicos e histopatológicos. A biopsia de gânglio pode cursar com fístula no
pós-operatório.

TB meningoencefálica – É responsável por 3% dos casos de TB em pacientes não infectados


pelo HIV e por até 10% em PVHIV. A meningite basal exsudativa é a apresentação clínica mais
comum e é mais frequente em crianças abaixo dos seis anos de idade. Clinicamente, pode ser

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subaguda ou crônica (sinais e sintomas com duração superior a quatro semanas). Na forma
subaguda, cursa com cefaleia holocraniana, irritabilidade, alterações de comportamento,
sonolência, anorexia, vômitos e dor abdominal associados à febre, fotofobia e rigidez de nuca
por tempo superior a duas semanas. Eventualmente, apresenta sinais focais relacionados a
síndromes isquêmicas locais ou ao envolvimento de pares cranianos (pares II, III, IV, VI e VII),
podendo-se evidenciar sinais de hipertensão intracraniana. Na forma crônica, o paciente
evolui várias semanas com cefaleia, até que o acometimento de pares cranianos faz o médico
suspeitar de meningite crônica. Ocorre doença pulmonar concomitante em até 59% dos casos.
Outra forma de TB do sistema nervoso central é a forma localizada (tuberculomas). Nessa
apresentação, o quadro clínico é o de um processo expansivo intracraniano de crescimento
lento, com sinais e sintomas de hipertensão intracraniana, sendo que a febre pode não
estar presente.

TB pericárdica – Tem apresentação clínica subaguda e geralmente não se associa à TB


pulmonar, embora possa ocorrer simultaneamente com a TB pleural. Os principais sintomas são
dor torácica, tosse seca e dispneia. Muitas vezes, a dor não se manifesta como a dor pericárdica
clássica. Pode haver febre, emagrecimento, astenia, tontura, edema de membros inferiores,
dor no hipocôndrio direito (congestão hepática) e aumento do volume abdominal (ascite).
Porém, raramente a TB pericárdica evolui com sinais clínicos de tamponamento cardíaco.

TB óssea – É mais comum em crianças (10% a 20% das lesões extrapulmonares na infância)
ou em pessoas entre a quarta e a quinta década de vida. Atinge mais a coluna vertebral e as
articulações coxofemoral e do joelho, embora possa ocorrer em outros locais. A TB de coluna
(mal de Pott) é responsável por cerca de 1% de todos os casos de TB e até 50% de todos os
casos de TB óssea. Ela afeta mais comumente a coluna torácica baixa e a lombar e seu quadro
clínico apresenta-se com a tríade dor lombar, dor à palpação local e sudorese noturna.
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2. Diagnóstico Diferencial

A TB deve ser incluída no diagnóstico diferencial dos casos de febre de origem indeterminada,
síndrome consumptiva, pneumonias de resolução lenta e em todo paciente com tosse
prolongada sem causa conhecida. A seguir, listamos algumas condições clínicas que fazem
diagnóstico diferencial com as principais formas de TB.

2.1. Forma pulmonar

Na forma pulmonar, o diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com silicose,
infecções fúngicas, neoplasias, infecções bacterianas, outras micobacterioses, doenças
autoimunes, embolia pulmonar, entre outras (GADKOWSKI; STOUT, 2008) (Quadro 4).

Quadro 4 – Principais doenças que fazem diagnóstico diferencial com as formas pulmonares de TB.

Câncer de pulmão (especialmente o carcinoma de células escamosas)


Linfomas
Neoplasias
Sarcoma de Kaposi
Carcinomatose metastática

Micobacterioses não tuberculosas


M. avium
Outras
M. kansasii
micobactérias
M. abscessus
M. xenopi

Histoplasmose
Infecções Paracoccidioidomicose
fúngicas Aspergiloma

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Criptococose

Abscesso pulmonar
Pneumonia necrotizante
Streptococcus pneumoniae
Outras doenças Haemophilus influenzae
bacterianas Klebsiella pneumonae
Staphylococcus aureus
Actinomicose
Nocardiose

Fonte: Adaptado de Gadkowski LB, Stout JE, 2008.

Na silicose, a história ocupacional é um importante subsídio para o diagnóstico, lembrando


que nesses pacientes a concomitância com a TB ocorre com maior frequência. Nas micoses
pulmonares, a história epidemiológica é importante e, diferentemente da TB, a necrose
do granuloma é do tipo liquefação, apresentando, radiologicamente, nódulos de múltiplos

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tamanhos, bilaterais e simétricos. Nas vasculites pulmonares, os quadros clínico e radiológico
podem eventualmente ser semelhantes, inclusive com presença de hemoptise e nodulações
e/ou opacidades pulmonares múltiplas, escavadas e/ou justapleurais, geralmente
acompanhadas de doença sistêmica. Na sarcoidose, não há necrose nos granulomas e
geralmente são observadas linfonodomegalias hilares, opacidades pulmonares reticulares
na radiografia e tomografia computadorizada do tórax, além do comprometimento de outros
órgãos como pele, olhos e articulações (SEISCENTO et al., 2005).

Micobacteriose não tuberculosa (MNT)


A apresentação clínica mais freqüente das MNT é a pulmonar, e os
sintomas incluem tosse produtiva crônica, dispnéia, hemoptise, febre
e perda de peso. Esses sintomas frequentemente são confundidos
com doenças pulmonares estruturais preexistentes, que constituem
condições de risco para o desenvolvimento da colonização dessas
micobactérias e da doença. Essas condições incluem as sequelas de
tuberculose, bronquiectasias e as pneumoconioses, entre outras.

É possível que muitos casos de doença pulmonar por micobactérias


não tuberculosas possam estar sendo tratados como TB, uma vez que
os esquemas terapêuticos utilizados para o tratamento da TB contêm
fármacos parcialmente eficazes para o tratamento de doença causada
por MNT. As alterações radiológicas são semelhantes às da TB
pulmonar, e a doença por MNT deve ser considerada, especialmente
nas situações em que a resposta ao tratamento da TB é inadequada
(BOMBARDA et al., 2014).
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2.2. FORMA pleural

Os linfomas representam o principal problema no diagnóstico diferencial na TB pleural, uma


vez que em ambos há exsudados linfocíticos em pacientes com faixas etárias próximas, história
clínica semelhante e, frequentemente, com adenosina deaminase (ADA) em níveis superiores
a 40 U/L. No entanto, os linfomas raramente apresentam-se com derrame pleural sem
envolvimento de outras estruturas torácicas e/ou extratorácicas, com exceção dos linfomas
primários de cavidade, que são raros. Geralmente são observados alargamento de mediastino
na radiografia de tórax e linfonodomegalias na tomografia computadorizada de tórax. Nesses

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casos, exames citológicos do líquido pleural associados a técnicas de imunofenotipagem
conduzem, com relativa segurança, ao diagnóstico etiológico (MORISSON; NEVES, 2008).

A ADA é produzida por linfócitos e monócitos e encontra-se elevada nas doenças nas quais
essas células estão ativadas. Na TB pleural, o diagnóstico diferencial (ADA > 40 U/L) deve
incluir, além do linfoma, o empiema e a artrite reumatóide. Os derrames neoplásicos, com
quadro clínico muitas vezes sugestivo, em grande proporção fornecem citologia oncótica
positiva. O empiema pode ser facilmente diferenciado pelo quadro clínico, pelo aspecto
do líquido (turvo ou purulento) e pela citologia quantitativa, que demonstra predomínio
de polimorfonucleares. Finalmente, o derrame pleural secundário à artrite reumatoide é
pouco frequente e, na maioria das vezes, apresenta história prévia da doença e diagnóstico
laboratorial definido (SEISCENTO et al., 2005).

2.3. Forma ganglionar

Na forma ganglionar, o diagnóstico diferencial da TB deve ser feito com doenças


linfoproliferativas; outras micobactérias (Complexo Mycobacterium avium-intracellulare,
Mycobacterium scrofulaceum, Mycobacterium kansasii, Mycobacterium bovis, Mycobacterium
haemophilum); infecções bacterianas; infecções fúngicas, como histoplasmose e criptococose,
especialmente em pacientes imunocomprometidos; toxoplasmose e sarcoidose (FONTANILLA;
BARNES; REYN, 2011).

2.4. Forma meningoencefálica

Por ter apresentação inespecífica, a TB meníngea deve incluir, entre os diferenciais, outras
infecções bacterianas, fúngicas ou virais do sistema nervoso central. Outras causas de
meningite, como neoplasias, sarcoidose e lúpus eritematoso sistêmico, também devem ser

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consideradas. O diagnóstico radiológico diferencial inclui a criptococose meníngea, sarcoidose,
linfomas, metástases e encefalite por citomegalovírus (YU et al., 2014).

2.5. Forma osteoarticular

Na TB óssea, o principal diferencial deve ser feito com artrite séptica ou osteomielite
causadas por outros patógenos como Staphylococcus aureus e Brucella melitensis,
criptococose, histoplasmose e etiologias não infecciosas como osteossarcoma, mieloma
múltiplo, linfoma não Hodkin, histiocitose X, Doença de Paget e outras neoplasias ósseas
(GARG; SOMVANSHI, 2011).

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3. Diagnóstico Bacteriológico

A pesquisa bacteriológica é de importância fundamental em adultos, tanto para o


diagnóstico quanto para o controle de tratamento da TB (BRASIL, 2008). Resultados
bacteriológicos positivos confirmam a tuberculose ativa em pacientes com quadro clínico
sugestivo de TB e em sintomáticos respiratórios identificados através da busca ativa.
A seguir estão descritos os métodos bacteriológicos utilizados no país.

3.1. Exame microscópico direto – baciloscopia direta

Por ser um método simples e seguro, deve ser realizado por todo laboratório público de saúde
e pelos laboratórios privados tecnicamente habilitados. A pesquisa do bacilo álcool-ácido
resistente – BAAR, pelo método de Ziehl-Nielsen, é a técnica mais utilizada em nosso meio.

A baciloscopia do escarro, desde que executada corretamente em todas as suas fases, permite
detectar de 60% a 80% dos casos de TB pulmonar em adultos, o que é importante do ponto de
vista epidemiológico, já que os casos com baciloscopia positiva são os maiores responsáveis
pela manutenção da cadeia de transmissão. Em crianças, a sensibilidade da baciloscopia é
bastante diminuída pela dificuldade de obtenção de uma amostra com boa qualidade.

A baciloscopia de escarro é indicada nas seguintes condições:

ƒƒ
no sintomático respiratório, durante estratégia de busca ativa;
ƒƒ
em caso de suspeita clínica e/ou radiológica de TB pulmonar, independentemente do
tempo de tosse;
ƒƒ
para acompanhamento e controle de cura em casos pulmonares com confirmação
laboratorial.
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A baciloscopia de escarro deve ser realizada em duas amostras: uma por ocasião do primeiro
contato com a pessoa que tosse e outra, independentemente do resultado da primeira, no
dia seguinte, com a coleta do material sendo feita preferencialmente ao despertar. Nos
casos em que houver indícios clínicos e radiológicos de suspeita de TB e as duas amostras
de diagnóstico apresentarem resultado negativo, podem ser solicitadas amostras adicionais.

A baciloscopia de outros materiais biológicos também está indicada na suspeição clínica de


TB extrapulmonar.

Os resultados dos exames diretos são descritos nos Quadros 5 e 6. Baciloscopia positiva e
quadro clínico compatível com TB fecham o diagnóstico e autorizam o início de tratamento
da TB. É importante lembrar, contudo, que outros microrganismos podem ser evidenciados
na baciloscopia direta e essa possibilidade deve ser considerada na interpretação de casos

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individualizados. Diagnóstico de certeza bacteriológica só é obtido com a cultura (que é o
padrão ouro) e/ou testes moleculares.

Quadro 5 – Leitura e interpretação dos resultados de baciloscopia de escarro

Leitura Resultado

Não são encontrados BAAR em 100 campos


NEGATIVO
observados

1 a 9 BAAR em 100 campos observados Relata-se a quantidade de bacilos encontrada

10 a 99 BAAR em 100 campos observados POSITIVO +

1 a 10 BAAR por campo em 50 campos observados POSITIVO ++

Em média mais de 10 BAAR por campo em


POSITIVO +++
20 campos observados

Fonte: Adaptado de BRASIl, 2008.

Quadro 6 – Leitura e interpretação de resultados de baciloscopias de outros materiais

Achados Resultado

Não são encontrados BAAR no material examinado Negativo

São encontrados BAAR em qualquer quantidade


Positivo
no material examinado

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2008.

3.2. Teste rápido molecular para tuberculose (TRM-TB)

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O TRM-TB está indicado, prioritariamente, para o diagnóstico
de tuberculose pulmonar e laríngea em adultos e adolescentes.

Em alguns municípios brasileiros, o teste rápido molecular para TB (TRM-TB, GeneXpert®)


encontra-se disponível na rede pública de saúde e deve ser utilizado de acordo com algoritmos
estabelecidos e descritos a seguir.

O TRM-TB é um teste de amplificação de ácidos nucleicos utilizado para detecção de DNA dos
bacilos do complexo M. tuberculosis e triagem de cepas resistentes à rifampicina pela técnica
de reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real (WHO, 2011). O teste apresenta o
resultado em aproximadamente duas horas em ambiente laboratorial, sendo necessária
somente uma amostra de escarro.

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4. Diagnóstico por Imagem

4.1. Radiografia de tórax

Dentre os métodos de imagem, a radiografia do tórax é o de escolha na avaliação inicial e no


acompanhamento da TB pulmonar. Nela podem ser observados vários padrões radiológicos
sugestivos de atividade de doença, como cavidades, nódulos, consolidações, massas, processo
intersticial (miliar), derrame pleural e alargamento de mediastino (BOMBARDA et al., 2001).

A radiografia de tórax deve ser solicitada para todo paciente com suspeita clínica de TB
pulmonar. Juntamente com as radiografias de tórax, sempre devem ser realizados exames
laboratoriais (baciloscopias, cultura e/ou teste rápido molecular) na tentativa de buscar o
diagnóstico bacteriológico. O exame radiológico em pacientes com diagnóstico bacteriológico
tem como principais objetivos excluir outra doença pulmonar associada, avaliar a extensão
do acometimento e sua evolução radiológica durante o tratamento.

Para notificação de casos de TB, os resultados das radiografias de tórax devem ser registrados
conforme descrito no Quadro 9.

Quadro 9 – Classificação dos achados radiológicos da tuberculose pulmonar descritas na


notificação.

Classificação Achados

Normal Sem alterações sugestivas de atividade de tuberculose.

Alterações sugestivas de atividade de tuberculose, como cavidades,


Suspeito nódulos, consolidações, massas, processo intersticial (miliar), derrame

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pleural e alargamento de mediastino.

Imagens sugestivas de lesões cicatriciais, como bandas, retrações


Sequela
parenquimatosas e calcificações.

Imagens sugestivas de pneumopatias não tuberculosas, como Doença


Outras doenças
Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e outras doenças respiratórias.

Fonte: CGPNCT/SVS/MS.

4.2. Tomografia computadorizada de tórax

A tomografia computadorizada (TC) do tórax é mais sensível para demonstrar alterações


anatômicas dos órgãos ou tecidos comprometidos e é indicada na suspeita de TB pulmonar
quando a radiografia inicial é normal, e na diferenciação com outras doenças torácicas,
especialmente em pacientes imunossuprimidos (BOMBARDA et al., 2003).

65
As alterações sugestivas de atividade e sequela de TB na TC de tórax estão descritas no
Quadro 10.

Quadro 10 – Alterações sugestivas de tuberculose ativa ou sequela de tuberculose em


tomografia computadorizada de tórax.

Sinais sugestivos de sequela de


Sinais sugestivos de tuberculose ativa
tuberculose

ƒƒ Cavidades de paredes espessas ƒƒ Bandas


ƒƒ Nódulos ƒƒ Nódulos calcificados
ƒƒ Nódulos centrolobulares de distribuição ƒƒ Cavidades de paredes finas
segmentar ƒƒ Bronquiectasias de tração
ƒƒ Nódulos centrolobulares confluentes ƒƒ Espessamento pleural
ƒƒ Consolidações
ƒƒ Espessamento de paredes brônquicas
ƒƒ Aspecto de “árvore em brotamento”
ƒƒ Massas
ƒƒ Bronquiectasias

Fonte: Adaptado de BOMBARDA, S. et al, 2003.

4.3. Outros exames de imagem na avaliação de


tuberculose pulmonar e extrapulmonar

A tomografia por emissão de pósitrons (PET) utilizando o 18F-fluorodeoxiglicose identifica


alterações bioquímicas dos tecidos na tuberculose. Esse método tem sido utilizado no
diagnóstico e estadiamento de vários tipos de câncer, inclusive o de pulmão. O câncer,
assim como outras doenças inflamatórias ou infecciosas, e como a TB, cursa com aumento
do consumo de glicose nos tecidos e podem levar à captação aumentada do radiofármaco.
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O câncer de pulmão e a TB acometem preferencialmente os campos pulmonares superiores


e a presença de captação nessas áreas não permite a diferenciação entre essas doenças,
principalmente em países com alta incidência da TB (SKOURA; ZUMLA; BOMANJI, 2015; VORSTER;
SATHEKGE; BOMANJI, 2014).

A cintilografia pulmonar ventilação-perfusão pode ser útil na avaliação pré-operatória de


pacientes com indicação de cirurgia para tratamento da tuberculose, identificando áreas com
déficit ventilatório e/ou perfusional.

Na TB meningoencefálica, a TC e a ressonância nuclear magnética (RNM) do sistema nervoso


central têm papel importante no diagnóstico precoce da doença. Os achados mais comuns
são: hidrocefalia, espessamento meníngeo basal e infartos do parênquima cerebral.

66
Na TB óssea, a destruição da porção anterior dos corpos vertebrais e áreas de osteólise,
principalmente em epífise de ossos longos, sugere doença em atividade. O acometimento
de tecidos moles adjacentes, como abscessos paravertebrais visualizados na RNM, também
sugere doença ativa. A involução desses achados adjacentes às alterações ósseas na RNM
é útil no acompanhamento da doença e pode, em conjunto com critérios clínicos, definir a
alta do tratamento das formas ósseas.

4.4. Achados da tuberculose pulmonar em exames


de imagem

TB Primária
A presença do bacilo no parênquima pulmonar promove a formação de um processo
inflamatório granulomatoso, que pode se manifestar radiologicamente como opacidade
parenquimatosa (nódulo ou consolidação), denominada foco primário ou nódulo de Ghon.
Em adultos, a forma primária acomete mais os lobos superiores, enquanto que em crianças
não há essa predileção (JEONG; LEE, 2008).

A partir desse foco inicial, pode ocorrer a progressão para necrose caseosa, eliminação do
material necrótico e disseminação broncogênica. As apresentações radiológicas dessa fase
são as cavidades, consolidações, nódulos, massas ou opacidades retículo-nodulares.

O acometimento das cadeias ganglionares depende da localização do processo inflamatório


no parênquima pulmonar. A associação do nódulo de Ghon e linfonodomegalias hilares é
denominada Complexo de Ranke. Esses nódulos são potencialmente focos de bacilos, que
podem evoluir para a cura, com fibrose e calcificação, ou para a doença.

A disseminação da doença para o sistema linfático pode ser visualizada como


linfonodomegalias hilares e/ou alargamento do mediastino. Geralmente, são linfonodos

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maiores que 2 cm, com áreas de baixa atenuação central associadas a um aumento de
atenuação perinodal, correspondendo a focos de necrose caseosa central. Essas alterações
são mais bem visualizadas na TC e ocorrem com maior frequência em crianças menores de
cinco anos de idade, sendo, geralmente, unilaterais.

O aumento de linfonodos mediastinais pode ocasionar compressão dos brônquios e lesão


da parede brônquica com drenagem do material necrótico para dentro da luz brônquica (TB
endobrônquica). A obstrução brônquica total ou parcial pode ocasionar atelectasias, que são
visualizadas na radiografia e na TC de tórax.

A presença de bacilos ou proteínas do bacilo decorrente de disseminação hematogênica e/ou


linfática ou contato anatômico pode acometer a pleura e/ou o pericárdio, com consequente
derrame pleural e, menos frequentemente, derrame pericárdico.

67
9. Diagnóstico da Infecção Latente pelo
M. tuberculosis (ILTB)

9.1. Definição de infecção latente pelo M. tuberculosis

Quando uma pessoa saudável é exposta ao bacilo da TB, tem 30% de chance de infectar-
se, dependendo do grau de exposição (proximidade, condições do ambiente e tempo de
convivência), da infectividade do caso índice (quantidade de bacilos eliminados, presença de
caverna na radiografia de tórax) e de fatores imunológicos individuais. As pessoas infectadas,
em geral, permanecem saudáveis por muitos anos, com imunidade parcial ao bacilo. Essa
condição é conhecida como infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB). A OMS
estima que um quarto da população mundial tenha ILTB. Esses indivíduos não apresentam
nenhum sintoma e não transmitem a doença, mas são reconhecidos por testes que detectam
a imunidade contra o bacilo.

Antes de se afirmar que um indivíduo tem ILTB, é fundamental excluir a TB ativa, por meio
da anamnese, exame clínico e radiografia de tórax.

Cerca de 5% das pessoas não conseguem impedir a multiplicação dos bacilos e adoecem
na sequência da primoinfecção. Outros 5%, apesar de bloquearem a infecção nessa fase,
adoecem posteriormente por reativação desses bacilos ou em consequência de exposição
a uma nova fonte de infecção.

O maior risco de adoecimento se concentra nos primeiros dois anos após a primoinfecção, mas
o período de latência pode se estender por muitos anos e mesmo décadas. Além da conversão
recente, fatores relacionados à competência do sistema imunológico podem aumentar o risco

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de adoecimento. Entre eles, destaca-se a infecção pelo HIV. Outros fatores de risco incluem
doenças ou tratamentos imunossupressores, idade (menor do que 2 anos ou maior do que
60 anos), diabetes mellitus e desnutrição.

Apesar de grande parte da população mundial estar infectada com M. tuberculosis, não há
indicação de investigação indiscriminada de ILTB na população em geral. Essa investigação
é indicada somente em populações que potencialmente se beneficiarão do tratamento
preconizado para ILTB (ver Quadro 13).

83
Quadro 13 – Populações com indicação de investigação de ILTB

Populações com indicação de investigação de ILTB

ƒƒ Contatos (nos últimos dois anos) adultos e crianças de TB pulmonar e laríngea


ƒƒ PVHIV com LT CD4+ ≥ 350 cel/mm3
ƒƒ Pessoas em uso de inibidores de TNF alfa ou corticosteroides (equivalente a > 15 mg/dia
de prednisona por mais de um mês)
ƒƒ Pessoas com alterações radiológicas fibróticas sugestivas de sequela de TB
ƒƒ Pré-transplante que irão fazer terapia imunossupressora
ƒƒ Pessoas com silicose
ƒƒ Neoplasia de cabeça e pescoço, linfomas e outras neoplasias hematológicas
ƒƒ Neoplasias em terapia imunossupressora
ƒƒ Insuficiência renal em diálise
ƒƒ Diabetes mellitus
ƒƒ Baixo peso (< 85% do peso ideal)
ƒƒ Tabagistas (≥ 1 maço por dia)
ƒƒ Calcificação isolada (sem fibrose) na radiografia de tórax
ƒƒ Profissionais de saúde, pessoas que vivem ou trabalham no sistema prisional ou em
instituições de longa permanência

Fonte: Adaptado de BRASIl, 2018.

9.2. Diagnóstico pela prova tuberculínica

A prova tuberculínica (PT) é utilizada para diagnóstico de ILTB e pode também auxiliar o
diagnóstico de tuberculose ativa em crianças (WHO, 2015). Consiste na inoculação intradérmica
de um derivado protéico purificado do M. tuberculosis para medir a resposta imune celular
a esses antígenos.
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Não há evidências para utilização de PT como método auxiliar no diagnóstico de TB pulmonar


ou extrapulmonar no adulto. Uma PT positiva não confirma o diagnóstico de TB ativa, assim
como uma PT negativa não o exclui (FARGA; CAMINERO, 2011).

Assim, a PT é indicada para:

ƒƒ
identificar casos ILTB em adultos e crianças; e
ƒƒ
auxiliar no diagnóstico de TB ativa em crianças.

Indivíduos com PT documentada e resultado ≥ 5 mm não devem ser retestados, mesmo diante
de uma nova exposição ao M. tuberculosis.

84
A prova tuberculínica reativa, isoladamente, indica apenas a presença
de infecção e não é suficiente para o diagnóstico da tuberculose doença.

Tuberculina e modo de conservação


No Brasil, a tuberculina utilizada é o PPD-RT 23 (do alemão, Renset Tuberkulin), aplicada por
via intradérmica, no terço médio da face anterior do antebraço esquerdo, na dose de 0,1ml,
que contém 2 unidades de tuberculina (2UT) – e guarda equivalência biológica com 5 unidades
de tuberculina de PPD-S (do inglês, Standard), utilizada em outros países.

A solução da tuberculina deve ser conservada em temperatura entre 2oC e 8oC e não deve
ser exposta à luz solar direta.

O acondicionamento deve respeitar as necessidades locais sem, entretanto, deixar de seguir


as normas nacionais de armazenamento.

Aplicação do PPD
A técnica de aplicação (Mantoux) e o material utilizado possuem especificações semelhantes
às usadas para a vacinação com a BCG.

A injeção do líquido faz aparecer uma pequena área de limites precisos, pálida e de aspecto
pontilhado como casca de laranja.

As técnicas de aplicação, leitura e o material utilizado são padronizados pela OMS (ARNADOTTIR
et al., 1996). A PT deve ser realizada por profissionais habilitados. Durante o procedimento
de aplicação da PT, as medidas de controle de infecção recomendadas envolvem o uso de
equipamento de proteção individual (EPI): luvas, óculos de proteção e destinação adequada
dos materiais perfurocortantes.

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As orientações aos usuários, no momento da aplicação, devem constar das seguintes
informações: em que consiste a PT, suas indicações, as possíveis reações locais, os cuidados
até o momento da leitura e a importância do retorno para a leitura.

Leitura da Prova Tuberculínica


A leitura deve ser realizada 48 a 72 horas após a aplicação (HOWARD; SOLOMON, 1988),
podendo ser estendida para 96 horas (WHO, 1955), caso o paciente falte à leitura na data
agendada. Deve-se medir o maior diâmetro transverso da área do endurado palpável, com
régua milimetrada transparente.

O resultado da PT deve ser registrado em milímetros, inclusive quando não houver enduração.
Nesse caso, o profissional deverá anotar: ZERO mm.

85
Interpretação
A especificidade da PT é alta (97%, isto é, 3% de resultados falso-positivos), principalmente
se a BCG for aplicada no primeiro ano de vida, como ocorre no Brasil. Reações falso-positivas
(indivíduos com PT positiva e sem ILTB) podem ocorrer em indivíduos infectados por outras
micobactérias ou vacinados com a BCG, principalmente se vacinados (ou revacinados) após o
primeiro ano de vida, quando a BCG produz reações maiores e mais duradouras. Entretanto,
10 anos após a BCG, apenas 1% das PTs positivas pode ser atribuído à BCG. Isso significa que,
em adolescentes e adultos não revacinados, a PT positiva pode ser considerada como ILTB
(PAI; ZWERLING; MENZIES, 2008; RUFFINO-NETTO, 2006; WHO, 1955). No Brasil, a cobertura pela
BCG é universal e a vacinação é usualmente realizada nos primeiros dias de vida.

A sensibilidade da PT é de 77%, isto é, reações falso-negativas (indivíduo com PT negativa e


com ILTB) podem ocorrer em até 23%, nas seguintes circunstâncias (Quadro 14):

Quadro 14 – Condições associadas a resultados falso-negativos da PT.

Condições associadas a reSultados falso-negativos da prova tuberculínica

Tuberculina mal conservada: exposta à luz direta ou ultravioleta, congelada, contaminada com
fungos, manutenção em frascos inadequados e desnaturação

Leitor inexperiente ou com vício de leitura

Tuberculose grave ou disseminada

Outras doenças infecciosas agudas virais, bacterianas ou fúngicas

Imunodepressão avançada (aids, uso de corticosteroides, outros imunossupressores e


quimioterápicos)

Vacinação com vírus vivos em período menor que 15 dias

Neoplasias, especialmente as de cabeça e pescoço e as doenças linfoproliferativas

Desnutrição, diabetes mellitus, insuficiência renal e outras condições metabólicas

Gravidez
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Crianças com menos de 3 meses de vida

Idosos (> 65 anos)

Febre durante o período da realização da PT e nas horas que a sucedem

Fonte: Adaptado de PAI M, ZWERLING A, MENZIES R, 2008, RUFFINO-NETTO, 2006.

86
3. A Escolha do Melhor Esquema de Tratamento

Levando-se em consideração o comportamento metabólico e a localização do bacilo, o


esquema terapêutico antiTB, para ser mais efetivo, deve atender a três grandes objetivos:


ter atividade bactericida precoce;

ser capaz de prevenir a emergência de bacilos resistentes; e

ter atividade esterilizante.

A atividade bactericida precoce é a capacidade de matar a maior quantidade de bacilos,


o mais rapidamente possível, sendo medida pela velocidade com que são mortos. Essa
velocidade é identificada pela conversão da cultura de escarro no final da fase intensiva do
tratamento (segundo mês) (COURA, 2013). Em geral, após duas a três semanas de tratamento
com esquema antiTB que contenha fármacos com atividade bactericida precoce, ocorre
significativa diminuição da capacidade de transmissão de bacilos pelos indivíduos doentes.
Os medicamentos com maior atividade bactericida precoce são a isoniazida, estreptomicina
e rifampicina (WHO 2004).


Características desejáveis: rápida melhora clínica, redução das chances de óbito,
diminução rápida da capacidade infectante e redução da possibilidade de selecionar
bacilos resistentes.

Medicamentos, em ordem de importância: isoniazida, rifampicina, fluoroquinolonas
(Lfx > Mfx), injetáveis, linezolida, bedaquilina (não disponível no Brasil), delamanid
(não disponível no Brasil) e etionamida.

Para a prevenção da seleção de bacilos resistentes e a efetiva cura da doença, é necessária a


utilização de esquemas terapêuticos com associação de diferentes medicamentos que agirão
sobre os bacilos sensíveis e nas diversas populações de bacilos naturalmente resistentes,
uma vez que bacilos resistentes a um medicamento podem ser sensíveis a outro.
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A atividade esterilizante é a capacidade de eliminar todos os bacilos presentes no indivíduo,


seja nas cavidades pulmonares, no interior das lesões caseosas fechadas ou no interior
dos macrófagos, e é definida pela proporção de recidivas que ocorrem após o término do
tratamento (COURA, 2013).


Característica desejável: evitar a possibilidade de recidivas;

Medicamentos, em ordem de importância: rifampicina, pirazinamida, fluoroquinolonas
(Mfx > Lfx), linezolida, clofazimina, bedaquilina (não disponível no Brasil) e delamanid
(não disponível no Brasil).

Os medicamentos antiTB de primeira linha, associados, possuem as propriedades relacionadas


anteriormente para o sucesso terapêutico e a cura da doença. Os medicamentos com maior

102
atividade bactericida precoce são: isoniazida, estreptomicina e rifampicina. A isoniazida e a
rifampicina são ativas em todas as populações bacilares sensíveis, quer intracavitárias, no
interior dos granulomas ou dos macrófagos. A estreptomicina é mais ativa contra os bacilos
de multiplicação mais rápida, no interior das cavidades. A pirazinamida age nas populações
que se encontram no interior das lesões caseosas fechadas e dos macrófagos, cujo meio é
ácido. Os medicamentos com maior poder esterilizante são: rifampicina e pirazinamida. O
etambutol é bacteriostático e é estrategicamente associado aos medicamentos mais potentes
para prevenir a emergência de bacilos resistentes (OMS,2006) (Quadro 18).

Quadro 18 – Atividade dos diferentes medicamentos antiTB

Prevenção de Atividade Atividade


Atividade Toxicidade
resistência bactericida esterelizante

Isoniazida Rifampicina PAS1


Rifampicina
Rifampicina Pirazinamida Etionamida
Alta Isoniazida
Levofloxacino Levofloxacino Linezolida
Etambutol
Moxifloxacino Moxifloxacino Outras

Injetáveis
Injetáveis
FQN1 Injetáveis
Linezolida
Etionamida Linezolida Injetáveis
Moderada Clofazimina
Cicloserina Bedaquiina Pirazinamida
Bedaquiina
PAS1 Delamanid
Delamanid
Linezolida

Etambutol
Etionamida Rifampicina
Baixa Pirazinamida Isoniazida
Pitazinamida Isoniazida
FQN1

Fonte: Adaptado CAMINERO; VAN DEUN; FUJIWARA, 2013.


1
FQN – Fluoroquinolonas; PAS – Ácido paraminossalicílico.

Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil

103
Programa Nacional de Triagem Neonatal – PNTN
É um programa de rastreamento populacional que tem como objetivo geral
identificar distúrbios e doenças no recém‑nascido, em tempo oportuno, para
intervenção adequada, garantindo tratamento e acompanhamento contínuo
às pessoas com diagnóstico positivo, com vistas a reduzir a morbimortalidade
e melhorar a qualidade de vida das pessoas. A missão é promover, implantar
e implementar a triagem neonatal no âmbito do SUS, visando ao acesso uni-
versal, integral e equânime, com foco na prevenção, na intervenção precoce e
no acompanhamento permanente das pessoas com as doenças do Programa
Nacional de Triagem Neonatal.

Legislação
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no inciso III, do Art. 10, da Lei n.º
8.069, de 13 de julho de 1990, estabeleceu que:
[...] Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de ges-
tantes, públicos e particulares, são obrigados a [...] proceder a exames
visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo
do ­recém‑nascido, bem como prestar orientação aos pais [...].

A Portaria GM/MS nº 822, de 6 de junho de 2001, instituiu, no âmbito do


Sistema Único de Saúde – SUS, o  PNTN, que estabelece ações de triagem
neonatal em fase pré‑sintomática em todos os nascidos vivos, acompanha-
mento e tratamento das crianças detectadas nas redes de atenção do SUS. As
doenças que integraram o PNTN naquele momento foram: fenilcetonúria,
hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias e
fibrose cística. A Portaria GM/ MS nº 2.829, de 14 de dezembro de 2012, in-
cluiu a triagem neonatal para hiperplasia adrenal congênita e deficiência de
biotinidase no escopo do programa.
Está em fase de avaliação, pelo Ministério da Saúde, a proposta de refor-
mulação do PNTN, para a inclusão de triagens clínicas: Triagem Neonatal
­Ocular ‑ TNO, Teste do Reflexo‑Vermelho “teste do olhinho”; Triagem Neo-
natal Auditiva‑TNA “teste da orelhinha”; e Triagem da Cardiopatia Congênita
“teste do coraçãozinho”.
O aperfeiçoamento e adoção de modelo de gestão que assegure ao usu-
ário o acesso universal, igualitário, equânime e ordenado às ações e servi-
ços de saúde do SUS foram definidos pelo Decreto nº 7.508/2011. Esse
Decreto regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e dispõe
sobre a ­organização do SUS, o planejamento da saúde, a atenção à saúde e a

9
a­ rticulação ­interfederativa. A política deve orientar a gestão da triagem neona-
tal de forma integrada entre as esferas de gestão (Municípios, Unidades Fede-
radas e União) para que possa ser implementada integralmente, articulada às
políticas intersetoriais.
O Ministério da Saúde tem concentrado esforços na implantação de redes
temáticas e no fortalecimento da atenção básica, por entender que as Redes de
Atenção à Saúde (RAS), em especial as Redes Cegonha e de Cuidados à Pessoa
com Deficiência, representam um avanço na organização do SUS e em seus
resultados. A integralidade da atenção só pode ser amplamente conquistada a
partir das RAS nos diversos territórios.
Sabemos que a triagem neonatal, conhecida como “teste do pezinho”, já
é socialmente reconhecida como uma efetiva ferramento de prevenção a
saúde, e tem a Atenção Básica como porta de entrada no Sistema de Saúde.

Conceito de Triagem Neonatal


O termo triagem origina‑se do vocábulo francês triage que significa seleção.
Em saúde pública, triar significa identificar, em uma população assintomática,
os indivíduos que estão sob risco de desenvolver determinada doença ou distúr-
bio e que se beneficiariam de investigação adicional, ação preventiva ou terapêu-
tica imediatas. O procedimento de triagem deve ser capaz de alterar a história
natural da doença em uma parcela significativa da população elegível. A partir
da identificação por testes específicos, pode‑se iniciar o tratamento adequado
visando minimizar riscos ou complicações advindas da condição identificada.
Ao aplicarmos a definição de Triagem Neonatal, estamos realizando essa
metodologia de rastreamento, especificamente na população com idade de 0
a 28 dias de vida.

10
Triagem Neonatal

A triagem neonatal a partir da matriz biológica, “teste do pezinho”, é um


conjunto de ações preventivas, responsável por identificar precocemente indi-
víduos com doenças metabólicas, genéticas, enzimáticas e endocrinológicas,
para que estes possam ser tratados em tempo oportuno, evitando as sequelas
e até mesmo a morte. Além disso, propõe o gerenciamento dos casos positivos
por meio de monitoramento e acompanhamento da criança durante o proces-
so de tratamento.

11
Etapas da Triagem Neonatal

A triagem neonatal contempla o diagnóstico presuntivo, o diagnóstico de cer-


teza, o tratamento, o acompanhamento dos casos diagnosticados e a incorpora-
ção e uso de tecnologias voltadas para a promoção, prevenção e cuidado integral.
►► O diagnóstico presuntivo em triagem neonatal refere‑se à interpretação
de correlações clínicas e/ou clínico‑laboratoriais, indicando impressão,
suspeita ou probabilidade, obtidas por utilização unicamente dos testes
de triagem conforme protocolos técnicos estabelecidos para os distúrbios
ou doenças específicas;
►► O diagnóstico definitivo ou de certeza refere‑se à constatação da presença
do distúrbio ou doença, nos casos previamente suspeitos à triagem, por
meio de testes confirmatórios e/ou avaliação clínica;
►► A melhoria da efetividade do acesso ao tratamento e acompanhamento
dos casos diagnosticados, obtidos com as ações operacionais de monitora-
mento e acompanhamento das pessoas com diagnóstico positivo, incluem
a busca ativa para a recoleta, reteste, reavaliação, agendamento de consul-
tas e acompanhamento de comparecimento;
►► A incorporação e uso de tecnologias voltadas para a promoção, prevenção e
cuidado integral nas Redes de Atenção à Saúde (RAS), incluindo tratamen-
to medicamentoso e fórmulas nutricionais quando indicados no âmbito
do SUS, devem ser resultado das recomendações formuladas por órgãos
governamentais, a partir do processo de avaliação e aprovação pela Comis-
são Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e Proto-
colos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Ministério da Saúde.

As ações do PNTN devem ser articuladas entre o Ministério da Saúde, Secre-


tarias de Saúde dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEI). Os entes federativos organizam os fluxos da tria-
gem neonatal, incluindo‑os nas Redes de Atenção à Saúde do SUS e os inte-
gram aos componentes: Atenção Básica, Atenção Especializada e Maternidades.
Os níveis de atenção estão articulados entre si, de forma a garantir a inte-
gralidade do cuidado e o acesso regulado a cada ponto de atenção e/ou aos
serviços de apoio, observadas as especificidades inerentes e indispensáveis à
garantia da equidade na atenção às pessoas com diagnóstico positivo na tria-
gem neonatal.

13
Orientações Gerais

Cabe à equipe de enfermagem da maternidade, das casas de parto, das Casas


de Saúde do Índio (CASAI) e das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indí-
gena (EMSI) alertar e orientar a puérpera e familiares sobre a necessidade de
realização do teste de triagem neonatal no ponto de coleta da Atenção Básica
adstrito à sua residência, quando a coleta não for realizada naquele local.
Na atenção ao pré‑natal, cabe esclarecer e orientar a população e a gestante
sobre como e onde realizar o “teste do pezinho”, de acordo com a rede de cole-
ta organizada em seu estado, preconizando a necessidade dessa ser realizada
até o 5º dia de vida do bebê.
É necessário orientar a família a respeito da importância do exame e infor-
mar que eles têm direito aos resultados. Estes deverão ser apresentados ao
pediatra, que fará a transcrição na caderneta de saúde da criança, documento
importante para acompanhar a saúde, o crescimento e o desenvolvimento, do
nascimento até os nove (09) anos de idade.

15
Responsabilidades sobre o processo de coleta

A rede de coleta do teste do pezinho é definida pelos gestores de saúde dos


Estados, Municípios, Distrito Federal e Distritos Especiais de Saúde Indígena.
É responsabilidade das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, assim
como dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, com o apoio dos técnicos
do laboratório especializado em triagem neonatal:
►► Identificar e capacitar um número de pontos de coleta suficiente, de for-
ma a permitir o acesso fácil da população em toda a sua área de respon-
sabilidade;
►► Oferecer capacitações permanentes para os profissionais de saúde respon-
sáveis pela coleta e envolvidos com a triagem neonatal;
►► Treinar e sensibilizar os funcionários administrativos dos pontos de cole-
ta, com foco no processo completo de triagem e na importância da agili-
dade dos procedimentos.

A coleta do teste de triagem neonatal biológica, popularmente conhecida no


Brasil por “teste do pezinho”, acontece nos pontos de coleta da Atenção Básica
em Saúde. Em alguns estados, essa coleta também é realizada em materni-
dades, casas de parto ou comunidades indígenas. No entanto, em qualquer
ponto de atenção à saúde que seja realizada, essa coleta deve ser documentada
e informada no sistema de informação existente.

17
Organização do fluxo de coleta
da amostra de sangue

A organização do fluxo de coleta de amostras para a triagem neo­na­tal bioló-


gica requer cuidados especiais para que os resultados desejados sejam obtidos.
Todas as atividades envolvidas direta ou indiretamente são importantes, in-
cluindo a escolha e treinamento do profissional que fará a coleta assim como,
o meio de transporte das amostras ao laboratório que vai realizar as análises.

Data Ideal para a Coleta de Sangue do Recém‑Nascido


A data ideal para a coleta pode variar de acordo com a maior sensibilidade
das tecnologias diagnósticas e necessidades inerentes às doenças do escopo do
programa. Recomenda‑se que o período ideal de coleta da primeira amostra
esteja compreendido entre o 3º e o 5º dia de vida do bebê devido às especifici-
dades das doenças diagnosticadas atualmente.
Deve ser considerada como uma condição de exceção toda coleta realizada
após o 28º dia de vida, mesmo que não recomendada, por se tratar de um
exame fora do período neonatal. Consideram‑se excepcionalidades as dificul-
dades de acesso de algumas aldeias indígenas e populações de campo e da
floresta, bem como questões culturais e casos de negligência.
Crianças que não tenham realizado o “teste do pezinho” no período neona-
tal, devem ser avaliadas pelo serviço médico, para orientação e investigação
diagnóstica específica, se necessário. Essa investigação será considerada com
a finalidade de um diagnóstico tardio e, nessas condições, a criança detectada
se beneficiará com o acesso ao tratamento/acompanhamento especializado e,
consequentemente, a uma melhor qualidade de vida.

19
IMPORTANTE: se houver recusa por parte dos familiares para a coleta do
“teste do pezinho”, o responsável pela ação no ponto de coleta deve orientá‑los
sobre os riscos da não realização do exame. O fato deve ser documentado com
a assinatura dos pais ou responsáveis.

Responsabilidades do Ponto de Coleta


►► Definir uma pessoa como ponto focal para todas as comunicações relacio-
nadas com as ações de triagem neonatal;
►► Orientar e proporcionar treinamento a toda a equipe de coleta;
►► Orientar os pais da criança a respeito do procedimento que irá ser
­executado, assim como da finalidade do teste e da necessidade da retirada
do resultado;
►► Documentar a realização da coleta;
►► Manter registro da orientação dada aos pais para levar a criança ao Ponto
de Coleta na Atenção Básica adstrito à sua residência, em caso de alta
hospitalar/maternidade sem realização de coleta do teste;
►► Planejar e gerenciar, evitando desabastecimento dos recursos materiais
necessários para a coleta do “teste do pezinho”, atendendo os requisitos e
especificidades da triagem neonatal;
►► Administrar o armazenamento e estoques do cartão de coleta com
­papel‑filtro e envelopes do programa, assim como solicitar reposição de
material para evitar desabastecimento;
►► Administrar o envio de amostras coletadas ao Laboratório Especializado
em Triagem Neonatal ao qual esteja vinculado, a­ ssim como o recebimen-
to de resultados (controle de remessas de amostras enviadas/controle de
remessas de resultados recebidos);
►► Manter registro das solicitações de busca‑ativa dos casos reconvocados;
►► Documentar e arquivar a entrega de resultados com ou sem alteração, às
famílias.

IMPORTANTE: caso seja requisitada uma segunda coleta pelo laboratório


especializado, o responsável por essa ação no ponto de coleta deve proceder à
busca ativa, orientação aos familiares, coleta e envio da nova amostra o mais
breve possível ao laboratório.

20
O tratamento consiste basicamente em uma dieta com baixo teor de FAL,
mantendo‑se os níveis adequados desse aminoácido para permitir o cresci-
mento e desenvolvimento normais do indivíduo.
A instituição de uma dieta isenta de FAL causaria um dano ainda maior do
que a Fenilcetonúria propriamente dita, ou seja, a Síndrome da Deficiência de
Fenilalanina, que é caracterizada por eczema grave, prostração, ganho de peso
insuficiente, desnutrição, além de deficiência mental e crises convulsivas.
O tratamento preconizado deverá ser mantido por toda a vida. Estudos re-
alizados em todo o mundo sugerem que a suspensão da dieta pode resultar
em deterioração intelectual e comportamental, sendo, portanto, aconselhável
a manutenção da dieta por toda a vida.
A dieta utilizada é hipoproteica, suplementada por uma fórmula de ami-
noácidos isenta de Fenilalanina (FAL). Como os alimentos que são fontes
importantes de proteína (principalmente os ricos em FAL) são eliminados da
dieta, as quantidades de aminoácidos essenciais (com exceção da FAL) passam
a ser controladas por meio do fornecimento dessa fórmula especial. Essa repo-
sição permitirá que o paciente tenha desenvolvimento, tanto somático quanto
neurológico, adequado, apesar da importante restrição dietética que lhe será
imposta.
Esse produto normalmente é liofilizado e deverá ser reconstituído de acordo
com a quantidade a ser consumida, seguindo as orientações do nutricionista
da equipe que acompanha o caso. A dieta é individualizada, sendo especial-
mente calculada para cada paciente, pois a tolerância à FAL varia de acordo
com a idade, com o peso do afetado e também com o grau de deficiência enzi-
mática. Em termos gerais, a dieta deve conter entre 250 mg e 500 mg de FAL/
dia, quando o normal de ingestão diária para um indivíduo não fenilcetonúri-
co é de 2.500 mg de FAL/dia.
A fórmula de aminoácidos isenta de fenilalanina está inserida no Compo-
nente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), sendo sua aquisição
e disponibilização de responsabilidade das Secretarias de Estado da Saúde. A
liberação dos quantitativos necessários a cada paciente está vinculada à pres-
crição da equipe de atendimento multidisciplinar, formada por, no mínimo,
um pediatra e um nutricionista.
Logo após o diagnóstico, o acompanhamento, tanto clínico quanto labora-
torial, deve ser frequente até o primeiro ano de vida, para que a mãe receba
informações seguras sobre a dieta. As transgressões alimentares refletem di-

53
retamente nos resultados dos exames de controle e no desenvolvimento da
criança.
Os objetivos a serem alcançados em relação ao tratamento são os seguintes:
►► manter a normalização dos parâmetros neuropsicomotores nos pacientes
com diagnóstico precoce e instituição do tratamento adequado antes dos
3 meses de vida;
►► desenvolvimento pôndero‑estatural adequado para a idade do paciente,
apesar da restrição dietética imposta;
►► melhoria gradual das alterações neuropsicológicas observadas nos pacien-
tes cujo tratamento inicia‑se a partir de 3 meses de idade (pacientes não
submetidos à Triagem Neonatal).

Hipotireoidismo Congênito
O Hipotireoidismo Congênito (HC), considerado uma emergência pediátri-
ca, é causado pela incapacidade da glândula tireoide do recém‑nascido em pro-
duzir quantidades adequadas de hormônios tireoideanos, que resulta numa
redução generalizada dos processos metabólicos.
A doença pode ser classificada em:
►► primária – quando a falha ocorre na glândula tireoide;
►► secundária – quando ocorre deficiência do hormônio estimulador da ti-
reoide (TSH) hipofisário;
►► terciária – quando ocorre deficiência do hormônio liberador da tireotrofi-
na (TRH) hipotalâmico;
►► resistência periférica à ação dos hormônios tireóideos.

Em regiões onde a deficiência de iodo não é endêmica, o Hipotireoidismo


Congênito geralmente é primário, causado por agenesia ou por ectopia da
glândula tireoide. Esses são casos de etiologia considerada esporádica.
Entre as principais formas de hipotireoidismo congênito permanente primá-
rio (T4 baixo e TSH elevado), destacamos as seguintes causas:
►► por disgenesia tireoidiana com ectopia (85% dos casos)
►► por disormoniogênese tireoidiana decorrente de mutações recessivas cau-
sando falhas na síntese de T4 (15% dos casos, comum em populações
consanguíneas)

54
As crianças não submetidas a Programas de Triagem Neonatal e, conse-
quentemente, não tratadas precocemente, terão o crescimento e desenvolvi-
mento mental seriamente comprometidos.
O quadro de manifestações clínicas inclui: hipotonia muscular, dificuldades
respiratórias, cianose, icterícia prolongada, constipação, bradicardia, anemia,
sonolência excessiva, livedo reticularis, choro rouco, hérnia umbilical, alarga-
mento de fontanelas, mixedema, sopro cardíaco, dificuldade na alimentação
com deficiente crescimento pôndero‑estatural, atraso na dentição, retardo na
maturação óssea, pele seca e sem elasticidade, atraso de desenvolvimento neu-
ropsicomotor e retardo mental.
Já a maioria das crianças que tem o diagnóstico precoce estabelecido não
deverá apresentar sintomatologia clínica, desde que a terapia de reposição
hormonal seja iniciada no tempo oportuno. O momento ideal para o diagnós-
tico do Hipotireoidismo Congênito é, sem dúvida, o período neonatal, pois
é sabido que a partir da segunda semana de vida a deficiência de hormônios
tireóideos poderá causar alguma lesão neurológica.
É importante ressaltar que a triagem neonatal pode deixar de diagnosticar
alguns casos mais raros de Hipotireoidismo Congênito. É o que acontece com
o Hipotireoidismo Pituitário Hipotalâmico, doença compensada (T4 dentro
dos valores de referência, TSH elevado) ou aumento tardio do TSH, que são
muito raros (em torno de 2 a 3 por 100.000).
Após o resultado positivo inicial no Programa de Triagem Neonatal, deve
ser realizada a dosagem do T4 (total e livre) e do TSH em amostra de sangue
venoso, para que haja a efetiva confirmação diagnóstica. Seguindo essa es-
tratégia, a média de detecção dos casos suspeitos estará ao redor de 90%. Os
10% restantes não são detectáveis por TSH até a idade de 2 a 6 semanas. Cabe
ressaltar que esses últimos serão menos gravemente afetados.
Para que a etiologia seja estabelecida, é indicada a realização de exames de
ultrassonografia ou cintilografia com captação tireóidea de iodo radioativo,
pois, na maioria das vezes (85%), a origem do problema está na própria glân-
dula tireoide.
Se o tempo de espera para a realização dos exames confirmatórios significar
atraso no início da terapia de reposição hormonal, estes só deverão ser efetua-
dos após os dois anos de vida da criança, quando então a medicação poderá ser
temporariamente suspensa sem maiores prejuízos para os casos que forem
positivos.

55
Para os casos mais raros de etiologia secundária ou terciária, estão também
indicados os testes laboratoriais com estímulo de TRH.
O tratamento da doença consiste na reposição dos hormônios tireóideos
deficitários, no caso, reposição de levotiroxina sódica, sal sódico do isômero
sintético da Tiroxina (T4). Sua utilização produz a normalização do estado
metabólico que se encontra deficiente no hipotireoidismo.
O acompanhamento deve incluir a avaliação hormonal, avaliações de cresci-
mento e puberdade, além de testes psicométricos. Todos devem estar dentro
da variação normal. O desenvolvimento físico e neuropsicomotor também
deve ser levados em conta na orientação do cálculo das doses de reposição
hormonal.
O tratamento deverá ser monitorado laboratorialmente, por meio da deter-
minação das concentrações plasmáticas de T4 total e de T4 livre, assim como
da concentração de TSH.
Crianças cujas mães foram tratadas durante a gravidez com drogas antiti-
reoidianas ou iodetos poderão apresentar Hipotireoidismo Transitório, deven-
do ser monitoradas até que os níveis de T4 e TSH tenham normalizado.
Dentre os benefícios esperados com o tratamento devem ser ressaltados:
►► pacientes submetidos a triagem neonatal com diagnóstico e trata­mento
precoces se beneficiarão com a prevenção da deficiência mental e dos
demais danos provocados pela doença;
►► crianças com diagnóstico e tratamento tardios (iniciado com mais de 30
dias de vida) apresentarão:
––melhoria do desenvolvimento neuropsicomotor. Estudos apontam
que na ausência de tratamento precoce, 40% dos indivíduos afetados
mostram QI inferior a 70; 19%, QI menor de 55, sendo a média geral
em torno de 80. Com o tratamento muito do prejuízo intelectual é re-
cuperado, mas nunca serão restabelecidos os níveis normais. É possí-
vel que, em algumas crianças, a perda no desenvolvimento intelectual
não apresente recuperação com o tratamento pós‑natal;
––recuperação do ritmo de ganho pôndero‑estatural;
––normalização dos parâmetros metabólicos alterados, normalização da
frequência cardíaca, dos hábitos intestinais, dos hábitos de sono, da
temperatura e umidade da pele, etc.

56
Doença Falciforme e Outras Hemoglobinopatias
A Doença Falciforme (DF) é uma afecção genética com padrão de herança
autossômico recessivo, causada por um defeito na estrutura da cadeia beta da
hemoglobina, que leva as hemácias a assumirem forma de lua minguante,
quando expostas a determinadas condições, como febre alta, baixa tensão de oxi-
gênio, infecções etc. As alterações genéticas (mutação) nessa proteína (hemo-
globina) são transmitidas de geração em geração (padrão de herança familiar).
Padrão: a hemoglobina predominante em humanos adultos é chamada de
hemoglobina A (padrão Hb AA). A hemoglobina predominante em humanos
­recém‑nascidos é a Hemoglobina F (padrão Hb FA).
Hemoglobinopatias: As hemoglobinopatias podem ser resultantes de muta-
ções que afetam os genes reguladores promovendo um desequilíbrio no con-
teúdo quantitativo das cadeias polipeptídicas e consequentemente nos tipos
normais de hemoglobina, causando as talassemias. Também podem ser origi-
nadas de alterações envolvendo genes estruturais que promovem a formação
de moléculas de hemoglobinas com características bioquímicas diferentes das
hemoglobinas normais, denominadas hemoglobinas variantes. As hemoglo-
binas variantes mais frequentes são a hemoglobina S (Hb S) e hemoglobina
C (Hb C). O indivíduo heterozigoto é popularmente conhecido como “traço
falcêmico” ou “traço falciforme” (Hb AS). Poderão também ser identificadas
outras hemoglobinas variantes (Hb D, Hb E, Hb Hasharon, etc.) com ou sem
significado clínico. Nos procedimentos de triagem neonatal em recém‑nasci-
dos, é possível identificar de forma diferenciada os indivíduos heterozigotos
(Hb FAS) dos indivíduos homozigotos, ou seja, doentes (Hb FS).
O termo doença falciforme (DF) é usado para definir as hemoglobinopatias
nas quais o fenótipo predominante é o da Hb S, mesmo quando associada
a outra hemoglobina variante (Hb Var). Os tipos de DF mais frequentes são
Hb SS, a S‑beta Talassemia e as duplas heterozigoses Hb SC e Hb SD. Essas
variações causadas por heterozigoses compostas podem apresentar quadros
clínicos variados.
O paciente afetado apresenta as seguintes alterações clínicas: anemia he-
molítica, crises vaso‑oclusivas, crises de dor, insufici­ência renal progressiva,
acidente vascular cerebral, maior susceptibilidade a infecções e sequestro es-
plênico. Podem ocorrer também alterações no desenvolvimento neurológico,
com provável etiologia vaso‑oclusiva de sistema nervoso central.

57
Identificação da DF na triagem neonatal
O diagnóstico da DF pela triagem neonatal (teste do pezinho), antes do apa-
recimento dos sintomas clínicos, encoraja a implementação de práticas de
cuidados preventivos e orientação aos pais em relação ao recém‑nascido. Per-
mite também uma ação pedagógica sobre a condição genética da família e
risco de recorrência em futuras gestações, por meio de orientação familiar ou
aconselhamento genético.

Orientações gerais para a interpretação dos


resultados do teste do pezinho

►► Em todo recém‑nascido (RN) encontraremos a hemoglobina fetal (Hb F)


em proporção majoritária em relação à Hb A;
►► O resultado esperado para um recém‑nascido é Hb FA (perfil hemoglo-
bínico padrão)
►► A proporção entre Hb A e Hb F vai‑se modificando com o tempo, com
gradual diminuição da Hb F. Dependendo da idade em que o teste foi
realizado poderemos encontrar o perfil Hb AF. O achado do perfil Hb
AF em RN pode significar uma situação de transfusão não informada.
­Lembramos que AF não é abreviação de Anemia Falciforme.
►► Hemoglobinas variantes (Hb S, Hb C, Hb D, Hb E, entre outras) geral-
mente aparecem em proporções menores do que a Hb F e são compatí-
veis com a proporção da Hb A, quando esta está presente. O resultado
será representado por FAS, FAC, FAD, FAE ou FAVar (heterozigotos),
dependente da Hb variante encontrada. No caso de homozigose, a repre-
sentação será FS, FC, FD, etc. Outras Hb Var podem não ser identificadas
pelas metodologias disponíveis, sendo necessária análise molecular.
►► A Hb F desaparece totalmente após os seis meses de idade do RN. A re-
presentação passa então a ser:
––Em indivíduos com perfil hemoglobínico padrão: Hb AA
––Em portadores heterozigotos: Hb AS, Hb AC etc.
––Em portadores homozigotos (doentes): Hb SS, Hb SC, Hb CC, etc.

►► É importante enfatizar aos profissionais e aos pais que perfil hemoglobí-


nico tem a ver com a natureza genética da hemoglobina, não tem relação
com a tipagem sanguínea (sistema ABO), que também é hereditário.

58
►► Alguns laboratórios especializados em triagem neonatal, diante de resul-
tados alterados na análise da hemoglobina do RN no “teste do pezinho”,
solicitam sangue dos pais biológicos do RN para a análise do perfil hemo-
globínico familiar:
––Diante dos resultados laboratoriais, a família é encaminhada para a
consulta de aconselhamento genético, em que receberão informações
a respeito do padrão genético familiar e futuro reprodutivo;
––Em caso de adoção, os pais adotivos não necessitam coletar sangue.
O laboratório deve esclarecer que seus perfis hemoglobínicos pode-
rão ser distintos do perfil hemoglobínico do bebê devido à herança
genética do RN;
––Caso não exista um profissional especializado para dar continuidade
ao aconselhamento genético, recomendamos a realização da análise
do perfil hemoglobínico apenas da mãe do RN. Se a mãe não for a do-
adora do gene da Hb variante presente na criança, deve ser sugerido
à família que a herança deve ser paterna.

►► Os exames adicionais nos pais biológicos podem deflagrar situações éti-


cas importantes e os profissionais de saúde devem estar preparados para
evitar situações de confronto. Nesses casos, em que há divergência entre
o resultado do perfil hemoglobínico do RN e dos pais biológicos, deverá
ser excluída a existência prévia de transfusão sanguínea do RN na mater-
nidade, adoção não revelada, exclusão de paternidade ou aparecimento de
mutação nova no RN;
►► A informação de transfusão sanguínea é obrigatória no cartão de coleta
do teste do pezinho em todos os RN. Caso o RN tenha recebido sangue, a
hemoglobina analisada será uma mistura das hemoglobinas do RN e do
doador. Nesse caso, deverão feitas duas coletas no mesmo recém‑nascido:
uma no período ideal (3º ao 5º dia) para fenilcetonúria, hipotireoidismo
congênito, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de
biotinidase e outra, 120 dias após a transfusão, para doença falciforme e
outras hemoglobinopatias;
►► RN gêmeos podem apresentar perfis hemoglobínicos distintos (gestação
bivitelina);
►► “Anemia” falciforme não deve ser confundida com a Anemia Ferropriva.
São situações diferentes com tratamentos distintos.

Os pacientes que não forem submetidos à triagem neonatal e, portanto,


não tratados precocemente, podem apresentar um quadro inicial que inclui

59
os seguintes sintomas: irritabilidade, febre moderada, anemia hemolítica,
síndrome mão‑pé (dactilite), infecções e esplenomegalia. Em casos raros, a
septicemia pneumocócica fulminante pode ser a primeira manifestação da
DF, levando ao óbito após o aparecimento da febre. O pico de morbimorta-
lidade situa‑se ao redor de 2 a 3 anos de vida, sendo que as principais cau-
sas de morte são: a septicemia e choque (por streptococus pneumoniae ou
­haemophilusinfluenzae) e a anemia profunda por sequestro esplênico.
O ideal é que o tratamento seja iniciado antes dos quatro meses de vida para
que a prevenção das infecções e outras complicações que podem levar à morte
da criança seja efetivo. A família da criança identificada deverá receber orienta-
ção básica da equipe multidisciplinar no ponto de Atenção Especializado, para
a confirmação diagnóstica e o início do tratamento específico. A prevenção das
complicações é muito eficiente na redução da morbimortalidade. As princi-
pais medidas preconizadas para alcançar esse objetivo são: antibioticoterapia
profilática (esquema especial de vacinação), suplementação com ácido fólico,
além do seguimento clínico especializado.

Fibrose Cística

A Fibrose Cística (FC) ou Mucoviscidose, como também é conhecida, é uma


das doenças hereditárias consideradas graves, determinada por um padrão de
herança autossômico recessivo e afeta especialmente os pulmões e o pâncreas,
num processo obstrutivo causado pelo aumento da viscosidade do muco. Nos
pulmões, esse aumento na viscosidade bloqueia as vias aéreas propiciando a
proliferação bacteriana (especialmente pseudomonas e estafilococos), o que leva
à infecção crônica, à lesão pulmonar e ao óbito por disfunção respiratória. No
pâncreas, quando os ductos estão obstruídos pela secreção espessa, há uma
perda de enzimas digestivas, levando à má nutrição.
Essa afecção apresenta um índice de mortalidade muito elevado, porém, nos
últimos anos, o prognóstico tem melhorado muito, mostrando índices de 75%
de sobrevida até o final da adolescência e de 50% até a terceira década de vida.
Estudos anteriores demonstram que apenas 10% dos pacientes ultrapassavam
os 30 anos de idade.
Muitas crianças com Fibrose Cística não apresentam nenhum sinal ou sin-
toma da doença ao nascimento. Isso pode perdurar por semanas, meses ou
mesmo anos. Cerca de 5% a 10% dos pacientes afetados nascem com obstru-
ção intestinal por mecônio, a qual pode ser visualizada já na avaliação ultras-

60
sonográfica. A síndrome íleo meconial envolve distensão abdominal, impos-
sibilidade de evacuação e vômitos. Eventualmente, mesmo os adultos podem
apresentar um quadro semelhante a esse. Dentre os demais sintomas podem
estar incluídos: esteatorreia, dificuldade de ganho de peso, problemas respira-
tórios, perda de sal pelo suor, dor abdominal recorrente, icterícia prolongada,
edema hipoproteinêmico, pancreatite recorrente, cirrose biliar, acrodermatite
enteropática e retardo no desenvolvimento somático.
O curso clínico da doença se caracteriza por períodos de remissão e períodos
de exacerbação, com aumento da frequência e gravidade das exacerbações com
o passar do tempo.
Sintomas mais graves e complicações incluem a desnutrição, o diabetes, a
insuficiência hepática e a osteoporose. No trato gênito urinário, observa‑se
puberdade tardia, azoospermia em até 95% dos homens, e infertilidade em
20% das mulheres.
Diante de uma doença com um prognóstico tão grave e cuja sintomatologia
manifesta‑se geralmente em torno dos primeiros anos de vida, os programas
de triagem neonatal são de importância fundamental para o seu acompanha-
mento adequado. O diagnóstico presuntivo é estabelecido com a análise dos
níveis da tripsina imunorreativa (IRT). A análise do IRT só deve ser realizada
em amostras colhidas com até 30 dias de vida do RN, pois após esse período,
os resultados não são confiáveis como testes de triagem. O exame confirmató-
rio dos casos suspeitos é a dosagem de cloretos no suor “Teste de Suor”.
A quantidade anormal de sal nas secreções corporais, especialmente no pul-
mão e no pâncreas, leva a uma perda pelo suor, fato que é característico da
doença em bebês e crianças maiores. Quando a análise do teor de cloro no
suor mostrar níveis alterados e quadro clínico compatível, pode‑se estabelecer
o diagnóstico de Fibrose Cística, pois apenas de 1% a 2% dos pacientes apre-
sentam níveis padrão de cloro no suor.
O tratamento do paciente com Fibrose Cística consiste em acompanhamen-
to médico regular, suporte dietético, utilização de enzimas pancreáticas, suple-
mentação vitamínica (vitaminas A, D, E, K) e fisioterapia respiratória. Quando
em presença de complicações infec­ciosas, é indicada a antibioticoterapia de
amplo espectro. Além do esquema vacinal habitual, as crianças devem receber
também imunização antipneumocócica e anti‑hemófilos.

61
Hiperplasia Adrenal Congênita

A denominação Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) engloba um conjunto


de síndromes transmitidas de forma autossômica recessiva, que se caracteri-
zam por diferentes deficiências enzimáticas na síntese dos esteroides adrenais.
Nos diversos grupos étnicos as deficiências enzimáticas mais comuns em
HAC são: 21‑hidroxilase, que responde por cerca de 95% dos casos, e 11‑be-
ta‑hidroxilase, encontrada em aproximadamente 5% dos casos. Ambas estão
envolvidas na rota de síntese do cortisol e da aldosterona. Na população bra-
sileira, a deficiência da 21‑hidroxilase também é a mais frequente, seguida da
17‑alfa‑hidroxilase, sendo a 11‑beta‑hidroxilase muito rara.
O diagnóstico presuntivo da HAC na triagem neonatal é realizado pela
quantificação da 17‑hidroxi‑progesterona (17‑OHP), seguido de testes confir-
matórios no soro.
As manifestações clínicas na HAC dependem da enzima envolvida e do grau
de deficiência enzimática (total ou parcial). A apresentação clínica pode se
expressar por insuficiência glicocorticoide, i­nsuficiência mineralocorticoide,
excesso de andrógenos ou ainda por insuficiência de andrógenos.
Na deficiência da 21‑hidroxilase existe um espectro de manifestações clíni-
cas que podem ser divididas em três formas: forma clássica perdedora de sal,
forma clássica não perdedora de sal e forma não clássica.

Forma clássica perdedora de sal

Constitui a forma clínica mais comum da deficiência da 21‑hidroxilase


(70%–75% dos casos de forma clássica). Nos recém‑nascidos do sexo femi-
nino, há virilização da genitália externa (aumento de clitóris, fusão labial em
graus variáveis e formação de seio urogenital), decorrente do excesso de andró-
genos durante a vida intrauterina. No sexo masculino ocorre a diferenciação
normal da genitália externa na vida intrauterina, embora também sejam des-
critos casos com macrogenitossomia ao nascimento. A deficiência mineralo-
corticoide se manifesta precocemente (em geral a partir da 2ª semana), com
crise adrenal: depleção de volume, desidratação, hipotensão, hiponatremia e
hiperpotassemia e, se não tratada, pode evoluir para óbito.

62
Forma clássica não perdedora de sal (virilizante simples)

Os sinais de virilização, em ambos os sexos, ocorrem de forma semelhante


ao descrito na forma perdedora de sal e, nos ­recém‑nascidos do sexo feminino,
há virilização da genitália externa. Sem diagnóstico e tratamento precoces,
ambos os sexos apresentarão virilização p­ ós‑natal, caracterizada por clitorome-
galia, aumento peniano, pubarca precoce, velocidade de crescimento aumen-
tada e maturação óssea acelerada, resultando em baixa estatura final. Como
nessa forma não há deficiência mineralocorticoide com repercussão clínica, os
­recém‑nascidos do sexo masculino são frequentemente identificados em idade
tardia, por sinais de hiperandrogenismo.

Forma não clássica (de início tardio)

Essa forma de apresentação é cerca de 15 vezes mais frequente do que a


forma clássica de HAC, e as manifestações podem aparecer na infância, ado-
lescência ou idade adulta. No sexo feminino, devido ao hiperandrogenismo,
a apresentação pode se dar por aumento discreto do clitóris, pubarca precoce,
ciclos menstruais irregulares, hirsutismo e infertilidade. No sexo masculino,
por ser oligossintomático, o quadro costuma não ser diagnosticado. Alguns
pacientes podem ainda ser assintomáticos, os quais geralmente são diagnosti-
cados na investigação dos familiares de um caso índex.

Manifestações clínicas em recém‑nascidos

Em recém‑nascidos do sexo feminino, o diagnóstico da forma clássica da de-


ficiência da 21‑hidroxilase é suspeitado pela presença de virilização da genitália
externa, que pode inclusive se assemelhar à genitália masculina, sem gônadas
palpáveis. Já em recém‑nascidos do sexo masculino, como em geral a macro-
genitossomia não é evidente ao nascimento, o diagnóstico clínico é dependen-
te do grau de deficiência mineralocorticoide. A forma perdedora de sal apre-
senta‑se nos primeiros dias de vida, mais frequentemente a partir da segunda
semana, com desidratação, hipotensão, taquicardia, vômitos, perda de peso,
letargia, hiponatremia e hiperpotassemia. A forma não perdedora de sal (viri-
lizante simples) apresenta‑se mais tardiamente, com pubarca precoce, veloci-
dade de crescimento aumentada ou maturação óssea acelerada, podendo apre-
sentar, mais tardiamente, sinais de virilização, tais como engrossamento da
voz, aumento da massa muscular e crescimento clitoriano e peniano p ­ ós‑natal.

63
Pacientes assintomáticos com HAC forma não clássica não necessitam de
tratamento. Para pacientes do sexo feminino com hiperandrogenismo, além
da reposição hormonal com baixas doses de glicocorticoide, deve ser seguido
o tratamento proposto no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Sín-
drome dos Ovários Policísticos e Hirsutismo.
O diagnóstico precoce e o tratamento adequado melhoram o padrão de cres-
cimento, podendo normalizá‑lo na maior parte dos casos.
O tratamento deve ser contínuo ao longo da vida. O intervalo entre consul-
tas, levando em consideração os dados clínicos e a realização de exames labo-
ratoriais, deve seguir o que foi sugerido pelo especialista.

Deficiência de Biotinidase

A Deficiência de Biotinidase (DBT) é uma doença metabólica hereditária na


qual há um defeito no metabolismo da biotina. Como consequência, ocorre
uma depleção da biotina endógena devido a uma incapacidade do organismo
fazer a sua reciclagem ou de usar a biotina ligada à proteína fornecida pela
dieta. Assim, como a maioria dos erros inatos do metabolismo, essa doença
apresenta uma herança autossômica recessiva, com mais de 140 mutações
descritas.
Classificação:
►► Deficiência profunda de biotinidase: atividade enzimática menor que 10%
considerando o limite inferior de referência para indivíduos não portado-
res de deficiência de biotinidase;
►► Deficiência parcial de biotinidase: atividade enzimática entre 10% e 30%,
considerando o limite inferior de referência para indivíduos não portado-
res de deficiência de biotinidase;
►► Sem deficiência de biotinidase: atividade enzimática acima de 30%, con-
siderando o limite inferior de referência para indivíduos não portadores
de deficiência de biotinidase.
Clinicamente, manifesta‑se a partir da sétima semana de vida, com dis-
túrbios neurológicos e cutâneos, tais como crises epiléticas, hipotonia, mi-
crocefalia, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, alopécia e dermatite
eczematoide. Nos pacientes com diagnóstico tardio observam‑se distúrbios
visuais, auditivos, assim como atraso motor e de linguagem.

64
Pacientes diagnosticados em período sintomático, frequentemente apresen-
tam atraso do desenvolvimento e risco de desenvolverem sequelas auditiva,
visual e de funções nervosas superiores irreversíveis, ao contrário do que se
observou nos pacientes diagnosticados no período neonatal.
Os pacientes com testes de triagem alterados (parcial ou total), identifica-
dos pela análise da enzima biotina, serão classificados como suspeitos até
a confirmação ou não do diagnóstico, que será estabelecido a partir do teste
­quantitativo da atividade de biotinidase, podendo ser complementado com
estudo genético‑molecular.
O tratamento medicamentoso é muito simples, de baixo custo e consiste na
utilização de biotina em doses diárias, de acordo com a subclassificação da
deficiência de biotina, baseada no teste quantitativo.

65
Tipos de Aleitamento
Materno
2

É muito importante conhecer e utilizar as definições de aleitamento materno adotadas


pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e reconhecidas no mundo inteiro (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2007). Assim, o aleitamento materno costuma ser classificado em:

• Aleitamento materno exclusivo – quando a criança recebe somente leite materno, direto
da mama ou ordenhado, ou leite humano de outra fonte, sem outros líquidos ou sólidos,
com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas, sais de reidratação oral, suplementos
minerais ou medicamentos.

• Aleitamento materno predominante – quando a criança recebe, além do leite materno,


água ou bebidas à base de água (água adocicada, chás, infusões), sucos de frutas e fluidos
rituais1.

• Aleitamento materno – quando a criança recebe leite materno (direto da mama ou


ordenhado), independentemente de receber ou não outros alimentos.

• Aleitamento materno complementado – quando a criança recebe, além do leite materno,


qualquer alimento sólido ou semissólido com a finalidade de complementá-lo, e não de
substituí-lo.

• Aleitamento materno misto ou parcial – quando a criança recebe leite materno e outros
tipos de leite.

1
Embora a OMS não reconheça os fluidos rituais (poções, líquidos ou misturas utilizadas em ritos místicos ou religiosos) como exceção possível
inserida na definição de aleitamento materno exclusivo, o Ministério da Saúde, considerando a possibilidade do uso de fluidos rituais com finali-
dade de cura dentro de um contexto intercultural e valorizando as diversas práticas integrativas e complementares, apoia a inclusão de fluidos ri-
tuais na definição de aleitamento materno exclusivo, desde que utilizados em volumes reduzidos, de forma a não concorrer com o leite materno. 13
Características e funções
do leite materno 6

Apesar de a alimentação variar enormemente entre as pessoas, o leite materno, surpreen­


dentemente, apresenta composição semelhante para todas as mulheres que amamentam do
mundo. Apenas as com desnutrição grave podem ter o seu leite afetado na sua qualidade e
quantidade. Nos primeiros dias, o leite materno é chamado colostro, que contém mais proteínas
e menos gorduras do que o leite maduro, ou seja, o leite secretado a partir do sétimo ao décimo
dia pós-parto. O leite de mães de recém-nascidos prematuros é diferente do de mães de bebês
a termo. Veja na Tabela 2 as diferenças entre colostro e leite maduro, entre o leite de mães de
prematuros e de bebês a termo e entre o leite materno e o leite de vaca. Esse tem muito mais
proteínas que o leite humano e essas proteínas são diferentes das do leite materno. A principal
proteína do leite materno é a lactoalbumina e a do leite de vaca é a caseína, de difícil digestão
para a espécie humana.

Tabela 2 – Composição do colostro e do leite materno maduro de mães de crianças a termo e


pré-termo e do leite de vaca
Leite Maduro
Nutriente Colostro (3-5 dias) Leite de vaca
(26-29 dias)

A termo Pré-termo A termo Pré-termo

Calorias (kcal/dL) 48 58 62 70 69
Lipídios (g/dL) 1,8 3,0 3,0 4,1 3,7

Proteínas (g/dL) 1,9 2,1 1,3 1,4 3,3

Lactose (g/dL) 5,1 5,0 6,5 6,0 4,8


Fonte: BRASIL (2009b).

29
Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica

A concentração de gordura no leite aumenta no decorrer de uma mamada. Assim, o leite


do final da mamada (chamado leite posterior) é mais rico em energia (calorias) e sacia melhor a
criança, daí a importância de a criança esvaziar bem a mama.

O leite humano possui numerosos fatores imunológicos que protegem a criança contra
infecções. A IgA secretória é o principal anticorpo, atuando contra microrganismos presentes nas
superfícies mucosas. Os anticorpos IgA no leite humano são um reflexo dos antígenos entéricos
e respiratórios da mãe, ou seja, ela produz anticorpos contra agentes infecciosos com os quais já
teve contato, proporcionando, dessa maneira, proteção à criança contra os germens prevalentes
no meio em que a mãe vive. A concentração de IgA no leite materno diminui ao longo do
primeiro mês, permanecendo relativamente constante a partir de então.

Além da IgA, o leite materno contém outros fatores de proteção, tais como anticorpos
IgM e IgG, macrófagos, neutrófilos, linfócitos B e T, lactoferrina, lisosima e fator bífido. Esse
favorece o crescimento do Lactobacilus bifidus, uma bactéria não patogênica que acidifica as
fezes, dificultando a instalação de bactérias que causam diarreia, tais como Shigella, Salmonella
e Escherichia coli.

Alguns dos fatores de proteção do leite materno são total ou parcialmente destruídos pelo
calor, razão pela qual o leite humano pasteurizado (submetido a uma temperatura de 62,5o C por
30 minutos) não tem o mesmo valor biológico que o leite cru.

30
Situações em que há
restrições ao aleitamento
materno 11
São poucas as situações em que pode haver indicação médica para a substituição parcial ou
total do leite materno.

Nas seguintes situações o aleitamento materno não deve ser recomendado:

• Mães infectadas pelo HIV;

• Mães infectadas pelo HTLV1 e HTLV2;

• Uso de medicamentos incompatíveis com a amamentação. Alguns fármacos são considerados


contra-indicados absolutos ou relativos ao aleitamento materno, como por exemplo, os
antineoplásicos e radiofármacos. Como essas informações sofrem frequentes atualizações,
recomenda-se que previamente à prescrição de medicações a nutrizes o profissional de
saúde consulte o manual “Amamentação e uso de medicamentos e outras substâncias”
(BRASIL, 2010b);2

• Criança portadora de galactosemia, doença rara em que ela não pode ingerir leite humano
ou qualquer outro que contenha lactose.

Já nas seguintes situações maternas, recomenda-se a interrupção temporária da amamentação:

• Infecção herpética, quando há vesículas localizadas na pele da mama.


A amamentação deve ser mantida na mama sadia;

• Varicela: se a mãe apresentar vesículas na pele cinco dias antes do parto ou até dois dias após
o parto, recomenda-se o isolamento da mãe até que as lesões adquiram a forma de crosta.
A criança deve receber Imunoglobulina Humana Antivaricela Zoster (Ighavz), disponível nos
Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIES) (BRASIL, 2006), que deve ser
administrada em até 96 horas do nascimento, aplicada o mais precocemente possível;

2
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/amamentacao_uso_medicamentos_2ed.pdf
77
Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica

• Doença de Chagas, na fase aguda da doença ou quando houver sangramento mamilar


evidente;

• Consumo de drogas de abuso:a Academia Americana de Pediatria (contraindica o uso


durante o período da lactação das drogas de abuso anfetaminas, cocaína, heroína, maconha
e fenciclidina. A Organização Mundial da Saúde considera que o uso de anfetaminas,
ecstasy, cocaína, maconha e opióides não são contraindicadas durante a amamentação.
Contudo, alerta que as mães que usam essas substâncias por períodos curtos devem
considerar a possibilidade de evitar temporariamente a amamentação. Há carência de
publicações com orientações sobre o tempo necessário de suspensão da amamentação
após uso de drogas de abuso. No entanto, alguns autores já recomendaram determinados
períodos de interrupção (Tabela 3). Ainda assim, recomenda-se que as nutrizes não
utilizem tais substâncias. Se usadas, deve-se avaliar o risco da droga versus o benefício
da amamentação para orientar sobre o desmame ou a manutenção da amamentação.
Drogas consideradas lícitas, como o álcool e o tabaco, também devem ser evitadas durante
a amamentação. Contudo, nutrizes tabagistas devem manter a amamentação, pois a
suspensão da amamentação pode trazer riscos ainda maiores à saúde do lactente (BRASIL,
2010b).

Tabela 3 – Recomendação quanto ao tempo de interrupção do aleitamento materno após


consumo de drogas de abuso

Droga Período recomendado de interrupção da amamentação


Anfetamina, ecstasy 24 – 36 horas
Barbitúricos 48 horas
Cocaína, crack 24 horas
Etanol 1 hora por dose ou até estar sóbria
Heroína, morfina 24 horas
LSD 48 horas
Maconha 24 horas
Fenciclidina 1 – 2 semanas
Fonte: (HALE et al., 2005).

Em todos esses casos, deve-se estimular a produção do leite com ordenhas regulares e
frequentes, até que a mãe possa amamentar o seu filho. Nas seguintes condições maternas, o
aleitamento materno não deve ser contraindicado:

• Tuberculose: recomenda-se que as mães não tratadas ou ainda bacilíferas (duas primeiras
semanas após início do tratamento) amamentem com o uso de máscaras e restrinjam o
contato próximo com a criança por causa da transmissão potencial por meio das gotículas
do trato respiratório. Nesse caso, o recém-nascido deve receber isoniazida na dose de
10 mg/kg/dia por três meses. Após esse período, deve-se fazer teste tuberculínico (PPD):
se reator, a doença deve ser pesquisada, especialmente em relação ao acometimento
pulmonar; se a criança tiver contraído a doença, a terapêutica deve ser reavaliada; em
caso contrário, deve-se manter isoniazida por mais três meses; e, se o teste tuberculínico
for não reator, pode-se suspender a medicação, e a criança deve receber a vacina BCG;
78
Saúde da Criança – Aleitamento Materno e Alimentação Complementar

• Hanseníase: por se tratar de doença cuja transmissão depende de contato prolongado da


criança com a mãe sem tratamento, e considerando que a primeira dose de rifampicina
é suficiente para que a mãe não seja mais bacilífera, deve-se manter a amamentação e
iniciar tratamento da mãe;

• Hepatite B: a vacina e a administração de imunoglobulina específica (HBIG) após o


nascimento praticamente eliminam qualquer risco teórico de transmissão da doença via
leite materno;

• Hepatite C: a prevenção de fissuras mamilares em lactantes HCV positivas é importante, uma


vez que não se sabe se o contato da criança com sangue materno favorece a transmissão
da doença;

• Dengue: não há contraindicação da amamentação em mães que contraem dengue, pois há


no leite materno um fator antidengue que protege a criança;

• Consumo de cigarros: acredita-se que os benefícios do leite materno para a criança superem
os possíveis malefícios da exposição à nicotina via leite materno. Por isso, o cigarro não é
uma contraindicação à amamentação. O profissional de saúde deve realizar abordagem
cognitiva comportamental básica, que dura em média de três a cinco minutos e que consiste
em perguntar, avaliar, aconselhar, preparar e acompanhar a mãe fumante (BRASIL, 2010b).
No aconselhamento, o profissional deve alertar sobre os possíveis efeitos deletérios do
cigarro para o desenvolvimento da criança, e a eventual diminuição da produção e da
ejeção do leite. Para minimizar os efeitos do cigarro para a criança, as mulheres que
não conseguirem parar de fumar devem ser orientadas a reduzirem o máximo possível
o número de cigarros (se não possível a cessação do tabagismo, procurar fumar após as
mamadas) e a não fumarem no ambiente em que a criança se encontra;

• Consumo de álcool: assim como para o fumo, deve-se desestimular as mulheres que estão
amamentando a ingerirem álcool. A ingestão de doses iguais ou maiores que 0,3g/kg de
peso pode reduzir a produção láctea. O álcool pode modificar o odor e o sabor do leite
materno levando a recusa do mesmo pelo lactente.

79
ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

5.1 Diagnóstico na gravidez

Para ampliar a captação precoce das gestantes, o Ministério da Saúde, por intermédio da Rede
Cegonha, incluiu o Teste Rápido de Gravidez nos exames de rotina do pré-natal, que pode ser
realizado na própria UBS, o que acelera o processo necessário para a confirmação da gravidez e
53
o início do pré-natal.

Toda mulher da área de abrangência da unidade de saúde e com história de atraso menstrual
de mais de 15 dias deverá ser orientada pela equipe de saúde a realizar o Teste Imunológico
de Gravidez (TIG), que será solicitado pelo médico ou enfermeiro. Este teste é considerado o
método mais sensível e confiável, embora seja também um teste caro [grau de recomendação
D]. Alguns testes urinários têm baixa taxa de resultados falsos positivos, mas elevada taxa de
resultados falsos negativos, o que pode atrasar o início do pré-natal.

A dosagem de gonadotrofina coriônica humana (ßHCG) para o diagnóstico precoce da


gravidez, com a utilização de medidas quantitativas precisas e rápidas, tornou este teste
mundialmente reconhecido para confirmar a ocorrência de gravidez. O ßHCG pode ser detectado
no sangue periférico da mulher grávida entre 8 a 11 dias após a concepção. Os níveis plasmáticos
aumentam rapidamente até atingir um pico entre 60 e 90 dias de gravidez. A maioria dos testes
tem sensibilidade para detecção de gravidez entre 25 a 30mUI/ml. Resultados falsos positivos
ocorrem na faixa entre 2 a 25mUI/ml. Do ponto de vista prático, níveis menores que 5mUI/ml são
considerados negativos e acima de 25mUI/ml são considerados positivos.

Considerando-se que 11% a 42% das idades gestacionais estimadas pela data da última
menstruação são incorretas, pode-se oferecer à gestante, quando possível, o exame
ultrassonográfico , que , além de melhor determinar a idade gestacional, auxilia na detecção
precoce de gestações múltiplas (inclusive, evidencia o tipo de placentação nestes casos) e de
malformações fetais clinicamente não suspeitas. Idealmente, o exame deve ser realizado entre 10
e 13 semanas, utilizando-se o comprimento cabeça–nádega para determinar a idade gestacional.
A partir da 15ª semana, a estimativa de idade gestacional será feita pela medida do diâmetro
biparietal. Todavia, os possíveis benefícios da ultrassonografia de rotina durante a gestação
sobre outros resultados permanecem ainda incertos, de modo que a não realização deste exame
não constitui omissão, nem diminui a qualidade do pré-natal (CROWTHER et al., 1999).

Se o atraso menstrual for superior a 12 semanas, o diagnóstico de gravidez poderá ser feito
pelo exame clínico e torna-se desnecessária a solicitação do TIG. O diagnóstico da gravidez pode
ser efetuado em 90% das pacientes por intermédio dos sinais clínicos, dos sintomas e do exame
físico em gestações mais avançadas.

As queixas principais são devidas ao atraso menstrual, à fadiga, à mastalgia, ao aumento da


frequência urinária e aos enjoos/vômitos matinais [grau de recomendação D (1) ].

Sinais de presunção de gravidez:

o Atraso menstrual;
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o Manifestações clínicas (náuseas, vômitos, tonturas, salivação excessiva, mudança de apetite,


aumento da frequência urinária e sonolência);

o Modificações anatômicas (aumento do volume das mamas, hipersensibilidade nos mamilos,


tubérculos de Montgomery, saída de colostro pelo mamilo, coloração violácea vulvar,
cianose vaginal e cervical, aumento do volume abdominal).
54
Sinais de probabilidade:

o Amolecimento da cérvice uterina, com posterior aumento do seu volume;

o Paredes vaginais aumentadas, com aumento da vascularização (pode-se observar pulsação


da artéria vaginal nos fundos de sacos laterais);

o Positividade da fração beta do HCG no soro materno a partir do oitavo ou nono dia após
a fertilização.

Sinais de certeza:

o Presença dos batimentos cardíacos fetais (BCF), que são detectados pelo sonar a partir de
12 semanas e pelo Pinard a partir de 20 semanas;

o Percepção dos movimentos fetais (de 18 a 20 semanas);

o Ultrassonografia: o saco gestacional pode ser observado por via transvaginal com apenas 4
a 5 semanas gestacionais e a atividade cardíaca é a primeira manifestação do embrião com
6 semanas gestacionais.
ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

Figura 1 – Fluxograma de pré-natal

Mulher com suspeita de gravidez


Atraso menstrual
Náusea
Suspensão ou irregularidade do uso do contraceptivo
Desejo de gravidez

55
Consulta de acolhimento
Deve-se avaliar:
o ciclo menstrual – Dum,
a atividade sexual e
o uso de método contraceptivo

Atraso Dum maior do


menstrual maior do que 12
que 15 dias? semanas?
Sim Sim

βHCG urinário, teste rápido Ausente Ausculta de BCF

Negativo Positivo Presente

Repetir βHCG Gravidez confirmada


Captação da gestante para o pré-natal
-
em 15 dias Solicite exames
Realize testes rápidos de HIV e sífilis
Preenchimento do SisPreNatal
Negativo Preenchimento do cartão da gestante
Preenchimento do prontuário

Investigue outras
causas de irregularidade
menstrual
Avaliação de
risco gestacional

Encaminhe a gestante
para o serviço de pré-natal
de alto risco

Avaliação do risco
gestacional pelo médico Afastado o risco

Confirmado o risco

Pré-natal de Pré-natal de
alto risco baixo risco

Garanta o atendimento no ambulatório de pré-natal de alto risco. Atendimento pela equipe da área de abrangência. É ideal que haja
Mantenha acompanhamento da equipe da área de abrangência. consultas alternadas com médico e enfermeiro.
Monitore os retornos no ambulatório de alto risco. Inclua o companheiro da gestante nas consultas.
Visitas domiciliares mensais pelos ACS e pela equipe, se necessário. Monitore os retornos.
Identifique o hospital de referência de alto risco para o parto. Visitas domiciliares mensais pelos ACS e pela equipe, se necessário.
Agende consulta de puerpério para a primeira semana pós-parto. Identifique o hospital de emergência de baixo risco para o parto.
Agende consulta de puerpério (para a mãe e o RN) para a primeira
semana pós-parto.

Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Departamento de Atenção Básica, 2012.
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Após a confirmação da gravidez, em consulta médica ou de enfermagem, dá-se início ao


acompanhamento da gestante, com seu cadastramento no SisPreNatal. Os procedimentos e as
condutas que se seguem devem ser realizados sistematicamente e avaliados em toda consulta de
pré-natal. As condutas e os achados diagnósticos sempre devem ser anotados na Ficha de Pré-
Natal e no Cartão da Gestante.

56 A partir desse momento, a gestante deverá receber as orientações necessárias referentes


ao acompanhamento de pré-natal: sequência de consultas (mensalmente, se possível), visitas
domiciliares e grupos educativos. Deverão ser fornecidos:

o O Cartão da Gestante, com a identificação preenchida, o número do Cartão Nacional da


Saúde, o hospital de referência para o parto e as orientações sobre este;

o O calendário de vacinas e suas orientações;

o A solicitação dos exames de rotina;

o As orientações sobre a participação nas atividades educativas (reuniões e visitas domiciliares).

É importante enfatizar que duas informações essenciais que devem constar explicitamente
no Cartão da Gestante são as relacionadas ao nome do hospital de referência para o parto e
as relativas às intercorrências durante a gestação. Se, no decorrer da gestação, surgir alguma
situação que caracterize risco gestacional, com mudança do hospital ou da maternidade de
referência, isso também deve estar escrito no cartão. Esta informação é considerada fundamental
para que a mulher e seu companheiro ou familiares possam reivindicar o direito de atendimento
na respectiva unidade de saúde.

5.2 Classificação de risco gestacional

A gestação é um fenômeno fisiológico e deve ser vista pelas gestantes e equipes de saúde como
parte de uma experiência de vida saudável que envolve mudanças dinâmicas do olhar físico, social
e emocional. No entanto, devido a alguns fatores de risco, algumas gestantes podem apresentar
maior probabilidade de evolução desfavorável. São as chamadas “gestantes de alto risco”.

Com o objetivo de reduzir a morbimortalidade materno-infantil e ampliar o acesso com


qualidade, é necessário que se identifiquem os fatores de risco gestacional o mais precocemente
possível. Dessa forma, o acolhimento com classificação de risco pressupõe agilidade no
atendimento e definição da necessidade de cuidado e da densidade tecnológica que devem ser
ofertadas às usuárias em cada momento.

De maneira geral, o acolhimento, em especial à gestante, objetiva fornecer não um diagnóstico,


mas uma prioridade clínica, o que facilita a gestão da demanda espontânea e, consequentemente,
permite que haja impacto na história natural de doenças agudas graves e potencialmente fatais,
que, se não atendidas como prioridades, podem levar à morte, por exemplo, uma gestante com
síndrome hipertensiva.

Portanto, é indispensável que a avaliação do risco seja permanente, ou seja, aconteça em toda
consulta. Em contrapartida, quando são identificados fatores associados a um pior prognóstico
ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

materno e perinatal, a gravidez é definida como de alto risco, passando a exigir avaliações mais
frequentes, muitas vezes fazendo-se uso de procedimentos com maior densidade tecnológica.

Nos casos em que não há necessidade de se utilizar alta densidade tecnológica em saúde e
nos quais a morbidade e a mortalidade materna e perinatal são iguais ou menores do que as da
população em geral, as gestações podem ser consideradas como de baixo risco. Assim definida,
a gravidez de baixo risco somente pode ser confirmada ao final do processo gestacional, após o 57
parto e o puerpério. O processo dinâmico e a complexidade das alterações funcionais e anatômicas
que ocorrem no ciclo gestacional exigem avaliações continuadas e específicas em cada período.

A atenção básica deve ser entendida como porta de entrada da Rede de Atenção à Saúde, como
ordenadora do sistema de saúde brasileiro. Nas situações de emergência obstétrica, a equipe
deve estar capacitada para diagnosticar precocemente os casos graves, iniciar o suporte básico
de vida e acionar o serviço de remoção, para que haja a adequada continuidade do atendimento
para os serviços de referência de emergências obstétricas da Rede de Atenção à Saúde.

Dessa forma, a classificação de risco é um processo dinâmico de identificação dos pacientes


que necessitam de tratamento imediato, de acordo com o potencial de risco, os agravos à saúde
ou o grau de sofrimento.

A caracterização de uma situação de risco, todavia, não implica necessariamente referência da


gestante para acompanhamento em pré-natal de alto risco. As situações que envolvem fatores
clínicos mais relevantes (risco real) e/ou fatores evitáveis que demandem intervenções com maior
densidade tecnológica devem ser necessariamente referenciadas, podendo, contudo, retornar
ao nível primário, quando se considerar a situação resolvida e/ou a intervenção já realizada. De
qualquer maneira, a unidade básica de saúde deve continuar responsável pelo seguimento da
gestante encaminhada a um diferente serviço de saúde.

A seguir, são apresentados os fatores de risco gestacional e as situações em que deve ser
considerado o encaminhamento ao pré-natal de alto risco e/ou à emergência obstétrica.
É importante que a equipe de atenção básica se baseie em sua experiência clínica para o
encaminhamento da paciente.

5.2.1 Fatores de risco que permitem a realização do pré-natal pela


equipe de atenção básica

Fatores relacionados às características individuais e às condições sociodemográficas


desfavoráveis:

o Idade menor do que 15 e maior do que 35 anos;

o Ocupação: esforço físico excessivo, carga horária extensa, rotatividade de horário, exposição
a agentes físicos, químicos e biológicos, estresse;

o Situação familiar insegura e não aceitação da gravidez, principalmente em se tratando de


adolescente;
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o Situação conjugal insegura;

o Baixa escolaridade (menor do que cinco anos de estudo regular);

o Condições ambientais desfavoráveis;

o Altura menor do que 1,45m;


58
o IMC que evidencie baixo peso, sobrepeso ou obesidade.

Fatores relacionados à história reprodutiva anterior:

o Recém-nascido com restrição de crescimento, pré-termo ou malformado;

o Macrossomia fetal;

o Síndromes hemorrágicas ou hipertensivas;

o Intervalo interpartal menor do que dois anos ou maior do que cinco anos;

o Nuliparidade e multiparidade (cinco ou mais partos);

o Cirurgia uterina anterior;

o Três ou mais cesarianas.

Fatores relacionados à gravidez atual:

o Ganho ponderal inadequado;

o Infecção urinária;

o Anemia.

5.2.2 Fatores de risco que podem indicar encaminhamento ao pré-


natal de alto risco

O pré-natal de alto risco abrange cerca de 10% das gestações que cursam com critérios de
risco, o que aumenta significativamente nestas gestantes a probabilidade de intercorrências e
óbito materno e/ou fetal. Atenção especial deverá ser dispensada às grávidas com maiores riscos,
a fim de reduzir a morbidade e a mortalidade materna e perinatal (grau de recomendação A).

Fatores relacionados às condições prévias:

o Cardiopatias;

o Pneumopatias graves (incluindo asma brônquica);

o Nefropatias graves (como insuficiência renal crônica e em casos de transplantados);

o Endocrinopatias (especialmente diabetes mellitus, hipotireoidismo e hipertireoidismo);


ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

o Doenças hematológicas (inclusive doença falciforme e talassemia);

o Hipertensão arterial crônica e/ou caso de paciente que faça uso de anti-hipertensivo
(PA>140/90mmHg antes de 20 semanas de idade gestacional – IG);

o Doenças neurológicas (como epilepsia);

o Doenças psiquiátricas que necessitam de acompanhamento (psicoses, depressão grave etc.); 59


o Doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico, outras colagenoses);

o Alterações genéticas maternas;

o Antecedente de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar;

o Ginecopatias (malformação uterina, miomatose, tumores anexiais e outras);

o Portadoras de doenças infecciosas como hepatites, toxoplasmose, infecção pelo HIV, sífilis
terciária (USG com malformação fetal) e outras DSTs (condiloma);

o Hanseníase;

o Tuberculose;

o Dependência de drogas lícitas ou ilícitas;

o Qualquer patologia clínica que necessite de acompanhamento especializado.

Fatores relacionados à história reprodutiva anterior:

o Morte intrauterina ou perinatal em gestação anterior, principalmente se for de causa


desconhecida;

o História prévia de doença hipertensiva da gestação, com mau resultado obstétrico e/ou
perinatal (interrupção prematura da gestação, morte fetal intrauterina, síndrome Hellp,
eclâmpsia, internação da mãe em UTI);

o Abortamento habitual;

o Esterilidade/infertilidade.

Fatores relacionados à gravidez atual:

o Restrição do crescimento intrauterino;

o Polidrâmnio ou oligoidrâmnio;

o Gemelaridade;

o Malformações fetais ou arritmia fetal;

o Distúrbios hipertensivos da gestação (hipertensão crônica preexistente, hipertensão


gestacional ou transitória);

Obs.: É necessário que haja evidência de medidas consecutivas que sugiram hipertensão.
Nestas situações, não se deve encaminhar o caso com medida isolada. Em caso de suspeita de
pré-eclâmpsia/eclâmpsia, deve-se encaminhar a paciente à emergência obstétrica.
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o Infecção urinária de repetição ou dois ou mais episódios de pielonefrite (toda gestante com
pielonefrite deve ser inicialmente encaminhada ao hospital de referência, para avaliação);

o Anemia grave ou não responsiva a 30-60 dias de tratamento com sulfato ferroso;

o Portadoras de doenças infecciosas como hepatites, toxoplasmose, infecção pelo HIV, sífilis
terciária (USG com malformação fetal) e outras DSTs (condiloma);
60
o Infecções como a rubéola e a citomegalovirose adquiridas na gestação atual;

o Evidência laboratorial de proteinúria;

o Diabetes mellitus gestacional;

o Desnutrição materna severa;

o Obesidade mórbida ou baixo peso (nestes casos, deve-se encaminhar a gestante para
avaliação nutricional);

o NIC III (nestes casos, deve-se encaminhar a gestante ao oncologista);

o Alta suspeita clínica de câncer de mama ou mamografia com Bi-rads III ou mais (nestes
casos, deve-se encaminhar a gestante ao oncologista);

o Adolescentes com fatores de risco psicossocial.

5.2.3 Fatores de risco que indicam encaminhamento à urgência/


emergência obstétrica

Os profissionais de saúde dos hospitais regionais e da emergência obstétrica deverão avaliar


as gestantes encaminhadas e confirmar, ou não, o diagnóstico inicial, assim como determinar a
conduta necessária para cada caso: internação hospitalar, referência ao pré-natal de alto risco ou
contrarreferência para acompanhamento pela atenção básica.

São fatores de risco:

o Síndromes hemorrágicas (incluindo descolamento prematuro de placenta, placenta prévia),


independentemente da dilatação cervical e da idade gestacional;

o Suspeita de pré-eclâmpsia: pressão arterial > 140/90, medida após um mínimo de 5 minutos
de repouso, na posição sentada. Quando estiver associada à proteinúria, pode-se usar o
teste rápido de proteinúria;

Obs.: Edema não é mais considerado critério diagnóstico (grau de recomendação C).

o Sinais premonitórios de eclâmpsia em gestantes hipertensas: escotomas cintilantes, cefaleia


típica occipital, epigastralgia ou dor intensa no hipocôndrio direito;

o Eclâmpsia (crises convulsivas em pacientes com pré-eclâmpsia);


ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

Por isso, o rastreamento para hepatite B deve ser oferecido para todas as mulheres grávidas,
a fim de oferecer vacinação para as mulheres susceptíveis e intervenções no pós-parto para
as mulheres infectadas, de modo a diminuir o risco de transmissão materno-fetal. Para isso, o
antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) deve ser solicitado nos exames pré-concepcionais,
na primeira consulta de pré-natal, e ser repetido no terceiro trimestre.

o Se for HBsAg reagente, solicite HBeAg e transaminases. A gestante com HBsAg reagente 195
e com HBeAg reagente deve ser encaminhada ao serviço de referência para gestação de
alto-risco;

o Toda gestante HBsAg não reagente e com idade abaixo de 20 anos deve receber a vacina
para hepatite B. Devemos coletar o anti-HbsAg em gestantes que não sabem se tomaram
a vacina. As gestantes com vacinação incompleta devem completar o esquema vacinal já
iniciado.

o Monitoramento do RN:

o Verifique se foi administrada no hospital a vacina para hepatite B a todos os RN de mães


HBsAg não reagente;

o Nos casos de mãe HBsAg reagente e HBeAg reagente, verifique se foi aplicada a 1ª dose da
vacina para hepatite B e a imunoglobulina específica contra a hepatite B, preferencialmente
nas primeiras 12 horas após o nascimento;

o Para o RN assintomático, complete as doses da vacina para hepatite B e, aos 9 e 15 meses,


solicite o anti-HbsAg;

o No caso de RN sintomático, encaminhe a criança ao serviço de referência. Verifique se o


bebê está sendo levado às consultas do serviço de referência e às consultas de puericultura
da UBS.

6.3.22 HIV

Desde a identificação do vírus da imunodeficiência humana (HIV), descrito como o responsável


pelas manifestações relacionadas à Aids, mais de 60 milhões de pessoas já foram infectadas no
mundo. De acordo com o Programa das Nações Unidas para a Aids, o número total de adultos e
crianças que vivem com HIV e Aids no mundo atingiu a cifra de 40 milhões em 2001, dos quais
90% viviam em países em desenvolvimento. Do total de atingidos, 37,1 milhões eram adultos e
18,5 milhões, mulheres.

No Brasil, de acordo com dados de estudos sentinelas, a infecção por HIV tem prevalência
de 0,61% na população entre 15 e 49 anos de idade e, em mulheres, de 0,41%. A transmissão
vertical (da mãe para o filho) pode ocorrer em qualquer momento da gestação, do parto e do
pós-parto, por meio do aleitamento materno.

Há evidências de que a maioria dos casos de transmissão vertical do HIV (cerca de 65%) ocorre
tardiamente na gestação e, principalmente, durante o trabalho de parto e no parto propriamente
Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica

dito, sendo estes momentos importantes para a profilaxia da transmissão vertical do HIV. Os
35% restantes ocorrem mediante transmissão intraútero, principalmente nas últimas semanas de
gestação. O aleitamento materno representa risco adicional de transmissão (de 7% a 22%), que
se renova a cada exposição da criança ao seio materno (mamada).

As taxas de transmissão vertical do HIV, sem qualquer intervenção durante a gestação,


196 situam-se entre 25% e 30%. Deste percentual, 25% referem-se à transmissão intraútero e 75% à
transmissão intraparto.

O primeiro estudo clínico que utilizou terapia antirretroviral (ARV) com o objetivo de reduzir
as taxas de transmissão vertical do HIV foi o Protocolo 076, do Pediatrics Aids Clinical Trial
Group (PACTG 076). Este foi um estudo randomizado, com placebo controlado, que utilizou um
protocolo constituído de zidovudina (AZT) oral a partir da 14ª semana, com AZT endovenoso (EV)
4 horas antes do parto e AZT por solução oral para o recém-nascido durante 6 semanas.

Esta intervenção reduziu a taxa de transmissão vertical do HIV em 67,5%. As taxas de transmissão
vertical foram de 25% no grupo placebo e de 8,3% no grupo que recebeu a intervenção com
AZT. No PACTG 076, o desenvolvimento de resistência viral à monoterapia com zidovudina
foi observado em aproximadamente 2,7% das pacientes. Em outros estudos, a longa duração
da monoterapia com AZT, associada à carga viral elevada, determinou o desenvolvimento de
mutações que conferem resistência à zidovudina.

Mais recentemente, em um estudo publicado em 2002, que avaliou 1.442 gestantes,


demonstraram-se as seguintes taxas de transmissão vertical: 20% na ausência de terapia
antirretroviral de alta potência para a Aids (Tarv), 10,4% com monoterapia de AZT, 3,8% na
terapia dupla e 1,2% nos esquemas altamente ativos, com combinação de três ARV.

Outros estudos mostraram que o uso de terapêutica antirretroviral, quando associada à cesárea
eletiva, pode diminuir as taxas de transmissão vertical do HIV para níveis em torno de 2%.

Resultado publicado no Boletim Epidemiológico AIDS/DST, divulgado pelo Ministério da Saúde


em dezembro de 2010, reforça a tendência de queda na incidência de casos de Aids em crianças
menores de cinco anos. Comparando-se os anos de 1999 e 2009, a redução chegou a 44,4%. O
resultado confirma a eficácia da política de redução da transmissão vertical do HIV instituída em
nosso País.

Fatores de risco para a transmissão vertical:

o Fatores virais, tais como a carga viral, o genótipo e o fenótipo viral;

o Fatores maternos, incluindo o estado clínico e imunológico, a presença de DST e outras


coinfecções, bem como o estado nutricional materno;

o Fatores comportamentais, como o uso de drogas e a prática sexual desprotegida;

o Fatores obstétricos, tais como a duração da ruptura das membranas amnióticas, a via de
parto e a presença de hemorragia intraparto;

o Fatores inerentes ao recém-nascido, tais como a prematuridade e o baixo peso ao nascer;

o O aleitamento materno.
ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

A carga viral materna elevada e o tempo prolongado de ruptura das membranas amnióticas
são reconhecidos como os principais fatores associados à transmissão vertical do HIV. A carga
viral nas secreções cervicovaginais e no leite materno tem se mostrado importante determinante
de risco de transmissão intraparto e pela amamentação, respectivamente. Bolsa rota por mais
de 4 horas aumenta progressivamente a taxa de transmissão (cerca de 2%, a cada hora, até 24
horas).
197
6.3.22.1 Amniorrexe prematura em mulheres portadoras de HIV

Existem evidências de que a prematuridade e o tempo de rotura de membranas estão associados


a maior risco de transmissão vertical do HIV. A taxa de transmissão aumenta progressivamente
após quatro horas de bolsa rota durante o trabalho de parto (cerca de 2%, a cada hora, até 24
horas). No entanto, não existem dados que possam definir, com segurança, a melhor conduta a
ser tomada quando a gestante portadora de HIV apresenta rotura de membranas antes da 34ª
semana de gestação. Portanto, a conduta deverá ser instituída conforme as rotinas previstas
para amniorrexe prematura nas mulheres em geral, buscando-se promover a maturidade fetal, a
redução dos riscos de transmissão perinatal do HIV e da morbimortalidade materna.

Diagnóstico e condutas:

Idealmente, o diagnóstico da infecção por HIV deveria ser realizado antes da gestação,
pois possibilitaria planejar a gravidez para um momento no qual a infecção materna estivesse
controlada. Recomenda-se a adoção de medidas precoces para reduzir a carga viral para níveis
indetectáveis antes que a mulher engravide. Além disso, neste caso, é importante melhorar as
condições imunológicas, conhecer o status sorológico das mulheres frente às principais doenças
infecciosas transmissíveis durante o ciclo gravídico-puerperal e realizar o diagnóstico e tratamento
das doenças sexualmente transmissíveis (DST). Com o planejamento e o acompanhamento
adequados, é possível que tal mulher tenha uma gestação com menor risco de transmissão
vertical de quaisquer agravos.

Quando a mulher inicia o pré-natal sem ter realizado exames pré-gestacionais, o teste anti-
HIV deve ser oferecido na primeira consulta de pré-natal e ser repetido no início do terceiro
trimestre gestacional, após consentimento e aconselhamento pré e pós-teste.

A gestante HIV positiva deverá ser encaminhada ao pré-natal de alto risco/Serviço de Atenção
Especializada em DST/Aids (SAE).

Os métodos laboratoriais capazes de auxiliar no diagnóstico da infecção pelo HIV têm sido
aprimorados ao longo dos últimos anos, o que tem permitido reduzir o período de janela
imunológica e aumentar a capacidade para detecção do HIV-1 e HIV-2, além de vários subtipos.

Os testes são baseados em diferentes métodos, incluindo imunoensaios e testes moleculares,


sendo o diagnóstico da infecção pelo HIV habitualmente realizado com base na detecção de
anticorpos anti-HIV e/ou na detecção do antígeno. Os ensaios imunoenzimáticos e os testes
rápidos para detecção de anticorpos anti-HIV são os mais utilizados para o diagnóstico e a
vigilância epidemiológica do HIV.

Resultados não reagentes:

A amostra com resultado não reagente na etapa 1 será definida como “amostra não reagente
Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica

para HIV”. Neste caso, o diagnóstico da infecção é concluído, não havendo necessidade
de realização de nenhum teste adicional, exceto pela suspeita de soroconversão (“janela
imunológica”). Caso exista suspeita de infecção pelo HIV, uma nova amostra deverá ser coletada
30 dias após a data da primeira. Este exame deverá ser novamente solicitado próximo à 30ª
semana gestacional.

198 Resultados reagentes:

O diagnóstico reagente da infecção pelo HIV deve ser realizado mediante pelo menos duas
etapas de testagem (etapas 1 e 2), em conformidade com os testes elencados nestas, os quais
possuem características indicadas para cada etapa, como a triagem e a confirmação. Portanto,
a amostra com resultado reagente no teste da etapa 1 deverá ser submetida à etapa 2. Para a
interpretação dos resultados e a liberação do laudo, são analisados, conjuntamente, os resultados
obtidos nos testes das etapas 1 e 2.

Diante de resultados reagentes, nos testes das etapas 1 e 2, o laboratório liberará o laudo como
“Amostra Reagente para HIV” e solicitará a coleta de uma segunda amostra para a comprovação
do resultado da primeira. Após a coleta, a segunda amostra deverá ser encaminhada ao laboratório
o mais rapidamente possível e submetida somente à etapa 1. Quando o resultado do teste com
a segunda amostra for reagente, o resultado deverá ser liberado como “Amostra Reagente para
HIV”. Neste caso, o diagnóstico estará definido e a gestante deverá ser encaminhada ao pré-natal
de alto risco/Serviço de Atenção Especializada em DST/Aids (SAE), para realizar aconselhamento
e ingressar no serviço.

Eventualmente, podem ocorrer resultados falsos positivos. A falsa positividade na testagem é


mais frequente na gestação do que em crianças, homens e mulheres não grávidas e pode ocorrer
em algumas situações clínicas, como no caso de doenças autoimunes. Nestas situações, a história
clínica das exposições de risco de transmissão do HIV e o resultado laboratorial devem orientar a
investigação. Para exclusão do diagnóstico da infecção pelo HIV, em casos de resultados suspeitos
de falsos positivos, a testagem deve ser repetida em uma nova amostra.

Resultados indeterminados:

Diante de um resultado indeterminado, a gestante deverá ser encaminhada ao pré-natal de


alto risco/Serviço de Atenção Especializada em DST/Aids (SAE).

Diagnóstico com testes rápidos:

A possibilidade de realização do diagnóstico da infecção pelo HIV em uma única consulta, com
o teste rápido, elimina a necessidade de retorno da gestante ao serviço de saúde para conhecer
seu estado sorológico e possibilita a acolhida imediata, no SUS, das gestantes que vivem com HIV.
Tais testes também não demandam uma estrutura laboratorial ou pessoal especializado.

Além da rapidez na determinação do estado sorológico (pois fornece o resultado em um


tempo inferior a 30 minutos), a eficiência, a confiabilidade e a boa relação custo-efetividade do
teste rápido já foram estabelecidas no Brasil. Segundo as novas regras, o diagnóstico rápido da
infecção pelo HIV é realizado exclusivamente com testes rápidos validados pelo Departamento
de DST, Aids e Hepatites Virais e distribuídos aos Estados pelo Ministério da Saúde.

Os testes rápidos devem ser realizados imediatamente após a coleta da amostra. Nestas
situações, a gestante deve aguardar o resultado, que será liberado prontamente. Atualmente, o
diagnóstico da infecção pelo HIV é realizado mediante um a dois diferentes testes rápidos.
ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

A amostra com resultado não reagente no teste rápido 1 (TR1) será definida como: “Amostra
Não Reagente para HIV”. Neste caso, o diagnóstico da infecção é concluído, não havendo a
necessidade da realização de nenhum teste adicional. Os fatores biológicos podem limitar a
precisão dos testes rápidos, o que também pode ocorrer com os testes convencionais usados em
laboratório. Todavia, se existir a suspeita de infecção pelo HIV, nova testagem deve ser realizada
após 30 dias.
199
Amostras com resultado reagente no TR1 deverão ser submetidas ao teste rápido 2 (TR2).
Quando disponível no serviço de saúde, o Imunoblot rápido também poderá ser utilizado como
TR2. Amostras com resultados reagentes no TR1 e no TR2 terão seu resultado definido como:
“Amostra Reagente para HIV”, sem a necessidade de nenhum teste adicional.

As amostras com resultados discordantes entre TR1 e TR2 não terão seu resultado definido.
Caso o diagnóstico definitivo não seja estabelecido, a gestante deverá ser encaminhada ao pré-
natal de alto risco/Serviço de Atenção Especializada em DST/Aids.

Quando iniciar a terapia antirretroviral:

No pré-natal de alto risco, medidas específicas deverão ser tomadas: detalhamento da história
clínica, incluindo presença de comorbidades e hábitos de vida; realização de exame físico,
com enfoque nos sinais clínicos sugestivos de manifestações da doença; avaliação laboratorial
específica; prevenção da tuberculose; orientação sobre as indicações e contraindicações de
vacinas; uso de antirretrovirais para profilaxia da transmissão vertical ou do tratamento da
infecção pelo HIV.

Toda gestante infectada pelo HIV deve receber Tarv durante a gestação; para isso, é necessário
detectar as dificuldades de compreensão e outros obstáculos à adesão ao tratamento, garantindo
o acesso da gestante às informações claras sobre:

o Os objetivos do tratamento;

o O significado dos exames de carga viral e de contagem de LT-CD4+;

o A necessidade de adesão ao regime terapêutico proposto;

o Os efeitos adversos potenciais para a mãe e o feto;

o Os medicamentos que compõem o esquema e seus mecanismos de ação;

o A importância de evitar o uso de bebidas alcoólicas e drogas recreacionais;

o A importância do uso sistemático de preservativos;

o A necessidade de realização periódica das consultas e dos exames de seguimento.

A indicação de Tarv na gestação pode ter dois objetivos: profilaxia da transmissão vertical ou
tratamento da infecção pelo HIV.

Gestantes assintomáticas com contagem de LT-CD4+>350 céls./mm³ têm baixo risco de


progressão para Aids e não seriam candidatas a receber esquema antirretroviral caso não
estivessem grávidas. Nestes casos, a terapia antirretroviral (Tarv) objetiva a prevenção da
transmissão vertical e está recomendada para gestantes que não possuem indicação de tratar a
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 53

5 Manejo integral: uso de


fluxogramas nas IST sintomáticas

As principais manifestações clínicas das IST são: corrimento vaginal, corrimento uretral, úlceras
genitais, DIP e verrugas anogenitais. Embora possam variar no tempo e por região, essas manifes-
tações têm agentes etiológicos bem estabelecidos, facilitando a escolha dos testes diagnósticos e do
tratamento.

Em locais com recursos limitados, é possível manejar o caso com ou sem laboratório básico. Na
situação em que não há laboratório, as condutas são acompanhadas de menor especificidade, existin-
do a possibilidade de tratamento desnecessário.

Mais de um antimicrobiano pode ser indicado quando a etiologia da síndrome assim o exigir,
reduzindo o potencial de complicações de manifestações clínicas específicas, como é o caso da DIP.
Existem situações (ex.: corrimento vaginal) em que são recomendados exame especular e testes mí-
nimos, sem os quais é impossível o adequado manejo do caso. Em outras (ex.: DIP), a conduta mais
indicada é a instituição de tratamento imediato, considerando-se a urgência da intervenção. As con-
dutas baseadas apenas no diagnóstico ou impressão clínica não são recomendadas, por causa de sua
baixa sensibilidade e especificidade.

Por essa razão, a atenção integral às pessoas com IST deve, idealmente, incluir também o diag-
nóstico de infecções assintomáticas (estratégias complementares), discutido anteriormente. Estudos
sobre a frequência dos agentes etiológicos nas diferentes síndromes são indispensáveis, devendo fazer
parte da vigilância epidemiológica sistemática em cada região.

O manejo de IST sintomáticas com uso de fluxograma, com e sem a utilização de testes labora-
toriais, é apresentado na Figura 5. As ações clínicas complementares têm tanta importância quanto o
diagnóstico e o tratamento adequado. Na sequência, o Quadro 11 apresenta as principais manifesta-
ções clínicas das IST e os respectivos agentes etiológicos.
54 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

Figura 5 – Manejo de IST sintomáticas com uso de fluxograma

Queixa de síndrome específica

Anamnese e exame físico

Identificação da síndrome

Não Presença de laboratório ? Sim

Fluxograma Fluxograma
sem laboratório com laboratório

Tratamento etiológico ou baseado na clínica


(para os principais agentes causadores da síndrome)

Informação/Educação em saúde
Oferta de preservativos e gel lubrificante
Oferta de testes para HIV e demais IST (sífilis, hepatite B, gonorreia e clamídia), quando disponíveis
Ênfase na adesão ao tratamento
Vacinação para HBV e HPV, conforme estabelecido
Oferta de profilaxia pós-exposição para o HIV, quando indicado
Oferta de profilaxia pós-exposição às IST em violência sexual
Notificação do caso, conforme estabelecido
Comunicação, diagnóstico e tratamento das parcerias sexuais (mesmo que assintomáticas)

Fonte: DDAHV/SVS/MS.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 55

Quadro 11 – Manifestações clínicas das IST e os respectivos agentes etiológicos


Agente etiológico Infecção

Chlamydia trachomatis LGV


Úlcera anogenital

Haemophilus ducrey Cancroide

Herpes simplex vírus (tipo 2) Herpes genitala

Klebsiela granulomatis Donovanose

Treponema pallidum Sífilis

Candida albicans Candidíase vulvovaginalb


uretral/vaginal
Corrimento

Chlamydia trachomatis Infecção por Clamídia

Neisseria gonorrhoeae Gonorreia

Trichomonas vaginalis Tricomoníase

Múltiplos agentes Vaginose bacterianab

Chlamydia trachomatis
Neisseria gonorrhoeae Endometrite, anexite, salpingite,
DIP

Bactérias facultativas anaeróbias (ex: Gardnerella vaginalis, miometrite, ooforite, parametrite,


Haemophilus influenza, Streptococcus agalactiae) pelviperitonite, abscesso tubo ovariano
Outros microrganismos
anogenital
Verruga

HPV Condiloma acuminadoa

Fonte: DDAHV/SVS/MS.

Notas:
a
não são infecções curáveis, porém tratáveis
b
são infecções endógenas do trato reprodutivo, que causam corrimento vaginal, não sendo consideradas IST

5.1 Corrimento vaginal

O corrimento vaginal é uma síndrome comum, que ocorre principalmente na idade reprodutiva,
podendo ser acompanhado de prurido, irritação local e/ou alteração de odor.

A investigação da história clínica deve ser minuciosa, com informações sobre comportamentos e prá-
ticas sexuais, características do corrimento, consistência, cor e odor, data da última menstruação, práticas
de higiene, agentes irritantes locais, medicamentos tópicos ou sistêmicos. Durante o exame físico, além das
características do corrimento, o profissional deve observar ainda a existência de ulcerações e/ou eritema.

É importante avaliar a percepção da mulher quanto à existência de corrimento vaginal fisiológico.


O termo Infecções do Trato Reprodutivo (ITR) é utilizado para descrever:

• Infecções endógenas (candidíase vulvovaginal e agentes da vaginose bacteriana);

• Infecções iatrogênicas (infecções pós-aborto, pós-parto);

• Infecções sexualmente transmissíveis (tricomoníase).


56 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

As infecções por C. trachomatis e N. gonorrhoeae em mulheres frequentemente não produzem


corrimento, sendo que as indicações para o seu manejo, diagnóstico e tratamento estão abordados em
capítulo específico deste protocolo. O texto a seguir tratará apenas dos corrimentos causados pelos
demais agentes etiológicos.

Todos os casos de corrimento vaginal são considerados como ITR. Entre elas, somente a tricomoníase
é considerada uma IST. As pessoas com queixa de corrimento vaginal, ao procurarem um serviço de
saúde, devem ser bem esclarecidas sobre essas diferenças. O diagnóstico de uma IST tem implicações que
estão ausentes nas infecções endógenas ou iatrogênicas, como, por exemplo, a necessidade de tratamento de
parcerias sexuais. Casos de violência doméstica e outros impactos sobre o relacionamento entre parcerias
sexuais são comuns, quando uma infecção endógena ou iatrogênica é erroneamente rotulada como uma IST.

5.1.1 Etiologia do corrimento vaginal

O corrimento vaginal ocorre por múltiplos agentes etiológicos, que incluem:

• Vaginose bacteriana: decorrente do desequilíbrio da microbiota vaginal, sendo causada pelo


crescimento excessivo de bactérias anaeróbias (Prevotella sp., G. vaginalis, Ureaplasma sp. e
Mycoplasma sp.);

• Candidíase vulvovaginal: causada por Candida spp. (geralmente C. albicans e C. glabrata);

• Tricomoníase: causada por T. vaginalis.

As causas não infecciosas do corrimento vaginal incluem: material mucoide fisiológico, vaginite
inflamatória descamativa, vaginite atrófica (mulheres na pós-menopausa), presença de corpo estranho,
entre outros. Outras patologias podem causar prurido vulvovaginal sem corrimento, como dermatites
alérgicas ou irritativas (sabonetes, perfumes, látex) ou doenças da pele (líquen simples crônico, psoríase).

A mulher pode apresentar concomitantemente mais de uma infecção, ocasionando assim corri-
mento de aspecto inespecífico.

5.1.2 Aspectos específicos do corrimento vaginal

5.1.2.1 Candidíase vulvovaginal

É a infecção da vulva e vagina, causada por um fungo comensal que habita a mucosa vaginal e
digestiva, o qual cresce quando o meio se torna favorável ao seu desenvolvimento. A relação sexual
não é a principal forma de transmissão, visto que esses microrganismos podem fazer parte da flora
endógena em até 50% das mulheres assintomáticas. Cerca de 80% a 90% dos casos são devidos à C.
albicans e de 10% a 20% a outras espécies (C. tropicalis, C. glabrata, C. krusei, C. parapsilosis).

Embora a candidíase vulvovaginal não seja transmitida sexualmente, é vista com maior frequência
em mulheres em atividade sexual, provavelmente, devido a microrganismos colonizadores que
penetram no epitélio via microabrasões.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 57

Os sinais e sintomas podem se apresentar isolados ou associados, e incluem:

• Prurido vulvovaginal (principal sintoma, e de intensidade variável);

• Disúria;

• Dispareunia;

• Corrimento branco, grumoso e com aspecto caseoso (“leite coalhado”);

• Hiperemia;

• Edema vulvar;

• Fissuras e maceração da vulva;

• Placas brancas ou branco-acinzentadas, recobrindo a vagina e colo uterino.

Existem fatores que predispõem à infecção vaginal por Candida sp., entre os quais podem-se destacar:

• Gravidez;

• Diabetes mellitus (descompensado);

• Obesidade;

• Uso de contraceptivos orais;

• Uso de antibióticos, corticoides, imunossupressores ou quimio/radioterapia;

• Hábitos de higiene e vestuário que aumentem a umidade e o calor local;

• Contato com substâncias alergênicas e/ou irritantes (ex.: talcos, perfumes, sabonetes ou deso-
dorantes íntimos);

• Alterações na resposta imunológica (imunodeficiência), incluindo a infecção pelo HIV.

As parcerias sexuais não precisam ser tratadas, exceto os sintomáticos (uma minoria de parceiros se-
xuais do sexo masculino que podem apresentar balanite e/ou balanopostite, caracterizada por áreas eri-
tematosas na glande do pênis, prurido ou irritação, têm indicação de tratamento com agentes tópicos).

A candidíase vulvovaginal recorrente (quatro ou mais episódios sintomáticos em um ano)


afeta cerca de 5% das mulheres em idade reprodutiva. Nesses casos, devem-se investigar causas sis-
têmicas predisponentes, tais como diabetes mellitus, infecção pelo HIV, uso de corticoide sistêmico
e imunossupressão. Entre mulheres vivendo com HIV, baixas contagens de linfócitos T-CD4+ e altas
cargas virais estão associadas com incidência aumentada de vulvovaginite por Candida spp. O trata-
mento é o mesmo recomendado para pacientes não infectados pelo HIV.

Os episódios respondem bem ao tratamento oral de curta duração ou terapia tópica. No entanto,
para evitar os episódios de recorrência, recomenda-se terapia de manutenção, conforme esquema
apresentado no Quadro 12.
58 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

O diagnóstico do corrimento vaginal pode ser realizado por teste do pH vaginal, em que são mais comuns valores
< 4,5, e/ou por bacterioscopia, com a visualização de leveduras e/ou pseudo-hifas.

5.1.2.2 Vaginose bacteriana


É caracterizada por um desequilíbrio da microbiota vaginal normal, com diminuição acentuada
ou desaparecimento de lactobacilos acidófilos (Lactobacillus spp) e aumento de bactérias anaeróbias
(Prevotella sp. e Mobiluncus sp.), G. vaginalis, Ureaplasma sp., Mycoplasma sp., e outros. É a causa mais
comum de corrimento vaginal, afetando cerca de 10% a 30% das gestantes e 10% das mulheres aten-
didas na atenção básica. Em alguns casos, pode ser assintomática.

Os sinais e sintomas incluem:

• Corrimento vaginal fétido, mais acentuado após a relação sexual sem o uso do preservativo, e
durante o período menstrual;

• Corrimento vaginal branco-acinzentado, de aspecto fluido ou cremoso, algumas vezes bolhoso;

• Dor à relação sexual (pouco frequente).

Não é uma infecção de transmissão sexual, mas pode ser desencadeada pela relação sexual em
mulheres predispostas (o contato com o esperma, que apresenta pH elevado, contribui para o desequi-
líbrio da microbiota vaginal). O uso de preservativo pode ter algum benefício nos casos recidivantes.

A vaginose bacteriana aumenta o risco de aquisição das IST (incluindo o HIV), e pode trazer
complicações às cirurgias ginecológicas e à gravidez (associada com ruptura prematura de membra-
nas, corioamnionite, prematuridade e endometrite pós-cesárea). Quando presente nos procedimen-
tos invasivos, como curetagem uterina, biópsia de endométrio e inserção de dispositivo intrauterino
(DIU), aumenta o risco de DIP.

O tratamento deve ser recomendado para mulheres sintomáticas, grávidas, que apresentem
co­morbidades ou potencial risco de complicações (previamente à inserção de DIU, cirurgias
ginecológicas e exames invasivos no trato genital).

O diagnóstico clínico-laboratorial de vaginose bacteriana se confirma quando estiverem presen-


tes três dos critérios de Amsel):

• Corrimento vaginal homogêneo, geralmente acinzentado e de quantidade variável;

• pH vaginal > 4,5;

• Teste de Whiff ou teste da amina (KOH 10%) positivo;

• Presença de clue cells na bacterioscopia corada por Gram.

5.1.2.3 Tricomoníase

A tricomoníase é causada pelo T. vaginalis (protozoário flagelado), tendo como reservatório o


colo uterino, a vagina e a uretra. A prevalência varia entre 10% a 35%, conforme a população estudada
e o método diagnóstico.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 59

Os sinais e sintomas são:

• Corrimento abundante, amarelado ou amarelo esverdeado, bolhoso;

• Prurido e/ou irritação vulvar;

• Dor pélvica (ocasionalmente);

• Sintomas urinários (disúria, polaciúria);

• Hiperemia da mucosa (colpite difusa e/ou focal, com aspecto de framboesa).

O diagnóstico da tricomoníase é feito por meio da visualização dos protozoários móveis em ma-
terial do ectocérvice, por exame bacterioscópico a fresco ou pela coloração de Gram, Giemsa, Papa-
nicolaou, entre outras.

Na tricomoníase vaginal pode haver alterações morfológicas celulares, alterando a classe do exame citopatológi-
co, o qual deve ser repetido três meses após o tratamento para avaliar a persistência das alterações.

5.1.3 Métodos diagnósticos para corrimento vaginal

Os exames mais utilizados para o diagnóstico das infecções vaginais são:

1. pH vaginal: normalmente é menor que 4,5, sendo os Lactobacillus spp. predominantes na flora
vaginal. Esse método utiliza fita de pH na parede lateral vaginal, comparando a cor resultante do
contato do fluido vaginal com o padrão da fita. Seguem os valores e as infecções correspondentes:

pH > 4,5: vaginose bacteriana ou tricomoníase


pH < 4,5: candidíase vulvovaginal

2. Teste de Whiff (teste das aminas ou “do cheiro”): coloca-se uma gota de KOH a 10% sobre
o conteúdo vaginal depositado numa lâmina de vidro. Se houver “odor de peixe”, o teste é
considerado positivo e sugestivo de vaginose bacteriana.

3. Exame a fresco: em lâmina de vidro, faz-se um esfregaço com amostra de material vaginal e
uma gota de salina, cobrindo-se a preparação com lamínula. O preparado é examinado sob
objetiva com aumento de 400x, observando-se a presença de leucócitos, células parabasais,
Trichomonas sp. móveis, leveduras e/ou pseudo-hifas.

Os leucócitos estão presentes em secreções vaginais de mulheres com candidíase vulvovaginal


e tricomoníase.

4. Bacterioscopia por coloração de Gram: a presença de clue cells, células epiteliais escamosas de
aspecto granular pontilhado e bordas indefinidas cobertas por pequenos e numerosos cocoba-
cilos, é típica de vaginose bacteriana.
60 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

Para mais informações sobre os métodos diagnósticos para corrimento vaginal, consultar o
manual da OMS, traduzido para o português – “Diagnóstico Laboratorial de Doenças Sexualmente
Transmissíveis, incluindo o Vírus da Imunodeficiência Humana”, disponível em <http://www.aids.gov.
br/pagina/publicacoes>, e as aulas do Telelab, disponíveis em <http://telelab.aids.gov.br>.

5.1.4 Fluxograma para o manejo de corrimento vaginal

A Figura 6 apresenta fluxograma para o manejo do corrimento vaginal.

Figura 6 – Manejo de corrimento vaginal com uso de fluxograma

Queixa de corrimento vaginal

Anamnese e exame ginecológico


(toque e exame especular)

Corrimento vaginal
confirmado

Não Microscopia disponível? Sim

Fluxograma com pH e teste Fluxograma laboratorial


KOH 10% (microscopia)

pH vaginal e/ou KOH a 10% Coleta de material para microscopia

pH > 4,5 e/ou KOH (+) pH < 4,5 e/ou KOH (-) Presença de hifas Presença de clue cells Presença de Tricomonas sp.

Não Corrimento Sim


grumoso ou eritema vulvar

Tratar Vaginose
Causa fisiológica Tratar Candidíase Tratar Vaginose Bacteriana Tratar Tricomoníase
Bacteriana e Tricomoníase

Informação/Educação em saúde
Oferta de preservativos e gel lubrificante
Oferta de testes para HIV e demais IST (sífilis, hepatite B, gonorreia e clamídia), quando disponíveis
Ênfase na adesão ao tratamento
Vacinação para HBV e HPV, conforme estabelecido
Oferta de profilaxia pós-exposição para o HIV, quando indicado
Oferta de profilaxia pós-exposição às IST em violência sexual
Notificação do caso, conforme estabelecido
Comunicação, diagnóstico e tratamento das parcerias sexuais (mesmo que assintomáticas)

Fonte: DDAHV/SVS/MS.
66 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

5.2.5 Tratamento para corrimento uretral

O Quadro 13 resume os tratamentos para o corrimento uretral.

Quadro 13 – Tratamento para corrimento uretral


Tratamento de escolha

Ciprofloxacinaa 500 mg, 1 comprimido, VO, dose única,


MAIS
Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única
Uretrite gonocócica OU
e por clamídia não
Ceftriaxonab,c 500 mg, IM, dose única
complicada (uretrite
e proctite) MAIS
Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única
Em menores de 18 anos e gestantes:
A ciprofloxacina é contraindicada, sendo a ceftriaxonac o medicamento de escolha

Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única


OU
Uretrite por clamídia  Doxiciclina 100 mg, VO, 2x dia, por 7 dias
OU
Amoxicilina 500 mg, VO, 3x dia, por 7 dias

Uretrite por
Mycoplasma Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única
genitalium

Fonte: DDAHV/SVS/MS.
a
O uso da ciprofloxacina está contraindicado nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo,
considerando estudos realizados nos últimos anos, os quais demonstraram a circulação de cepas de gonococos
com taxas de resistência antimicrobiana igual ou maior que 5%, limite determinado internacionalmente para
aceitação do uso de um antibiótico.
b
A recomendação é que nos estados acima não mais se utilize a ciprofloxacina, substituindo o tratamento pela
ceftriaxona, opção terapêutica disponível na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 2013 (Rename,
2013). A alternativa terapêutica de eficácia semelhante à ceftriaxona injetável é a cefixima oral. No entanto, a
cefixima oral não está disponível no mercado nacional e não dispõe de registro válido na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
c
Na indisponibilidade de ceftriaxona, poderá ser utilizada outra cefalosporina de terceira geração no
tratamento de infecção pelo gonococo, como a cefotaxima 1.000 mg, IM, dose única.

5.3 Úlcera genital

As úlceras genitais representam síndrome clínica produzida por agentes infecciosos sexualmente
transmissíveis e que se manifestam como lesões ulcerativas erosivas, precedidas ou não por pústulas
e/ou vesículas, acompanhadas ou não de dor, ardor, prurido, drenagem de material mucopurulento,
sangramento e linfadenopatia regional.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 67

5.3.1 Etiologia da úlcera genital

Os agentes etiológicos infecciosos mais comuns nas úlceras genitais são:

• T. pallidum (sífilis primária e secundária);

• HSV-1 e HSV-2 (herpes perioral e genital, respectivamente);

• H. ducreyi (cancroide);

• C. trachomatis, sorotipos L1, L2 e L3 (LGV);

• K. granulomatis (donovanose).

Esses agentes podem ser encontrados isoladamente ou em associação em uma mesma lesão,
como, por exemplo, úlcera genital por T. pallidum e HSV-2. A prevalência dos agentes etiológicos
sofre influência de fatores geográficos, socioeconômicos, múltiplas parcerias sexuais, uso de drogas,
entre outros.

A presença de úlcera genital está associada a elevado risco de transmissão e aquisição do HIV e
tem sido descrita como a principal causa para a difusão do vírus nas populações de maior vulnerabili-
dade; portanto, o diagnóstico e tratamento imediato dessas lesões constitui uma medida de prevenção
e controle da epidemia de HIV.

5.3.2 Aspectos específicos das úlceras genitais

Os aspectos clínicos das úlceras genitais são bastante variados e têm baixa relação de sensibilidade
e especificidade com o agente etiológico, mesmo nos casos considerados clássicos. O diagnóstico com
base na impressão clínica apresentou valores preditivos positivos muito baixos – 30,9% para sífilis e
32,7% para cancroide – por ocasião do estudo de validação da abordagem sindrômica no Brasil.

Embora a úlcera genital esteja frequentemente associada às IST na população sexualmente ativa,
em particular nos adolescentes e adultos jovens, a queixa de úlcera genital não é exclusividade das
IST e pode estar associada com infecções inespecíficas por fungos, vírus ou bactérias (ex.: dermatoses
bolhosas, como o pênfigo, o eritema multiforme e a dermatite de contato; líquen plano erosivo; aftas;
lesões traumáticas; erupção fixa por drogas e até mesmo lesões malignas, como o carcinoma espino-
celular). Em pelo menos 25% dos pacientes com úlcera genital não há confirmação laboratorial do
agente etiológico.

5.3.2.1 Sífilis primária e secundária

A sífilis primária, também conhecida como “cancro duro”, ocorre após o contato sexual com o
indivíduo infectado. O período de incubação é de 10 a 90 dias (média de três semanas). A primeira
manifestação é caracterizada por uma úlcera, geralmente única, que ocorre no local de entrada da
bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais do tegumento), indolor, com
68 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

base endurecida e fundo limpo, rica em treponemas. Esse estágio pode durar entre duas e seis sema-
nas, desaparecendo espontaneamente, independentemente de tratamento.

A sífilis secundária surge em média entre seis semanas e seis meses após a infecção. Podem ocorrer
erupções cutâneas em forma de máculas (roséola) e/ou pápulas, principalmente no tronco; eritemata
palmo-plantares; placas eritematosas branco-acinzentadas nas mucosas; lesões pápulo-hipertróficas
nas mucosas ou pregas cutâneas (condiloma plano ou condiloma lata); alopécia em clareira e ma-
darose. A sintomatologia pode desaparecer espontaneamente em poucas semanas. Mais raramente,
observa-se comprometimento hepático, quadros meníngeos e/ou até oculares, em geral uveítes.

Para mais informações, consultar o Capítulo 6 deste PCDT, que aborda o tema sífilis detalhada-
mente, e também o “Manual Técnico para o Diagnóstico da Sífilis”, disponível em <http://www.aids.
gov.br/pagina/publicacoes>, e as aulas do Telelab, disponíveis em <http://telelab.aids.gov.br.>

5.3.2.2 Herpes genital

Os HSV tipos 1 e 2 pertencem à família Herpesviridae, da qual fazem parte o citomegalovírus


(CMV), o vírus da varicela zoster, o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes humano 8. Todos são DNA-
-vírus que variam quanto à composição química e podem ser diferenciados por técnicas imunológi-
cas. Embora os HSV-1 e HSV-2 possam provocar lesões em qualquer parte do corpo, há predomínio
do tipo 2 nas lesões genitais e do tipo 1 nas lesões periorais.

As manifestações da infecção pelo HSV podem ser divididas em primoinfecção herpética e surtos
recidivantes. Sabe-se que muitas pessoas que adquirem a infecção por HSV nunca desenvolverão ma-
nifestações e que a proporção de infecções sintomáticas é estimada entre 13% e 37%. Entre as pessoas
com infecção pelo HIV, as manifestações tendem a ser dolorosas, atípicas e de maior duração.

A primoinfecção herpética tem um período de incubação médio de seis dias. Em geral, é uma mani-
festação mais severa caracterizada pelo surgimento de lesões eritemato-papulosas de um a três milíme-
tros de diâmetro, que rapidamente evoluem para vesículas sobre base eritematosa, muito dolorosas e de
localização variável na região genital. O conteúdo dessas vesículas é geralmente citrino, raramente turvo.

O quadro local na primoinfecção costuma ser bastante sintomático e, na maioria das vezes, é
acompanhado de sintomas gerais, podendo cursar com febre, mal-estar, mialgia e disúria, com ou
sem retenção urinária. Em especial, nas mulheres, pode simular quadro de infeção urinária baixa. A
linfadenomegalia inguinal dolorosa bilateral está presente em 50% dos casos.

Quando há acometimento do colo do útero, é comum o corrimento vaginal, que pode ser abun-
dante. Entre os homens, o acometimento da uretra pode provocar corrimento uretral e raramente é
acompanhado de lesões extragenitais. O quadro pode durar de duas a três semanas.

Após a infecção genital, o HSV ascende pelos nervos periféricos sensoriais, penetra nos núcleos
das células dos gânglios sensitivos e entra em um estado de latência. A ocorrência de infecção do gân-
glio sensitivo não é reduzida por qualquer medida terapêutica.

Após a infecção genital primária por HSV-2 ou HSV-1, respectivamente, 90% e 60% dos pacien-
tes desenvolvem novos episódios nos primeiros 12 meses, por reativação viral. Essa reativação pode
dever-se a quadros infecciosos, exposição a radiação ultravioleta, traumatismos locais, menstruação,
estresse físico ou emocional, antibioticoterapia prolongada e/ou imunodeficiência.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 69

O quadro clínico das recorrências é menos intenso que o observado na primoinfecção e pode ser
precedido de sintomas prodrômicos característicos, como prurido leve ou sensação de “queimação”,
mialgias e “fisgadas” nas pernas, quadris e região anogenital.

A recorrência tende a ser na mesma localização da lesão inicial, geralmente, em zonas iner-
vadas pelos nervos sensitivos sacrais. As lesões podem ser cutâneas e/ou mucosas. Apresentam-se
como vesículas agrupadas sobre base eritematosa, que evoluem para pequenas úlceras arredon-
dadas ou policíclicas. Nas mucosas, não é comum a evidenciação das vesículas, uma vez que seus
tetos rompem muito facilmente. Mais raramente, a ocorrência de lesões pode ser acompanhada
de sintomas gerais. As lesões têm regressão espontânea em sete a dez dias, com ou sem cicatriz. A
tendência natural dos surtos é a de se tornarem menos intensos e menos frequentes com o passar
do tempo.

As gestantes portadoras de herpes simples apresentam risco acrescido de complicações obstétri-


cas, sobretudo quando a infecção ocorre no final da gestação. O maior risco de transmissão do vírus
acontece no momento da passagem do feto pelo canal de parto. A infecção pode ser ativa (em apro-
ximadamente 50% dos casos) ou assintomática. Recomenda-se, portanto, a realização de cesariana
sempre que houver lesões herpéticas ativas.

Nos pacientes com imunodepressão, podem ocorrer manifestações atípicas com lesões ulceradas
ou hipertróficas, apresentando grandes dimensões e persistindo na ausência de tratamento local ou
até mesmo sistêmico. Os diagnósticos diferenciais incluem o cancroide, a sífilis, o LGV, a donovanose
e as ulcerações traumáticas.

5.3.2.3 Cancroide

O cancroide é uma afecção de transmissão exclusivamente sexual, provocada pelo H. ducreyi,


mais frequente nas regiões tropicais. Caracteriza-se por lesões múltiplas (podendo, no entanto, haver
uma única lesão) e habitualmente dolorosas, mais frequentes no sexo masculino. Denomina-se tam-
bém cancro mole, cancro venéreo ou cancro de Ducrey. O período de incubação é geralmente de três
a cinco dias, podendo se estender por até duas semanas. O risco de infecção em uma relação sexual é
de 80%.

As lesões são dolorosas, geralmente múltiplas e devidas à autoinoculação. A borda é irregular, apre-
sentando contornos eritemato-edematosos e fundo irregular, recoberto por exsudato necrótico, amare-
lado, com odor fétido e que, quando removido, revela tecido de granulação com sangramento fácil.

No homem, as localizações mais frequentes são no frênulo e sulco bálano-prepucial; na mu-


lher, na fúrcula e face interna dos pequenos e grandes lábios. Em 30% a 50% dos pacientes, o ba-
cilo atinge os linfonodos inguino-crurais (bubão), sendo unilaterais em 2/3 dos casos, observados
quase exclusivamente no sexo masculino pelas características anatômicas da drenagem linfática.
No início, ocorre tumefação sólida e dolorosa, evoluindo para liquefação e fistulização em 50% dos
casos, tipicamente por orifício único. Raramente, apresenta-se sob a forma de lesão extragenital ou
doença sistêmica.

A drenagem espontânea, quando ocorre, faz-se tipicamente por orifício único. A cicatrização
pode ser desfigurante. A aspiração, com agulha de grosso calibre, dos gânglios linfáticos regionais
comprometidos, pode ser indicada para alívio de linfonodos tensos e com flutuação. São contraindi-
cadas a incisão com drenagem ou excisão dos linfonodos acometidos.
70 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

O diagnóstico diferencial é feito com cancro duro (sífilis primária), herpes genital, LGV, donova-
nose e erosões traumáticas infectadas.

5.3.2.4 Linfogranumoma venéreo (LGV)

O LGV é causado por C. trachomatis, sorotipos L1, L2 e L3. A manifestação clínica mais comum
do LGV é a linfadenopatia inguinal e/ou femoral, já que esses sorotipos são altamente invasivos aos
tecidos linfáticos. Os últimos surtos entre HSH estão relacionados ao HIV.

A evolução da infecção ocorre em três fases: inoculação, disseminação linfática regional e seque-
las, que são descritas a seguir:

• Fase de inoculação: inicia-se por pápula, pústula ou exulceração indolor, que desaparece sem
deixar sequela. Muitas vezes, não é notada pelo paciente e raramente é observada pelo profis-
sional de saúde. Localiza-se, no homem, no sulco coronal, frênulo e prepúcio; na mulher, na
parede vaginal posterior, colo uterino, fúrcula e outras partes da genitália externa;

• Fase de disseminação linfática regional: no homem, a linfadenopatia inguinal desenvolve-se


entre uma a seis semanas após a lesão inicial, sendo geralmente unilateral (em 70% dos casos)
e constituindo-se o principal motivo da consulta. Na mulher, a localização da adenopatia de-
pende do local da lesão de inoculação;

• Fase de sequelas: o comprometimento ganglionar evolui com supuração e fistulização por


orifícios múltiplos, que correspondem a linfonodos individualizados, parcialmente, fundidos
numa grande massa. A lesão da região anal pode levar a proctite e proctocolite hemorrágica. O
contato orogenital pode causar glossite ulcerativa difusa, com linfadenopatia regional. Podem
ocorrer sintomas gerais, como febre, mal-estar, anorexia, emagrecimento, artralgia, sudorese
noturna e meningismo. Aqueles bubões que se tornarem flutuantes podem ser aspirados com
agulha calibrosa, não devendo ser incisados cirurgicamente. A obstrução linfática crônica leva
à elefantíase genital, que na mulher é denominada estiomene. Além disso, podem ocorrer fís-
tulas retais, vaginais, vesicais e estenose retal.

Recomenda-se a pesquisa de C. trachomatis em praticantes de sexo anal que apresentem úlceras


anorretais. Mulheres com prática de coito anal ou HSH receptivos podem apresentar proctocolites
como manifestação inicial. O uso de preservativos ou outros métodos de barreira para sexo oral,
vaginal e anal previnem a infecção por C. trachomatis. Acessórios sexuais devem ser limpos antes da
utilização, sendo necessariamente de uso individual.

O diagnóstico de LGV deve ser considerado em todos os casos de adenite inguinal, elefantíase
genital, estenose uretral ou retal.

5.3.2.5 Donovanose

É uma IST crônica progressiva, causada pela bactéria K. granulomatis. Acomete preferencialmen-
te pele e mucosas das regiões genitais, perianais e inguinais. É pouco frequente, ocorrendo na maioria
das vezes em climas tropicais e subtropicais. A donovanose (granuloma inguinal) está frequentemente
associada à transmissão sexual, embora os mecanismos de transmissão não sejam bem conhecidos,
com transmissibilidade baixa.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 71

O quadro clínico inicia-se com ulceração de borda plana ou hipertrófica, bem delimitada, com
fundo granuloso, de aspecto vermelho vivo e de sangramento fácil. A ulceração evolui lenta e pro-
gressivamente, podendo tornar-se vegetante ou úlcero-vegetante. As lesões costumam ser múltiplas,
sendo frequente a configuração em “espelho”, em bordas cutâneas e/ou mucosas.

Há predileção pelas regiões de dobras e região perianal. Não ocorre adenite, embora raramente
possam se formar pseudobubões (granulações subcutâneas) na região inguinal, quase sempre unilate-
rais. Na mulher, a forma elefantiásica é uma sequela tardia, sendo observada quando há predomínio
de fenômenos obstrutivos linfáticos. A localização extragenital é rara e, quase sempre, ocorre a partir
de lesões genitais ou perigenitais primárias.

O diagnóstico diferencial de donovanose inclui sífilis, cancroide, tuberculose cutânea, amebíase


cutânea, neoplasias ulceradas, leishmaniose tegumentar americana e outras doenças cutâneas ulcera-
tivas e granulomatosas.

5.3.3 Métodos diagnósticos para úlceras genitais

Sempre que houver disponibilidade, deve-se fazer o exame a fresco do exsudato da lesão.

O exame em campo escuro permite a pesquisa do T. pallidum e pode ser realizado tanto com
amostras obtidas nas lesões primárias, como nas lesões secundárias da sífilis, em adultos ou em crian-
ças. A amostra utilizada é o exsudato seroso das lesões ativas, livre de eritrócitos, outros organismos
e restos de tecido. Esse método possui sensibilidade variando de 74% a 86% e sua especificidade pode
alcançar 97%, dependendo da experiência do técnico que realiza o exame.

O material é levado ao microscópio com condensador de campo escuro, permitindo a visualiza-


ção do T. pallidum vivo e móvel, devendo ser analisado imediatamente após a coleta da amostra. Os
outros agentes que causam úlceras genitais também podem ter o diagnóstico presuntivo realizado por
meio de biologia molecular (NAAT)7 e exames bacterioscópicos que utilizam as colorações de Gram
e Giemsa.

Para mais informações sobre o diagnóstico laboratorial de úlceras genitais, consultar o manual da
OMS, traduzido para o português – “Diagnóstico Laboratorial de Doenças Sexualmente Transmissí-
veis, incluindo o Vírus da Imunodeficiência Humana”, disponível em <http://www.aids.gov.br/pagina/
publicacoes>, e as aulas do Telelab, disponíveis em <http://telelab.aids.gov.br>.

5.3.4 Fluxograma para o manejo de úlcera genital

Nos casos em que a úlcera genital seja claramente diagnosticada como uma IST, o paciente deve
ser manejado adequadamente, segundo o fluxograma da Figura 8. Considerando a importância para a
saúde pública, no caso de dúvida sobre a hipótese diagnóstica e ausência de laboratório, o tratamento
da úlcera genital como IST deve ser privilegiado.

7
Não está disponível no SUS até o momento.
72 Ministério da Saúde • Secretaria de Vigilância em Saúde • Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

Figura 8 – Manejo de úlcera genital com uso de fluxograma


Úlcera genital presente

Não IST como causa provável? Sim

Não Laboratório disponivel? Sim


Referenciar

Lesões com mais Não


História ou evidência Sim Coleta de material para
Sim
de 4 semanas ? de lesões vesiculosas? microscopia (Gram e Giemsa)
e campo escuro
Biologia molecular,
quando disponível

Identificação Sugestivo de Sugestivo de Sugestivo de


de T. pallidum H.ducrey HSV K. granulomatis

Tratar Sífilis, Tratar Sífilis e Tratar Tratar Sífilis Tratar Tratar Tratar
Cancróide e Cancróide Herpes genital primária/secundária Cancróide Herpes genital Donovanose
Donovanose
Realizar biópsia

Não Sinais e sintomas persistem após 14 dias ? Sim

Alta Referenciar

Informação/Educação em saúde
Oferta de preservativos e gel lubrificante
Oferta de testes para HIV e demais IST (sífilis, hepatite B, gonorreia e clamídia), quando disponíveis
Ênfase na adesão ao tratamento
Vacinação para HBV e HPV, conforme estabelecido
Oferta de profilaxia pós-exposição para o HIV, quando indicado
Oferta de profilaxia pós-exposição às IST em violência sexual
Notificação do caso, conforme estabelecido
Comunicação, diagnóstico e tratamento das parcerias sexuais (mesmo que assintomáticas)

Fonte: DDAHV/SVS/MS.
7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

Diretrizes

Capítulo 1 - Conceituação, Epidemiologia e As taxas de mortalidade têm apresentado redução ao


longo dos anos, com exceção das doenças hipertensivas
Prevenção Primária (DH), que aumentou entre 2002 e 2009 e mostrou
tendência a redução desde 2010. As taxas de DH no período
Conceituação oscilaram de 39/100.000 habitantes (2000) para 42/100.000
Hipertensão arterial (HA) é condição clínica multifatorial habitantes. As doenças isquêmicas do coração (DIC) saíram
caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos de 120,4/100.000 habitantes (2000) para 92/100.000
≥ 140 e/ou 90 mmHg . Frequentemente se associa a habitantes (2013), e as doenças cerebrovasculares (DCbV)
distúrbios metabólicos, alterações funcionais e/ou estruturais saíram de 137,7/100.000 habitantes (2000) para 89/100.000
de órgãos-alvo, sendo agravada pela presença de outros habitantes (2013); também houve redução da IC congestiva
fatores de risco (FR), como dislipidemia, obesidade (ICC), que variou de 47,7/100.000 habitantes (2000) para
abdominal, intolerância à glicose e diabetes melito (DM).1,2 24,3/100.000 habitantes (2013)9 (Figura 2).
Mantém associação independente com eventos como morte As DCV são ainda responsáveis por alta frequência de
súbita, acidente vascular encefálico (AVE), infarto agudo do internações, com custos socioeconômicos elevados. Dados
miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca (IC), doença arterial do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único
periférica (DAP) e doença renal crônica (DRC), fatal e não de Saúde (SUS) apontam significativa redução da tendência
fatal.1-4 de internação por HA, de 98,1/100.000 habitantes em 2000
para 44,2/100.000 habitantes em 2013.
Impacto médico e social da hipertensão arterial Taxas históricas de hospitalização por DCV por região
Dados norte-americanos de 2015 revelaram que HA são apresentadas na Figura 3, com redução para DH e
estava presente em 69% dos pacientes com primeiro manutenção da estabilidade ou tendência a redução para
episódio de IAM, 77% de AVE, 75% com IC e 60% com AVE, embora indique aumento das internações por DIC.
DAP.5 A HA é responsável por 45% das mortes cardíacas e
51% das mortes decorrentes de AVE.6 Prevalência de hipertensão arterial
A prevalência de HA no Brasil varia de acordo com a
Hipertensão arterial e doença cardiovascular no Brasil população estudada e o método de avaliação (Tabela 1).
No Brasil, HA atinge 32,5% (36 milhões) de indivíduos Na meta-análise de Picon et al., os 40 estudos transversais
adultos, mais de 60% dos idosos, contribuindo direta e de coorte incluídos mostraram tendência à diminuição
ou indiretamente para 50% das mortes por doença da prevalência nas últimas três décadas, de 36,1% para
cardiovascular (DCV).7 Junto com DM, suas complicações 31,0%.10 Estudo com 15.103 servidores públicos de seis
(cardíacas, renais e AVE) têm impacto elevado na perda da capitais brasileiras observou prevalência de HA em 35,8%,
produtividade do trabalho e da renda familiar, estimada em com predomínio entre homens (40,1% vs 32,2%).11
US$ 4,18 bilhões entre 2006 e 2015.8 Dados do VIGITEL (2006 a 2014) indicam que a
Em 2013 ocorreram 1.138.670 óbitos, 339.672 dos quais prevalência de HA autorreferida entre indivíduos com
(29,8%) decorrentes de DCV, a principal causa de morte no 18 anos ou mais, residentes nas capitais, variou de 23% a
país (Figura 1). 25%, respectivamente, sem diferenças em todo o período

Figura 1 – Taxa de mortalidade no Brasil por doença cardiovascular (DCV) e distribuição por causas no ano de 2013. DIC: doenças isquêmicas do coração; DCbV:
doença cerebrovascular; DH: doenças hipertensivas; ICC: insuficiência cardíaca congestiva.

Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83 1


7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

Diretrizes

160

140
Taxa por 100.000 habitantes

120

100

80

60

40

20

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Ano
Doenças hipertensivas Doenças isquêmicas
Insuficiência cardíaca congestiva Doenças cerebrovasculares

Figura 2 – Evolução da taxa de mortalidade por DCV no Brasil de 2000 a 2013. Fonte: Sistema de Informação de Mortalidade. Secretaria de Vigilância em Saúde, MS.

Figura 3 – Evolução da taxa de internações por 10.000 habitantes no Brasil por região entre 2010 e 2012. DH: doenças hipertensivas; DIC: doenças isquêmicas do
coração; AVE: acidente vascular encefálico.

Tabela 1 – Prevalência de HA de acordo com diferentes métodos de abordagem

Fonte PA n Geral (%) Homens Mulheres


Picon et al.10* Aferida 17.085 28,7 (26,2–31,4) 27,3 (22,5-32,8) 27,7 (23,7-32,0)
Scala et al.7 Aferida 21,9-46,6 - -
Autorreferida, por
VIGITEL, 2014** 40.853 25,0
telefone
PNS, 2013** Autorreferida 62.986 21,4 18,1 21,0
PNS, 2014** Aferida 59.402 22,3 25,3 19,5
PA: pressão arterial. *Meta-análise; estudos da década de 2000. **Nota: as pesquisas VIGITEL e PNS não consideram hipertensos aqueles que se declararam
hipertensos sob tratamento.

2 Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83


7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

Diretrizes
analisado, inclusive por sexo. Entre adultos com 18 a 29 anos, A PH associa-se a maior risco de desenvolvimento de
o índice foi 2,8%; de 30 a 59 anos, 20,6%; de 60 a 64 anos, HA15,16 e anormalidades cardíacas. 17 Cerca de um terço
44,4%; de 65 a 74 anos, 52,7%; e ≥ 75 anos, 55%. O Sudeste dos eventos cardiovasculares (CV) atribuíveis à elevação
foi a região com maior prevalência de HA autorreferida de PA ocorrem em indivíduos com PH.18 Meta-análises do
(23,3%), seguido pelo Sul (22,9%) e Centro-Oeste (21,2%). risco de incidência de DCV, DIC e AVE em indivíduos pré-
Nordeste e Norte apresentaram as menores taxas, 19,4% e hipertensos mostrou que o risco foi maior naqueles com
14,5%, respectivamente.12 níveis entre 130 e 139 ou 85 e 89 mmHg do que naqueles
Em 2014, a PNS mediu a pressão arterial (PA) de moradores com níveis entre 120 e 129 ou 80 e 84 mmHg (Figura 5).14
selecionados em domicílios sorteados, utilizando aparelhos A implicação clínica dessas evidências epidemiológicas é
semi-automáticos digitais, calibrados. Foram realizadas três que a PA de indivíduos pré-hipertensos deve ser monitorada
medidas de PA, com intervalos de dois minutos, considerando- mais de perto, pois uma significativa proporção deles irá
se a média das duas últimas, inseridas em smartphone. A desenvolver HA e suas complicações.2
prevalência geral de PA ≥140/90 mmHg foi 22,3%, com
predomínio entre os homens (25,3% vs 19,5%), variando Fatores de risco para hipertensão arterial
de 26,7% no Rio de Janeiro a 13,2% no Amazonas, com
predomínio na área urbana em relação à rural (21,7% vs 19,8%).
Idade
Conhecimento, tratamento e controle Há uma associação direta e linear entre envelhecimento
Uma revisão mostrou que as taxas de conhecimento
7 e prevalência de HA, relacionada ao: i) aumento da
(22% a 77%), tratamento (11,4% a 77,5%) e controle (10,1% expectativa de vida da população brasileira, atualmente
a 35,5%) da PA também variaram bastante, dependendo 74,9 anos; ii) aumento na população de idosos ≥ 60 anos
da população estudada (Tabela 2). na última década (2000 a 2010), de 6,7% para 10,8%.19
Meta-análise de estudos realizados no Brasil incluindo
13.978 indivíduos idosos mostrou 68% de prevalência
Pré-hipertensão
de HA.20
Pré-hipertensão (PH) é uma condição caracterizada
por PA sistólica (PAS) entre 121 e 139 e/ou PA diastólica
(PAD) entre 81 e 89 mmHg.13 A prevalência mundial variou Sexo e etnia
de 21% a 37,7% em estudos de base populacional, com Na PNS de 2013, a prevalência de HA autorreferida
exceção do Irã (52,1%) (Figura 4).14 foi estatisticamente diferente entre os sexos, sendo maior

Tabela 2 – Conhecimento, tratamento e controle da PA em 14 estudos populacionais brasileiros, publicados no período de 1995 a 2009.7

Autor/ano por
Local Número de indivíduos Conhecimento Tratamento Controle
região
Sul
Fuchs et al. 1995 Porto Alegre (RS) 1.091 42,3 11,4 35,5
Gus et al. 2004 Rio Grande Sul 1.063 50,8 40,5 10,4
Oliveira e Nogueira, 2003 Cianorte (PR) 411 63,2 29,9 20,9
Trindade, 1998 Passo Fundo (RS) 206 82,2 53,3 20
Pereira et al. 2007 Tubarão (SC) 707 55,6 50,0 10,1
Sudeste
Freitas et al. 2001 Catanduva (SP) 688 77 61,8 27,6
Campos dos
Souza et al. 2003 1.029 29,9 77,5 35,2
Goytacazes (RJ)
Barreto et al. 2001 Bambuí (MG) 2.314 76,6 62,9 27
Castro et al. 2007 Formiga (MG) 285 85,3 67,3 14,7
Mill et al. 2004 Vitória (ES) 1.656 27,0
Centro-Oeste
Jardim et al. 2007 Goiânia (GO) 1.739 64,3 43,4 12,9
Cassanelli, 2005 Cuiabá (MT) 1.699 68,3 68,5 16,6
Rosário et al. 2009 Nobres (MT) 1.003 73,5 61,9 24,2
Souza et al. 2007 Campo Grande (MS) 892 69,1 57,3 -

Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83 3


7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

Diretrizes

Figura 4 – Prevalência de pré-hipertensão (PH).

Figura 5 – Meta-análises do risco de incidência de DCV em indivíduos com pré-hipertensão (PH).

entre mulheres (24,2%) e pessoas de raça negra/cor preta Excesso de peso e obesidade
(24,2%) comparada a adultos pardos (20,0%), mas não nos No Brasil, dados do VIGITEL de 2014 revelaram, entre
brancos (22,1%). O estudo Corações do Brasil observou a 2006 e 2014, aumento da prevalência de excesso de peso
seguinte distribuição: 11,1% na população indígena; 10% na (IMC ≥ 25 kg/m2), 52,5% vs 43%. No mesmo período,
amarela; 26,3% na parda/mulata; 29,4% na branca e 34,8% obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) aumentou de 11,9% para 17,9%,
na negra.21 O estudo ELSA-Brasil mostrou prevalências de com predomínio em indivíduos de 35 a 64 anos e mulheres
30,3% em brancos, 38,2% em pardos e 49,3% em negros.11 (18,2% vs 17,9%), mas estável entre 2012 e 2014.

4 Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83


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Diretrizes
Ingestão de sal sedentarismo nos momentos de folga e durante o trabalho,
O consumo excessivo de sódio, um dos principais FR para escolaridade inferior a 8 anos e renda per capita < 3
HA, associa-se a eventos CV e renais.22,23 salários mínimos.26
No Brasil, dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares Dados da PNS apontam que indivíduos insuficientemente
(POF), obtidos em 55.970 domicílios, mostraram ativos (adultos que não atingiram pelo menos 150 minutos
disponibilidade domiciliar de 4,7 g de sódio/pessoa/dia semanais de atividade física considerando o lazer, o
(ajustado para consumo de 2.000 Kcal), excedendo em trabalho e o deslocamento) representaram 46,0% dos
mais de duas vezes o consumo máximo recomendado (2 adultos, sendo o percentual significantemente maior entre
g/dia), menor na área urbana da região Sudeste, e maior as mulheres (51,5%). Houve diferença nas frequências de
nos domicílios rurais da região Norte.24 insuficientemente ativos entre faixas etárias, com destaque
para idosos (62,7%) e para adultos sem instrução e com
O impacto da dieta rica em sódio estimada na pesquisa
nível de escolaridade fundamental incompleto (50,6%).27
do VIGITEL de 2014 indica que apenas 15,5% das pessoas
entrevistadas reconhecem conteúdo alto ou muito alto de
sal nos alimentos.12 Fatores socioeconômicos
Adultos com menor nível de escolaridade (sem instrução ou
Ingestão de álcool fundamental incompleto) apresentaram a maior prevalência de
HA autorreferida (31,1%). A proporção diminuiu naqueles que
Consumo crônico e elevado de bebidas alcoólicas
aumenta a PA de forma consistente. Meta-análise de completam o ensino fundamental (16,7%), mas, em relação
2012, incluindo 16 estudos com 33.904 homens e 19.372 às pessoas com superior completo, o índice foi 18,2%.26
mulheres comparou a intensidade de consumo entre No entanto, dados do estudo ELSA Brasil, realizado com
abstêmios e bebedores. 25 Em mulheres, houve efeito funcionários de seis universidades e hospitais universitários
protetor com dose inferior a 10g de álcool/dia e risco de do Brasil com maior nível de escolaridade, apresentaram uma
HA com consumo de 30-40g de álcool/dia. Em homens, o prevalência de HA de 35,8%, sendo maior entre homens.11
risco aumentado de HA tornou-se consistente a partir de
31g de álcool/dia. Genética
Dados do VIGITEL, 2006 a 2013, mostram que consumo Estudos brasileiros que avaliaram o impacto de
abusivo de álcool – ingestão de quatro ou mais doses, para polimorfismos genéticos na população de quilombolas
mulheres, ou cinco ou mais doses, para homens, de bebidas não conseguiram identificar um padrão mais prevalente.
alcoólicas em uma mesma ocasião, dentro dos últimos 30 Mostraram forte impacto da miscigenação, dificultando ainda
dias - tem se mantido estável na população adulta, cerca de mais a identificação de um padrão genético para a elevação
16,4%, sendo 24,2% em homens e 9,7% em mulheres. Em dos níveis pressóricos.28,29
ambos os sexos, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas
foi mais frequente entre os mais jovens e aumentou com
Estratégias para implementação de medidas de
o nível de escolaridade.25
prevenção
Estratégias para prevenção do desenvolvimento da HA
Sedentarismo englobam políticas públicas de saúde combinadas com
Estudo de base populacional em Cuiabá, MT, (n = 1.298 ações das sociedades médicas e dos meios de comunicação.
adultos ≥ 18 anos) revelou prevalência geral de sedentarismo O objetivo deve ser estimular o diagnóstico precoce, o
de 75,8% (33,6% no lazer; 19,9% no trabalho; 22,3% em tratamento contínuo, o controle da PA e de FR associados,
ambos). Observou-se associação significativa entre HA e por meio da modificação do estilo de vida (MEV) e/ou uso
idade, sexo masculino, sobrepeso, adiposidade central, regular de medicamentos.

Referências
1. Lewington S, Clarke R, Qizilbash N, Peto R, Collins R; Prospective Studies hypertension of the European Society of Cardiology. 2013 ESH/ESC
Collaboration. Age-specific relevance of usual bloodpressure to vascular Guidelines for the management of arterial hypertension. Blood Press.
mortality: a meta-analysis of individual data for one million adults in 61 2013;22(4):193-278.
prospective studies. Lancet. 2002;360(9349):1903-13. Erratum in: Lancet.
4. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Departamento de Hipertensão Arterial.
2003;361(9362):1060.
VI Diretrizes brasileiras de hipertensão. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-62.
2. Weber MA, Schiffrin EL, White WA, Mann S, Lindbolm LH, Venerson JG, et
5. Mozaffarian D, Benjamin EJ, Go AS, Arnett DK, Blaha MJ, Cushman
al. Clinical practice guidelines for the management of hypertension in the
M, et al; American Heart Association Statistics Committee and Stroke
community: a statement by the American Society of Hypertension and the
Statistics Subcommittee. Heart disease and stroke statistics—2015:
International Society of Hypertension. J Hypertens. 2014;32(1):3-15.
update a report from the American Heart Association. Circulation.
3. Task Force for the management of arterial hypertension of the European 2015;131:e29-e322. Erratum in: Circulation. 2016;133(8):e417.
Society of Hypertension; Task Force for the management of arterial Circulation. 2015;131(24):e535.

Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83 5


7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

Diretrizes

Capítulo 2 - Diagnóstico e Classificação com o paciente sentado em ambiente calmo e confortável


para melhorar a reprodutibilidade e aproximar os valores
da PA obtidos no consultório àqueles fornecidos pela
Introdução monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA)
A avaliação inicial de um paciente com hipertensão na vigília.5,6
arterial sistêmica (HAS) inclui a confirmação do diagnóstico, Procedimentos recomendados para a medição da PA:7
a suspeição e a identificação de causa secundária, além
da avaliação do risco CV. As lesões de órgão-alvo (LOA) e
doenças associadas também devem ser investigadas. Fazem Preparo do paciente:
parte dessa avaliação a medição da PA no consultório e/ou 1. Explicar o procedimento ao paciente e deixá-lo em
fora dele, utilizando-se técnica adequada e equipamentos repouso de 3 a 5 minutos em ambiente calmo. Deve ser
validados, história médica (pessoal e familiar), exame físico instruído a não conversar durante a medição. Possíveis
e investigação clínica e laboratorial. dúvidas devem ser esclarecidas antes ou depois do
Propõem-se avaliações gerais dirigidas a todos e, em procedimento.
alguns casos, avaliações complementares apenas para 2. Certificar-se de que o paciente NÃO:
grupos específicos.
- Está com a bexiga cheia;
- Praticou exercícios físicos há pelo menos 60 minutos;
Medição da PA
- Ingeriu bebidas alcoólicas, café ou alimentos;
- Fumou nos 30 minutos anteriores.
No consultório
A PA deve ser medida em toda avaliação por médicos 3. Posicionamento:
de qualquer especialidade e demais profissionais da saúde - O paciente deve estar sentado, com pernas descruzadas,
devidamente capacitados. pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira e relaxado;
Recomenda-se, pelo menos, a medição da PA a cada - O braço deve estar na altura do coração, apoiado, com
dois anos para os adultos com PA ≤ 120/80 mmHg , a palma da mão voltada para cima e as roupas não devem
e anualmente para aqueles com PA > 120/80 mmHg garrotear o membro.
e < 140/90 mmHg. 1 A medição da PA pode ser feita 4. Medir a PA na posição de pé, após 3 minutos, nos
com esfigmomanômetros manuais, semi-automáticos ou diabéticos, idosos e em outras situações em que a hipotensão
automáticos. Esses equipamentos devem ser validados e ortostática possa ser frequente ou suspeitada.
sua calibração deve ser verificada anualmente, de acordo
com as orientações do INMETRO (Quadro 1). A PA deve ser
medida no braço, devendo-se utilizar manguito adequado à Etapas para a realização da medição
sua circunferência (Quadro 2). Na suspeita de HA secundária 1. Determinar a circunferência do braço no ponto médio
à coartação da aorta, a medição deverá ser realizada nos entre acrômio e olécrano;
membros inferiores, utilizando-se manguitos apropriados.2 2. Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço
Hipotensão ortostática deve ser suspeitada em pacientes (ver Quadro 3);
idosos, diabéticos, disautonômicos e naqueles em uso de 3. Colocar o manguito, sem deixar folgas, 2 a 3 cm acima
medicação anti-hipertensiva. Assim, particularmente nessas
da fossa cubital;
condições, deve-se medir a PA com o paciente de pé,
após 3 minutos, sendo a hipotensão ortostática definida 4. Centralizar o meio da parte compressiva do manguito
como a redução da PAS > 20 mmHg ou da PAD > 10 sobre a artéria braquial;
mmHg.3,4 Recomenda-se a realização de várias medições, 5. Estimar o nível da PAS pela palpação do pulso radial*;

Quadro 1 – Portaria INMETRO nº. 24, de 22 de fevereiro de 1996, para os esfigmomanômetros mecânicos do tipo aneróide, e nº. 096, de 20 de
março de 2008, para os esfigmomanômetros eletrônicos digitais de medição não-invasiva

Por meio dessas portarias, os fabricantes ou importadores de esfigmomanômetros devem submeter seus produtos ao controle metrológico, definido no Regulamento
Técnico, abrangendo as seguintes etapas:
Apreciação técnica de modelo – cada fabricante ou importador de esfigmomanômetro deve submeter à aprovação do INMETRO cada modelo fabricado ou importado,
sendo que nenhuma modificação pode ser feita sem autorização do INMETRO no esfigmomanômetro cujo modelo tenha sido aprovado;
Verificação inicial – deve ser feita em todos os esfigmomanômetros fabricados, nas dependências dos fabricantes ou outro local a critério do INMETRO, antes de sua
colocação em uso;
Verificação periódica – deve ser realizada uma vez por ano, de preferência nas dependências dos órgãos da RBMLQ (IPEMs) ou em local designado pelo INMETRO; e
Verificação eventual – deve ser realizada por solicitação do detentor do instrumento, após o conserto e/ou manutenção do mesmo, ou quando o INMETRO julgar
necessário.
RBMLQ: Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade; IPEMs: Institutos de Pesos e Medidas Estaduais

Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83 7


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Diretrizes

Quadro 2 – Fatores de correção da PA medida com manguito de adulto padrão (13 cm de largura e 30 cm de comprimento), de acordo com a
circunferência do braço do paciente

Fator de correção (mmHg)


Circunferência (cm)
PAS PAD
26 +5 +3
28 +3 +2
30 0 0
32 -2 -1
34 -4 -3
36 -6 -4
38 -8 -6
40 -10 -7
42 -12 -9
44 -14 -10
46 -16 -11
48 -18 -13

Quadro 3 – Dimensões do manguito de acordo com a circunferência do membro

Circunferência do braço (cm) Denominação do manguito Largura do manguito (cm) Comprimento da bolsa (cm)
≤6 Recém-nascido 3 6
6-15 Criança 5 15
16-21 Infantil 8 21
22-26 Adulto pequeno 10 24
27-34 Adulto 13 30
35-44 Adulto grande 16 38
45-52 Coxa 20 42

6. Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a em torno de um minuto. Medições adicionais deverão ser
campânula ou o diafragma do estetoscópio sem compressão realizadas se as duas primeiras forem muito diferentes. Caso
excessiva*; julgue adequado, considere a média das medidas;
7. Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível 14. Medir a pressão em ambos os braços na primeira
estimado da PAS obtido pela palpação*; consulta e usar o valor do braço onde foi obtida a maior pressão
8. Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 mmHg como referência;
por segundo)*; 15. Informar o valor de PA obtido para o paciente; e
9. Determinar a PAS pela ausculta do primeiro som (fase I 16. Anotar os valores exatos sem “arredondamentos” e o
de Korotkoff) e, após, aumentar ligeiramente a velocidade de braço em que a PA foi medida.
deflação*; * Itens realizados exclusivamente na técnica auscultatória.
10. Determinar a PAD no desaparecimento dos sons (fase Reforça-se a necessidade do uso de equipamento validado
V de Korotkoff)*; e periodicamente calibrado.8
11. Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último
som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à Medição da PA fora do consultório
deflação rápida e completa*; A PA fora do consultório pode ser obtida através da
12. Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar medição residencial da pressão arterial (MRPA), com protocolo
a PAD no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar específico, ou da MAPA de 24 horas.9,10
valores da PAS/PAD/zero*; As medições da PA fora do consultório devem ser estimuladas,
13. Realizar pelo menos duas medições, com intervalo podendo ser realizadas por equipamento semi-automático

8 Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83


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Diretrizes
do próprio paciente ou dos serviços de saúde. As principais de avaliação, valores particularizados serão considerados para
vantagens da medição da PA fora do consultório são: a definição de anormalidade. As indicações para medidas fora
• Maior número de medidas obtidas. do consultório, utilizando-se MAPA e MRPA, estão sumarizadas
no Quadro 5.
• Refletem as atividades usuais dos examinandos.
• Abolição ou sensível redução do efeito de avental branco
Medição da PA em crianças, idosos, obesos e gestantes
(EAB).
• Maior engajamento dos pacientes com o diagnóstico e
o seguimento. Crianças
A MAPA e a MRPA são os métodos habitualmente utilizados A medição da PA em crianças é recomendada em toda avaliação
para realizar as medições fora do consultório. Ambas fornecem clínica após os três anos de idade, pelo menos anualmente, como
informações semelhantes da PA, porém só a MAPA avalia a parte do atendimento pediátrico primário, devendo respeitar as
PA durante o sono. Ambas, entretanto, estimam o risco CV, padronizações estabelecidas para os adultos.11 A interpretação dos
devendo ser consideradas aplicáveis para a avaliação da valores de PA obtidos em crianças e adolescentes deve considerar
PA fora do consultório, respeitando-se as suas indicações e idade, sexo e altura. Para a avaliação dos valores de PA de acordo
limitações.9,10 Valores de referência para a definição de HAS com essas variáveis, devem-se consultar tabelas específicas (ver
utilizando-se as medidas de consultório, MAPA e MRPA, são Capítulo 10 desta diretriz) ou aplicativos para smartphones, PA
apresentados no Quadro 4.9,10 Por serem métodos diferentes Kids e Ped(z).

Quadro 4 – Valores de referência para a definição de HA pelas medidas de consultório, MAPA e MRPA

Categoria PAS (mmHg) PAD (mmHg)


Consultório ≥ 140 e/ou ≥ 90
MAPA
Vigília ≥ 135 e/ou ≥ 85
Sono ≥ 120 e/ou ≥ 70
24 horas ≥ 130 e/ou ≥ 80
MRPA ≥ 135 e/ou ≥ 85
PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.

Quadro 5 – Indicações clínicas para a medição da PA fora do consultório para fins de diagnóstico9,10,18

Indicações clínicas para MAPA ou MRPA


Suspeita de HAB
- HA estágio 1 no consultório
- PA alta no consultório em indivíduos assintomáticos sem LOA e com baixo risco CV total
Suspeita de HM
- PA entre 130/85 e 139/89 mmHg no consultório
- PA < 140/90 mmHg no consultório em indivíduos assintomáticos com LOA ou com alto risco CV total
Identificação do EAB em hipertensos
Grande variação da PA no consultório na mesma consulta ou em consultas diferentes
Hipotensão postural, pós-prandial, na sesta ou induzida por fármacos
PA elevada de consultório ou suspeita de pré-eclâmpsia em mulheres grávidas
Confirmação de hipertensão resistente

Indicações específicas para MAPA


Discordância importante entre a PA no consultório e em casa
Avaliação do descenso durante e sono
Suspeita de HA ou falta de queda da PA durante o sono habitual em pessoas com apneia de sono, DRC ou diabetes
Avaliação da variabilidade da PA
HA: hipertensão arterial; HM: hipertensão mascarada; LOA: lesão de órgão-alvo; EAB: efeito do avental branco; DRC: doença renal crônica.

Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83 9


7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

Diretrizes
Idosos devendo o pulso auscultado ser o radial.13 Há, entretanto,
Aspectos especiais na medição da PA na população idosa restrições quanto a essa prática. Especial dificuldade ocorre
decorrem de alterações próprias do envelhecimento, como em braços largos e curtos, em forma de cone, onde manguitos
a maior frequência do hiato auscultatório, que consiste no de grandes dimensões não se adaptam.
desaparecimento dos sons durante a deflação do manguito,
resultando em valores falsamente baixos para a PAS ou Gestantes
falsamente altos para a PAD. A grande variação da PA nos
A PA deve ser obtida com a mesma metodologia
idosos ao longo das 24 horas torna a MAPA uma ferramenta
recomendada para adultos, reforçando-se que ela também
muitas vezes útil. A pseudo-hipertensão, que está associada
pode ser medida no braço esquerdo na posição de decúbito
ao processo aterosclerótico, pode ser detectada pela manobra lateral esquerdo em repouso, não devendo diferir da obtida
de Osler, ou seja, a artéria radial permanece ainda palpável na posição sentada. Considerar o quinto ruído de Korotkoff
após a insuflação do manguito pelo menos 30 mmHg acima para a PAD.14 A hipertensão do avental branco (HAB) e a
do desaparecimento do pulso radial.12 Maior ocorrência de hipertensão mascarada (HM) são comuns na gravizez e, por
EAB, hipotensão ortostática e pós-prandial e, finalmente, a isso, a MAPA e a MRPA podem constituir métodos úteis na
presença de arritmias, como fibrilação atrial, podem dificultar decisão clínica. Para mais informações sobre HA em gestantes,
a medição da PA. consulte o Capítulo 9 desta diretriz.

Obesos Recomendações para diagnóstico e seguimento


Manguitos mais longos e largos são necessários em Recomenda-se MRPA ou MAPA para estabelecimento
pacientes obesos para não haver superestimação da PA.13 Em do diagnóstico, identificação da HAB e da HM, seguindo-se
braços com circunferência superior a 50 cm, onde não há o fluxograma na Figura 1.15 Outra recomendação vem da
manguito disponível, pode-se fazer a medição no antebraço, suspeita sugerida pela automedição, devendo-se realizar


≥ ≥

≥ ≥

Figura 1 – Fluxograma para diagnóstico de hipertensão arterial (modificado do Canadian Hypertension Education Program). *Avaliação laboratorial recomendada no
Capítulo 3. **Estratificação de risco CV recomendada no Capítulo 3.

10 Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83


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Diretrizes
MAPA ou MRPA para confirmar ou excluir o diagnóstico frente mesmo sob tratamento anti-hipertensivo, o paciente
à suspeita de HAB ou HM.16 permanece com a PA elevada tanto no consultório como
fora dele por algum dos dois métodos (MAPA ou MRPA).
Medição residencial da PA
A MRPA é uma modalidade de medição realizada com Normotensão
protocolo específico, consistindo na obtenção de três medições Considera-se normotensão quando as medidas de
pela manhã, antes do desjejum e da tomada da medicação, e consultório são ≤ 120/80 mmHg e as medidas fora dele
três à noite, antes do jantar, durante cinco dias. Outra opção (MAPA ou MRPA) confirmam os valores considerados
é realizar duas medições em cada uma dessas duas sessões, normais referidos na Figura 2.2,21 Define-se HA controlada
durante sete dias.9,17,18 quando, sob tratamento anti-hipertensivo, o paciente
São considerados anormais valores de PA ≥ 135/85 mmHg. permanece com a PA controlada tanto no consultório
como fora dele.
Monitorização ambulatorial da PA
A MAPA é o método que permite o registro indireto e Pré-hipertensão
intermitente da PA durante 24 horas ou mais, enquanto o
A PH caracteriza-se pela presença de PAS entre 121 e
paciente realiza suas atividades habituais durante os períodos
139 e/ou PAD entre 81 e 89 mmHg. Os pré-hipertensos têm
de vigília e sono. Uma de suas características mais específicas
maior probabilidade de se tornarem hipertensos e maiores
é a possibilidade de identificar as alterações circadianas da PA,
riscos de desenvolvimento de complicações CV quando
sobretudo em relação às medições durante o sono, que têm
comparados a indivíduos com PA normal, ≤ 120/80 mmHg,
implicações prognósticas consideráveis.19
necessitando de acompahamento periódico.22
São atualmente consideradas anormais as médias de PA
de 24 horas ≥ 130/80 mmHg, vigília ≥ 135/85 mmHg e
Efeito do avental branco
sono ≥ 120/70 mmHg.10,18
O EAB é a diferença de pressão entre as medidas obtidas
no consultório e fora dele, desde que essa diferença seja
Classificação igual ou superior a 20 mmHg na PAS e/ou 10 mmHg na
Os limites de PA considerados normais são arbitrários. PAD. Essa situação não muda o diagnóstico, ou seja, se o
Entretanto, valores que classificam o comportamento da PA indivíduo é normotenso, permanecerá normotenso, e se é
em adultos por meio de medidas casuais ou de consultório hipertenso, continuará sendo hipertenso; pode, contudo,
estão expressos no Quadro 6. alterar o estágio e/ou dar a falsa impressão de necessidade
de adequações no esquema terapêutico.
Hipertensão
Os valores que definem HAS estão expressos no Quadro Hipertensão do avental branco
4. Considerando-se que os valores de PA obtidos por É a situação clínica caracterizada por valores anormais
métodos distintos têm níveis de anormalidade diferentes, da PA no consultório, porém com valores considerados
há que se considerar os valores de anormalidade definidos normais pela MAPA ou MRPA (Figura 2). Com base em
para cada um deles para o estabelecimento do diagnóstico. quatro estudos populacionais, a prevalência global da
Quando utilizadas as medidas de consultório, o diagnóstico HAB é de 13% (intervalo de 9-16%) e atinge cerca de 32%
deverá ser sempre validado por medições repetidas, em (intervalo de 25-46%) dos hipertensos, sendo mais comum
condições ideais, em duas ou mais ocasiões, e confirmado (55%) nos pacientes em estágio 1 e 10% no estágio 3.23,24
por medições fora do consultório (MAPA ou MRPA), Se, em termos prognósticos, a HAB pode ser comparada
excetuando-se aqueles pacientes que já apresentem LOA à normotensão é uma questão ainda em debate, porque
detectada.2,20 A HAS não controlada é definida quando, alguns estudos revelam que o risco CV em longo prazo

Quadro 6 – Classificação da PA de acordo com a medição casual ou no consultório a partir de 18 anos de idade

Classificação PAS (mm Hg) PAD (mm Hg)


Normal ≤ 120 ≤ 80
Pré-hipertensão 121-139 81-89
Hipertensão estágio 1 140 – 159 90 – 99
Hipertensão estágio 2 160 – 179 100 - 109
Hipertensão estágio 3 ≥ 180 ≥ 110
Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a maior deve ser utilizada para classificação da PA.
Considera-se hipertensão sistólica isolada se PAS ≥ 140 mm Hg e PAD < 90 mm Hg, devendo a mesma ser classificada em estágios 1, 2 e 3.

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Diretrizes

Figura 2 – Possibilidades de diagnóstico de acordo com a medida casual de PA, MAPA ou medidas domiciliares. *Considerar o diagnóstico de pré-hipertensão para
valores casuais de PAS entre 121 e 139 e/ou PAD entre 81 e 89 mmHg.

desta condição é intermediário entre o da HA e o da é cerca de duas vezes maior na HM do que na normotensão,
normotensão.25 sendo comparada à da HAS.23,26,27 Em diabéticos, a HM está
associada a um risco aumentado de nefropatia, especialmente
Hipertensão mascarada quando a elevação da PA ocorre durante o sono.28,29
É caracterizada por valores normais da PA no consultório, A Figura 2 mostra as diferentes possibilidades de
porém com PA elevada pela MAPA ou medidas residenciais classificação do comportamento da PA quanto ao diagnóstico,
(Figura 2). A prevalência da HM é de 13% (intervalo de segundo as novas formas de definição.
10-17%) em estudos de base populacional.23 Vários fatores
podem elevar a PA fora do consultório em relação à PA nele Hipertensão sistólica isolada
obtida, como idade jovem, sexo masculino, tabagismo,
consumo de álcool, atividade física, hipertensão induzida É definida como PAS aumentada com PAD normal.
pelo exercício, ansiedade, estresse, obesidade, DM, DRC A hipertensão sistólica isolada (HSI) e a pressão de pulso (PP) são
e história familiar de HAS. A prevalência é maior quando a importantes fatores de risco cardiovascular (FRCV) em pacientes
PA do consultório está no nível limítrofe.26 Meta-análises de de meia-idade e idosos.30
estudos prospectivos indicam que a incidência de eventos CV O resumo das recomendações está sumarizado no Quadro 7.

Quadro 7 – Resumo das recomendações

Recomendações Grau de recomendação Nível de evidência


Triagem e diagnóstico de HA com PA medida no consultório. I B
Diagnóstico da HAS baseado em pelo menos duas medições de PA por visita, em pelo menos duas visitas. I C
PA fora do consultório deve ser considerada para confirmar o diagnóstico de HAS, identificar o tipo de
IIa B
HAS, detectar episódios de hipotensão e maximizar a previsão do risco CV.
PA fora do consultório, MAPA ou medidas residenciais podem ser consideradas, dependendo da indicação,
IIb C
disponibilidade, facilidade, custo de utilização e, se for o caso, preferência do paciente.

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Capítulo 3 - Avaliação Clínica e Complementar Quadro 2 – Avaliação clínica

Exame Físico
História clínica e objetivos Medição da PA nos dois braços
Os principais objetivos da avaliação clínica e laboratorial
Peso, altura, IMC e FC
são apresentados no Quadro 1. Atingir essas metas permite o
diagnóstico correto da HA e seu prognóstico, possibilitando a CA
escolha da melhor terapêutica para o paciente. Sinais de LOA
Cérebro: déficits motores ou sensoriais
Avaliação clínica Retina: lesões à fundoscopia
Artérias: ausência de pulsos, assimetrias ou reduções, lesões cutâneas, sopros
Anamnese
Coração: desvio do ictus, presença de B3 ou B4, sopros, arritmias, edema
Deve-se obter história clínica completa com perguntas periférico, crepitações pulmonares
sobre o tempo de diagnóstico, evolução e tratamento Sinais que sugerem causas secundárias*
prévio. As informações sobre a história familiar são
Características cushingóides
fundamentais para aumentar a certeza do diagnóstico de HA
primária.1 (GR: I; NE: B). O paciente deve ser interrogado Palpação abdominal: rins aumentados (rim policístico)
sobre FR específicos para DCV, comorbidades, aspectos Sopros abdominais ou torácicos (renovascular, coartação de aorta, doença da
socioeconômicos e estilo de vida,2 além do uso prévio e aorta ou ramos)
atual de medicamentos ou outras substâncias que possam Pulsos femorais diminuídos (coartação de aorta, doença da aorta ou ramos)
interferir na medição da PA e/ou no tratamento da HA. Da
Diferença da PA nos braços (coartação de aorta e estenose de subclávia)
mesma forma, devem ser pesquisados indícios que sugiram
uma causa secundária para a HA. *Para maior detalhamento, consulte Capítulo 12.

Exame físico
A PA deve ser medida com técnica adequada (ver Capítulo 2). Quadro 3 – Fatores de risco cardiovascular adicionais
Dados antropométricos, como peso, altura (para cálculo do
Idade (homem > 55 e mulheres > 65 anos)
índice de massa corporal [IMC]), circunferência abdominal (CA)
e frequência cardíaca (FC), devem ser registrados. Os valores Tabagismo
de normalidade da CA e do IMC são aqueles recomendados Dislipidemias: triglicérides > 150 mg/dl; LDL-C > 100 mg/dl; HDL-C < 40 mg/dl
pela International Diabetes Federation (IDF) de 2006, podendo
DM
variar de acordo com a origem étnica.3,4 (GR: IIa; NE: C).
História familiar prematura de DCV:
A avaliação (Quadro 2) deve englobar palpação e ausculta homens < 55 anos e mulheres < 65 anos
do coração, carótidas e pulsos, medida do índice tornozelo-
braquial (ITB) e realização da fundoscopia.
Para o cálculo do ITB, utiliza-se a medição da PAS no
braço e no tornozelo, em ambos os lados. Define-se como melhorar a estratificação de risco CV. Para a estratificação do
normal uma relação PAS braço/PAS tornozelo acima de 0,90, risco CV global, deverão ser levados em conta os FR clássicos
definindo-se a presença de DAP como: leve, se a relação é (Quadro 3), assim como novos FR que foram identificados,
0,71-0,90; moderada, 0,41-0,70; e grave, 0,00-0,40. apesar de ainda não incorporados nos escores clínicos de
estratificação de risco.4,5
Entre os novos FR destacam-se glicemia de jejum entre 100
Investigação laboratorial básica, avaliação de lesões
mg/dL e 125 mg/dL, hemoglobina glicada (HbA1c) anormal,
subclínicas e clínicas em órgãos-alvo
obesidade abdominal (síndrome metabólica), PP (PAS-PAD)
A avaliação complementar tem como objetivo detectar > 65 mmHg em idosos,5 história de pré-eclâmpsia e história
lesões subclínicas ou clínicas em órgãos-alvo, no sentido de familiar de HA (em hipertensos limítrofes).
A avaliação laboratorial em seguida (Quadro 4) deve fazer
parte da rotina inicial de todo paciente hipertenso.4
Quadro 1 – Objetivos da avaliação clínica e laboratorial Para o cálculo da depuração de creatinina, utiliza-se a
fórmula de Cockroft-Gault:6 RFG-e (ml/min) = [140 - idade]
Confirmação do diagnóstico de HA por medição da PA
x peso (kg) /creatinina plasmática (mg/ dL) x 72 para homens;
Identificação dos FRCV para mulheres, multiplicar o resultado por 0,85.
Pesquisa de LOAs, sejam elas subclínicas ou clinicamente manifestas Para o cálculo do ritmo de filtração glomerular estimado
Pesquisa da presença de outras doenças associadas (RFG-e) preconiza-se a utilização da fórmula CKD-EPI.7
Estratificação do risco CV global A interpretação dos valores (estágios) para classificação
de DRC é feita de acordo com a National Kidney
Avaliação de indícios para a suspeita de HA secundária
Foundation (NKF).7

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Quadro 4 – Exames de rotina para o paciente hipertenso RFG-e calculado pela fórmula do CKD-EPI,8 que pode ser
acessada em: www.nefrocalc.net
Análise de urina (GR: I; NE: C)
RFG-e (ml/min/1,73m2)
Potássio plasmático (GR: I; NE: C)
Estágio 1: ≥ 90 = normal ou alto;
Glicemia de jejum (GR: I; NE: C) e HbA1c (GR: I; NE: C)
Estágio 2: 60-89 = levemente diminuído;
Ritmo de filtração glomerular estimado (RFG-e) (GR: I; NE: B)
Estágio 3a: 45-59 = leve a moderadamente diminuído;
Creatinina plasmática (GR: I; NE: B)
Estágio 3b: 30-44 = moderada a extremamente diminuído;
Colesterol total, HDL-C e triglicérides plasmáticos (GR: I; NE: C)*
Estágio 4: 15-29 = extremamente diminuído;
Ácido úrico plasmático (GR: I; NE: C)
Estágio 5: < 15= doença renal terminal (KDIGO).
Eletrocardiograma convencional (GR: I; NE: B)
*O LDL-C é calculado pela fórmula: LDL-C = colesterol total - (HDL-C
+ triglicérides/5) (quando a dosagem de triglicérides for menor que Em algumas situações clínicas, há indicação de exames
400 mg/dL). complementares mais detalhados, discutidos no Quadro 5.

Quadro 5 – Exames recomendados em populações indicadas

Exame/ avaliação População recomendada e indicação


Acompanhamento de pacientes com suspeita clínica de comprometimento cardíaco (GR: IIa;
NE: C) e/ou pulmonar.
Radiografia de tórax
Avaliação de hipertensos com comprometimento da aorta quando o ecocardiograma não está
disponível.9
Ecocardiograma
Mais sensível do que o ECG no diagnóstico de HVE.
Agrega valor na avaliação das formas geométricas de hipertrofia e
tamanho do átrio esquerdo, análise da função sistólica e diastólica. Presença de indícios de HVE ao ECG ou pacientes com suspeita clínica de IC (GR: I; NE: C).
Considera-se HVE quando a massa ventricular esquerda indexada
para a superfície corpórea é igual ou superior a 116 g/m2 em homens
e 96 g/m2 em mulheres.10
Albuminúria
Mostrou prever eventos CV fatais e não fatais. Pacientes hipertensos diabéticos, com síndrome metabólica ou com dois ou mais FR.
Valores normais < 30 mg/24h (GR: I; NE: C).7,11*
US das carótidas
A medida da EMI das carótidas e/ou a identificação de placas Presença de sopro carotídeo, sinais de DCbV ou presença de doença aterosclerótica em outros
predizem a ocorrência de AVE e IM independente de outros FRCV. territórios.
Valores da EMI > 0,9 mm têm sido considerados como anormais,
assim como o encontro de placas ateroscleróticas (GR: IIa; NE: B).12
US renal ou com Doppler Pacientes com massas abdominais ou sopro abdominal (GR: IIa; NE: B).13
- Quando glicemia de jejum > 99 mg/dl
HbA1c
- História familiar de DM tipo 2 ou diagnóstico prévio de DM tipo 2 e obesidade (GR: IIa; NE: B).14

Teste ergométrico - Suspeita de DAC estável, DM ou antecedente familiar para DAC em pacientes com PA
controlada (GR: IIa; NE: C).15
MAPA/medidas residenciais de pressão arterial. - Segue a indicação convencional dos métodos (GR: IIa; NE: B).
VOP
Considerado “padrão” para avaliação da rigidez arterial.
- Hipertensos de médio e alto risco.
Valores acima de 12m/s são considerados anormais (GR: IIa;
NE: B).16
RNM do cérebro: para detecção de infartos silenciosos e micro
- Pacientes com distúrbios cognitivos e demência.
hemorragias (GR: IIa; NE: C).17
HVE: hipertrofia ventricular esquerda; CV: cardiovascular; FR: fator de risco; US: ultrassonografia; EMI: espessura mediointimal; AVE: acidente vascular encefálico;
IM: infarto do miocárdio; FRCV: fator de risco cardiovascular; DCbV: doença cerebrovascular; HbA1c: hemoglobina glicada; DM: diabetes melito; DAC: doença
arterial coronariana; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; VOP: velocidade da onda de pulso; RNM: ressonância nuclear magnética.
*A figura a seguir apresenta a classificação e a nomenclatura atual para albuminúria e RFG de acordo com KDIGO, 2012.7

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Figura 1 – Prognóstico de DRC de acordo com a categoria do RFG e a albuminúria. Verde: baixo risco; Amarelo: risco moderadamente aumentado; Laranja: risco alto;
Vermelho: risco muito alto.

Referências
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disease history: the Framingham Offspring Study. Ann Intern Med. using the CKD-EPI equation and the MDRD study equation for estimated
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definition of the metabolic syndrome. [Internet]. [Cited in 2016 May investigationin the evaluation of hypertensive patients. Am J Hypertens.
15]. Available from: http://www.idf.org/webdata/docs/MetSyndrome_ 2004;17(6):507-10.
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3. Simão AF, Precoma DB, Andrade JP, Correa FH, Saraiva JF, Oliveira GM,
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Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2014;102(4):415. Guidelines and Standards Committee and the chamber quantifications
4. Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redón J, Zanchetti A, Böhm M, et writing group, developed in conjunction with the European Association of
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Clinical practice guideline for the evaluation and management of chronic of having renovascular hypertension: a meta-analysis. Ann Intern Med.
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Capítulo 4 - Estratificação de Risco Na prática clínica, a estratificação do risco CV no


paciente hipertenso pode ser baseada em duas estratégias
Cardiovascular diferentes. Na primeira, o objetivo da avaliação é
determinar o risco global diretamente relacionado à
Introdução hipertensão. Nesse caso, a classificação do risco depende
O risco CV global deve ser avaliado em cada indivíduo dos níveis da PA, dos fatores de risco associados, das
hipertenso, pois auxilia na decisão terapêutica e permite LOAs e da presença de DCV ou doença renal. Na
uma análise prognóstica. A identificação dos indivíduos segunda estratégia, o objetivo é determinar o risco de um
hipertensos que estão mais predispostos às complicações CV, indivíduo desenvolver DCV em geral nos próximos 10
especialmente infarto do miocárdio e AVE, é fundamental anos. Embora essa forma de avaliação não seja específica
para uma orientação terapêutica mais agressiva. Diversos para o paciente hipertenso, pois pode ser realizada em
algoritmos e escores de risco baseados em estudos qualquer indivíduo entre 30 e 74 anos, vale ressaltar que
populacionais foram criados nas últimas décadas,1 mas, a HA é o principal FRCV.
considerando a ausência de dados brasileiros para uma
avaliação mais precisa do risco CV na nossa população, Estratificação de risco cardiovascular adicional
deve-se evitar o uso de um único escore de risco para Apenas uma pequena minoria de pacientes hipertensos
basear as decisões terapêuticas. Modelos multifatoriais apresenta somente uma elevação da PA. Visando facilitar
de estratificação de risco podem ser utilizados para uma a estratificação de risco, sugere-se utilizar o sistema de
classificação de risco individual mais precisa. classificação indicado na Tabela 1, incluindo apenas
Informar ao paciente os seus FR pode melhorar a risco baixo, moderado e alto. Deve-se destacar que
eficiência das medidas farmacológicas e não-farmacológicas a identificação de DCV prévia, doença renal ou DM
para redução do risco global. Estimar indicadores e utilizar aumenta consideravelmente o risco de eventos CV futuros,
termos relacionados ao envelhecimento, como “idade independente dos valores da PA.7,8
vascular” ou “idade cardiometabólica”, também podem De fato, a grande maioria da população hipertensa
auxiliar na estratégia para modificação dos FR.2,3 Abaixo demonstra FR adicionais. Por isso, a avaliação do risco CV
estão listados alguns endereços eletrônicos para cálculo depende de informações obtidas na história clínica, no
da estimativa da idade vascular ou cardiometabólica
exame físico e através de exames complementares, sempre
recomendados por sociedades americanas, canadenses e
objetivando a identificação de:
britânicas.4-6
• Coexistência de outros FRCV (Tabela 2)
1. www.framinghamheartstudy.org/risk-functions/
cardiovascular-disease/10-year-risk.php • Presença de LOAs da hipertensão (Tabela 3)
 apoiado por National Heart, Lung, and Blood • Diagnóstico de DCV ou doença renal já estabelecida
Institute and Boston University (Tabela 4)
2. www.nhs.uk/Conditions/nhs-health-check/Pages/ Assim, para facilitar e acelerar o processo de classificação
check-your-heart-age-tool.aspx de risco CV adicional no ambiente de consulta médica,
o profissional de saúde responsável pelo atendimento
 apoiado por British Heart Foundation
pode seguir o fluxograma descrito na Figura 1. Importante
3. cardiometabolicage.com notar que, em alguns casos, a classificação inicial pode ser
 apoiado por Canadian Institute for Health Research modificada de acordo com o melhor ou pior controle dos
(CIHR) and McGill University níveis pressóricos e dos FR.

Tabela 1 – Estratificação de risco no paciente hipertenso de acordo com fatores de risco adicionais, presença de lesão em órgão-alvo e de
doença cardiovascular ou renal

HAS Estágio 2
PAS 130-139 ou HAS Estágio 1 HAS Estágio 3
PAS 160-179 ou PAD
PAD 85-89 PAS 140-159 ou PAD 90-99 PAS ≥ 180 ou PAD ≥ 110
100-109
Risco Risco Risco
Sem fator de risco Sem Risco Adicional
Baixo Moderado Alto
Risco Risco Risco Risco
1-2 fatores de risco
Baixo Moderado Alto Alto
Risco Risco Risco Risco
≥ 3 fatores de risco
Moderado Alto Alto Alto
Risco Risco Risco Risco
Presença de LOA, DCV, DRC ou DM
Alto Alto Alto Alto
PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; HAS: hipertensão arterial sistêmica; DCV: doença cardiovascular;
DRC: doença renal crônica; DM: diabetes melito: LOA: lesão em órgão-alvo.

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Tabela 2 – Fatores de risco cardiovascular na avaliação do risco Tabela 4 – Doença CV e renal estabelecida para avaliação do risco
adicional no hipertenso adicional no hipertenso

• Sexo masculino • Doença cerebrovascular


• Idade ○ AVE isquêmico
○ Homens ≥ 55 anos ou mulheres ≥ 65 anos ○ Hemorragia cerebral
• História de DCV prematura em parentes de 1º grau ○ Ataque isquêmico transitório
○ Homens < 55 anos ou mulheres < 65 anos • Doença da artéria coronária
• Tabagismo ○ Angina estável ou instável
• Dislipidemia ○ Infarto do miocárdio
○ Colesterol total > 190 mg/dl e/ou ○ Revascularização do miocárdio: percutânea (angioplastia)
ou cirúrgica
○ LDL-colesterol > 115 mg/dl e/ou
○ Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida ou
○ HDL-colesterol < 40 mg/dl nos homens ou < 46 mg/dl nas
preservada
mulheres e/ou
○ Doença arterial periférica sintomática dos membros
○ Triglicerídeos > 150 mg/dl
inferiores
• Resistência à insulina
○ Doença renal crônica estágio 4 (RFG-e < 30 ml/min/1,73m2)
○ Glicemia plasmática em jejum: 100-125 mg/dl ou albuminúria > 300 mg/24 h
○ Teste oral de tolerância à glicose: 140-199 mg/dl em 2 ○ Retinopatia avançada: hemorragias, exsudatos, papiledema
horas
AVE: acidente vascular encefálico; RFG-e: ritmo de filtração
○ Hemoglobina glicada: 5,7 – 6,4% glomerular estimado.
• Obesidade
○ IMC ≥ 30 kg/m2
○ CA ≥ 102 cm nos homens ou ≥88 cm nas mulheres Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular,10 podendo
também ser adotada para os pacientes hipertensos. As
DCV: doença cardiovascular; LDL: lipoproteína de baixa
densidade; HDL: lipoproteína de alta densidade; IMC: índice
etapas devem ser realizadas conforme se segue.
de massa corporal; CA: circunferência abdominal.
Identificação de doença aterosclerótica ou de seus
equivalentes
Tabela 3 – Lesão de órgão-alvo na avaliação do risco adicional no A primeira etapa para estimativa do risco CV é a
hipertenso identificação da presença de doença aterosclerótica,
clinicamente evidente ou na forma subclínica, ou de seus
• Hipertrofia ventricular esquerda equivalentes como DM e DRC 11 (Tabela 5). Se positiva,
○ IECG: índice Sokolow-Lyon (SV1 + RV5 ou RV6) ≥ 35 mm
o indivíduo é imediatamente classificado como de alto
risco, pois a chance de apresentar um primeiro ou um
○ IECG: RaVL > 11 mm
novo evento CV em 10 anos é superior a 20%. (GR: I;
○ IECG: Cornell voltagem > 2440 mm*ms NE: A).
○ IECO: IMVE > 115 g/m2 nos homens ou > 95 g/m2 nas mulheres
• EMI da carótida > 0,9 mm ou placa carotídea Análise do escore de risco global
• VOP carótido-femoral > 10 m/s Quando o indivíduo não se enquadra em nenhuma das
condições da etapa 1, a próxima fase deve ser a estimativa
• ITB < 0,9
do Escore de Risco Global (ERG).6 Esse algoritmo estima
• Doença renal crônica estágio 3 (RFG-e 30-60 mL/min/1,73m2) o risco de o indivíduo apresentar um evento CV (DAC,
• Albuminúria entre 30 e 300 mg/24h ou relação albumina- AVE, DAP, IC) em 10 anos. A distribuição dos pontos e
creatinina urinária 30 a 300 mg/g percentual de risco é diferenciada para mulheres (Tabelas
ECG: eletrocardiograma; ECO: ecocardiograma; EMI: espessura 6A e 6B) e homens (Tabelas 7A e 7B). Quando o ERG
mediointimal; IMVE: índice de massa ventricular esquerda; VOP: fica abaixo de 5%, o paciente é classificado como ‘baixo
velocidade da onda de pulso; ITB: índice tornozelo-braquial; risco’ (GR: A; NE: I), exceto aqueles com história familiar
RFG-e: ritmo de filtração glomerular estimado.
de doença CV prematura, sendo reclassificado para ‘risco
intermediário’. (GR: IIa; NE: B).
Homens com ERG entre 5% e 20% e mulheres com ERG
Estratificação do risco cardiovascular global entre 5% e 10% também são inicialmente considerados
A estratificação de risco CV baseada em três etapas de ‘risco intermediário’.12 (GR: I; NE: A).
foi recentemente recomendada na V Diretriz Brasileira São considerados de ‘alto risco’ os homens com ERG
de Dislipidemia e Prevenção de Aterosclerose9 e na I > 20% e as mulheres com ERG > 10%. (GR: I; NE: A).

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Figura 1 – Fluxograma de classificação de risco CV adicional no paciente hipertenso. PA: pressão arterial; AVE: acidente vascular encefálico; DAC: doença
arterial coronariana; IC: insuficiência cardíaca; DAP: doença arterial periférica; DRC: doença renal crônica; RACur: relação albumina/creatinina urinária; LOA:
lesão de órgão-alvo; HVE: hipertrofia ventricular esquerda; VOP: velocidade da onda de pulso; ITB: índice tornozelo-braquial; PAS: pressão arterial sistólica;
PAD: pressão arterial diastólica. Fatores de risco: sexo masculino, idade > 55 anos (homem) ou > 65 anos (mulher), história familiar, tabagismo, dislipidemia,
obesidade e resistência à insulina.

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Tabela 5 – Definição de doença aterosclerótica e de seus equivalentes

1. Doença aterosclerótica (clinicamente evidente): arterial coronária, cerebrovascular ou obstrutiva periférica


2. Aterosclerose subclínica significativa documentada por método diagnóstico
3. Procedimentos de revascularização arterial
4. Diabetes melito tipos 1 e 2
5. Doença renal crônica
6. Hipercolesterolemia familiar

Tabela 6(A) – Pontos no escore de risco global para mulheres

Idade PAS PAS


Pontos HDL-c COL Fumo Diabetes
(anos) (não tratada) (tratada)
-3 < 120
-2 60+
-1 50-59 < 120
0 30-34 45-49 < 160 120-129 Não Não
1 35-44 160-199 130-139
2 35-39 < 35 140-149 120-129
3 200-239 130-139 Sim
4 40-44 240-279 150-159 Sim
5 45-49 280+ 160+ 140-149
6 150-159
7 50-54 160+
8 55-59
9 60-64
10 65-69
11 70-74
12 75+
HDL-c: lipoproteína de alta densidade; COL: colesterol total; PAS: pressão arterial sistólica.

Tabela 6(B) – Risco CV global para mulheres conforme pontos obtidos

Pontos Risco (%) Pontos Risco (%)


≤ -2 <1 10 6,3
-1 1,0 11 7,3
0 1,2 12 8,6
1 1,5 13 10,0
2 1,7 14 11,7
3 2,0 15 13,7
4 2,4 16 15,9
5 2,8 17 18,5
6 3,3 18 21,6
7 3,9 19 24,8
8 4,5 20 28,5
9 5,3 21+ >30

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Reclassificação do risco conforme presença de fatores Figura 2 apresenta todas as etapas necessárias para a
agravantes classificação final.
Os pacientes de risco intermediário que apresentam Em conclusão, ainda não existe uma forma validada no Brasil
quaisquer fatores agravantes citados na Tabela 8 são de avaliação do risco CV. Além disso, algumas mulheres jovens
reclassificados para "alto risco". 9,13-15 (GR: IIa; NE: B). tendem a uma estimativa de risco mais baixa do que a real e,
Os critérios utilizados no diagnóstico de SM estão descritos por outro lado, homens mais idosos são geralmente identificados
na Tabela 9. como de alto risco, mesmo sem FR relevantes. Assim, a utilização
Também para facilitar a determinação do risco de mais de uma forma de classificação permite uma melhor
CV global no paciente hipertenso, o fluxograma da compreensão do risco CV no paciente hipertenso.

Tabela 7(A) – Pontos no escore de risco global para homens

Idade PAS PAS


Pontos HDL-c COL Fumo Diabetes
(anos) (não tratada) (tratada)
-2 60+ < 120
-1 50-59
0 30-34 45-49 < 160 120-129 < 120 Não Não
1 35-44 160-199 130-139
2 35-39 < 35 200-239 140-159 120-129
3 240-279 160+ 130-139 Sim
4 280+ 140-159 Sim
5 40-44 160+
6 45-49
7
8 50-54
9
10 55-59
11 60-64
12 65-69
13
14 70-74
15+ 75+
HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade; COL: colesterol total; PAS: pressão arterial sistólica.

Tabela 7(B) – Risco CV global para homens conforme pontos obtidos

Pontos Risco (%) Pontos Risco (%)


≤ -3 <1 8 6,7
-2 1,1 9 7,9
-1 1,4 10 9,4
0 1,6 11 11,2
1 1,9 12 13,2
2 2,3 13 15,6
3 2,8 14 18,4
4 3,3 15 21,6
5 3,9 16 25,3
6 4,7 17 29,4
7 5,6 18+ > 30

Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83 22


7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

Diretrizes

Tabela 8 – Fatores agravantes do risco CV Tabela 9 – Critérios diagnósticos de síndrome metabólica (definida
com 3 ou mais critérios)15,16
Recomendações e
Fator agravante
evidências Critérios Definição
1. História familiar de DAC prematura em parente 1. Obesidade abdominal
de primeiro grau, homem < 55 anos ou mulher < GR: IIa; NE: A
65 anos Homens ≥ 94 cm

2. Diagnóstico de SM conforme critérios IDF GR: IIb; NE: A Mulheres ≥ 80 cm

3. Microalbuminúria (30-300 mg/g creatinina) ou 2. HDL-colesterol


GR: IIa; NE: B
albuminúria > 300 mg/g creatinina Homens < 40 mg/dl
4. HVE GR: IIa; NE: B Mulheres < 50 mg/dl
5. Proteína C-reativa ultrassensível > 2mg/l GR: IIa; NE: B 3. Triglicerídeos (ou tratamento para hipertrigliceridemia) ≥ 150 mg/dl
6. EMI de carótidas > 1,0 mm GR: IIb NE: B 4. PA (ou tratamento para hipertensão arterial)
7. Escore de cálcio coronário > 100 ou > percentil 75 PAS e/ou ≥ 130 mmHg
GR: IIa; NE: A
para idade e sexo
PAD ≥ 85 mmHg
8. ITB < 0,9 GR: IIa; NE: A
5. Glicemia (ou tratamento para DM) ≥ 100 mg/dl
DAC: doença arterial coronariana; SM: síndrome metabólica; IDF:
International Diabetes Federation; HVE: hipertrofia ventricular PA: pressão arterial; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial
esquerda; EMI: espessura mediointimal; ITB: índice tornozelo-braquial. diastólica; DM: diabetes melito.

Figura 2 – Fluxograma para estimativa do risco cardiovascular global. HFam: história familiar; DCV: doença cardiovascular.

Referências
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population: systematic review. BMJ. 2016;353:i2416. disease in overweight and obese people: a modelling study. Lancet
Diabetes Endocrinol. 2015;3(2):114-22.
2. Groenewegen KA, den Ruijter HM, Pasterkamp G, Polak JF, Bots ML,
4. Daskalopoulou SS, Rabi DM, Zarnke KB, Dasgupta K, Nerenberg K, Cloutier L,
Peters SA. Vascular age to determine cardiovascular disease risk: a et al. The 2015 Canadian Hypertension Education Program recommendations
systematic review of its concepts, definitions, and clinical applications. for blood pressure measurement, diagnosis, assessment of risk, prevention,
Eur J Prev Cardiol. 2016;23(3):264-74. and treatment of hypertension. Can J Cardiol. 2015;31(5):549-68.

23 Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83


Classificação e diagnóstico do
diabetes mellitus

Conceito e classificação dução de insulina.5,6 Estima-se que mais de 30 mil brasilei-


do diabetes mellitus ros sejam portadores de DM1 e que o Brasil ocupe o ter-
ceiro lugar em prevalência de DM1 no mundo, segundo a
International Diabetes Federation.1 Embora a prevalência

O
de DM1 esteja aumentando, corresponde a apenas 5 a 10%
diabetes mellitus (DM) consiste em um distúrbio me- de todos os casos de DM. É mais frequentemente diagnos-
tabólico caracterizado por hiperglicemia persistente, ticado em crianças, adolescentes e, em alguns casos, em
decorrente de deficiência na produção de insulina adultos jovens, afetando igualmente homens e mulheres.
ou na sua ação, ou em ambos os mecanismos, ocasionando Subdivide-se em DM tipo 1A e DM tipo 1B, a depender
complicações em longo prazo. Atinge proporções epidêmi- da presença ou da ausência laboratorial de autoanticorpos
cas, com estimativa de 415 milhões de portadores de DM circulantes, respectivamente.
mundialmente.1 A hiperglicemia persistente está associada a
complicações crônicas micro e macrovasculares, aumento de Diabetes mellitus tipo 1A
morbidade, redução da qualidade de vida e elevação da taxa
de mortalidade.2 A classificação do DM tem sido baseada em Forma mais frequente de DM1, confirmada pela po-
sua etiologia3,4 (Quadro 1). Os fatores causais dos principais sitividade de um ou mais autoanticorpos. Em diferentes
tipos de DM – genéticos, biológicos e ambientais – ainda não populações, descreve-se forte associação com antígeno
são completamente conhecidos. leucocitário humano (human leukocyte antigen, HLA) DR3
e DR4. Embora sua fisiopatologia não seja totalmente co-
Diabetes mellitus tipo 1 nhecida, envolve, além da predisposição genética, fatores
ambientais que desencadeiam a resposta autoimune. Entre
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença au- as principais exposições ambientais associadas ao DM1 es-
toimune, poligênica, decorrente de destruição das células tão infecções virais, componentes dietéticos e certas com-
β pancreáticas, ocasionando deficiência completa na pro- posições da microbiota intestinal.7,8

Quadro 1. Classificação etiológica do DM.


DM tipo 1:
- Tipo 1A: deficiência de insulina por destruição autoimune das células β comprovada por exames laboratoriais;
1
- Tipo 1B: deficiência de insulina de natureza idiopática.
2 DM tipo 2: perda progressiva de secreção insulínica combinada com resistência à insulina
3 DM gestacional: hiperglicemia de graus variados diagnosticada durante a gestação, na ausência de critérios de DM prévio
4 Outros tipos de DM:
- Monogênicos (MODY);
- Diabetes neonatal;
- Secundário a endocrinopatias;
- Secundário a doenças do pâncreas exócrino;
- Secundário a infecções;
- Secundário a medicamentos.
DM: diabetes mellitus; MODY: Maturity-Onset Diabetes of the Young.
Fonte: adaptado de American Diabetes Association; 2017.3

Os marcadores conhecidos de autoimunidade são: po antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD65),


anticorpo anti-ilhota (islet cell antibody, ICA), autoanti- anticorpo antitirosina-fosfatase IA-2 e IA-2B e anticorpo
corpo anti-insulina (insulin autoantibody, IAA), anticor- antitransportador de zinco (Znt8).3 Geralmente, esses au-

19
Classificação e diagnóstico do diabetes mellitus

toanticorpos precedem a hiperglicemia por meses a anos, O DM1 é bem mais frequente na infância e na adoles-
durante um estágio pré-diabético.6 Quanto maior o núme- cência, mas pode ser diagnosticado em adultos, que podem
ro de autoanticorpos presentes e mais elevados seus títu- desenvolver uma forma lentamente progressiva da doença,
los, maior a chance de o indivíduo desenvolver a doença. denominada latent autoimmune diabetes in adults (LADA).
Na fase clinicamente manifesta do DM1, o início é, em O Quadro 2 apresenta os estágios do DM1 autoimune
geral, abrupto, podendo ser a cetoacidose diabética a pri- propostos pela Associação Americana de Diabetes (American
meira manifestação da doença em um terço dos casos.5 Diabetes Association, ADA) para estadiamento, baseados nos
Embora a maioria dos pacientes com DM1 tenha peso níveis glicêmicos e na sintomatologia.3,6 Na prática clínica,
normal, a presença de sobrepeso e obesidade não exclui o não se recomenda rotineiramente a investigação de autoimu-
diagnóstico da doença. nidade com dosagem dos autoanticorpos.

Quadro 2. Estágios do DM tipo 1 e suas características.


Estágios
1 2 3
Autoimunidade Anticorpos positivos Anticorpos positivos Anticorpos positivos
Níveis glicêmicos para Normoglicemia: glicemia de jejum, Disglicemia: níveis glicêmicos Hiperglicemia evidente e de início
diagnóstico TOTG e HbA1c normais alterados, compatíveis com pré- recente, critérios clássicos para
diabetes (jejum entre 100 e 125 diagnóstico de DM (glicemia de
mg/dL, 2 horas no TOTG entre 140 jejum ≥ 126 mg/dL, 2 horas no
e 199 mg/dL, ou HbA1c entre 5,7 TOTG ≥ 200 mg/dL, ou HbA1c ≥
e 6,4%) 6,5%*)
Sintomas Ausentes Ausentes Presentes
HbA1c: hemoglobina glicada; TOTG: teste oral de tolerância à glicose; DM: diabetes mellitus.
* Em pacientes sintomáticos, deve-se preferir diagnóstico pelas dosagens diretas de glicemia em vez da determinação de HbA1c.
Fonte: American Diabetes Association; 2017,3 Insel et al.; 2015.6

Diabetes mellitus tipo 1B sorção renal de glicose e graus variados de deficiência na sín-
tese e na secreção de insulina pela célula β pancreática.10,11 Sua
A denominação 1B, ou idiopático, é atribuída aos casos fisiopatologia, diferentemente dos marcadores presentes no
de DM1 nos quais os autoanticorpos não são detectáveis na DM1, não apresenta indicadores específicos da doença. Em
circulação. O diagnóstico apresenta limitações e pode ser pelo menos 80 a 90% dos casos, associa-se ao excesso de peso
confundido com outras formas de DM diante da negatividade e a outros componentes da síndrome metabólica.
dos autoanticorpos circulantes, de modo concomitante com Na maioria das vezes, a doença é assintomática ou oligossin-
a necessidade precoce de insulinoterapia plena. As recomen- tomática por longo período, sendo o diagnóstico realizado por
dações terapêuticas são as mesmas do DM tipo 1A e não há dosagens laboratoriais de rotina ou manifestações das complica-
evidências de riscos distintos para as complicações crônicas ções crônicas. Com menor frequência, indivíduos com DM2 apre-
entre os subtipos. sentam sintomas clássicos de hiperglicemia (poliúria, polidipsia,
polifagia e emagrecimento inexplicado). Embora a cetoacidose
Diabetes mellitus tipo 2 diabética seja rara como manifestação inicial do DM2, tem-se ob-
servado aumento no número desses casos na abertura do quadro.12
O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) corresponde a 90 a 95% Os consagrados fatores de risco para DM2 são: história fami-
de todos os casos de DM. Possui etiologia complexa e multi- liar da doença, avançar da idade, obesidade, sedentarismo, diag-
fatorial, envolvendo componentes genético e ambiental.3,4 Ge- nóstico prévio de pré-diabetes ou diabetes mellitus gestacional
ralmente, o DM2 acomete indivíduos a partir da quarta déca- (DMG) e presença de componentes da síndrome metabólica, tais
da de vida, embora se descreva, em alguns países, aumento na como hipertensão arterial e dislipidemia. A distribuição da adi-
sua incidência em crianças e jovens.9 Trata-se de doença poli- posidade corporal mais comumente associada ao risco de DM2 é
gênica, com forte herança familiar, ainda não completamente a central, indicativa de acúmulo de gordura visceral. Esse tecido
esclarecida, cuja ocorrência tem contribuição significativa de hipertrofiado produz citocinas pró-inflamatórias e gera resistên-
fatores ambientais. Dentre eles, hábitos dietéticos e inativi- cia à insulina, envolvida na gênese do DM2 e de suas comorbida-
dade física, que contribuem para a obesidade, destacam-se des. É mandatório para indivíduos com sinais e sintomas coleta
como os principais fatores de risco. O desenvolvimento e a de exames para confirmação diagnóstica de DM2. Ainda que as-
perpetuação da hiperglicemia ocorrem concomitantemente sintomáticos, a presença de fatores de risco já impõe rastreamen-
com hiperglucagonemia, resistência dos tecidos periféricos à to para diagnóstico precoce. O Quadro 3 apresenta a proposta da
ação da insulina, aumento da produção hepática de glicose, ADA para rastreamento de DM2. Se a investigação laboratorial
disfunção incretínica, aumento de lipólise e consequente au- for normal, sugere-se repetição do rastreamento em intervalos
mento de ácidos graxos livres circulantes, aumento da reab- de 3 anos ou mais frequentemente, se indicado.3

20
Classificação e diagnóstico do diabetes mellitus

Quadro 3. Indicação para rastreamento de DM2 em indivíduos assintomáticos, conforme proposto pela ADA.
Indivíduos com idade ≥ 45 anos
Indivíduos com idade < 45 anos; sugere-se rastreamento de DM2 em indivíduos com sobrepeso ou obesidade e que apresentem mais um fator de
risco para DM dentre os seguintes:
• Pré-diabetes;
• História familiar de DM (parente de primeiro grau);
• Raça/etnia de alto risco para DM (negros, hispânicos ou índios Pima);
• Mulheres com diagnóstico prévio de DMG;
• História de doença cardiovascular;
• Hipertensão arterial;
• HDL-c < 35 mg/dL e/ou triglicérides > 250 mg/dL;
• Síndrome de ovários policísticos;
• Sedentarismo;
• Acantose nigricans.
DM: diabetes mellitus; DMG: diabetes mellitus gestacional; HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade.
Fonte: American Diabetes Association; 2017.3

Em 2017, a ADA propôs questionário de risco para mas placentárias que degradam a insulina, com consequente
DM2 na sua diretriz, que leva em consideração idade, sexo, aumento compensatório na produção de insulina e na resis-
história prévia de DMG ou hipertensão arterial, história tência à insulina, podendo evoluir com disfunção das células
familiar de DM2 e nível de atividade física.3 Tal estraté- β.14 Trata-se de uma intolerância a carboidratos de gravidade
gia de identificação de risco já havia sido testada em ou- variável, que se iniciou durante a gestação atual, sem ter pre-
tras populações.13 Uma pontuação é dada para cada fator viamente preenchido os critérios diagnósticos de DM.
de risco, sendo um score ≥ 5 associado a risco aumentado O DMG traz riscos tanto para a mãe quanto para o feto e
para DM2. Trata-se de instrumento de rastreamento útil, o neonato, sendo geralmente diagnosticado no segundo ou
de baixo custo, que pode ser empregado em larga escala no terceiro trimestres da gestação. Pode ser transitório ou persis-
âmbito da saúde pública. tir após o parto, caracterizando-se como importante fator de
risco independente para desenvolvimento futuro de DM2. A
Diabetes mellitus gestacional prevalência varia de 1 a 14% a depender da população estu-
dada e do critério diagnóstico adotado. Vários fatores de ris-
A gestação consiste em condição diabetogênica, uma vez co foram associados ao desenvolvimento de DMG, conforme
que a placenta produz hormônios hiperglicemiantes e enzi- mostra o Quadro 4.

Quadro 4. Fatores de risco para DMG.

• Idade materna avançada


• Sobrepeso, obesidade ou ganho excessivo de peso na gravidez atual
• Deposição central excessiva de gordura corporal
• História familiar de diabetes em parentes de primeiro grau
• Crescimento fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual
• Antecedentes obstétricos de abortamentos de repetição, malformações, morte fetal ou neonatal, macrossomia ou DMG
• Síndrome de ovários policísticos
• Baixa estatura (inferior a 1,5 m)

DMG: diabetes mellitus gestacional.


Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2015.

Um importante marco para o diagnóstico e o acompa- hipoglicemia neonatal, dentre outras complicações, em de-
nhamento do DMG foi a publicação do estudo Hypergly- corrência do aumento dos níveis glicêmicos.
cemia and Adverse Pregnancy Outcomes (HAPO).15 Esse
estudo incluiu cerca de 25 mil mulheres de nove países Outras formas de diabetes mellitus
no terceiro trimestre de gestação, submetidas a teste oral
de tolerância à glicose (TOTG), e comprovou que existe Pertencem a essa categoria todas as outras formas me-
um progressivo e contínuo aumento do risco de compli- nos comuns de DM, cuja apresentação clínica é bastante
cações materno-fetais conforme se elevam os níveis de gli- variada e depende da alteração de base que provocou o dis-
cemia materna, tanto em jejum quanto na pós-sobrecarga, túrbio do metabolismo glicídico.3,16 Estão aqui incluídos os
mesmo dentro de níveis até então considerados normais defeitos genéticos que resultam na disfunção das células
(não-DMG). O estudo verificou aumento de risco de parto β, os defeitos genéticos na ação da insulina, as doenças do
cesáreo, recém-nascido com peso acima do percentil 90 e pâncreas exócrino e outras condições listadas no Quadro 5.

21
Classificação e diagnóstico do diabetes mellitus

As formas de DM associadas a defeitos genéticos na fun- betes neonatal permanente e menos de 10% das ocorrências
ção das células β incluem Maturity-Onset Diabetes of the Young de diabetes neonatal transitório, enquanto mutações no gene
(MODY), diabetes neonatal, diabetes mitocondrial e outras. ABCC8 ocasionam mais frequentemente diabetes neonatal
MODY é uma forma monogênica de DM e caracteriza-se transitório. Em pacientes com mutações nos genes KCNJ11
por herança autossômica dominante, idade precoce de apa- e ABCC8, é possível, em aproximadamente 80% dos casos, a
recimento (em geral, antes dos 25 anos) e graus variáveis de utilização de sulfonilureia com boa resposta terapêutica. Ain-
disfunção da célula β.17 Estima-se que represente 1 a 2% de da, mutações em vários outros genes (INS, GCK, PLAGL1
todos os casos de DM; na maioria das vezes, é diagnosticado etc.) são causas de diabetes neonatal.
inicialmente como DM1 ou DM2. É clínica e geneticamente Outras causas de DM incluem defeitos genéticos na ação
heterogêneo, e pelo menos 13 subtipos de MODY já foram da insulina, decorrentes de mutações no gene do receptor de
identificados, decorrentes de mutações em diferentes ge- insulina, e doenças do pâncreas exócrino, como pancreatite,
nes.17-20 Os subtipos têm diferenças em idade de apresentação trauma, pancreatectomia e carcinoma pancreático. Além dis-
da doença, padrão de hiperglicemia, resposta ao tratamento so, endocrinopatias com aumento de hormônios contrarregu-
e manifestações extrapancreáticas associadas. As causas mais ladores da ação da insulina, entre os quais hormônio de cres-
comuns de MODY são derivadas de mutações nos genes cimento, cortisol e glucagon, podem provocar DM. Diferentes
HNF1A (MODY 3) e GCK (MODY 2). MODY 2 apresenta- medicamentos são associados a alterações no metabolismo da
se com hiperglicemia leve, encontrada desde o nascimento, e glicose por meio de diminuição da secreção ou da ação da
não progressiva, geralmente não requerendo tratamento com insulina. Os exemplos mais comuns são os glicocorticoides, o
agentes orais ou insulina, sendo tratado exclusivamente com ácido nicotínico e os antipsicóticos atípicos.
mudança de estilo de vida. Em vista do comportamento da
hiperglicemia, leve e não progressiva, as complicações crôni- Diagnóstico de
cas do DM são raras. Já indivíduos com MODY 3 apresen-
tam falência progressiva da função das células β, o que resulta diabetes mellitus
em hiperglicemia no decorrer da vida. Tal DM costuma ser
diagnosticado na adolescência ou no adulto jovem, e a fre- Na história natural do DM, alterações fisiopatológicas es-
quência de suas complicações crônicas, de forma semelhante tão presentes antes que os valores glicêmicos atinjam níveis
à dos portadores de DM1 e DM2, é relacionada com o con- supranormais. A condição na qual os valores glicêmicos estão
trole glicêmico. Portadores de MODY 3 têm sensibilidade à acima dos valores de referência, mas ainda abaixo dos valores
ação hipoglicemiante das sulfonilureias, sendo essa classe a diagnósticos de DM, denomina-se pré-diabetes.3 A resistência
medicação de escolha para esses indivíduos. à insulina já está presente e, na ausência de medidas de com-
O diabetes neonatal é uma forma monogênica da doença, bate aos fatores de risco modificáveis, ela evolui frequente-
diagnosticado, normalmente, nos primeiros 6 meses de vida. mente para a doença clinicamente manifesta. A ADA previa-
Cerca de 50% dos casos são transitórios, ocorrendo a remis- mente havia atribuído os termos “glicemia de jejum alterada”
são em semanas ou meses, podendo o diabetes recidivar por e “tolerância à glicose diminuída” a essas condições de risco
volta da puberdade, e os demais são permanentes.21,22 O dia- aumentado de doença cardiovascular e complicações em lon-
betes neonatal transitório é, na maioria dos casos, associado go prazo. Na maioria dos casos de pré-diabetes, a “doença” é
a anormalidades no cromossomo 6q24. Os pacientes afetados assintomática e o diagnóstico deve ser feito com base em exa-
apresentam baixo peso ao nascimento, e a hiperglicemia de- mes laboratoriais. Mesmo o DM estando presente do ponto
senvolve-se nas primeiras semanas de vida. Indivíduos com de vista laboratorial, seu diagnóstico clínico pode tardar até
diabetes neonatal permanente também têm peso reduzido ao anos pelo fato de a doença ser oligossintomática em grande
nascimento, e a idade de aparecimento da hiperglicemia é va- parte dos casos, por isso a importância do rastreamento na
riável, em geral nos primeiros 3 meses de vida. Habitualmen- presença dos fatores de risco.
te, o diabetes ocorre de maneira isolada, mas, em uma mino- As categorias de tolerância à glicose têm sido definidas
ria dos casos, pode estar acompanhado de outras alterações com base nos seguintes exames:3
em síndromes específicas. Em comparação com os portadores • Glicemia em jejum: deve ser coletada em sangue periféri-
de diabetes neonatal permanente, os pacientes portadores da co após jejum calórico de no mínimo 8 horas;
forma transitória apresentam hiperglicemia em idade mais • TOTG: previamente à ingestão de 75 g de glicose dissol-
precoce, menor peso por ocasião do diagnóstico e necessi- vida em água, coleta-se uma amostra de sangue em jejum
tam de doses menores de insulina para o controle metabólico; para determinação da glicemia; coleta-se outra, então,
existe, porém, considerável sobreposição do quadro clínico, após 2 horas da sobrecarga oral. Importante reforçar que
não sendo possível, ao diagnóstico, definir se a forma é tran- a dieta deve ser a habitual e sem restrição de carboidra-
sitória ou permanente. tos pelo menos nos 3 dias anteriores à realização do teste.
Mutações ativadoras nos genes KCNJ11 e ABCC8 que Permite avaliação da glicemia após sobrecarga, que pode
codificam, respectivamente, as subunidades Kir 6.2 e SUR ser a única alteração detectável no início do DM, refletin-
1 do canal de potássio sensível ao trifosfato de adenosina do a perda de primeira fase da secreção de insulina;
(adenosine triphosphate, ATP) são causas de diabetes neonatal • Hemoglobina glicada (HbA1c): oferece vantagens ao refletir
transitório e permanente. Mutações no gene KCNJ11 em he- níveis glicêmicos dos últimos 3 a 4 meses e ao sofrer me-
terozigose respondem por cerca de 30 a 40% dos casos de dia- nor variabilidade dia a dia e independer do estado de jejum

23
Classificação e diagnóstico do diabetes mellitus

para sua determinação. Vale reforçar que se trata de medi- A confirmação do diagnóstico de DM requer repetição dos
da indireta da glicemia, que sofre interferência de algumas exames alterados, idealmente o mesmo exame alterado em se-
situações, como anemias, hemoglobinopatias e uremia, nas gunda amostra de sangue, na ausência de sintomas inequívocos
quais é preferível diagnosticar o estado de tolerância à gli- de hiperglicemia.3 Pacientes com sintomas clássicos de hiper-
cose com base na dosagem glicêmica direta. Outros fatores, glicemia, tais como poliúria, polidipsia, polifagia e emagreci-
como idade e etnia, também podem interferir no resultado mento, devem ser submetidos à dosagem de glicemia ao acaso
da HbA1c. Por fim, para que possa ser utilizada no diagnós- e independente do jejum, não havendo necessidade de confir-
tico de DM, a determinação da HbA1c deve ocorrer pelo mação por meio de segunda dosagem caso se verifique glice-
método padronizado no Diabetes Control and Complications mia aleatória ≥ 200 mg/dL. Os valores de normalidade para os
Trial (DCCT) e certificado pelo National Glycohemoglobin respectivos exames, bem como os critérios diagnósticos para
Standardization Program (NGSP) (disponível em: http:// pré-diabetes e DM mais aceitos e adotados pela Sociedade Bra-
www.ngsp.org/certified.asp [acesso em 27 jun 2017]). sileira de Diabetes (SBD), encontram-se descritos no Quadro 6.

Quadro 6. Critérios laboratoriais para diagnóstico de normoglicemia, pré-diabetes e DM,3 adotados pela SBD.
Glicose 2 horas
Glicose em jejum após sobrecarga
Glicose ao acaso HbA1c (%) Observações
(mg/dL) com 75 g de
glicose (mg/dL)
OMS emprega valor
de corte de 110 mg/
Normoglicemia < 100 < 140 – < 5,7
dL para normalidade
da glicose em jejum.2
Positividade de
Pré-diabetes ou qualquer dos
risco aumentado ≥ 100 e < 126* ≥ 140 e < 200# – ≥ 5,7 e < 6,5 parâmetros confirma
para DM diagnóstico de pré-
diabetes.
Positividade de
qualquer dos
parâmetros confirma
diagnóstico de DM.
Método de HbA1c deve
≥ 200 com sintomas
Diabetes ser o padronizado.
≥ 126 ≥ 200 inequívocos de ≥ 6,5
estabelecido Na ausência
hiperglicemia
de sintomas de
hiperglicemia, é
necessário confirmar
o diagnóstico pela
repetição de testes.
OMS: Organização Mundial da Saúde; HbA1c: hemoglobina glicada; DM: diabetes mellitus.
* Categoria também conhecida como glicemia de jejum alterada.
#
Categoria também conhecida como intolerância oral à glicose.

As categorias de pré-diabetes, além de conferirem risco au- ciedades científicas, inclusive pela SBD, estão resumidas no
mentado para desenvolvimento de DM, também estão associadas Quadro 7.
a maior risco de doença cardiovascular e complicações crônicas.3 No primeiro trimestre da gestação, idealmente na primei-
Os critérios diagnósticos para DM1 são semelhantes aos ra consulta de pré-natal, sugere-se investigar DM preexistente
utilizados no DM2. No primeiro caso, porém, comumente a por meio dos exames habituais. Gestantes com diagnóstico
sintomatologia já chama muito mais a atenção do clínico do de DM no primeiro trimestre da gestação (critérios diag-
que no segundo caso. nósticos de DM em não gestantes) devem ser consideradas
portadoras de DM preexistente; elas apresentam maior risco
Diagnóstico de diabetes de malformações fetais e outras complicações gestacionais e
mellitus gestacional neonatais. Vale ressaltar que o valor de corte da glicemia em
jejum durante a gestação difere do considerado normal para
Embora não exista consenso sobre a melhor estratégia não gestantes, sendo < 92 mg/dL em qualquer fase da gesta-
de rastreamento e diagnóstico do DMG, as recomendações ção. Valores entre 92 e 126 mg/dL são diagnósticos de DMG
mais aceitas internacionalmente,23,24 propostas por várias so- em qualquer fase da gestação.

24
Classificação e diagnóstico do diabetes mellitus

Sugere-se que toda mulher sem diagnóstico reconheci- critérios propostos pela IADPSG e pela OMS, a prevalência es-
do de DM francamente manifesto ou DMG seja submetida timada de DMG aumenta para cerca de 20% e torna-se uma
a TOTG com 75 g de glicose após jejum calórico mínimo preocupação bastante relevante para a saúde pública.3
de 8 horas, entre 24 e 28 semanas de gestação, com coleta Estudo recente acompanhou 1.750 gestantes na Espanha
de glicose em jejum, 1 e 2 horas após sobrecarga, conforme e comparou a prevalência de DMG com base nos atuais cri-
recomendação da IADPSG e da OMS. É importante reforçar térios diagnósticos de DMG propostos pela IADPSG e nos
a manutenção de dieta sem restrição de carboidratos nos 3 antigos.28 A prevalência de DMG foi 3,5 vezes maior segundo
dias anteriores ao exame, sendo um único valor alterado no os novos critérios (35,5% versus 10,6%), tendo sido confirma-
teste suficiente para o diagnóstico de DMG. Outras socie- dos melhores desfechos gestacionais e neonatais, uma vez que
dades médicas não apoiam os valores de corte descritos no essas mulheres foram submetidas a tratamento antidiabético
Quadro 7 para diagnóstico de DMG, não havendo consenso em níveis mais baixos de glicemia. Houve redução dos casos
até o momento.25-27 de hipertensão gestacional (de 14,6%), prematuridade (de
HAPO15 foi um estudo observacional de grande relevância 10,9%), parto cesáreo (de 23,9%), recém-nascidos pequenos
para a reanálise de pontos de corte em diagnóstico de DMG, para a idade gestacional (de 6,5%) e internações em unidade
tendo como objetivo determinar o ponto de corte que confe- de terapia intensiva (UTI) (de 24,4%), bem como 9% de re-
ria risco aumentado de desfechos indesejados maternos, fetais dução em Apgar < 7 no primeiro minuto de vida. Análise far-
e neonatais. O estudo motivou diversas sociedades médicas e macoeconômica confirmou a boa relação custo-efetividade
organizações de saúde a reavaliar seus critérios diagnósticos de do novo critério diagnóstico para DMG, especialmente pela
DMG. Como era de esperar, entretanto, adotando-se os novos redução de cesáreas e internações em UTI.29

Quadro 7. Recomendações para rastreamento e diagnóstico de DMG e DM franco na gestação de acordo com a International
Association of the Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG) e a OMS,3,23,24 também adotadas pela SBD.
Na primeira consulta de pré-natal, recomenda-se avaliar as mulheres quanto à presença de DM prévio, não diagnosticado e francamente manifesto.
O diagnóstico de DM será feito se um dos testes a seguir apresentar-se alterado:
• Glicemia em jejum ≥ 126 mg/dL;
• Glicemia 2 horas após sobrecarga com 75 g de glicose ≥ 200 mg/dL;*
• HbA1c ≥ 6,5%;#
• Glicemia aleatória ≥ 200 mg/dL na presença de sintomas;
• Confirmação será feita pela repetição dos exames alterados, na ausência de sintomas.
Sugere-se que seja feita dosagem de glicemia de jejum em todas as mulheres na primeira consulta de pré-natal.
Mulheres sem diagnóstico de DM, mas com glicemia de jejum ≥ 92 mg/dL, devem receber diagnóstico de DMG.
Toda mulher com glicemia de jejum < 92 mg/dL inicial deve ser submetida a teste de sobrecarga oral com 75 g de glicose anidra entre 24 e 28
semanas de gestação, sendo o diagnóstico de diabetes gestacional estabelecido quando no mínimo um dos valores a seguir encontrar-se alterado:
• Glicemia em jejum ≥ 92 mg/dL;
• Glicemia 1 hora após sobrecarga ≥ 180 mg/dL;
• Glicemia 2 horas após sobrecarga ≥ 153 mg/dL.
DM: diabetes mellitus; DMG: diabetes mellitus gestacional.
* Critério adotado pela OMS.
#
Critério adotado pela IADPSG.

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25
Metas glicêmicas para adultos,
gestantes e crianças

Introdução Durante anos, acreditou-se que os alvos da HbA1c deve-

É
riam variar conforme a faixa etária, especialmente para crian-
objetivo do tratamento do paciente com diabetes mellitus ças, sendo maiores para lactentes e progressivamente menores
(DM) o bom controle metabólico, diminuindo, assim, os para crianças em idade escolar e na adolescência. Isso decorreu
riscos de complicações micro e macrovasculares. Na práti- da observação de que, no DCCT, os adolescentes no grupo de
ca, como monitorar o controle glicêmico? No arsenal disponível terapia intensiva atingiram HbA1c de 8,1%, enquanto os adul-
à avaliação do controle glicêmico, encontram-se a hemoglobina tos, 7,1%. A partir disso foram feitas recomendações de valo-
glicada (HbA1c), as glicemias capilares diárias (que permitem o res de HbA1c para adolescentes e, posteriormente, adaptações
cálculo da glicemia média estimada), o desvio-padrão da média para crianças, com valores de corte mais altos, especialmente
da glicemia (que ilustra a variabilidade glicêmica) e o tempo no para crianças menores de 5 anos, cujo alvo ficou estabeleci-
alvo, isto é, aquele em que o paciente esteve dentro da faixa reco- do em ≤ 8,5%. No entanto, em 2009, o consenso da Socieda-
mendada de glicemia. O papel de cada um desses fatores na ava- de Internacional de Diabetes para Pediatria e Adolescência
liação do controle glicêmico de indivíduos com diabetes mellitus (International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes,
tipos 1 e 2 (DM1 e DM2) é discutido a seguir, apresentando-se as ISPAD) recomendou que o alvo de HbA1c para qualquer crian-
particularidades por faixa etária, quando pertinente. ça ou adolescente com idade inferior a 18 anos fosse menor
(7,5%); a partir de 2014, a Associação Americana de Diabetes
Metas glicêmicas (American Diabetes Association, ADA) passou a utilizar os
mesmos critérios. Vale ressaltar que ambas as associações per-
para indivíduos com mitem o aumento temporário do alvo, na vigência de hipogli-
diabetes mellitus cemia assintomática, até que os sintomas sejam restaurados.1,2
Para adultos, as recomendações de HbA1c variam de 6,5
a 7,0%, dependendo da sociedade científica, mas sempre é
Hemoglobina glicada importante individualizar o tratamento (D). Em casos sele-
cionados, entretanto, a meta pode ser mais rígida (< 6,5%),
Desde o Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), a desde que isso seja seguro ao paciente e com baixa frequên-
HbA1c é considerada o exame padrão-ouro para avaliar o con- cia de hipoglicemias (B). O uso de metas mais rígidas nesses
trole metabólico do indivíduo com DM1, já que ficou consisten- casos, sem doença cardiovascular e, preferencialmente, desde
temente demonstrada a relação entre níveis aumentados e risco o início do tratamento, embasa-se na redução do risco mi-
de complicação microvascular (nível de evidência A). Aqueles crovascular, verificada em análises de subgrupos do DCCT,
que apresentaram os valores mais baixos de HbA1c, próximos do United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) e do
de 7%, também mensuraram mais vezes a glicemia capilar (sete Action in Diabetes and Vascular Disease: Preterax and Diamicron
vezes ao dia) e apresentaram glicemia média de 163 mg/dL, con- MR Controlled Evaluation (ADVANCE), que evidenciaram re-
firmando a necessidade de monitorização mais intensiva para dução do risco de complicações microvasculares com valores
alcance dos objetivos glicêmicos. A determinação da HbA1c de HbA1c próximos à normalidade.3-6
possibilita estimar quão elevadas as glicemias estiveram nos úl- Em outras situações clínicas, como insuficiência renal
timos 3 a 4 meses. Tal estimativa torna-se possível pelo fato de a ou hepática, que predispõem ao aparecimento de hipogli-
glicose sanguínea ligar-se de maneira irreversível à hemoglobi- cemia, o alvo glicêmico pode ser um pouco mais elevado do
na durante o período de vida da hemácia, que tem essa duração. que o habitual. O mesmo pode ser preconizado para indi-
A porcentagem da hemoglobina que sofreu glicação será tanto víduos com hipoglicemias assintomáticas ou graves, idosos
maior quanto maior a concentração de glicose sanguínea. Esse e pacientes com baixa expectativa de vida ou complicações
resultado expresso em porcentagem refere-se à média das glice- micro ou macrovasculares significativas (D).7 Um controle
mias diárias, sendo 50% correspondente ao mês que precedeu o menos rígido da glicemia também parece razoável em in-
exame, 25% ao mês anterior à coleta e 25% ao terceiro e quarto divíduos com longa duração do DM que tenham mantido
meses anteriores (D). Assim, o valor de HbA1c obtido corres- inadequado controle metabólico por longos períodos, le-
ponderá, sobretudo, ao controle glicêmico do último mês e, se- vando em consideração estudos como o Action to Control
cundariamente, dos 2 a 3 meses precedentes. Cardiovascular Risk in Diabetes (ACCORD), no qual a ins-

33
Metas glicêmicas para adultos, gestantes e crianças

tituição de controle intensivo da glicemia em pacientes com nefícios desse controle, na redução de complicações micro e
DM2, a longa duração da doença e a HbA1c elevada esti- macrovasculares, conforme demonstrado pelo UKPDS.3 A
veram associadas a aumento da mortalidade.8,9 Por sua vez, Tabela 1 resume as principais metas de controle glicêmico
pacientes com DM que adotaram o controle intensivo da gli- e de HbA1c adotadas por diferentes sociedades científicas
cemia desde o início do tratamento apresentaram claros be- para adultos com DM.10-12

Tabela 1. Metas de controle metabólico de acordo com sociedades científicas.


Glicemia pré-prandial Glicemia pós-prandial
Sociedade HbA1c (%)
(mg/dL) (mg/dL)
ADA 80 a 130 < 180 < 7,0
IDF < 115 < 160 < 7,0
AACE < 110 < 140 < 6,5
SBD < 100 < 160 < 7,0
ADA: Associação Americana de Diabetes (American Diabetes Association); IDF: Federação Internacional de Diabetes (International Diabetes Federation); AACE: Associação
Americana de Endocrinologistas Clínicos (American Association of Clinical Endocrinologists); SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes; HbA1c: hemoglobina glicada.

Vale ressaltar que, atualmente,13 o valor de HbA1c igual a International A1c Derived Average Glucose (ADAG) terem sido
7% interpreta-se como correspondente a uma glicemia média baseados em poucas glicemias capilares de 507 adultos do
estimada de 154 mg/dL, e não 163 mg/dL, como já fora pre- DCCT, enquanto os valores atualizados baseiam-se em mais
viamente interpretado.14 Isso decorre do fato de os cálculos do de 2.800 leituras por HbA1c (Tabela 2).

Tabela 2. Relação entre HbA1c e correspondente glicemia média estimada nos últimos 3 a 4 meses.
Nível de HbA1c (%) Modelo anterior (mg/dL) Modelo atual (mg/dL)
4 65 70
5 100 98
6 135 126
7 170 154
8 205 183
9 240 212
10 275 240
11 310 269
12 345 298
HbA1c: hemoglobina glicada.

Recomenda-se que a HbA1c seja realizada a cada 3 a 4 malidade varia de 4 a 6%. É a fração A1c que se mostra rela-
meses em crianças e adolescentes, com no mínimo duas me- cionada com risco cardiovascular.
didas anuais (D). Para adultos, com controles estáveis, suge-
rem-se duas medidas de HbA1c ao ano, embora estudo re- Automonitorização diária
cente com mais de 15 mil adultos com DM1 tenha mostrado da glicemia capilar
benefícios da medida trimestral da HbA1c e da automonitori-
zação da glicemia capilar no controle metabólico. Os pacien- A monitorização da glicemia capilar diariamente por
tes com HbA1c mais baixa foram aqueles que monitoravam indivíduos com DM1 de qualquer faixa etária traz grandes
mais vezes a glicemia (seis vezes ao dia) e realizavam exame benefícios, por diminuir o risco de complicações agudas,
de HbA1c com mais frequência (três a quatro vezes ao ano).15 tais como cetoacidose e hipoglicemia, e por permitir que o
É importante, também, considerar a técnica laboratorial paciente entenda os determinantes de sua glicemia ao cor-
utilizada na realização do exame. Os valores de referência relacionar os resultados glicêmicos em tempo real com a
podem variar conforme os métodos laboratoriais. O ideal é ingestão de alimentos ou com a prática de atividade física,
que o laboratório utilize apenas os métodos certificados pelo por exemplo. Desse modo, a automonitorização favorece
National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP), estratégias a fim de tratar ou evitar glicemias fora do alvo,
que garante a comparabilidade com o empregado no DCCT. modificar a razão insulina/carboidrato, otimizando a con-
Métodos certificados pelo NGSP identificam a fração de he- tagem de carboidratos, ou ajustar o fator de sensibilidade,
moglobina glicada definida como HbA1c, cuja faixa de nor- propiciando uma correção eficaz da hiperglicemia, além de

34
Metas glicêmicas para adultos, gestantes e crianças

possibilitar ajustes da insulina basal, seja no esquema de tanto, é importante conhecer os objetivos glicêmicos para
múltiplas doses de insulina, seja na bomba de infusão. Para cada faixa etária (Tabela 3).

Tabela 3. Objetivos glicêmicos para indivíduos com e sem DM1 nos diferentes momentos do dia.

Crianças e adolescentes
Glicemia Não diabético (mg/dL) Adultos com DM1 (mg/dL)*
com DM1 (mg/dL)#

Jejum ou pré-prandial 65 a 100 70 a 145 70 a 130

Pós-prandial 80 a 126 90 a 180 < 180


Ao deitar 80 a 100 120 a 180

Na madrugada 65 a 100 80 a 162


DM1: diabetes mellitus tipo 1.
#
Segundo a Sociedade Internacional de Diabetes para Pediatria e Adolescência (International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes, ISPAD).
* Segundo a Associação Americana de Diabetes (American Diabetes Association, ADA).

Para adultos com DM2, em uso de insulina basal ou de cientes com bomba de insulina que realizam, rotineiramen-
hipoglicemiantes orais, existe pouca evidência sobre a quanti- te, seis a sete medidas por dia, ao contrário de outros, que
dade de testes necessários. nunca conseguem realizar três a quatro medidas, nos quais
A análise das glicemias deve ser discutida com o pa- se observa controle metabólico insatisfatório. É importante
ciente durante a consulta, sendo cada vez menos neces- solicitar ao paciente que, 3 dias antes da consulta, intensifi-
sária a instituição dos livrinhos de anotação de glicemias que as medidas capilares, para que se obtenham mais dados,
(logbook), tão sujeitos a valores fictícios, especialmente na necessários à intervenção na conduta da insulina. A terapia
faixa etária puberal. A maioria dos glicosímetros disponí- insulínica intensiva requer, portanto, monitorização fre-
veis no mercado permite o upload (envio) dos dados e a quente da glicemia capilar (quatro a seis vezes ao dia), assim
impressão ou a visualização de gráficos que ficam arma- como ajustes regulares das doses de insulina, o que se realiza
zenados na nuvem (computacional), estando as glicemias pelos pacientes ou por seus familiares, em associação com a
expostas de acordo com o horário do dia, com o dia da equipe multiprofissional.
semana ou com a tendência no decorrer do mês. Além dis-
so, são fornecidos dados como: média e desvio-padrão da Média e desvio-padrão da
glicemia no período de dias ou meses, média de glicemias glicemia e tempo no alvo
capilares realizadas no período, a menor ou a maior glice-
mia apresentada no período, além de índices que mostram Ao realizar o upload dos glicosímetros para análise dos
risco de hipo ou hiperglicemia. gráficos ou diários de glicemias, é possível obter duas ou-
Quanto ao número de glicemias capilares necessárias tras ferramentas para o controle glicêmico: o desvio-pa-
para um bom controle metabólico, demonstra-se que a drão da média das glicemias e o tempo no alvo (C) (Figura
frequência da monitorização está associada a melhora da 1). O desvio-padrão avalia a variabilidade glicêmica, que,
HbA1c.16 Estudos demonstram que o mínimo seriam qua- idealmente, deve ser inferior a 50 mg/dL ou de, no máxi-
tro medidas ao dia, sempre antes das refeições principais, mo, 1/3 da média das glicemias. Quanto maior o desvio
ao deitar e, idealmente, antes e 2 horas depois das refeições -padrão, mais instável é a glicemia, muitas vezes produzin-
para ajuste da insulina bolus (portanto, um total de seis vezes do HbA1c próxima dos valores ideais, às custas de muita
ao dia), havendo pelo menos uma vez por mês uma medida hipoglicemia. O tempo no alvo é uma nova modalidade,
de madrugada (entre 3 e 4 horas) (D). Vale ressaltar que o cada vez mais valorizada, que resulta da incorporação do
paciente deve ser instruído a efetuar medição também em uso de sensor contínuo de glicose. Ele indica por quanto
situações especiais, como antes e depois de um exercício in- tempo – no último mês, semana ou período selecionado
tenso, para ajustes da insulina e da ingestão de carboidratos, – o paciente permaneceu com as glicemias entre 70 e 180
aumentando a frequência da medição em período de doen- mg/dL. Quanto maior esse período, melhor o controle me-
ças, a fim de prevenir crises hiperglicêmicas, especialmente tabólico; considera-se adequada a manutenção do alvo gli-
em crianças. cêmico em 50 a 60% do período avaliado. Também é pos-
Em Centro de Referência e Diabetes da Universidade Fe- sível analisar o tempo em hipoglicemia (valores menores
deral de São Paulo (UNIFESP), recomenda-se que pacientes que 70 mg/dL). Idealmente, sugere-se que esse tempo seja
com DM1 em terapia intensiva monitorem a glicemia cinco menor do que 5%, sendo tolerável até 10%. Vale ressaltar
vezes ao dia (antes do café, do almoço e do jantar, ao deitar que esses valores não incluem hipoglicemia grave (níveis
e 2 horas após uma refeição, variável a cada dia). Quando a menores que 50 mg/dL exigem a ajuda de terceiros para
aquisição de fitas reagentes não é problema, verificam-se pa- correção da hipoglicemia), que não deve ser tolerada.

35
Avaliação e tratamento do diabetes
mellitus gestacional

Introdução mum na gestação e tem prevalência em 3 a 25% das gestações,

D
dependendo do grupo étnico, da população e do critério diag-
iabetes mellitus gestacional (DMG) é definido, pela Or- nóstico utilizado.5,6 Muitas vezes, representa o aparecimento de
ganização Mundial da Saúde (OMS), como uma intole- diabetes mellitus tipo 2 (DM2) durante a gravidez. A incidência
rância a carboidratos de gravidade variável, que se inicia de DMG tem aumentado em paralelo com o aumento do DM2
durante a gestação atual e não preenche os critérios diagnósticos e da obesidade na população feminina. Os fatores de risco para
de diabetes mellitus franco.1-4 É o problema metabólico mais co- DMG encontram-se no Quadro 1.

Quadro 1. Fatores de risco para DMG.3


Idade materna avançada
Sobrepeso, obesidade ou ganho excessivo de peso na gravidez atual
Deposição central excessiva de gordura corporal
História familiar de diabetes em parentes de primeiro grau
Crescimento fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual
Antecedentes obstétricos de abortamentos de repetição, malformações, morte fetal ou neonatal, macrossomia ou DMG
Síndrome de ovários policísticos
Baixa estatura (menos de 1,5 m)6
DMG: diabetes mellitus gestacional.

Rastreamento e diagnóstico tion of the Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG)
decidiu que os critérios diagnósticos do DMG deveriam ba-
Não existe, até o momento, consenso sobre a indicação de sear-se nos resultados do estudo Hyperglycemia and Adverse
rastreamento e sobre o método diagnóstico do DMG. A maio- Pregnancy Outcomes (HAPO), uma pesquisa observacional que
ria das recomendações advém de consensos de especialistas tinha como meta encontrar um ponto de corte que ligasse a
(D).8-11 A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) recomenda hiperglicemia materna a eventos perinatais adversos.1,11 Foram
que sejam seguidos os critérios aceitos em 2013 pela OMS.1 propostos, então, novos pontos de corte para o jejum, em 1 e
Na primeira consulta pré-natal, deve ser solicitada gli- 2 horas, que são ≥ 92 mg/dL, ≥ 180 mg/dL e ≥ 153 mg/dL, res-
cemia de jejum. Se o valor encontrado for ≥ 126 mg/dL, pectivamente. Segundo esses novos critérios, um valor anormal
será feito o diagnóstico de diabetes mellitus franco na gra- já leva ao diagnóstico de DMG1 (Tabela 1). Em 2013, a OMS
videz. Se, porém, a glicemia plasmática em jejum for ≥ 92 endossou o uso desses pontos de corte para o diagnóstico de
mg/dL e < 126 mg/dL, será feito o diagnóstico de DMG. DMG, destacando que glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL ou após
Em ambos os casos, deve-se confirmar o resultado com sobrecarga > 200 mg/dL seriam critérios diagnósticos para dia-
uma segunda dosagem da glicemia de jejum. Caso a gli- betes mellitus franco, e não DMG.1
cemia seja < 92 mg/dL, a gestante deve ser reavaliada no O critério proposto pela IADPSG e aceito pela OMS
segundo trimestre. não é consenso mundial (Quadro 2). Em 2017, a SBD, em
A investigação de DMG deve ser feita em todas as ges- associação com a Organização Pan-Americana da Saúde
tantes sem diagnóstico prévio de diabetes. Entre a 24a e 28a (OPAS), o Ministério da Saúde (MS) e a Federação Brasileira
semanas de gestação, deve-se realizar o teste oral de tolerância das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO),
à glicose (TOTG) com dieta sem restrição de carboidratos ou passou a adotar os novos critérios para rastreamento e diag-
com, no mínimo, ingestão de 150 g de carboidratos nos 3 dias nóstico do DMG em todo o território nacional.12 Isso se deve
anteriores ao teste, com jejum de 8 horas. ao fato de que esses critérios são os únicos determinados por
Diferentes métodos são atualmente utilizados para o diag- estudo que demonstrou associação entre os valores da glice-
nóstico de DMG (Tabela 1). Em 2010, a International Associa- mia materna e os desfechos perinatais (Quadro 2). Pacientes

218
Avaliação e tratamento do diabetes mellitus gestacional

com DMG são as que apresentam glicemia de jejum de 92 horas de 153 a 199 mg/dL, e um ponto alterado na curva já
a 125 mg/dL, com jejum em 1 hora ≥ 180 mg/dL ou em 2 estabelece o diagnóstico de DMG.12

Tabela 1. Diagnóstico de DMG em TOTG com ingestão de 75 g de glicose.


IADPSG (2010)8 **; ADA e SBD (2011); SBD,
OMS (2013)1** NIH (2012)11*
OPAS, FEBRASGO e MS (2017)12
Jejum 92 a 125 mg/dL 95 mg/dL 92 mg/dL
1 hora 180 mg/dL 180 mg/dL 180 mg/dL
2 horas 153 a 199 mg/dL 155 mg/dL 153 mg/dL
OMS: Organização Mundial da Saúde; NIH: National Institutes of Health; IADPSG: International Association of the Diabetes and Pregnancy Study Groups; ADA: American
Diabetes Association; SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes; OPAS: Organização Pan-Americana da Saúde; FEBRASGO: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia
e Obstetrícia; MS: Ministério da Saúde.
* Dois valores alterados confirmam o diagnóstico.
** Um valor alterado já confirma o diagnóstico.

Quadro 2. Potenciais vantagens e desvantagens do uso do critério diagnóstico para DMG proposto pela IADPSG e
aceito pela OMS, em 2013, e pelo MS, pela FEBRASGO, pela OPAS e pela SBD, em 2017.
Vantagens Desvantagens
Único cujos valores são determinados pelo risco de complicações perinatais Não há validação da eficácia da intervenção
Potencial de prevenir epidemia de obesidade Percentual significativo de macrossomia fetal não tem correlação com DMG
Capacidade de detectar precocemente risco de macrossomia Aumento do número de indicações de parto cirúrgico
Capacidade de detectar precocemente risco de hiperinsulinemia fetal Faltam estudos nacionais sobre custo-eficácia
Custo-eficácia em prevenção de DM2 na mulher afetada e em redução
Sobrecarga do sistema de saúde
de complicações perinatais13,14
DM2: diabetes mellitus tipo 2; DMG: diabetes mellitus gestacional.

Tratamento A prática de atividade física deve fazer parte do tratamento


do DMG, respeitando-se as contraindicações obstétricas (B).23,24
Evidências sugerem que a intervenção em gestantes com Recomenda-se o monitoramento das glicemias capilares pré
DMG pode diminuir a ocorrência de eventos adversos na e pós-prandiais quatro a sete vezes por dia, especialmente nas
gravidez (B).13-17 gestantes que usam insulina. Após 2 semanas de dieta, se os ní-
O tratamento inicial do DMG consiste em orientação ali- veis glicêmicos permanecerem elevados (jejum ≥ 95 mg/dL e
mentar que permita ganho de peso adequado e controle me- 1 hora pós-prandial ≥ 140 mg/dL ou 2 horas pós-prandiais
tabólico (A).18 O cálculo do valor calórico total da dieta pode ≥ 120 mg/dL), deve-se iniciar tratamento farmacológico (B).18 O
ser feito de acordo com o índice de massa corporal (IMC)19 e critério de crescimento fetal para início da insulinoterapia é uma
visa a permitir ganho de peso em torno de 300 a 400 g por se- alternativa quando a medida da circunferência abdominal fetal
mana, a partir do segundo trimestre de gravidez. O valor ca- for igual ou superior ao percentil 75 em uma ecografia realizada
lórico total prescrito deve ser individualizado e conter 40% a entre a 29a e a 33a semanas de gestação (B).25
55% de carboidratos, 15 a 20% de proteínas e 30 a 40% de gor- A dose inicial de insulina deve ser em torno de 0,5 U/kg,
duras (A).19 Deve-se dar preferência ao consumo de alimentos com ajustes individualizados para cada caso (B).26 Em geral, as-
que contenham carboidratos com baixo índice glicêmico. A sociam-se insulinas humanas de ações intermediária e rápida.
dieta com baixo índice glicêmico no DMG se associou à di- Os análogos de insulina asparte e lispro têm vantagens sobre
minuição da necessidade de indicar o uso de insulina e menor a insulina regular, promovendo melhor controle dos níveis
ganho de peso ao nascer.20,21 Podem-se utilizar adoçantes ar- de glicemia pós-prandiais com menor ocorrência de hipogli-
tificiais (aspartame, sacarina, acessulfame-K e sucralose) com cemias (B).27,28 O análogo de ação prolongada detemir, após a
moderação, conforme os limites diários recomendados pela conclusão de um estudo randomizado controlado realizado em
OMS e aceitos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária mulheres com DM1,29 foi recentemente classificado pela agên-
(ANVISA) (B):20,22 cia reguladora norte-americana Food and Drug Administra-
− Sacarina: 2,5 mg/kg de peso corporal; tion (FDA) como A para uso durante a gestação. A ANVISA
− Ciclamato: 11 mg/kg de peso; ratificou essa classificação. Embora o uso de insulina glargina
− Aspartame: 40 mg/kg de peso; não esteja oficialmente recomendado pela FDA, grande quan-
− Acessulfame-K: 15 mg/kg de peso; tidade de dados em mulheres grávidas não indica efeitos ad-
− Esteviosídeo: 5,5 mg/kg de peso; versos específicos da insulina glargina na gravidez, aumento do
− Sucralose: 15 mg/kg de peso (C). risco de malformações fetais ou toxicidade específica neonatal.

219
Cobertura, periodicidade e população-alvo
Decisões de como rastrear, quem rastrear e quando rastrear o câncer do colo do útero e suas lesões
precursoras em populações assintomáticas são complexas e requerem uma análise balanceada e cuidadosa das
suas vantagens e desvantagens, como também dos custos decorrentes dessas ações. Nesse balanço, também
deve ser considerada a ansiedade causada na mulher ou os possíveis reflexos da abordagem terapêutica no
futuro obstétrico com um teste alterado. Não existem repostas corretas ou precisas para essas questões.
O padrão predominante do rastreamento no Brasil é oportunístico, ou seja, as mulheres têm realizado
o exame de Papanicolaou quando procuram os serviços de saúde por outras razões. Consequentemente,
20% a 25% dos exames têm sido realizados fora do grupo etário recomendado e aproximadamente metade
deles com intervalo de um ano ou menos, quando o recomendado são três anos. Assim, há um contingente
de mulheres superrastreadas e outro contingente sem qualquer exame de rastreamento1.

Cobertura
A realização periódica do exame citopatológico continua sendo a estratégia mais amplamente adotada
para o rastreamento do câncer do colo do útero2. Atingir alta cobertura da população definida como alvo é
o componente mais importante no âmbito da atenção primária, para que se obtenha significativa redução
da incidência e da mortalidade por câncer do colo do útero. Países com cobertura superior a 50% do exame
citopatológico realizado a cada três a cinco anos apresentam taxas inferiores a três mortes por 100 mil
mulheres por ano e, para aqueles com cobertura superior a 70%, essa taxa é igual ou menor a duas mortes
por 100 mil mulheres por ano3 (evidência moderada).
No Reino Unido, em 1988, a cobertura do rastreamento do câncer do colo do útero era de 42% e a
incidência entre 14 a 16 casos novos para cada 100 mil mulheres por ano. A partir da introdução de um
sistema de convocação das mulheres integrantes da população-alvo por meio de cartas-convites, a cobertura
aumentou para 85% em 1994 e, nesse curto período e sem alterações das recomendações assistenciais vigentes,
a incidência do câncer do colo do útero caiu cerca de 50%, chegando a dez casos novos por 100 mil mulheres.
A rigor, utilizando cartas-convites, houve migração do rastreamento oportunístico, realizado no momento
de um atendimento eventual, para um rastreamento organizado que progressivamente passou a controlar as
mulheres em falta com o rastreamento e de acordo com a periodicidade recomendada4 (evidência moderada).
É consenso que o rastreamento organizado do câncer do colo do útero é o desafio a ser vencido para
que se obtenha a melhor relação custo-benefício possível com alta cobertura populacional3,5,6.

Periodicidade
A história natural do câncer do colo do útero geralmente apresenta um longo período de lesões
precursoras, assintomáticas, curáveis na quase totalidade dos casos quando tratadas adequadamente,
conhecidas como NIC II/III, ou lesões de alto grau, e AIS. Já a NIC I representa a expressão citomorfológica
de uma infecção transitória produzida pelo HPV e têm alta probabilidade de regredir, de tal forma que
atualmente não é considerada como lesão precursora do câncer do colo do útero7,8.
A Reunião de Consenso, realizada em 1988 pelo Ministério da Saúde, contou com a participação de
diversos especialistas internacionais e nacionais, além de representantes de sociedades científicas e de diversas
instâncias ministeriais. Esse grupo definiu que, no Brasil, o exame citopatológico deveria ser realizado em
mulheres de 25 a 60 anos de idade, uma vez por ano e, após dois exames anuais consecutivos negativos, a
cada três anos. A rigor, adotou-se para o Brasil a recomendação da OMS na época9.

32
Tal recomendação apoiou-se em estudo realizado pela International Agency for Research on Cancer
(IARC), publicado em 1986 e que envolveu oito países. Esse estudo, que serviu de base para toda uma
geração de normas ainda hoje vigentes no mundo, demonstrou que, em mulheres entre 35 e 64 anos, depois
de um exame citopatológico do colo do útero negativo, o exame subsequente pode ser realizado a cada três
anos, com eficácia semelhante à realização anual10. Esse estudo permitiu criar modelos que estimaram, após
um exame citopatológico negativo e cobertura de 100%, uma redução percentual da incidência cumulativa
do câncer invasor do colo do útero de 93,5% para intervalos de até um ano entre os exames citopatológicos.
Para intervalos de até três anos entre os exames, a redução estimada é de 90,8% (evidência alta).
Quando a OMS estabeleceu as recomendações que deram origem às normas brasileiras, em 1988, um
estudo publicado um ano antes tinha demonstrado que a proteção conferida em até dez anos por um exame
prévio negativo era de 58% e de 80% se dois exames fossem negativos11 (evidência alta).
Estudos mais recentes têm confirmado que o exame citológico realizado a cada três anos é seguro
após dois ou três resultados negativos12-14 (evidência moderada).

População-alvo
A definição de quais mulheres devem ser rastreadas tem sido objeto de muitos questionamentos.
É consenso que mulheres que nunca tiveram relação sexual não correm risco de câncer do colo do útero
por não terem sido expostas ao fator de risco necessário para essa doença: a infecção persistente por tipos
oncogênicos do HPV.
Em relação à faixa etária, há vários fatos indicando que, direta ou indiretamente, o rastreamento em
mulheres com menos de 25 anos não tem impacto na redução da incidência ou mortalidade por câncer do
colo do útero. O estudo da IARC, acima mencionado, estimou que, ao iniciar o rastreamento aos 25 anos
de idade, e não aos 20 anos, perde-se apenas 1% de redução da incidência cumulativa do câncer do colo do
útero10.
Tomando dados do Registro Hospitalar de Câncer da FOSP, do período de 2000 a 2009, de um total de
11.729 casos de carcinoma invasor (todos os estádios), 121 casos foram diagnosticados em mulheres até 24
anos, o que correspondeu a 1,03% dos casos. Nos Estados Unidos, observou-se que apenas 1,1% dos casos
de câncer invasor ocorreu em mulheres até 24 anos de idade, em uma amostra de 10.846 casos de câncer
invasor diagnosticados entre 1998 e 200315.
Dados do Integrador de Registros Hospitalares de Câncer do Brasil, do período de 2007 a 2011,
mostram que, de um total de 26.249 casos de carcinoma invasor com informação de estadiamento, 259
foram diagnosticados em mulheres até 24 anos, o que correspondeu a 0,99% dos casos16,17. Em relação
à mortalidade, nesse mesmo período, 0,56% dos óbitos por essa neoplasia ocorreram na faixa etária em
questão18.
Entre 1.301.210 exames citopatológicos realizados em mulheres com menos de 24 anos de idade, em
2013, no Brasil, 0,17% dos exames tiveram resultado de HSIL e 0,006% tiveram resultado de câncer ou HSIL
não podendo excluir microinvasão19.
Além da baixa incidência de câncer do colo do útero em mulheres jovens, há evidências de que o
rastreamento em mulheres com menos de 25 anos seja menos eficiente do que em mulheres mais maduras.
Um estudo caso-controle, no Reino Unido, que incluiu 4.012 mulheres com câncer invasor do colo do
útero mostrou dois resultados relevantes: o primeiro foi que 75% das mulheres de 20 a 24 anos que tiveram
um câncer invasor já tinham pelo menos um exame citopatológico prévio. O segundo resultado foi que as
mulheres que tiveram câncer diagnosticado entre 25 e 29 anos não foram protegidas por controles citológicos
realizados antes dos 24 anos20 (evidência moderada).

33
Outro estudo inglês mostrou que iniciar o rastreamento aos 20 e não aos 25 anos de idade resulta
em substancial sobretratamento e um modesto benefício, pois para prevenir um caso de carcinoma invasor
do colo do útero seria necessário realizar de 12 mil e quinhentos a 40 mil exames adicionais em mulheres
entre 20 e 24 anos e tratar entre 300 e 900 mulheres com NIC21 (evidência moderada). Dados de Ontário,
Canadá, mostraram que não houve associação entre o rastreamento do câncer do colo do útero e redução
da mortalidade em mulheres com menos de 30 anos22 (evidência moderada).
A esses resultados, que mostram ineficiência ou baixa eficiência do rastreamento em mulheres com
menos de 25 anos, agregam-se dois fatos: o primeiro é que há evidências de que o câncer do colo do útero que
é diagnosticado em mulheres muito jovens é mais agressivo e inclui tipos histológicos mais raros do que no
grupo etário 25-29 anos. O segundo fato é que a citologia com diagnóstico de lesão intraepitelial escamosa de
alto grau (HSIL) em mulheres com menos de 25 anos corresponderia mais frequentemente à NIC II do que a
NIC III23 (evidência moderada). As NIC II em mulheres muito jovens tendem a ter comportamento evolutivo
semelhante à lesão de baixo grau, com significativas taxas de regressão espontânea24 (evidência moderada).
Outro fato relevante mais recentemente demonstrado é de que o tratamento de lesões precursoras
do câncer de colo em adolescentes e mulheres jovens está associado ao aumento de morbidade obstétrica e
neonatal, como parto prematuro25 (evidência alta). Portanto, reduzir as intervenções no colo do útero em
mulheres jovens se justifica, tendo em vista que a grande maioria delas não tem prole definida.
Cabe ainda ressaltar a importância do impacto psíquico que o diagnóstico de uma doença
sexualmente transmissível e precursora do câncer terá em adolescentes e adultas jovens sobre a autoimagem
e a sexualidade. Mulheres jovens sexualmente ativas devem ser orientadas sobre anticoncepção, doenças
sexualmente transmissíveis e práticas de sexo seguro. Essas medidas podem ser implementadas sem a
necessidade de sua inclusão no programa de rastreamento do câncer do colo do útero.
Em resumo, a incidência do câncer invasor do colo do útero em mulheres até 24 anos é muito baixa
e o rastreamento é menos eficiente para detectá-lo. Por outro lado, o início mais precoce representaria um
significativo aumento de diagnósticos de lesões de baixo grau, que apresentam grande probabilidade de
regressão e resultam num aumento significativo de colposcopias e na possibilidade de sobretratamento,
acarretando maior risco de morbidade obstétrica e neonatal associado a uma futura gestação.
Há menos evidências objetivas sobre quando as mulheres devem encerrar o rastreamento do
câncer do colo do útero. Mulheres com rastreamento citológico negativo entre 50 e 64 anos apresentam
uma diminuição de 84% no risco de desenvolver um carcinoma invasor entre 65 e 83 anos, em relação
às mulheres que não foram rastreadas. Por outro lado, à medida que aumenta o intervalo desde o último
exame, há aumento discreto do risco de desenvolvimento de um novo carcinoma26 (evidência moderada).
Mesmo em países com população de alta longevidade, não há dados objetivos de que o rastreamento seja
efetivo após 65 anos de idade27.
Na última edição das Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, publicada
em 2011, elevou-se de 59 para 64 anos a idade da mulher sem história prévia de doença pré-invasiva para
encerrar o rastreamento, o que está em concordância com o conhecimento mais atual e com a grande
maioria das recomendações vigentes.

Recomendações
O método de rastreamento do câncer do colo do útero e de suas lesões precursoras é o exame
citopatológico. Os dois primeiros exames devem ser realizados com intervalo anual e, se ambos os resultados
forem negativos, os próximos devem ser realizados a cada 3 anos (A).
O início da coleta deve ser aos 25 anos de idade para as mulheres que já tiveram ou têm atividade
sexual (A). O rastreamento antes dos 25 anos deve ser evitado (D).

34
Os exames periódicos devem seguir até os 64 anos de idade e, naquelas mulheres sem história prévia
de doença neoplásica pré-invasiva, interrompidos quando essas mulheres tiverem pelo menos dois exames
negativos consecutivos nos últimos cinco anos (B).
Para mulheres com mais 64 anos de idade e que nunca se submeteram ao exame citopatológico, deve-
se realizar dois exames com intervalo de um a três anos. Se ambos os exames forem negativos, essas mulheres
podem ser dispensadas de exames adicionais (B).

Adequabilidade da amostra
Na atual Nomenclatura Citológica Brasileira, a adequabilidade da amostra é definida como satisfatória
ou insatisfatória. O termo anteriormente utilizado “satisfatório, mas limitado” foi abolido28.

Amostra insatisfatória para avaliação


É considerada insatisfatória a amostra cuja leitura esteja prejudicada pelas razões ex­postas abaixo,
algumas de natureza técnica e outras de amostragem celular, podendo ser assim classificada29,30:
1. Material acelular ou hipocelular (<10% do esfregaço).
2. Leitura prejudicada (>75% do esfregaço) por presença de sangue, piócitos, artefatos de dessecamento,
contaminantes externos ou intensa superposição celular.
Recomendações
O exame deve ser repetido em 6 a 12 semanas com correção, quando possível, do problema que
motivou o resultado insatisfatório (A).

Amostra satisfatória para avaliação


Designa amostra que apresente células em quantidade representativa, bem distribuídas, fixadas e
coradas, de tal modo que sua observação permita uma conclusão diag­nóstica.

Células presentes na amostra


Podem estar presentes células representativas dos epitélios do colo do útero:
−− Células escamosas.
−− Células glandulares (não inclui o epitélio endometrial).
−− Células metaplásicas.
Embora a indicação dos epitélios representados na amostra seja informação obrigatória nos laudos
citopatológicos, seu significado deixa de pertencer à esfera de responsabilidade dos profissionais que realizam
a leitura do exame. As células glandulares podem ter origem em outros órgãos que não o colo do útero, o que
nem sempre é identificável no exame citopatológico.
A presença de células metaplásicas ou células endocervicais, representativas da junção escamocolunar
(JEC), tem sido considerada como indicador da qualidade da coleta, pelo fato de essa coleta buscar obter
elementos celulares representativos do local onde se situa a quase totalidade dos cânceres do colo do útero.
Uma metanálise de estudos que abordaram a eficácia de diversos dispositivos de coleta mostrou que o uso

35
da espátula de Ayre e da escova de canal aumenta em cerca de três vezes a chance de obtenção de células
endocervicais31 (evidência alta). Estudo realizado no Brasil, entre 1992 e 1996, mostrou que a detecção de
NIC foi cerca de dez vezes maior no grupo em que as células da JEC estavam representadas29 (evidência
moderada).
A presença exclusiva de células escamosas deve ser avaliada pelo médico assistente. É muito importante
que os profissionais de saúde atentem para a representatividade da JEC nos esfregaços cervicovaginais, sob
pena de não propiciar à mulher todos os bene­fícios da prevenção do câncer do colo do útero.
Recomendações
Esfregaços normais somente com células escamosas em mulheres com colo do útero presente devem
ser repetidos com intervalo de um ano e, com dois exames normais anuais consecutivos, o intervalo
passará a ser de três anos (B). Para garantir boa representação celular do epitélio do colo do útero, o exame
citopatológico deve conter amostra do canal cervical, preferencialmente, coletada com escova apropriada, e
da ectocérvice, coletada com espátula tipo ponta longa (espátula de Ayre) (A).

Situações especiais

Gestantes 
Gestantes têm o mesmo risco que não gestantes de apresentarem câncer do colo do útero ou suas
lesões precursoras. O achado dessas alterações durante o ciclo grávido puerperal reflete a oportunidade do
rastreamento durante o pré-natal. Apesar de a JEC no ciclo gravídico-puerperal encontrar-se exteriorizada
na ectocérvice na maioria das vezes, o que dispensaria a coleta endocervical, a coleta de espécime endocervical
não parece aumentar o risco sobre a gestação quando utilizada uma técnica adequada32.
Recomendações
O rastreamento em gestantes deve seguir as recomendações de periodicidade e faixa etária como para
as demais mulheres, devendo sempre ser considerada uma oportunidade a procura ao serviço de saúde para
realização de pré-natal (A).

Mulheres na pós-menopausa
Mulheres na pós-menopausa, sem história de diagnóstico ou tratamento de lesões precursoras do
câncer de colo uterino, apresentam baixo risco para desenvolvimento de câncer20,27 (evidência moderada).
O rastreamento citológico em mulheres menopausadas pode levar a resultados falso-positivos
causados pela atrofia secundária ao hipoestrogenismo, gerando ansiedade na mulher e procedimentos
diagnósticos e terapêuticos desnecessários.
É fato que o diagnóstico de casos novos de câncer do colo uterino está associado, em todas as faixas
etárias, com a ausência ou irregularidade do rastreamento. O seguimento de mulheres na pós-menopausa
deve levar em conta seu histórico de exames.
Recomendações
Mulheres na pós-menopausa devem ser rastreadas de acordo com as orientações para as demais
mulheres (A). Se necessário, proceder à estrogenização previamente à realização da coleta, conforme
sugerido adiante (vide Exame citopatológico normal – Resultado indicando atrofia com inflamação) (B).

36
Histerectomizadas
O rastreamento realizado em mulheres sem colo do útero devido à histerectomia por condições
benignas apresenta menos de um exame citopatológico alterado por mil exames realizados33.
Recomendações
Mulheres submetidas à histerectomia total por lesões benignas, sem história prévia de diagnóstico
ou tratamento de lesões cervicais de alto grau, podem ser excluídas do rastreamento, desde que apresentem
exames anteriores normais (A).
Em casos de histerectomia por lesão precursora ou câncer do colo do útero, a mulher deverá ser
acompanhada de acordo com a lesão tratada (A).
 

Mulheres sem história de atividade sexual


Considerando os conhecimentos atuais em relação ao papel do HPV na carcinogênese do colo uterino
e que a infecção viral ocorre por transmissão sexual, o risco de uma mulher que não tenha iniciado atividade
sexual desenvolver essa neoplasia é desprezível.
Recomendações
Mulheres sem história de atividade sexual não devem ser submetidas ao rastreamento do câncer do
colo do útero (D).

Imunossuprimidas
Alguns fatores de risco diretamente relacionados à resposta imunológica têm sido associados à
maior chance de desenvolvimento de NIC. Mulheres infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana
(HIV), mulheres imunossuprimidas por uso de imunossupressores após transplante de órgãos sólidos,
em tratamentos de câncer e usuárias crônicas de corticosteroides constituem os principais exemplos desse
grupo. A prevalência da infecção pelo HPV e a persistência viral, assim como a infecção múltipla (por
mais de um tipo de HPV), são mais frequentes nesse grupo de mulheres. Em mulheres infectadas pelo
HIV, o desaparecimento do HPV parece ser dependente da contagem de células CD4+, e lesões precursoras
tendem a progredir mais rapidamente e a recorrer mais frequentemente do que em mulheres não infectadas
pelo HIV. Entretanto, mulheres imunocompetentes infectadas pelo HIV e tratadas adequadamente com
terapia antirretroviral de alta atividade (HAART) apresentam história natural semelhante às demais
mulheres. Existem questionamentos quanto à eficácia do exame citopatológico em mulheres infectadas
pelo HIV em razão da maior prevalência de citologias com atipias de significado indeterminado e maior
frequência de infecções associadas. Para minimizar os resultados falso-negativos, alguns autores preconizam
a complementação colposcópica34.
É consenso que, pelas características mencionadas, as mulheres infectadas pelo HIV devem ser
submetidas ao rastreamento citológico de forma mais frequente35,36. Diretrizes americanas recomendam
a coleta anual da citologia após duas citologias semestrais normais e, em mulheres com linfócitos CD4+
abaixo de 200 células/mm3, realizar citologia e encaminhar para colposcopia a cada seis meses35. Também,
considerando a maior frequência de lesões multicêntricas, é recomendado cuidadoso exame da vulva
(incluindo região perianal) e da vagina. No caso de a citologia mostrar inflamação acentuada ou alterações
celulares escamosas reativas, realizar nova coleta citológica em três meses, após o tratamento adequado.

37
Recomendações
O exame citopatológico deve ser realizado nesse grupo de mulheres após o início da atividade sexual
com intervalos semestrais no primeiro ano e, se normais, manter seguimento anual enquanto se mantiver o
fator de imunossupressão (B).
Mulheres HIV positivas com contagem de linfócitos CD4+ abaixo de 200 células/mm3 devem ter
priorizada a correção dos níveis de CD4+ e, enquanto isso, devem ter o rastreamento citológico a cada seis
meses (B).

Outras situações especiais


Existe grande controvérsia e pobreza de evidências sobre eficácia e efetividade de práticas diferentes
de rastreamento em algumas populações especiais, tais como indígenas e outras que podem estar mais
expostas a fatores sociais ou ambientais para o câncer do colo do útero.
Com a preocupação de não se contrapor a recomendações feitas por grupos que trabalham e
pesquisam sobre condições e práticas de saúde nessas populações, houve consenso de que não deveriam ser
aqui abordadas recomendações específicas, devendo ser objeto de pesquisa e de recomendações em outros
documentos.

38
Resultado citológico normal, alterações
benignas e queixas ginecológicas

Resultado citológico dentro dos limites da normalidade no


material examinado
É um diagnóstico completamente normal. A inclusão da expressão “no material examinado” visa a
estabelecer, de forma clara e inequívoca, aspectos do material submetido ao exame1 (evidência alta).
Recomendações
Seguir a rotina de rastreamento citológico (A).

Alterações celulares benignas (reativas ou reparativas)


A prevalência de NIC II/III subjacente em mulheres com alterações celulares benignas é baixa (cerca
de 2%)2 (evidência moderada).

Inflamação sem identificação de agente


É caracterizada pela presença de alterações celulares epiteliais, geralmente determinadas pela ação
de agentes físicos, os quais podem ser radioativos, mecânicos ou térmicos, ou, ainda, químicos como
medicamentos abrasivos ou cáusticos, quimioterápicos e acidez vaginal sobre o epitélio glandular3,4 (evidência
alta). Ocasionalmente, podem-se observar alterações decorrentes do uso do dispositivo intrauterino (DIU),
em células endometriais e mesmo endocervicais5,6 (evidência moderada). Casos especiais do tipo exsudato
também podem ser observados nessas situações7 (evidência alta). O exame de Papanicolaou apresenta
evidentes limitações no estudo microbiológico e, assim, tais alterações podem se dever a patógeno não
identificado. Os achados colposcópicos comuns são ectopias, vaginites e cervicites3,4 (evidência alta).
Segundo Dasari et al.8, alterações inflamatórias persistentes no exame citopatológico, mesmo após o
tratamento específico, podem apresentar baixa proporção (6,9%) de NIC II/III e câncer e alta proporção de
NIC I (35,9%) (evidência moderada).
Existem recomendações em outras diretrizes para conduta nos casos de corrimento genital e doenças
sexualmente transmissíveis 9,10.
Recomendações
Havendo queixa de corrimento ou conteúdo vaginal anormal, a paciente deverá ser conduzida
conforme diretriz direcionada para o tratamento de corrimento genital e doenças sexualmente transmissíveis
(A). Seguir a rotina de rastreamento citológico como para as mulheres com resultado normal (A). Na

41
ausência de queixa ou evidência clínica de colpite, não há necessidade de encaminhamento para exame
ginecológico ou tratamento ou repetição do exame citopatológico (D). O exame citopatológico não deve ser
utilizado para diagnóstico dos processos inflamatórios ou infecciosos vaginais (D).

Resultado citológico indicando metaplasia escamosa imatura


A palavra “imatura”, em metaplasia escamosa, foi incluída na Nomenclatura Brasileira para Laudos
Citopatológicos buscando caracterizar que essa apresentação é considerada como do tipo reparativa4
(evidência alta).
Recomendações
Seguir a rotina de rastreamento citológico (A).

Resultado citológico indicando reparação


Decorre de lesões da mucosa com exposição do estroma e pode ser determinado por quaisquer dos
agentes que determinam inflamação. É, geralmente, a fase final do processo inflamatório4 (evidência alta).
Segundo Colgan et al.11, num estudo sobre o desempenho diagnóstico de profissionais e laboratórios
como parte de um programa de comparação de resultados do College of American Pathologists, a reparação
pode promover resultados falso-positivos, mas também pode ser uma fonte de resultados falso-negativos,
variando de 0,47% para carcinoma escamoso a 5,41% para lesão de baixo grau (evidência baixa).
Recomendações
Seguir a rotina de rastreamento citológico (A).

Resultado citológico indicando atrofia com inflamação


Na ausência de atipias, é um achado fisiológico após a menopausa, o pós-parto e durante a lactação.
Existem evidências apontando para dificuldade em se fazer o diagnóstico diferencial entre atrofia vaginal e
lesões intraepiteliais escamosas de baixo e alto grau12-15 (evidência alta). O uso de terapia estrogênica tópica
diminui as alterações celulares degenerativas e proporciona um esfregaço com um fundo limpo13 (evidência
moderada). Não foram encontradas evidências para embasar uma conduta com objetivo de melhorar a
qualidade do esfregaço. Por outro lado, foram encontradas evidências de qualidade para o tratamento da
vaginite atrófica, que pode ser usado para melhorar a qualidade do esfregaço. A síntese dessas evidências
favorece o tratamento tópico com estrogênios conjugados16-19 (evidência alta) ou estriol20-22 (evidência
alta). Apesar das evidências favoráveis às duas possibilidades terapêuticas, não foram encontrados estudos
comparativos que permitam recomendar uma das duas opções.
Embora a absorção sistêmica do estrogênio tópico seja mínima, seu uso deve ser cauteloso nas mulheres
com história de carcinoma de mama ou que fazem uso dos inibidores da aromatase23-26 (evidência alta).
Recomendações
Seguir a rotina de rastreamento citológico (A). Na eventualidade do laudo do exame citopatológico
mencionar dificuldade diagnóstica decorrente da atrofia, a estrogenização deve ser feita por meio da via
vaginal com creme de estrogênios conjugados em baixa dose (0,5 g de um aplicador, o que contém 0,3 mg

42
do princípio ativo) ou estriol vaginal, um grama com aplicador vaginal toda noite, durante 21 dias (B). A
nova citologia será coletada entre cinco a sete dias após a parada do uso (B).
Nas pacientes com história de câncer de mama ou outras contraindicações, o uso de estrogênios deve
ser avaliado para cada paciente individualmente. O esquema recomendado pode ser o mesmo utilizado para
as mulheres da população geral, como descrito acima pelo período máximo de 21 dias (B).

Resultado citológico indicando alterações decorrentes de radiação


ou quimioterapia
Esse achado pode ocorrer nos casos de mulheres tratadas por radioterapia pélvica27,28 (evidência alta).
A combinação de alterações celulares e anatômicas pós-radioterapia pode complicar tanto a coleta
como a avaliação do esfregaço citológico pós-radiação29 (evidência alta). Embora os efeitos da radiação
sobre as células cervicais diminuam após seis semanas do término da radioterapia30 (evidência moderada),
eles são definitivos e podem ser observados por muitos anos31 (evidência alta). As mulheres submetidas
à radioterapia pélvica com ou sem braquiterapia frequentemente apresentam sintomas vaginais crônicos,
tais como estenose (59%), ressecamento (47%), inflamação (29%) e sangramento (31%), entre outros32
(evidência alta). O comprometimento vaginal é mais frequente e acentuado quando a radioterapia é associada
à quimioterapia33 (evidência alta). A Sociedade Americana para Estudos sobre a Menopausa23 indica uso de
estrogênio tópico em baixa dose para estimular a regeneração epitelial, cicatrização e elasticidade da vagina
(evidência alta).
A quimioterapia também pode afetar as células do colo do útero. O esfregaço mostra células
anormalmente aumentadas, com núcleos que parecem discarióticos, porém os demais elementos celulares
presentes na amostra aparentam ser perfeitamente normais34. Também pode ser observada multinucleação
de células não neoplásicas35.
Recomendações
Seguir a rotina de rastreamento citológico (A). A radioterapia ou a quimioterapia prévias devem ser
mencionadas na requisição do exame (A).

Achados microbiológicos
−− Lactobacillus sp.
−− Cocos.
−− Outros Bacilos.
São considerados achados normais, pois fazem parte da microbiota normal da vagina. Na ausência
de sinais e sintomas, a presença desses microorganismos não caracteriza infecção que necessite tratamento5
(evidência alta).
Recomendações
Seguir a rotina de rastreamento citológico (A). A paciente com sintomatologia, como corrimento,
prurido ou odor genital anormal, na presença de agentes patogênicos (Gardnerella/mobiluncus sp,
Trichomonas vaginalis, Candida sp) deve ser abordada conforme diretriz específica (A).

43
Referências
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46
Células escamosas atípicas de significado
indeterminado

Categoria de diagnóstico citopatológico criada pelo Sistema Bethesda em 1988. O termo células
escamosas atípicas de significado indeterminado (ASCUS – atypical squamous cells of undetermined
significance) foi definido como achados citológicos caracterizados pela presença de alterações celulares
insuficientes para o diagnóstico de lesão intraepitelial, mas alterações mais significativas do que as
encontradas em processos inflamatórios1. Como a nova categoria apresentava limitações por não definir se
as alterações citológicas eram regenerativas ou neoplásicas, houve uma revisão dessa classificação em 2001.
Essa categoria foi então reclassificada em células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US)
e células escamosas atípicas de significado indeterminado não podendo excluir lesão intraepitelial de alto
grau (ASC-H)2.
Essa subclassificação foi adotada pela Sociedade Brasileira de Citopatologia a partir de 2002, com as
seguintes categorias: células escamosas atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas
(ASC-US), em correspondência com a classificação ASC-US de Bethesda, e células escamosas atípicas de
significado indeterminado não podendo excluir lesão intraepitelial de alto grau, como no Sistema Bethesda3.
Atualmente, as categorias de ASCUS, independente de sua subclassificação, representam a atipia
citológica mais comumente descrita nos resultados dos laudos citopatológicos do colo do útero. Segundo
dados registrados no Siscolo, em 20134, no Brasil, esses diagnósticos citológicos representaram 1,6% de
todos os exames realizados e 57% de todos os exames alterados.

Células escamosas atípicas de significado indeterminado,


possivelmente não neoplásicas
A prevalência desse diagnóstico citológico no Brasil foi de 1,4% entre todos os exames realizados e de
48,8% considerando-se apenas os resultados alterados, em 20134.
Entre as mulheres com esse diagnóstico, é observada prevalência de NIC II/III em 6,4% a 11,9% dos
casos e de câncer, em 0,1% a 0,2%5. Estudo realizado com mulheres atendidas pelo SUS na cidade do Rio
de Janeiro6 mostrou uma prevalência de 1,85% (IC95%: 0,0-4,64%) de NIC II/III em mulheres com esse
diagnóstico citopatológico (evidência moderada). Outros estudos mostram uma prevalência de NIC II ou
mais grave em 0,8% a 1,3% em mulheres com citologia de ASC-US7,8 (evidência moderada).
Importante limitação que dificulta a estimativa de risco de presença de doença pré-invasiva
(NIC II/III) ou invasiva (câncer) em mulheres com diagnóstico citopatológico de ASC-US é sua baixa
reprodutibilidade, ou seja, existe considerável variação entre observadores diferentes e, possivelmente, por
um mesmo observador em momentos diferentes. Estudos de variação entre observadores demonstram
concordância entre citopatologistas que varia entre 35% a 45%9 (evidência moderada). Baseando-se nesse
fato e na correlação com doença de baixa gravidade para a grande maioria das mulheres, uma conduta
conservadora, pouco invasiva, parece razoável. Fatores como rastreamento citológico prévio sem suspeita de
doença pré-invasiva ou invasiva e idade da mulher devem ser considerados nessa decisão, pois, nas situações

47
de menor risco, uma conduta conservadora também parece adequada. Na avaliação do risco de doença pré-
invasiva ou invasiva, deve-se considerar que a lesão invasiva do colo do útero é claramente mais prevalente
na quarta e quinta décadas de vida da mulher (entre 35 e 55 anos)10 (evidência alta), quando se justifica uma
investigação mais acurada da doença.
Observa-se similaridade de recomendações de conduta frente a uma mulher com ASC-US, quando se
consideram as diretrizes adotadas na França11, Reino Unido12, Austrália13 e Nova Zelândia14. Esses documentos
recomendam a repetição da citologia entre seis e 12 meses. Na Nova Zelândia, utiliza-se o ponto de corte
de 30 anos para determinar o intervalo de 12 meses para repetição da citologia em função de evidências de
que o tempo médio para que o HPV não seja mais detectado é de seis a 18 meses. E como a infecção pelo
HPV oncogênico é mais persistente nas mulheres com 30 anos ou mais, estas têm maior probabilidade
de apresentarem lesões pré-invasivas14. O encaminhamento para a colposcopia é determinado, caso esse
resultado seja mantido. Na revisão das diretrizes da Sociedade Americana de Colposcopia e Patologia
Cervical (ASCCP – American Society for Colposcopy and Cervical Pathology), publicadas em 2013, afirma-se
que a utilização do Teste de HPV oncogênico para mulheres acima de 25 anos é preferível do que a repetição
da citologia. Essa mesma diretriz recomenda que o uso do teste de HPV oncogênico é aceitável nas mulheres
entre 21 e 24 anos com ASC-US, mas repetir a citologia é preferível15. Nas diretrizes publicadas pela Coreia
do Sul16 e pela Argentina17, ambas em 2013, o teste do HPV oncogênico também é indicado após o resultado
de citologia mostrando ASC-US. Outros estudos publicados recentemente mostram que o seguimento com
teste de HPV nas mulheres com citologia de ASC-US diminui o risco de não se fazer o diagnóstico de lesões
mais graves nesses casos18,19.
Todavia, essa proposta ainda implica em uso de tecnologia não disponível no SUS e não dispensa a
citologia.
Recomendações
Diante de um resultado de exame citopatológico de ASC-US, a conduta na mulher com 30 anos ou
mais será a repetição desse exame num intervalo de seis meses (A). A segunda coleta deve ser precedida,
quando necessário, do tratamento de processos infecciosos e de melhora do trofismo genital, com uso prévio
de estrogênio (para mulheres após a menopausa, conforme recomendado em Citologia Normal – Resultado
indicando atrofia com inflamação), na unidade de atenção básica. Para as mulheres com idade inferior a 30
anos, a repetição do exame citopatológico deverá ser realizada em 12 meses (B).
Se dois exames citopatológicos subsequentes com intervalo de seis (no caso de mulheres com 30
anos ou mais) ou 12 meses (no caso de mulheres com menos de 30 anos) forem negativos, a mulher deverá
retornar à rotina de rastreamento citológico trienal (B); porém, se o resultado de alguma citologia de
repetição for igual ou sugestiva de lesão intraepitelial ou câncer, a mulher deverá ser encaminhada à unidade
de referência para colposcopia (A).
No caso de a colposcopia mostrar achados anormais maiores (sugestivos de NIC II/III) ou suspeitos
de invasão, deve-se realizar a biópsia (A). Se o resultado for de NIC II/III ou câncer, a conduta será específica
para esse resultado (vide Lesão intraepitelial escamosa de alto grau e Carcinoma epidermoide invasor) (A).
Em caso de colposcopia com JEC visível e com achados anormais menores (sugestivos de NIC I), a
biópsia poderá ser dispensada se a mulher tiver menos de 30 anos, história de rastreamento prévio negativo
para lesão intraepitelial ou câncer e possibilidade de seguimento (B). Esse seguimento deverá ser feito na
unidade de atenção básica com exames citopatológicos semestrais até dois exames consecutivos negativos,
quando deverá retornar ao rastreamento trienal, ou até que surja um diagnóstico citológico diferente
que direcione para outra conduta (A). No caso de mulheres com JEC não visível ou parcialmente visível,
deverá ser feita a avaliação do canal endocervical (conforme Tópicos Complementares – Avaliação do canal
endocervical) (B) e a conduta deverá seguir o resultado desses exames (A).

48
Mulheres com mais de 30 anos e achados colposcópicos anormais, com história de NIC II/III ou
câncer ou com rastreamento prévio desconhecido, deverão ser submetidas à biópsia (A).
No caso de colposcopia em que a JEC não for completamente visível e sem achados anormais,
recomenda-se a avaliação do canal endocervical (conforme Tópicos Complementares – Avaliação do canal
endocervical) (B), e, caso negativa ou o escovado endocervical mantenha ASC-US, a mulher deverá ser
seguida na unidade de atenção básica com novos exames citopatológicos a cada seis meses (nas mulheres
com 30 anos ou mais) ou anual (na mulheres com menos de 30 anos) (B) até dois exames consecutivos
negativos, quando deverá retornar ao rastreamento trienal, ou até que surja um diagnóstico citológico
diferente que direcione para outra conduta (A). Caso o escovado ou outro espécime endocervical tenha
resultado de maior relevância, a conduta será a recomendada para esse novo resultado (A).
Considerando-se a baixa prevalência de doença pré-invasiva e câncer nas mulheres com citologia de
ASC-US, o tratamento é baseado tão somente no aspecto colposcópico (“Ver e Tratar”) é inaceitável (D).
As condutas recomendadas para as pacientes com laudo citopatológico de ASC-US são apresentadas
na Figura 1.

49
Figura 1 – Fluxograma de recomendações de conduta para mulheres com diagnóstico citopatológico de ASC-US

50
de 350 células/µL, favorecendo uma maior incidência de lesões cervicais mais graves24 (evidência moderada).
Duerr et al. mostraram, em estudo comparativo, que mulheres infectadas pelo HIV (principalmente aquelas
com contagem de células CD4+ <200 células/mm3) e com diagnóstico citopatológico de ASCUS tinham
maior percentual de diagnóstico de lesão intraepitelial, em menor período de tempo (12 meses), quando
comparadas às não infectadas25 (evidência alta). Existe consenso de que mulheres imunossuprimidas têm,
em geral, maior probabilidade de apresentarem lesões pré-invasivas, motivando recomendações específicas
de rastreamento12,26.
Recomendações
Mulheres imunossuprimidas com esse resultado citológico devem ser encaminhadas para colposcopia já
no primeiro exame alterado (B), seguindo as recomendações para as demais mulheres nessa situação (A). O
seguimento citológico, quando não evidenciada lesão intraepitelial, deve ser semestral, até dois exames negativos
(B). Após esse período, deve seguir a recomendação de rastreamento específico para essas mulheres (B).

Células escamosas atípicas de significado indeterminado, quando


não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau
A prevalência desse diagnóstico citológico no Brasil foi de 0,2%, entre todos os exames realizados, e
de 8,8%, considerando-se apenas os resultados alterados em 20134.
Estudos revelam frequência de lesão de alto grau entre 12,2% e 68% e de câncer em torno de 1,3% a 3%
nas mulheres com citologia de ASC-H27-31 (evidência moderada). No único artigo original publicado no Brasil, a
frequência de lesão intraepitelial escamosa de alto grau (NIC II/III) entre usuárias do SUS com esse diagnóstico
citolopatológico foi de 19,29%, e nenhum caso de câncer cervical foi identificado6 (evidência moderada).
Assim como em ASC-US, também se observa similaridade de conduta frente a uma mulher com
ASC-H quando se analisam as recomendações publicadas pela França11, Reino Unido12, Austrália13, Nova
Zelândia14, Argentina17, Estados Unidos15 e Coreia do Sul16. As diretrizes desses países recomendam o
encaminhamento para a colposcopia, considerando o maior risco de presença de lesões intraepiteliais ou
mesmo invasora em mulheres com diagnóstico citopatológico ASC-H.
Foi identificado um estudo retrospectivo sobre o método “Ver e Tratar” em um grupo de mulheres
com diagnóstico de ASC-H. Os autores não encontraram diferença significativa nas complicações e no
supertratamento de mulheres submetidas a esse método em relação ao tratamento convencional, e a adoção
do método reduziu o tempo de espera para o diagnóstico e tratamento definitivo, em especial nos casos de
suspeita colposcópica de HSIL ou mais grave32 (evidência moderada).
O uso do teste de DNA-HPV poderia contribuir na avaliação das mulheres com colposcopia sem
achados anormais ou com achados anormais menores33 (evidência moderada).
Recomendações
Todas as mulheres com laudo citopatológico de ASC-H devem ser encaminhadas para uma unidade
de referência para colposcopia (A). Realizada a colposcopia, deve-se considerar se a JEC é visível. No caso
de colposcopia com visão total da JEC (ou seja, nas ZT tipos 1 ou 2) e achados anormais maiores, deve ser
realizada a biópsia (A), mas a excisão tipo 1 ou 2 são aceitáveis (I). Na presença de achados colposcópicos
anormais, sem visão da JEC (ZT tipo 3), deve-se proceder à biópsia e avaliação do canal (conforme Tópicos
Complementares – Avaliação do canal endocervical) e a conduta dependerá desse resultado (B). Caso seja
confirmada a presença de NIC II ou mais relevante na biópsia ou material endocervical, seguir recomendação
específica (A). Caso mostre NIC I ou o resultado dessa investigação for negativo, iniciar o seguimento,
repetindo a citologia e a colposcopia em seis meses (B).

52
Nos casos em que a JEC não é visível ou parcialmente visível (ZT tipo 3) e a colposcopia não revela
achados anormais, também deverá ser investigado o canal (conforme Tópicos Complementares – Avaliação
do canal endocervical) (B). Se o exame desse material mantiver o mesmo resultado ou mais grave, excluída
lesão vaginal, é recomendável a excisão tipo 3 para diagnóstico (A). Caso o exame desse material seja
negativo, indicam-se novas citologia e colposcopia em seis meses (B). Se os novos exames, realizados em
seis meses após a colposcopia forem negativos, retornar à unidade de atenção básica e repetir a citologia em
seis meses (B). Caso a citologia em seis meses mantenha o mesmo diagnóstico ou mais grave, na ausência
de achados colposcópicos anormais, mantida a impossibilidade de visão da JEC e excluída lesão vaginal, é
recomendada a excisão tipo 3 (A). Nesses casos, se a JEC for visível, é recomendável a revisão das lâminas
iniciais (B). Caso esse diagnóstico seja mantido ou mais grave, é recomendável a excisão tipo 3 (B). Caso
a revisão não mantenha esse diagnóstico, seguir conduta específica (A). Caso não seja possível a revisão,
uma nova citologia deve ser realizada em seis meses (C). Caso a nova citologia mostre um novo resultado
alterado, seguir conduta específica (A).
As condutas recomendadas para as pacientes com laudo citopatológico de ASC-H são apresentadas
na Figura 2.

Figura 2 – Fluxograma de recomendações de conduta para mulheres com diagnóstico citopatológico de ASC-H

53
Células glandulares atípicas

Células glandulares atípicas de significado indeterminado,


possivelmente não neoplásicas ou células glandulares atípicas
de significado indeterminado quando não se pode excluir lesão
intraepitelial de alto grau
A prevalência desses diagnósticos citológicos no Brasil, em 2013, foi de 0,13%, entre todos os exames
realizados, e de 4,7%, considerando-se apenas os resultados alterados1. Buscando-se a prevalência desses
diagnósticos em outros países, verificou-se que, na Bélgica, células glandulares atípicas de significado
indeterminado (AGC) são diagnosticadas em 0,1% das citologias2. Em outras publicações, esses valores
oscilam entre 0,08% e 0,81%3.
Apesar da baixa prevalência de AGC e da variabilidade dos estudos, esse diagnóstico se torna relevante
pela possibilidade de tratar-se de neoplasia intraepitelial escamosa, AIS, adenocarcinoma invasor do colo
uterino, adenocarcinoma do endométrio e, mais raramente, neoplasia extrauterina, além de outras derivações
mullerianas4 (evidência moderada). Achados de benignidades, como hiperplasia microglandular, adenose
vaginal, pólipos endometriais, endocervicais, quadros inflamatórios, endometriose, efeitos radiógenos,
gestação, uso prolongado de progestágenos, artefatos da própria escovação, metaplasia tubária, uso do DIU
e alterações reativas (após conização, cauterizações ou biópsias) também podem ser responsáveis por essas
atipias celulares5,6 (evidência moderada).
A Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais estabeleceu as categorias diagnósticas de células
glandulares atípicas de significado indeterminado possivelmente não neoplásicas e células glandulares atípicas
de significado indeterminado em que não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau. Também definiu
que, sempre que possível, deve-se mencionar a provável origem da atipia, seja endocervical, endometrial ou
sem outras especificações (SOE), quando houver dificuldade em especificar o sítio de origem das células
atípicas7.
Tendo em vista a denominação atipias em células glandulares de significado indeterminado levar à frequente
conotação de benignidade, principalmente ao ser comparada às atipias escamosas de significado indeterminado, na
revisão do Sistema Bethesda, em 2001, foi retirada a especificação “de significado indeterminado” e estabelecido o
termo atipias em células glandulares, objetivando assim evitar condutas aquém das requeridas para essa categoria
e aumentar a sensibilidade para as neoplasias glandulares8,9. A classificação em possivelmente não neoplásicas
ou em que não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau foi estabelecida na elaboração da nomenclatura
brasileira para laudos cervicais, em 2006, e deve ser utilizada por extenso7.
Considera-se a categoria atipias em células glandulares de alto risco, pois a ela encontra-se uma
associação com NIC II/III ou câncer em 15% a 56% dos casos, sendo as NIC mais comuns em pacientes com
menos de 40 anos e as neoplasias invasivas mais frequentes em pacientes acima dessa idade10-12 (evidência
moderada). Essa grande variabilidade pode ser devida, em parte, à baixa reprodutibilidade desse diagnóstico
citológico com níveis de concordância pobres intraobservadores 11,13,14 (evidência alta).
Prejudica o diagnóstico das lesões glandulares, durante a colposcopia, a dificuldade de acesso ao canal
endocervical e a possibilidade de ausência de achados colposcópicos anormais em epitélio glandular, bem
como a possibilidade de existirem lesões multifocais15 (evidência moderada). Os achados anormais também
podem estar presentes na ZT à semelhança do observado na doença escamosa16,17 (evidência moderada).

59
Um aspecto clinicamente relevante é que as patologias endometriais, possivelmente encontradas em
pacientes com esse diagnóstico citológico, são mais frequentes em mulheres com mais de 35 anos e, naquelas
mais jovens, com sangramento uterino anormal, anovulação crônica e obesidade, o que aponta para a
necessidade de investigação endometrial nessas situações18 (evidência moderada). Células endometriais
atípicas devem ser sempre consideradas anormais, independente da idade ou status menstrual5. Schnatz et
al. recomendam que, na presença de células endometriais atípicas, o exame do endométrio deve ser feito em
primeiro lugar19 (evidência moderada).
Doença invasiva ou pré-invasiva, escamosa ou glandular, mostraram associação com a presença de
DNA-HPV oncogênico20 (evidência alta); porém, a probabilidade de presença de lesão intraepitelial pode
chegar a apenas 40% dos casos quando presentes tipos oncogênicos de HPV e a 4% quando um desses tipos
de HPV está ausente21 (evidência alta).
Recomendações de condutas diferentes para AGC, possivelmente não neoplásicas e para aquelas
em que não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau, parecem não se justificar até o momento,
considerando que não há evidência de efetividade em alguma conduta inicial específica.
Recomendações
Pacientes com diagnóstico citológico de AGC devem ser encaminhadas para colposcopia (A). À
colposcopia, deve ser realizada nova coleta de material para citologia com especial atenção para o canal
cervical (A). Concomitantemente, é recomendável a avaliação endometrial com ultrassonografia transvaginal
(USTV) em pacientes acima de 35 anos e, caso anormal, estudo anatomopatológico do endométrio (A).
Abaixo dessa idade, a investigação endometrial deverá ser realizada se presente sangramento uterino anormal
ou se a citologia sugerir origem endometrial (A). A investigação da cavidade endometrial será prioritária
em relação à investigação da ectocérvice e canal endocervical sempre que mencionada a possível origem
endometrial dessas células atípicas (A).
A investigação de doença extrauterina também estará indicada nos casos em que persistir o diagnóstico
de AGC e se, ao final da investigação, não tiver sido possível concluir o diagnóstico de doença uterina (canal
endocervical e cavidade endometrial), independentemente da idade da mulher (I).
Durante a colposcopia, se encontradas alterações, quaisquer que sejam, deve ser realizada a biópsia
(A). Caso o exame histopatológico do material dessa biópsia seja compatível com AIS ou câncer, seguir
recomendações específicas (vide adiante) (A). No caso de diagnóstico de NIC II/III, deve-se buscar excluir
doença glandular simultânea, considerando o diagnóstico da citologia do material obtido no momento da
colposcopia e outros exames solicitados para avaliação do endométrio ou de outros órgãos pélvicos (A).
Na persistência de AGC na citologia, após o fim das investigações no colo e corpo uterinos, além de
órgãos adjacentes, sem evidência de doença, as mulheres devem ser mantidas em seguimento citológico e
colposcópico semestral até a exclusão de doença pré-invasiva ou invasiva (I).
Se a nova citologia sugerir doença escamosa ou for negativa, seguir recomendação específica (A). Nos
casos biopsiados, considerar o diagnóstico obtido e confrontar com o da nova citologia, definindo a conduta
a seguir em função do resultado mais relevante (A).
Se a citologia do material obtido no mesmo momento da colposcopia for negativa, a mulher deverá
ser seguida com citologia semestral na unidade secundária. Após dois anos com exames semestrais normais,
a paciente deve retornar ao rastreamento trienal (B).
Quando indicada a excisão tipo 3, deve-se preferir uma técnica que produza um espécime íntegro e
adequado para avaliação histopatológica (A).
As condutas recomendadas para as pacientes com laudo citopatológico de AGC são apresentadas na
Figura 3.

60
Figura 3 – Fluxograma de recomendações de conduta para mulheres com diagnóstico citopatológico de AGC

61
Células atípicas de origem indefinida,
possivelmente não neoplásicas ou células
atípicas de origem indefinida, quando não
se pode afastar lesão de alto grau

A categoria origem indefinida foi introduzida na Nomenclatura Brasileira de Laudos Cervicais destinada
àquelas situações em que não se pode estabelecer com clareza a origem da célula atípica. A permanência dessa
categoria na Nomenclatura Brasileira é importante para contemplar os casos que apresentam dificuldade na
diferenciação segura entre uma lesão escamosa presente no interior de glândulas e uma lesão glandularc. Além
dessas condições, podem estar presentes outras neoplasias, primárias ou metastáticas1.
Essa categoria tem baixa prevalência no Brasil. Segundo dados do Siscolo, foram registrados em
0,43% dos exames alterados e em 0,012% de todos os exames realizados em 20132.
Na investigação de mulheres com diagnóstico de células atípicas de origem indefinida, resultados
dos exames citopatológicos subsequentes definindo a natureza das atipias (escamosa ou glandular) devem
direcionar a conduta seguinte. Acredita-se que a grande dificuldade em definir a origem celular ocorre nas
lesões adenoescamosas, na presença das células de reserva e nos casos de adenocarcinoma de endométrio,
com representação de células do istmo ou quando a lesão atinge o colo.
Recomendações
Mulheres com o diagnóstico citológico de células atípicas de origem indefinida devem ser
encaminhadas para a unidade secundária para investigação (A). É recomendável a avaliação dos demais
órgãos pélvicos com exame de imagem (B), e a avaliação endometrial é recomendada em pacientes acima
de 35 anos (A). Abaixo dessa idade, a investigação endometrial deverá ser realizada se presente sangramento
uterino anormal ou se a citologia sugerir origem endometrial (A). Na presença de células endometriais
atípicas, a investigação de doença endometrial deve ser priorizada (A).
Na unidade secundária, sempre que possível, deve-se solicitar a revisão da lâmina e ser coletada uma
nova amostra para citologia no momento da realização da colposcopia (B). Quando possível, as amostras
devem ser examinadas em conjunto para melhor avaliação (I). Nos casos em que a revisão ou nova citologia
definir a origem da alteração, a conduta será de acordo com o novo resultado (B).
Quando na investigação for detectada doença endometrial por USTV ou histeroscopia, esta deverá ser
tratada antes de nova coleta de material para citologia (B).
Em caso de colposcopia com JEC visível ou não, com achados sugestivos de lesão intraepitelial ou câncer,
realizar biópsia (A). Caso não existam achados colposcópicos anormais ou o diagnóstico histopatológico
da biópsia seja negativo ou compatível com NIC I, uma nova citologia deverá ser obtida em seis meses na
unidade secundária e a mulher deverá retornar à unidade básica após duas citologias negativas semestrais
seguidas (B). Se o diagnóstico histopatológico for NIC II ou mais grave, seguir recomendação específica (A).
As condutas recomendadas para as pacientes com laudo citopatológico de células atípicas de origem
indefinida são apresentadas na Figura 4.

c
A revisão do Sistema Bethesda, realizada em 2014, eliminou essa categoria. Como a Nomenclatura Brasileira para Laudos Citopatológicos ainda a
mantém, essa categoria diagnóstica foi mantida nesta versão.

65
Situações especiais

Mulheres até 24 anos, gestantes e imunossuprimidas


A conduta em caso de mulheres imunossuprimidas ou até 24 anos com citologia de células atípicas de
origem indefinida não é diferente das demais.
As gestantes devem ser investigadas da mesma maneira, exceto pelo estudo endometrial, que não é
factível (D). A biópsia do colo do útero nessas mulheres deverá ser realizada apenas na suspeita de doença
invasiva (A).

Figura 4 – Fluxograma de recomendações de conduta para mulheres com diagnóstico citopatológico de células atípicas
de origem indefinida

66
Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau

A prevalência de LSILd foi de 0,8% de todos os exames citopatológicos realizados no Brasil, em 2013.
Considerando-se apenas os exames anormais, a prevalência de LSIL foi de 27,6%, representando o segundo
diagnóstico citopatológico mais frequente e demandando investigação ou acompanhamento adicionais,
precedida apenas pela categoria ASC-US1.
A LSIL representa a manifestação citológica da infecção causada pelo HPV, altamente prevalente e
com potencial de regressão frequente, especialmente em mulheres com menos de 30 anos2. Os estudos que
buscam estabelecer o risco de progressão e a probabilidade de regressão de atipias citológicas sofrem de
várias limitações, relacionadas ao tamanho amostral e ao teste diagnóstico; pois, se baseado na citologia,
têm limitações de acurácia e, se baseado em biópsia, esta pode mudar a história natural da doença. Uma
metanálise de estudos publicados após 1970 estimou que 47,4% das LSIL regridem após 24 meses; mas, mais
importante, apenas 0,2% das mulheres com esse diagnóstico citológico evoluem para o carcinoma invasor3
(evidência alta).
A reprodutibilidade interobservadores do diagnóstico citopatológico de LSIL é considerada moderada
(kappa 0,46, IC 95%: 0,44-0,48)4 (evidência alta), o que pode justificar a existência de lesões mais graves entre
mulheres com diagnóstico de LSIL. A prevalência de lesões pré-invasivas (NIC II/III) ou câncer relatada na
literatura após exame citopatológico compatível com LSIL é de 21,3% (IC 95%: 17,7%-24,9%)5 (evidência
alta), o que aponta para a possibilidade de subdiagnóstico do exame citopatológico. De fato, novos exames
citopatológicos realizados durante o recrutamento do ASCUS-LSIL Triage Study (ALTS) em mulheres com
diagnóstico de ASCUS e LSIL que apresentaram NIC III no seguimento demonstraram que a maioria dessas
lesões já existia previamente e não correspondiam à evolução de lesões menos graves6 (evidência alta).
Estudos transversais realizados no Brasil mostraram prevalência de NIC II ou lesões mais graves após exame
citopatológico compatível com LSIL, entre 7,2% e 21,6%7-9 (evidência baixa a moderada).
As recomendações preconizadas internacionalmente para a conduta inicial de pacientes com
diagnóstico citopatológico de LSIL variam entre o encaminhamento imediato para a colposcopia, a
repetição da citologia em intervalos variáveis, com encaminhamento para colposcopia, caso o resultado
subsequente mantenha LSIL ou apresente outras atipias, e a realização do teste de detecção de DNA-HPV,
com encaminhamento para colposcopia caso o resultado seja positivo10-22.
O encaminhamento imediato para colposcopia como conduta inicial de pacientes com diagnóstico
citológico de LSIL é apoiado no argumento de que há, nesses casos, a possibilidade da presença de lesões
mais graves. Contudo, essa conduta desconsidera a história natural da infecção pelo HPV, que embasa o
adiamento da investigação, evitando o sobrediagnóstico ou sobretratamento induzido pela abordagem de
lesões que tendem à regressão espontânea.
O comportamento benigno desse grau de alteração associado ao risco de ocorrência de efeitos
adversos psíquicos22-24 (evidência moderada) e físicos, como hemorragia, infecção e desfechos obstétricos
significativos25,26 (evidência alta), relacionados a procedimentos diagnósticos e terapêuticos, tem levado a
recomendações mais conservadoras.

d
Do inglês Low-grade Squamous Intraepithelial Lesion. Também é utilizada a sigla LIEBG.

69
Contudo, evidências obtidas em um grande ensaio clínico, conduzido nos Estados Unidos, sobre
a melhor conduta em mulheres com diagnóstico citopatológico de LSIL ou ASCUS sugerem que tanto o
encaminhamento imediato para colposcopia como o seguimento citológico são condutas aceitáveis nessa
situação27 (evidência alta).
Em mulheres com LSIL e teste de DNA-HPV positivo para tipos oncogênicos, o risco em cinco anos
para detecção de NIC II ou lesões mais graves e NIC III ou lesões mais graves é significativamente maior
do que em mulheres com LSIL e DNA-HPV negativo28 (evidência alta). Porém, a aplicação de testes de
detecção de DNA-HPV para a triagem de mulheres com LSIL para a colposcopia apresenta sensibilidade
significativamente maior, mas especificidade significativamente menor, em comparação à citologia de
repetição29 (evidência alta). A baixa especificidade dos testes de DNA-HPV é decorrente de sua alta
positividade em mulheres com LSIL (76,9%)5 (evidência alta), o que determinaria o encaminhamento da
maioria das mulheres para colposcopia, comprometendo a efetividade dessa estratégia.
Entretanto, a positividade dos testes de DNA-HPV é dependente da prevalência da infecção pelo HPV,
que por sua vez é dependente da idade. Estudos mais recentes demonstraram que vários testes de detecção de
HPV apresentam especificidade crescente com o aumento da idade, além de alta sensibilidade, para detecção
de NIC II ou lesões mais graves em mulheres com LSIL30,31 (evidência alta). Assim, as evidências científicas
atuais sugerem que os testes de detecção de DNA-HPV podem ser úteis para a triagem de mulheres com
LSIL com mais idade, contudo, em decorrência da falta de dados estratificados por idade, não é possível
atualmente definir com segurança um ponto de corte em função dessa característica32.
Dados de ensaio clínico randomizado realizado no Reino Unido demonstraram que, em mulheres
com diagnóstico citopatológico de LSIL ou ASCUS submetidas à colposcopia, a realização de biópsias
dirigidas oferece o melhor equilíbrio entre benefícios e danos, com encaminhamento para tratamento as
mulheres com diagnóstico de NIC II/III e para controle citológico aquelas com diagnóstico de NIC I. O
tratamento imediato por meio de exérese da zona de transformação (EZT) resultou em sobretratamento
(60% de diagnóstico de NIC I ou ausência de NIC) e mais efeitos adversos, não devendo ser recomendado33
(evidência alta).
O diagnóstico histopatológico de NIC I representa a manifestação histológica da infecção causada
pelo HPV. No entanto, as implicações clínicas desse diagnóstico não são bem compreendidas, pois há poucos
estudos prospectivos investigando o risco subsequente de lesões pré-invasivas (NIC II/III) ou câncer. Dados
do estudo ALTS apontaram, após diagnóstico histopatológico de NIC I, incidência cumulativa em dois anos
de NIC III de 10,3% (IC 95%: 7,9%-13,0%)34 (evidência alta). Outro estudo encontrou 12% de NIC II ou
lesões mais graves em mulheres com NIC I seguidas por três anos35 (evidência alta).
Um ensaio clínico envolvendo mulheres brasileiras e canadenses demonstrou que o seguimento
citopatológico e colposcópico de mulheres com NIC I comprovada por biópsia por 18 meses não era
clinicamente inferior ao tratamento excisional na detecção de NIC II/III ou mais grave36 (evidência alta).
Quando indicado, o tratamento da NIC I pode ser ablativo ou excisional, pois foi demonstrado que ambos
os métodos são eficazes para o tratamento de NIC37 (evidência alta). Não foram encontradas na literatura
evidências da melhor forma de seguimento após tratamento de NIC I.
Recomendações
Mulheres com diagnóstico citopatológico de LSIL devem repetir o exame citopatológico em seis
meses na unidade de atenção básica (A). Processos infecciosos ou atrofia genital identificados devem ser
tratados antes da nova coleta (A). Se a citologia de repetição for negativa em dois exames consecutivos, a
paciente deve retornar à rotina de rastreamento citológico trienal na unidade de atenção básica (A). Se uma
das citologias subsequentes no período de um ano for positiva, encaminhar à unidade de referência para
colposcopia (A).

70
À colposcopia, se presentes achados anormais no colo do útero, deve-se realizar a biópsia (A). Presente
NIC II/III ou câncer, deve-se seguir conduta específica (A). Caso presente NIC I, a paciente deverá ser mantida
em seguimento citológico (A). Quando presentes achados anormais menores, a biópsia poderá ser dispensada,
considerando-se outros fatores como idade menor do que 30 anos, rastreamento prévio negativo e ausência
de história de doença cervical pré-invasiva (NIC II/III) (B). As pacientes não submetidas à biópsia devem ser
seguidas com citologia em 12 meses até dois exames seguidos negativos (B), seguindo-se conduta específica
a partir dos resultados subsequentes (A). Considerando-se a alta possibilidade de sobretratamento e efeitos
adversos, o método “Ver e Tratar” é inaceitável nas mulheres com citologia de LSIL (D).
Na ausência de achados colposcópicos anormais no colo e na vagina, é recomendado repetir a
citologia (A). A nova citologia deverá ser realizada a cada seis meses em mulheres com mais de 30 anos
ou anualmente, nas mulheres até 30 anos (A). Caso o exame citopatológico seja negativo em dois exames
seguidos, a mulher deve retornar à rotina de rastreamento citológico trienal (A). Mantido o diagnóstico
citopatológico de LSIL, a mulher deverá ser mantida em seguimento citológico até que os exames retornem
à normalidade (A). Caso, nesse seguimento, seja obtido um diagnóstico mais relevante (ASC-H, HSIL, AGC
ou câncer), a conduta deverá ser definida em função do novo resultado (A). Na persistência de LSIL por 24
meses, a mulher deve ser reencaminhada para colposcopia (B).
Na persistência de NIC I por 24 meses, a manutenção do seguimento ou o tratamento são aceitáveis,
sendo recomendada a individualização considerando a idade, paridade e preferências da paciente (C). Se a
opção for pelo tratamento, nos casos de JEC visível e a menos de um centímetro no canal (ZT tipo 1 ou 2),
pode-se optar por métodos destrutivos (eletrocauterização, criocauterização ou laserterapia) ou excisão tipo
1 ou 2 (A). Quando a decisão for tratar e a ZT for tipo 2 (com JEC além do primeiro centímetro do canal)
ou 3, a indicação de um procedimento excisional (excisão tipos 2 ou 3) deve ser criteriosamente avaliada
frente ao risco obstétrico (B).
As condutas recomendadas para as pacientes com laudo citopatológico de LSIL são apresentadas na
Figura 5.

71
Figura 5 – Fluxograma de recomendações de conduta para mulheres com 25 anos ou mais e diagnóstico citopatológico
de LSIL

72
1 INTRODUÇÃO

1.1 Definição de caso

Considera-se caso de hanseníase a pessoa que apresenta um ou mais dos


seguintes sinais cardinais, a qual necessita de tratamento com poliquimiote-
rapia (PQT):
a) lesão(ões) e/ou área(s) da pele com alteração da sensibilidade térmica e/
ou dolorosa e/ou tátil; ou
b) espessamento de nervo periférico, associado a alterações sensitivas e/ou
motoras e/ou autonômicas; ou
c) presença de bacilos M. leprae, confirmada na baciloscopia de esfregaço
intradérmico ou na biopsia de pele.

1.2 Notificação dos casos

A hanseníase é uma doença de notificação compulsória e de investigação


obrigatória. Os casos diagnosticados devem ser notificados, utilizando-se a
ficha de Notificação/Investigação, do Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (Sinan) (Anexo A).

6
AÇÕES PARA REDUÇÃO DA CARGA DA HANSENÍASE 2
NO BRASIL

Em virtude de não existir proteção específica para a hanseníase, as ações a


serem desenvolvidas para a redução da carga da doença incluem as atividades de:
• Educação em saúde.
• Investigação epidemiológica para o diagnóstico oportuno de casos.
• Tratamento até a cura.
• Prevenção e tratamento de incapacidades.
• Vigilância epidemiológica.
• Exame de contatos, orientações e aplicação de BCG.

2.1 Educação em saúde

Educação em saúde é dirigida às equipes de saúde, aos casos suspeitos


e doentes, aos contatos de casos índices, aos líderes da comunidade e ao
público em geral. Visa prioritariamente: incentivar a demanda espontânea de
doentes e contatos nos serviços de saúde para exame dermatoneurológico;
eliminar falsos conceitos relativos à hanseníase; informar quanto aos sinais e
sintomas da doença, importância do tratamento oportuno; adoção de medidas
de prevenção de incapacidades; estimular a regularidade do tratamento do
doente e a realização do exame de contatos; informar os locais de tratamento;
além de orientar o paciente quanto às medidas de autocuidado.
Cabe às três esferas de governo trabalhar em parceria com as demais
instituições e entidades da sociedade civil para a divulgação de informações
atualizadas sobre a hanseníase.
O Ministério da Saúde, bem como as secretarias estaduais e municipais de
Saúde, devem atuar em parceria com o Ministério da Educação e secretarias
municipais e estaduais de Educação, como agentes facilitadores da integração
ensino-serviço nos cursos de graduação, pós-graduação e nos cursos técnicos
profissionalizantes do ensino médio.
Atenção deve ser dada aos demais segmentos da sociedade civil no desen-
volvimento de ações educativas sobre hanseníase voltadas à população geral.

7
2.2 Investigação epidemiológica para o diagnóstico precoce
de casos

A investigação epidemiológica tem como objetivo a descoberta de doentes


e é feita por meio de:
• Atendimento da demanda espontânea.
• Busca ativa de casos novos.
• Vigilância de contatos.

O atendimento da demanda compreende o exame dermatoneurológico


de pessoas suspeitas de hanseníase que procuram a unidade de saúde
espontaneamente, exames de indivíduos com dermatoses e/ou neuropatias
periféricas e dos casos encaminhados por meio de triagem.
A vigilância de contatos tem por finalidade a descoberta de casos novos
entre aqueles que convivem ou conviveram, de forma prolongada com o caso
novo de hanseníase diagnosticado (caso índice). Além disso, visa também
descobrir suas possíveis fontes de infecção no domicílio (familiar) ou fora dele
(social), independentemente de qual seja a classificação operacional do doente
– paucibacilar (PB) ou multibacilar (MB).
Considera-se contato domiciliar toda e qualquer pessoa que resida ou tenha
residido com o doente de hanseníase. Contato social é qualquer pessoa que
conviva ou tenha convivido em relações familiares ou não, de forma próxima
e prolongada. Os contatos sociais, que incluem vizinhos, colegas de trabalhos
e de escola, entre outros, devem ser investigados de acordo com o grau e
tipo de convivência, ou seja, aqueles que tiveram contato muito próximo e
prolongado com o paciente não tratado. Atenção especial deve ser dada aos
contatos familiares do paciente (pais, irmãos, avós, tios etc.).

Notas
Contatos familiares recentes ou antigos de pacientes MB e PB devem ser
examinados, independente do tempo de convívio.
Sugere-se avaliar anualmente, durante cinco anos, todos os contatos não
doentes, quer sejam familiares ou sociais. Após esse período os contatos
devem ser liberados da vigilância, devendo, entretanto, serem esclarecidos
quanto à possibilidade de aparecimento, no futuro, de sinais e sintomas
sugestivos da hanseníase.

8
A investigação epidemiológica de contatos consiste em:
• Anamnese dirigida aos sinais e sintomas da hanseníase.
• Exame dermatoneurológico de todos os contatos dos casos novos,
independente da classificação operacional.
• Vacinação BCG para os contatos sem presença de sinais e sintomas de
hanseníase no momento da avaliação, não importando se são contatos
de casos PB ou MB.

Todo contato de hanseníase deve ser informado que a vacina BCG não é
específica para hanseníase.
A vacina BCG-ID deve ser aplicada nos contatos examinados sem presença
de sinais e sintomas de hanseníase no momento da investigação, independente
da classificação operacional do caso índice. A aplicação da vacina BCG
depende da história vacinal e/ou da presença de cicatriz vacinal e deve seguir
as recomendações a seguir:

Quadro 1
Esquema de Vacinação com BCG

Cicatriz vacinal Conduta


Ausência cicatriz BCG Uma dose
Uma cicatriz de BCG Uma dose
Duas cicatrizes de BCG Não prescrever
Fonte: (BRASIL, 2008).

Notas
a) Contatos de hanseníase com menos de 1 ano de idade, já comprovada-
mente vacinados, não necessitam da aplicação de outra dose de BCG.
b) As contraindicações para aplicação da vacina BCG são as mesmas
referidas pelo Programa Nacional de Imunização (PNI), disponível no
endereço eletrônico: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
manual_procedimentos_vacinacao.pdf>.
c) É importante considerar a situação de risco dos contatos possivelmente
expostos ao HIV e outras situações de imunodepressão, incluindo
corticoterapia. Para doentes HIV positivos, seguir as recomendações
específicas para imunização com agentes biológicos vivos ou
atenuados, disponíveis no endereço eletrônico: <http://bvsms.saude.
gov.br/bvs/publicacoes/manual_procedimentos_vacinacao.pdf>.
d) Doentes em tratamento para tuberculose e/ou já tratados para esta
doença não necessitam vacinação BCG profilática para hanseníase.

9
ATENÇÃO À SAÚDE 3

3.1 Diagnóstico de caso de hanseníase

O diagnóstico de caso de hanseníase é essencialmente clínico e


epidemiológico, realizado por meio da anamnese, exame geral e
dermatoneurólogico para identificar lesões ou áreas de pele com alteração
de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos, com alterações
sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas.
Para os casos diagnosticados, deve-se utilizar a classificação operacional
de caso de hanseníase, visando definir o esquema de tratamento com
poliquimioterapia, que se baseia no número de lesões cutâneas de acordo com
os seguintes critérios:
Paucibacilar (PB) – casos com até cinco lesões de pele.
Multibacilar (MB) – casos com mais de cinco lesões de pele.
A classificação operacional deve ser feita pelos critérios clínicos (história
clínica e epidemiológica e exame dermatoneurológico). Quando disponível
a baciloscopia, o seu resultado positivo classifica o caso como MB, porém o
resultado negativo não exclui o diagnóstico clínico da hanseníase e também
não classifica obrigatoriamente o doente como PB.
Para os serviços especializados, ambulatorial e/ou hospitalar devem ser
referenciados os casos suspeitos de comprometimento neural sem lesão
cutânea, por serem de diagnóstico e/ou classificação mais difícil. Recomenda-se
que nesses serviços de saúde os indivíduos sejam novamente submetidos
ao exame dermatoneurólogico e a exames complementares que incluem a
baciloscopia, a histopatologia (cutânea ou de nervo periférico sensitivo), os
eletrofisiológicos e, se necessário, sejam submetidos a outros exames mais
complexos para identificar o comprometimento cutâneo ou neural discreto,
à avaliação por ortopedista, ao neurologista e a outros especialistas para
diagnóstico diferencial de outras neuropatias periféricas.
Dessa forma, os casos que apresentarem mais de um nervo comprometido,
desde que devidamente documentado pela perda ou diminuição de
sensibilidade nos respectivos territórios, a unidade de referência deverá tratar
como MB, independentemente da situação de envolvimento cutâneo.

17
3.2 Diagnóstico das reações hansênicas

Os estados reacionais ou reações hansênicas (tipos 1 e 2) são alterações do


sistema imunológico que se exteriorizam como manifestações inflamatórias
agudas e subagudas, podendo ocorrer em qualquer paciente, porém são mais
frequentes nos pacientes MB. Elas podem surgir antes, durante ou depois do
tratamento PQT.
A Reação Tipo 1 ou Reação Reversa caracteriza-se pelo aparecimento de
novas lesões dermatológicas (manchas ou placas), infiltrações, alterações de
cor e edema nas lesões antigas, com ou sem espessamento e dor de nervos
periféricos (neurite).
A Reação Tipo 2, cuja manifestação clínica mais frequente é o Eritema
Nodoso Hansênico (ENH), caracteriza-se pelo aparecimento de nódulos
subcutâneos dolorosos, acompanhados ou não de manifestações sistêmicas
como: febre, dor articular, mal-estar generalizado, orquite, iridociclites, com
ou sem espessamento e dor de nervos periféricos (neurite).
Frente a suspeita de reação hansênica, recomenda-se:
a) Confirmar o diagnóstico de hanseníase e sua classificação operacional.
b) Diferenciar o tipo de reação hansênica.
c) Investigar fatores predisponentes (infecções, infestações, distúrbios
hormonais, fatores emocionais e outros).
d) Avaliar a função neural.

As reações, com ou sem neurite, devem ser diagnosticadas por meio da


investigação cuidadosa dos sinais e sintomas mais frequentes e exame físico
geral, com ênfase na avaliação dermatoneurológica. Tais procedimentos são
fundamentais para definir a terapêutica antirreacional e para monitorar o
comprometimento dos nervos periféricos
Lembrar da possibilidade da ocorrência de neurite isolada como manifestação
única de reação hansênica.
Os pacientes de hanseníase devem ser agendados para consulta odontológica
e orientados quanto à higiene dental. A boa condição de saúde bucal reduz o
risco de reações hansênicas.

18
3.3 Avaliação do grau de incapacidade física e da função neural

É imprescindível avaliar a integridade da função neural e o grau de


incapacidade física no momento do diagnóstico, na ocorrência de estados
reacionais e na alta por cura (término da poliquimioterapia).
A avaliação neurológica (Anexo F) deve ser realizada:
1) No início do tratamento.
2) A cada três meses durante o tratamento se não houver queixas.
3) Sempre que houver queixas, tais como: dor em trajeto de nervos,
fraqueza muscular, início ou piora de queixas parestésicas.
4) No controle periódico de doentes em uso de corticoides por estados
reacionais e neurites.
5) Na alta do tratamento.
6) No acompanhamento pós-operatório de descompressão neural com 15,
45, 90 e 180 dias.

Para verificar a integridade da função neural, recomenda-se a utilização do


formulário de Avaliação Neurológica Simplificada (Anexo F).
Todos os doentes devem ter o grau de incapacidade física avaliado, no
mínimo, no diagnóstico e no momento da alta por cura. Para determinar o
grau de incapacidade física deve-se realizar o teste de força muscular e de
sensibilidade dos olhos, mãos e pés.
Para o teste de sensibilidade recomenda-se a utilização do conjunto de
monofilamentos de Semmes-Weinstein (6 monofilamentos: 0,05 g, 0,2 g, 2
g, 4 g, 10 g e 300 g) nos pontos de avaliação de sensibilidade em mãos e pés
e do fio dental (sem sabor) para os olhos. Nas situações em que não estiver
disponível o estesiômetro, deve-se fazer o teste de sensibilidade de mãos e pés
ao leve toque da ponta da caneta esferográfica.
Para avaliação da força motora preconiza-se o teste manual da exploração da
força muscular, a partir da unidade músculo-tendinosa durante o movimento
e da capacidade de oposição à força da gravidade e à resistência manual, em
cada grupo muscular referente a um nervo específico. Os critérios de graduação
da força muscular podem ser expressos como forte, diminuída e paralisada, ou
de zero a cinco, conforme o quadro a seguir:

19
Quadro 4
Critérios para Avaliação da Força Motora
FORÇA DESCRIÇÃO

Forte 5 Realiza o movimento completo contra a gravidade com resistência.

Realiza o movimento completo contra a gravidade com resistência


4
parcial.
Diminuída
3 Realiza o movimento completo contra a gravidade sem resistência.

2 Realiza o movimento parcial.

1 Contração muscular sem movimento.


Paralisada
0 Paralisia (nenhum movimento).
Fonte: Coordenação-Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

O Formulário para Avaliação do Grau de Incapacidade Física (Anexo E) deverá


ser preenchido e obedecer às características expressas no quadro a seguir:

Quadro 5
Critérios para Avaliação do Grau de Incapacidade Física
GRAU CARACTERÍSTICAS
Olhos: Força muscular das pálpebras e sensibilidade da córnea preservadas
e conta dedos a 6 metros ou acuidade visual ≥0,1 ou 6:60.
Mãos: Força muscular das mãos preservada e sensibilidade palmar: sente
0
o monofilamento 2 g (lilás) ou o toque da ponta de caneta esferográfica.
Pés: Força muscular dos pés preservada e sensibilidade plantar: sente o
monofilamento 2 g (lilás) ou o toque da ponta de caneta esferográfica.
Olhos: Diminuição da força muscular das pálpebras sem deficiências visíveis
e/ou diminuição ou perda da sensibilidade da córnea: resposta demorada ou
ausente ao toque do fio dental ou diminuição/ausência do piscar.
Mãos: Diminuição da força muscular das mãos sem deficiências visíveis e/ou
1 alteração da sensibilidade palmar: não sente o monofilamento 2 g (lilás) ou
o toque da ponta de caneta esferográfica.
Pés: Diminuição da força muscular dos pés sem deficiências visíveis e/ou
alteração da sensibilidade plantar: não sente o monofilamento 2 g (lilás) ou
o toque da ponta de caneta esferográfica.
Olhos: Deficiência(s) visível(eis) causadas pela hanseníase, como: lagoftalmo;
ectrópio; entrópio; triquíase; opacidade corneana central; iridociclite e/ou não
conta dedos a 6 metros ou acuidade visual <0,1 ou 6:60, excluídas outras causas.
2 Mãos: Deficiência(s) visível(eis) causadas pela hanseníase, como: garras,
reabsorção óssea, atrofia muscular, mão caída, contratura, feridas.
Pés: Deficiência(s) visível(eis) causadas pela hanseníase, como: garras,
reabsorção óssea, atrofia muscular, pé caído, contratura, feridas.
Fonte: Coordenação-Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

20
Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica Diabete Mellitus

4.3 Prevenção e manejo das complicações crônicas do diabetes

A história natural do DM tipo 1 e tipo 2 é marcada pelo aparecimento de complicações


crônicas. Algumas, referidas como microvasculares, são específicas do diabetes, como a
retinopatia, a nefropatia e a neuropatia diabética. Outras, ditas macrovasculares, mesmo não
71
sendo específicas do diabetes, são mais graves nos indivíduos acometidos, sendo a principal causa
da morbimortalidade associada ao diabetes.

O risco de desenvolver complicações crônicas graves é muitas vezes superior ao de pessoas sem
diabetes – 30 vezes para cegueira, 40 vezes para amputações de membros inferiores, 2 a 5 vezes
para IAM e 2 a 3 vezes para AVC (DONELLY, 2000).

A patogenia dessas complicações ainda não está totalmente esclarecida. A duração do


diabetes é um fator de risco importante, mas outros fatores como hipertensão arterial, fumo e
colesterol elevado interagem com a hiperglicemia, determinando o curso clínico da micro e da
macroangiopatia (DONELLY, 2000).

Sabe-se também que as complicações micro e macrovasculares apresentam fatores de


risco e mecanismos comuns – a hiperglicemia, a obesidade, a resistência à ação da insulina, a
inflamação branda e crônica e a disfunção endotelial. Caracterizados pela síndrome metabólica,
esses processos causais determinam o diabetes e suas complicações, apresentando interfaces
moleculares que constituem alvos terapêuticos comuns. O controle da obesidade, por exemplo,
mostra melhora em todos os parâmetros da síndrome metabólica.

A implementação simultânea de medidas farmacológicas e não farmacológicas, com o


objetivo de controlar a hiperglicemia, a hipertensão, a dislipidemia e a microalbuminúria,
quando comparada a intervenções tradicionais, foi eficaz na redução de várias complicações do
diabetes tipo 2, em um acompanhamento de 7 a 8 anos, reduzindo em 53% o risco de doença
cardiovascular, em 58% o desenvolvimento de retinopatia, em 61% a incidência de nefropatia e
em 63% de neuropatia autonômica (GAEDE, 2003) [GRADE B].

Desta forma, fica evidente a necessidade de se integrar planos de prevenção e controle de


doenças micro e macrovasculares. Por essa razão, a abordagem geral de hábitos de vida sudáveis
apresentadas no Cadernos de Atenção Básica, nº 35 – Estratégias para o Cuidado da Pessoa com
Doença Crônica pode ser utilizada também para quem tem diabetes.

4.3.1 Doença macrovascular

As doenças isquêmicas cardiovasculares são mais frequentes e mais precoces em indivíduos


com diabetes, comparativamente aos demais. Em mulheres com diabetes, o efeito protetor do
gênero feminino desaparece.
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A sintomatologia das três grandes manifestações cardiovasculares – doença coronariana,


doença cerebrovascular e doença vascular periférica – é, em geral, semelhante em pacientes com
e sem diabetes. Contudo, alguns pontos merecem destaque:

• a angina de peito e o IAM podem ocorrer de forma atípica na apresentação e na


caracterização da dor (devido à presença de neuropatia autonômica cardíaca do diabetes);
72 • as manifestações cerebrais de hipoglicemia podem mimetizar ataques isquêmicos
transitórios;

• a evolução pós-infarto é pior nos pacientes com diabetes.

Além disso, pessoas com DM apresentam algumas particularidades no seu manejo, que serão
discutidas a seguir.

Intervenções preventivas cardiovasculares

Todas as pessoas com DM devem ser alertadas quanto à presença dos seguintes fatores de risco
para doença macrovascular: tabagismo, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia e obesidade
central (SCOTTISH INTERCOLLEGIATE GUIDELINES NETWORK, 2010). Um plano de ação pode ser
desenvolvido para dar apoio às pessoas no controle destes fatores de risco. A equipe precisa
auxiliar e apoiar as pessoas com DM na suspensão do tabagismo, adoção de uma dieta saudável
e realização de atividade física de forma regular.

Entre os antidiabéticos, a metformina merece destaque pela proteção cardiovascular que


oferece, conforme visto no Capítulo 3 deste Caderno de Atenção Básica.

As estatinas são efetivas na prevenção primária e secundária de eventos cardiovasculares em


pessoas com diabetes [GRADE A] (PY RÄLÄ et al., 1997; COLHOUN et al., 2004; COLLINS et al., 2003;
AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2012). Todas as pessoas com diabetes e evidência clínica de
doença aterosclerótica devem receber estatina independente do valor inicial do LDL (COLLINS et
al., 2003). Na ausência de doença cardiovascular, pode-se considerar o uso de estatina naqueles
com risco absoluto de eventos coronarianos de >20% em 10 anos ou nos pacientes com >40 anos
e um ou mais fatores de risco cardiovascular (COLLINS et al., 2003). Vale lembrar que o uso de
fibratos associados a estatinas não reduz eventos cardiovasculares em pessoas com DM, mesmo
nos de alto risco (GINSBERG et al., 2010) [GRADE A].

Terapia antiplaquetária é claramente benéfica em portadores de doença cardiovascular


clínica, em especial na prevenção secundária (BAIGENT et al., 2009; ANTITHROMBOTIC TRIALISTS'
COLLABORATION, 2002) [GRADE A]. Nas pessoas com diabetes sem doença cardiovascular
diagnosticada, o benefício do ácido acetil salicílico (AAS) na prevenção primária de eventos
cardiovasculares, em termos de redução relativa de risco, é menor, e para muitos pesquisadores
não supera o aumento de risco de sangramentos importantes (DE BERARDIS, 2009; CAVADAS,
2011) [GRADE C]. Desta forma, AAS não deve ser utilizado indiscriminadamente nessa situação.

Uma situação que merece atenção especial no tratamento anti-hipertensivo de pessoas com DM
é a presença de hipotensão postural como sinal de neuropatia autonômica. Frequentemente, essas
pessoas apresentam níveis pressóricos mais elevados na posição de decúbito em relação ao ortostatismo,
Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica Diabete Mellitus

podendo beneficiarem-se da administração de medicação anti-hipertensiva antes de deitar. Para


recomendações de tratamento anti-hipertensivos, Cadernos de Atenção Básica, nº 37 – Estratégias para
o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica – Hipertensão Arterial Sistêmica, desta Coleção.

4.3.2 Doença microvascular e neuropática 73

O controle da hiperglicemia assume maior importância na prevenção das complicações


microvasculares do que na prevenção das complicações macrovasculares. No entanto,
considerando que fatores de risco como fumo, hipertensão, dislipidemia, inflamação crônica
e a disfunção endotelial, comumente associados à doença aterosclerótica, também são fatores
de risco para retinopatia, nefropatia e pé diabético (SCOTTISH INTERCOLLEGIATE GUIDELINES
NETWORK, 2010), o controle da glicemia é tão essencial quanto o controle da pressão arterial no
DM tipo 2 (UK PROSPECTIVE DIABETES STUDY, 1998).

Outra forma de prevenção da progressão das complicações microvasculares é sua detecção


precoce, com o objetivo de intensificar as intervenções preventivas anteriormente discutidas e
implementar novas terapias comprovadamente efetivas (MCINTOSH et al., 2003).

Retinopatia diabética

A retinopatia diabética é a primeira causa de cegueira adquirida após a puberdade. Embora a


cegueira seja um evento raro (aproximadamente 20/100.000/ano) em pacientes com diabetes (GENZ
et al., 2010), a perda de acuidade visual é comum após dez anos de diagnóstico, acontecendo em
20% a 40% dos pacientes mais idosos (MOSS; KLEIN; KLEIN, 1994). A retinopatia é assintomática
nas suas fases iniciais, não sendo possível detectá-la sem a realização de fundoscopia. Após 20
anos do diagnóstico, quase todos os indivíduos com DM tipo 1 e mais do que 60% daqueles
com DM tipo 2 apresentam alguma forma de retinopatia. Dos indivíduos com DM tipo 2, 4%
apresentam retinopatia no momento do diagnóstico, sendo que 4% a 8% já apresentam perda
de acuidade visual (UK PROSPECTIVE DIABETES STUDY, 1998; KOHNER et al., 1998). Além dos
fatores de risco anteriormente citados para doença microvascular, para a retinopatia pode-se
adicionar a presença de nefropatia (BOELTER et al., 2006) e a gestação (THE DIABETES CONTROL
AND COMPLICATIONS TRIAL RESEARCH GROUP, 2000).

A retinopatia pode ser graduada em retinopatia não proliferativa leve, moderada ou grave
e retinopatia proliferativa. Essa classificação leva em conta que o risco de perda de visão na
retinopatia não proliferativa grave é semelhante ao da proliferativa, devendo ser manejada
da mesma forma. O edema macular, também tratável, é outra complicação ocular do diabetes
associada à diminuição importante da acuidade visual e pode acometer pessoas em todas as fases
da retinopatia (CIULLA; AMADOR; ZINMAN, 2003).

O rastreamento desse problema tem como objetivo o diagnóstico precoce de retinopatia


grave, uma vez que existe intervenção efetiva. No DM tipo 1, o rastreamento deve ser realizado
em adultos ou crianças maiores de dez anos após cinco anos de diagnóstico do diabetes [Grau de
Recomendação B]. No DM tipo 2, o rastreamento deve iniciar no momento do diagnóstico [Grau
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de Recomendação B] (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). A periodicidade do rastreamento


é importante para garantir a relação de custo-efetividade da intervenção preventiva, sugere-se
que este rastreamento seja realizado anualmente. Na presença de retinopatia, o intervalo de
avaliações é determinado caso a caso, mas é recomendado que seja realizado com maior frequência
(AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013).

74 O método que tem sensibilidade e especificidade adequadas (>80% e >95%, respectivamente)


para esse contexto é a fotografia do fundo de olho sob dilatação pupilar (SCOTTISH INTERCOLLEGIATE
GUIDELINES NETWORK, 2010). Uma alternativa de menor sensibilidade é a fundoscopia sob
dilatação da pupila. A escolha do método depende da disponibilidade de recursos.

As mulheres com DM que planejam engravidar devem ser alertadas sobre os riscos de piora
da retinopatia diabética (FONG et al., 2003; KLEIN; MOSS; KLEIN, 1990; THE DIABETES CONTROL
AND COMPLICATIONS TRIAL RESEARCH GROUP, 2000). Antes da gravidez e no primeiro trimestre
desta, deve ser feita avaliação da retina. O acompanhamento na gravidez deverá ser estabelecido
de acordo com as alterações observadas, mas deverá ser feito, no mínimo, a cada três meses.
O controle será mais frequente se a paciente mostrar modificações retinianas ou apresentar
hipertensão arterial. As mulheres cujo diabetes inicia na gravidez (diabetes gestacional) não
necessitam ser rastreadas para retinopatia diabética.

Tratamento da retinopatia diabética

Deve-se buscar o controle dos fatores de risco descritos anteriormente, com ênfase no controle
glicêmico e pressórico adequados [Grau de Recomendação A] (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION,
2013). O controle metabólico intensivo (HbA1c <7%) reduz a taxa de progressão subclínica da
retinopatia leve em 54% e previne em 76% o surgimento de retinopatia em pacientes com DM
tipo 1 [GRADE B] (THE DIABETES CONTROL AND COMPLICATIONS TRIAL RESEARCH GROUP, 1993).

O manejo da hipertensão arterial (com alvo menor de 150/85 mmHg) diminui a progressão
da retinopatia (MATTHEWS et al., 2004; UK PROSPECTIVE DIABETES STUDY, 1998a; CHATURVEDI,
1998; CHATURVEDI, 2008; UK PROSPECTIVE DIABETES STUDY, 1998b; ESTACIO et al., 2006;
SCHIRIER, 2002) [GRADE B]. O tratamento mais intensivo da pressão não evidenciou benefício de
forma consistente para desfechos mais importantes, como para desenvolvimento de hemorragia
vítrea ou amaurose (ESTACIO et al., 2006; MATTHEWS et al., 2004; CHEW et al., 2010).

Além do controle metabólico e da pressão arterial, os pacientes com retinopatia grave


ou proliferativa ou suspeita de edema macular diabético podem ser encaminhados para o
oftalmologista para avaliação da necessidade de fotocoagulação. A fotocoagulação (laser de
argônio), como evidenciado em ensaios clínicos randomizados, reduz o risco de cegueira em
cinco anos em 90% e a taxa de desenvolvimento da perda de visão por edema de mácula em
cerca de 50% (THE DIABETIC RETINOPATHY STUDY RESEARCH GROUP, 1976; 1979). Esse efeito é
primariamente preventivo, pois não reverte a perda visual que já ocorreu.

Os critérios para encaminhamento ao oftalmologista precisam ser avaliados individualmente.


Casos com perda súbita de visão, hemorragia pré-retiniana ou vítrea ou descolamento de retina
(com percepção de luzes a piscar, aparência súbita de vários corpos flutuantes e ou a percepção
Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica Diabete Mellitus

de sombra ou cortina sobre parte do campo da visão) precisam ser avaliados de forma imediata.
Os casos de retinopatia proliferativa ou pré-proliferativa grave, suspeita de maculopatia (pela
presença de exudatos a uma distância menor do que um diâmetro de disco óptico do centro da
fóvea ou exudatos circinados ou em grupo dentro da mácula) também precisam ser considerados.

Outras alterações oculares 75


Além da retinopatia e edema macular, outras doenças oculares são encontradas com maior
frequência no diabetes, como a catarata e o glaucoma de ângulo aberto. Pode haver também
oftalmoplegia, com paralisia de músculos extraoculares, envolvendo o terceiro, o quarto e o
sexto pares cranianos. Em casos de paralisia, deve ser feito o diagnóstico diferencial com outras
neuropatias e mesmo com AVC. A paralisia geralmente regride em alguns meses. Caso isso não
ocorra em seis meses, é provável que a causa não seja o diabetes.

É importante lembrar que os índices de refração alteram-se agudamente conforme os níveis


glicêmicos. Por essa razão, a prescrição de lentes corretivas só deve ser realizada quando a pessoa
atingir o melhor controle possível por, pelo menos, três a quatro semanas.

Nefropatia diabética

A nefropatia diabética é uma complicação microvascular do diabetes associada com morte


prematura por uremia ou problemas cardiovasculares. É a principal causa de doença renal crônica
em pacientes que ingressam em serviços de diálise (BRUNO; GROSS, 2000).

A nefropatia diabética é classificada em fases: normoalbuminúria, microalbuminúria (ou


nefropatia incipiente) e macroalbuminúria (nefropatia clínica ou estabelecida ou proteinúria
clínica) de acordo com valores crescentes de excreção urinária de albumina (GROSS et al., 2005).

A prevalência de macroalbuminúria em pacientes com diabetes tipo 1 pode chegar a 40%


e em pacientes com diabetes tipo 2 varia de 5% a 20% (CARAMORI; FIORETTO; MAUER, 2000).
A progressão dos estágios da nefropatia diabética não é rígida, podendo ocorrer regressão da
microalbuminúria (CARAMORI; FIORETTO; MAUER, 2000; PERKINS, 2003).

Rastreamento e diagnóstico da nefropatia diabética

O rastreamento da nefropatia diabética inicia no diagnóstico do DM tipo 2 e cinco anos após o


diagnóstico no DM tipo 1 [Grau de Recomendação B] (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). No
caso de exame normal, este deve ser repetido anualmente. O diagnóstico de nefropatia diabética
pode ser feito utilizando-se diferentes tipos de coleta de urina, mas o rastreamento deve iniciar
preferencialmente pela dosagem de microalbuminúria em amostra isolada de urina, devido à
acurácia diagnóstica e facilidade desse tipo de coleta (GROSS et al., 2005; ZELMANOVITZ et al., 1997).
Na amostra de urina isolada, primeira da manhã ou amostra casual, pode-se medir o índice albumina/
creatinina ou apenas a concentração de albumina (GROSS et al., 1999; INCERTI et al., 2005).

Todo teste de microalbuminúria anormal deve ser confirmado em duas de três amostras
coletadas em um intervalo de três a seis meses, devido à variabilidade diária da excreção urinária
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de albumina (GROSS et al., 2005). A Tabela 6 descreve os pontos de corte diagnósticos adotados
para caracterizar os estágios da nefropatia diabética de acordo com o tipo de coleta de urina.

Tabela 6 – Valores de albumina utilizados para o diagnóstico dos estágios da


nefropatia diabética

76 Tipo de exame Normoalbuminúria Microalbuminúria Macroalbuminúria


Amostra de urina
<17 mg/L 17 a 173 mg/L 174 mg/L*
isolada, casual
Amostra de urina com
<20 g/min 20 a 199 g/min 200 g/min
tempo marcado
Amostra de urina
de 24h sem tempo <30 mg/g 30 – 299 mg/g ≥300 mg/g
marcado
Índice (Razão)
albumina/creatinina
<30 mg/g 30 – 299 mg/g ≥300 mg/g
em amostra de urina
isolada (1a da manhã)
Fonte: Adaptado de Duncan et al, 2013.
Nota: *Valor de proteína total correspondente neste estágio: ≥500 mg/24-h ou ≥430 mg/l em amostra de urina isolada.

Algumas situações podem elevar a excreção de albumina na urina e devem ser levadas
em consideração: exercício físico intenso, doença aguda febril, hematúria e/ou leucocitúria,
contaminação com secreção vaginal, descompensação diabética, crise hipertensiva e insuficiência
cardíaca congestiva. Os anti-inflamatórios não esteroides em doses elevadas e os inibidores da
enzima conversora da angiotensina (Ieca) reduzem a excreção de albumina, e a necessidade da
suspensão ou não desses fármacos para realização do rastreamento depende do julgamento
médico (KRAMER et al., 2009).

A estimativa da taxa de filtração glomerular (TFG), a partir da dosagem de creatinina, deve


ser realizada de rotina com a medida da albuminúria, pois alguns pacientes normoalbuminúricos
podem apresentar diminuição dessa taxa [Grau de Recomendação E] (AMERICAN DIABETES
ASSOCIATION, 2013). Existem várias formas indiretas de calcular a TFG, mas quatro são mais
utilizadas na prática clínica:

• Depuração da creatinina (clearence) com urina de 24 horas;

• Equação de Cockroft-Gault:

TFG (ml/min) = [(140 – idade) x peso x (0,85 se mulher)] / 72 x creatinina sérica

• Equação simplificada do estudo MDRD (Modification os Diet in Renal Disease):


considera a idade, o sexo e os valores de creatinina sérica para avaliar a TFG e a
função renal, de acordo com os gráficos dos Anexos A e B;

• Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI): considera valores


séricos da creatinina, idade, raça e sexo. Tem a vantagem de estimar melhor a TFG em
pacientes com função renal normal, pois nesses casos é comum o MDRD subestimar
Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica Diabete Mellitus

a filtração glomerular, muitas vezes atribuindo rótulo de doença para pessoas com
função renal normal.

TFG = a × (creatinina sérica/b) c × idade(0,993)

Onde para “a” atribui-se os seguintes valores:

o Negra 77

• Mulheres = 166

• Homens = 163

o Branca/outras

• Mulheres = 144

• Homens = 141

Para “b”:

o Mulheres = 0,7

o Homens = 0,9

E para “c”:

o Mulheres

• Creatinina sérica ≤ 0,7 mg/dL = - 0,329

• Creatinina sérica > 0,7 mg/dL = - 1,209

o Homens

• Creatinina sérica ≤ 0,7 mg/dL = - 0,411

• Creatinina sérica > 0,7 mg/dL = - 1,209

Manejo da nefropatia diabética

O controle adequado da glicose e da pressão arterial pode reduzir o risco de desenvolver


a nefropatia diabética e diminuir a sua progressão [Grau de Recomendação A] (AMERICAN
DIABETES ASSOCIATION, 2013). No entanto, o controle metabólico intensivo (HbA1C <7%) possui
benefício melhor estabelecido em pessoas com DM tipo 1, podendo reduzir em torno de 40%
a progressão da nefropatia [GRADE A] (THE DIABETES CONTROL AND COMPLICATIONS TRIAL
RESEARCH GROUP, 1993).

O limite ideal para alvo do tratamento da hipertensão não está definido (ARGUEDAS; PEREZ;
WRIGHT, 2009), mas deve se tratar pacientes com hipertensão e com microalbuminúria persistente
ou estágios mais avançados da nefropatia diabética com alvo de PA ao redor de 130/80 mmHg
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com esquemas terapêuticos incluindo inibidores da enzima conversora de angiotensina (Ieca) ou


fármacos que atuam no sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA).

Os Ieca e bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) são igualmente eficazes em reduzir
a albuminúria. Os BRA, podem reduzir em 27% o risco de insuficiência renal terminal [GRADE B]
e em 25% o risco da progressão da nefropatia [GRADE A] em pessoas com microalbuminúria ou
78 macroalbuminúria (SARAFIDIS et al., 2008).

Outras intervenções incluem a manipulação de componentes da dieta, controle da dislipidemia


e recomendação de suspensão do tabagismo. Intervenções múltiplas parecem ser eficazes na
prevenção do desenvolvimento da nefropatia (GAEDE et al., 2003; 1999). A suspensão do tabagismo
foi associada a menor risco de progressão para macroalbuminúria e menor queda da taxa de
filtração glomerular [GRADE D].

Existem diferentes indicações de quando encaminhar esses pacientes para acompanhamento


na atenção especializada, mas sugere-se que (NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CLINICAL
EXCELLENCE, 2008) todo paciente com suspeita de nefropatia por causas não diabéticas,
presença de macroalbuminúria, doença renal crônica em estágios 4 e 5 ou perda rápida de
função renal (>5 ml/min/ano ou >10 ml/min/ano em um período de 5 anos) deva ser encaminhado
ao nefrologista.

O acompanhamento das pessoas com doença renal crônica (DRC) em estágio 3b poderá ser
mantido na UBS para tratamento dos fatores de risco modificáveis para a progressão da doença
renal e cardiovascular. Havendo necessidade, os serviços de atenção especializada poderão realizar
o matriciamento das equipes de Atenção Básica em relação ao atendimento desse paciente.

Neuropatia diabética

A neuropatia diabética apresenta um quadro variado, com múltiplos sinais e sintomas,


dependentes de sua localização em fibras nervosas sensoriais, motoras e/ou autonômicas. A
neuropatia pode variar de assintomática até fisicamente incapacitante.

O controle glicêmico estrito previne a neuropatia clínica [GRADE A] (THE DIABETES CONTROL
AND COMPLICATIONS TRIAL RESEARCH GROUP, 1993; 1995; REICHARD, 1991). Estudo em pacientes
com diabetes tipo 1 mostrou redução de 64% na incidência de neuropatia clínica (THE DIABETES
CONTROL AND COMPLICATIONS TRIAL RESEARCH GROUP, 1993).

Neuropatias sensitivo-motoras

Polineuropatia simétrica distal: é a forma mais comum de neuropatia diabética periférica e


apresenta três estágios: inicial, sintomático e grave. O estágio inicial é, em geral, assintomático,
mas pode haver diminuição de sensibilidade. O período sintomático é caracterizado por perda de
sensibilidade, dormência e, muitas vezes, parestesias e/ou dor. O estágio grave apresenta envolvimento
motor com limitação funcional e com potencial para ulceração nos membros inferiores. A avaliação
dos pés da pessoa com DM será discutida no Capítulo 5 deste Caderno de Atenção Básica.
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Neuropatias focais:

• Mononeuropatias: são formas raras de início súbito, natureza assimétrica e de curso


autolimitado. Exemplos de mononeuropatias com déficit motor são a paralisia
facial, oculomotora e ciático-poplítea; um exemplo de mononeuropatia sensitiva é
a ocorrência de forte dor na região intercostal.
• Miorradiculopatia: apresenta quadro clínico de dor e atrofia muscular intensa na 79
cintura pélvica, nádegas e coxas com início insidioso.
• Neurites compressivas: podem ocorrer síndromes como a do túnel carpal ou tarsal.
São identificadas por dor e parestesias nas mãos, antebraços ou pés e por hipotrofia
dos pequenos músculos das mãos e/ou dos pés.

Neuropatias autonômicas
• Cardiovascular: É caracterizada pela resposta anormal da frequência cardíaca a diferentes
estímulos (respiração profunda, levantar-se do decúbito, manobra de Valsalva), mas pode
permanecer assintomática por muito tempo. Esse tipo de neuropatia está associado à
maior mortalidade cardiovascular, provavelmente por arritmias ou isquemia silenciosa,
devendo ser suspeitado na presença de taquicardia de repouso e/ou hipotensão postural.
• Hipotensão postural: É muito comum e pode ser suspeitada quando a pessoa se
queixa de náuseas, astenia, tonturas, alterações visuais e até síncope ao se levantar.
Tais sintomas acentuam-se com o uso de diuréticos, vasodilatadores e fenotiazinas.
O diagnóstico é confirmado quando há uma redução da pressão sistólica menor ou
igual a 20 mmHg e/ou da diastólica menor ou igual a 10 mmHg 3 minutos após a
mudança da posição deitada para de pé. Não existe tratamento específico.
• Gastrointestinal: Alterações do hábito intestinal são manifestações comuns de neuropatia
autonômica. As formas mais graves encontradas são a gastroparesia – associada com
anorexia, emagrecimento, dispepsia, náuseas e vômitos de estase –, e a enteropatia –
manifestada por diarreia noturna, incontinência fecal, constipação. O diagnóstico é sempre
de exclusão, sendo necessária investigação de lesão estrutural do trato gastrointestinal, má
absorção ou até mesmo exclusão da causa por uso de metformina, laxativos ou adoçantes,
como o sorbitol. Uma vez excluídas outras causas, o tratamento é sintomático.
• Urogenital: A bexiga neurogênica leva à retenção, incontinência e infecções
urinárias. O diagnóstico baseia-se na demonstração de resíduo vesical após a micção
espontânea e deve ser considerado na presença de infecções urinárias de repetição,
dilatação do sistema coletor renal ou perda de função renal. Manobras regulares de
esvaziamento completo da bexiga devem ser orientadas (manobra de Crede3). Pode
haver necessidade de cateterismo intermitente. Havendo dificuldade nesse processo
ou infecções urinárias persistentes, pode-se avaliar a necessidade de encaminhamento
ao urologista. A impotência e a ejaculação retrógrada são complicações frequentes
no homem com diabetes. Na mulher, podem ocorrer dispareunia e redução da libido.

• Neuropatia sudomotora: manifesta-se pela anidrose plantar, com pele seca, fissuras e
hiperqueratose nos pés, favorecendo o surgimento das úlceras neuropáticas.

• Neuropatia pupilar: causa hemeralopia ou dificuldade para visão noturna, que exige
cuidados ao conduzir veículos à noite.

3
Colocar as mãos, imediatamente, abaixo da área umbilical; uma mão acima da outra, pressionar, firmemente, para baixo e em direção ao arco pélvico; repetir
seis ou sete vezes, até que não seja expelida mais urina; esperar alguns minutos, e repetir, novamente, para garantir o esvaziamento completo) [GRADE D]
(MAGALHÃES; CHIOCHETTA, 2002).
13

Intervenções avaliadas para a detecção precoce do


câncer de mama

Ações de rastreamento:

• Mamografia.
• Autoexame das mamas (AEM).
• Exame clínico das mamas (ECM).
• Ressonância nuclear magnética (RNM).
• Ultrassonografia.
• Termografia.
• Tomossíntese.

Ações de diagnóstico precoce:

• Estratégias de conscientização.
• Identificação de sinais e sintomas.
• Confirmação diagnóstica em um único serviço.

Recomendações quanto às tecnologias ou ações


avaliadas para a detecção precoce do câncer de mama

Rastreamento

Mamografia

Questão Qual a eficácia do rastreamento com mamografia na redução da mortalidade


norteadora global e por câncer de mama, comparada à ausência de rastreamento?

O Ministério da Saúde recomenda contra o rastreamento com mamografia em mulheres com


< de 50 anos menos de 50 anos (recomendação contrária forte: os possíveis danos claramente superam os
possíveis benefícios)

O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento com mamografia em mulheres com


De 50 a 59 anos idade entre 50 e 59 anos (recomendação favorável fraca: os possíveis benefícios e danos
provavelmente são semelhantes)

O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento com mamografia em mulheres


Recomendação

De 60 a 69 anos com idade entre 60 e 69 anos (recomendação favorável fraca: os possíveis benefícios
provavelmente superam os possíveis danos)

O Ministério da Saúde recomenda contra o rastreamento com mamografia em mulheres com


De 70 a 74 anos idade entre 70 e 74 anos. (recomendação contrária fraca: o balanço entre possíveis danos e
benefícios é incerto)

O Ministério da Saúde recomenda contra o rastreamento com mamografia em mulheres com


75 anos ou mais 75 anos ou mais. (recomendação contrária forte: os possíveis danos provavelmente superam os
possíveis benefícios)

O Ministério da Saúde recomenda que a periodicidade do rastreamento com mamografia


nas faixas etárias recomendadas seja a bienal (recomendação favorável forte: os possíveis
Periodicidade
benefícios provavelmente superam os possíveis danos quando comparada às periodicidades
menores do que a bienal).
14

Autoexame das mamas

Questão Qual a eficácia do rastreamento com AEM na redução da mortalidade global e por
norteadora câncer de mama?

O Ministério da Saúde recomenda contra o ensino do AEM como método de rastreamento do câncer
Recomendação de mama (recomendação contrária fraca: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis
benefícios)

Exame clínico das mamas

Questão Qual a eficácia do rastreamento com ECM na redução da mortalidade global e por
norteadora câncer de mama?

Recomendação Ausência de recomendação: o balanço entre possíveis danos e benefícios é incerto

Ressonância nuclear magnética

Questão Qual a eficácia do rastreamento com RNM na redução da mortalidade global e por
norteadora câncer de mama?

O Ministério da Saúde recomenda contra o rastreamento do câncer de mama com RNM em


mulheres com risco padrão de desenvolvimento desse câncer, seja isoladamente, seja como
Recomendação
complemento à mamografia (recomendação contrária forte: os possíveis danos provavelmente
superam os possíveis benefícios)

Ultrassonografia

Questão Qual a eficácia do rastreamento com ultrassonografia na redução da mortalidade


norteadora global e por câncer de mama?

O Ministério da Saúde recomenda contra o rastreamento do câncer de mama com ultrassonografia


Recomendação das mamas, seja isoladamente, seja em conjunto com a mamografia (recomendação contrária forte: os
possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios)

Termografia

Questão Qual a eficácia do rastreamento com termografia na redução da mortalidade global


norteadora e por câncer de mama?

O Ministério da Saúde recomenda contra o rastreamento do câncer de mama com a termografia, seja
Recomendação isoladamente, seja em conjunto com a mamografia (recomendação contrária forte: os possíveis danos
provavelmente superam os possíveis benefícios)

Tomossíntese

Questão Qual a eficácia do rastreamento com tomossíntese da mama na redução da mortali-


norteadora dade global e por câncer de mama?

O Ministério da Saúde recomenda contra o rastreamento do câncer de mama com a tomossíntese


Recomendação das mamas, seja isoladamente, seja em conjunto com a mamografia convencional (recomendação
contrária forte: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios)
15

Diagnóstico precoce
Estratégia de conscientização

Questão Qual a efetividade da estratégia de conscientização na redução da mortalidade por


norteadora câncer de mama?

O Ministério da Saúde recomenda a implementação de estratégias de conscientização para


Recomendação o diagnóstico precoce do câncer de mama (recomendação favorável fraca: os possíveis benefícios
provavelmente superam os possíveis danos)

Identificação de sinais e sintomas suspeitos

Questão Quais os sinais e sintomas suspeitos de câncer de mama que merecem encaminha-
norteadora mento a um especialista para investigação diagnóstica de câncer de mama?

O Ministério da Saúde recomenda que os seguintes sinais e sintomas sejam considerados


como de referência urgente para serviços de diagnóstico mamário (recomendação favorável
fraca: os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos):
• Qualquer nódulo mamário em mulheres com mais de 50 anos
• Nódulo mamário em mulheres com mais de 30 anos, que persistem por mais de um ciclo
menstrual
• Nódulo mamário de consistência endurecida e fixo ou que vem aumentando de tamanho, em
mulheres adultas de qualquer idade
Recomendação
• Descarga papilar sanguinolenta unilateral
• Lesão eczematosa da pele que não responde a tratamentos tópicos
• Homens com mais de 50 anos com tumoração palpável unilateral
• Presença de linfadenopatia axilar
• Aumento progressivo do tamanho da mama com a presença de sinais de edema, como pele
com aspecto de casca de laranja
• Retração na pele da mama
• Mudança no formato do mamilo

Confirmação diagnóstica em um único serviço

Questão A confirmação diagnóstica em uma única etapa (one stop clinic) é mais efetiva que as
norteadora estratégias habituais?

O Ministério da Saúde recomenda que toda a avaliação diagnóstica do câncer de mama, após a
identificação de sinais e sintomas suspeitos na atenção primária, seja feita em um mesmo centro
Recomendação de referência (recomendação favorável fraca: os possíveis benefícios provavelmente superam
os possíveis danos, quando comparados à organização tradicional dos serviços de investigação
diagnóstica)

É fundamental sinalizar que, em função da quantidade de tecnologias avaliadas, não foram discrimi-
nados, neste sumário executivo: todo o processo de busca das evidências na literatura científica; a
seleção de resumos e recuperação dos artigos completos; a seleção de artigos completos; a análise
crítica dos artigos/estudos selecionados e a avaliação das evidências pelo método Grading of Recom-
mendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE). Entretanto, esse processo de trabalho foi
sistematizado nos Apêndices do documento.

Contexto atual

O controle do câncer de mama mantém-se como uma das prioridades na agenda da Política Nacional
de Saúde em face de sua grande magnitude como problema de saúde pública no Brasil. Entre as mo-
dalidades de atenção previstas para seu controle, está a detecção precoce, que consiste em ações de
diagnóstico precoce e rastreamento.
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Na distribuição proporcional do total de mortes por câncer no período de 2005 a 2009, os


óbitos por câncer de mama ocupam o primeiro lugar no País, com 15,7%. Esse padrão é semelhante
para as regiões brasileiras, com exceção da Região Norte, onde os óbitos por câncer de mama
ocupam o segundo lugar, com 11,5%. Os maiores percentuais na mortalidade proporcional por
câncer de mama são os do Sudeste (17,0%) e Sul (14,8%), seguidos das regiões Centro-Oeste
(14,7%) e Nordeste (14,4%) (INCA, 2012).
86
A incidência do câncer de mama tende a crescer progressivamente com a idade. A mortalidade
também aumenta progressivamente com a idade, conforme dados para o Brasil apresentados no
Gráfico 3.

Gráfico 3 – Taxas de mortalidade específicas por idade, para o câncer de mama


feminino, por 100 mil mulheres. Brasil, 1995 a 2000

Fonte: (DARAO/INCA/MS).

4.2.2 História natural

A história natural do câncer de mama pode ser dividida em fase pré-clínica, que compreende
o intervalo de tempo entre o surgimento da primeira célula maligna e o desenvolvimento do
tumor até atingir condições de ser diagnosticado clinicamente, e fase clínica, que inicia a partir
deste momento.

Existe incerteza sobre a sequência de eventos iniciais da evolução do câncer da mama.


Admite-se que o carcinoma da mama passe por uma fase in situ, onde a membrana basal está
preservada, evoluindo para a ruptura desta membrana, progredindo para a forma infiltrativa ou
invasiva (carcinoma infiltrante ou invasor). Porém estudos de biologia molecular apontam para a
possibilidade de o carcinoma invasor ter origem diferente do carcinoma in situ, podendo tratar-
-se de entidades distintas e não fases evolutivas de uma mesma doença. O carcinoma invasor
pode permanecer por tempo variável como doença local, ou seja, limitada à mama, ou evoluir
com propagação regional e disseminação a distância. No carcinoma da mama, a disseminação
ocorre principalmente a partir da via linfática e mais raramente por via hematogênica pura.
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Além da riqueza de capilares linfáticos existentes na mama, ocorre a formação de novos


vasos linfáticos peritumorais. A parede desses vasos é altamente permeável, podendo permitir
a penetração de células malignas no interior do vaso, dando início ao processo de disseminação
tumoral. Uma vez dentro dos canais linfáticos, estas células são transportadas pela linfa até
atingir o primeiro gânglio de drenagem da região tumoral, chamado linfonodo sentinela. A
partir deste, os êmbolos tumorais poderão seguir até atingir as cadeias ganglionares regionais
comprometendo outros linfonodos, principalmente os da cadeia axilar e com menor frequência
87
os da cadeia mamária interna. Seguindo o fluxo linfático, as células tumorais embolizadas podem
ultrapassar os linfonodos regionais, chegar à circulação sanguínea e atingir alvos mais distantes,
podendo levar a formação de implantes tumorais metastáticos.

Os principais sítios de metástases do câncer de mama são ossos, pulmões e pleura, fígado, e
com menor frequência cérebro, ovário e pele.

Geralmente o câncer da mama cresce lentamente, porém eventualmente apresenta


crescimento rápido e maior possibilidade de disseminação. Esse comportamento heterogêneo
está relacionado a características próprias do tumor, tais como grau de diferenciação histológica
e presença de receptores moleculares, que determinam sua velocidade de crescimento e potencial
de originar metástases, podendo ainda ser influenciado por outros fatores, como a exposição a
estímulos hormonais, resposta imune e estado nutricional.

4.2.3 Fatores de risco

Os principais fatores de risco conhecidos para o câncer de mama estão ligados à idade, aos
fatores genéticos e aos endócrinos. A idade constitui o mais importante fator de risco para câncer
de mama. O risco de câncer de mama aumenta com a idade, com cerca de 70–80% dos tumores
diagnosticados a partir dos 50 anos de idade (CANCER RESEARCH UK, 2011). A mortalidade
também aumenta com a idade.

Fatores de Risco:
• Idade
• Menarca precoce
• Menopausa tardia
• Primeira gravidez após os 30 anos
• Nuliparidade
• Exposição à radiação
• Terapia de reposição hormonal
• Obesidade
• Ingestão regular de álcool
• Sedentarismo
• História familiar
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Os fatores endócrinos estão relacionados principalmente ao estímulo estrogênico, seja


endógeno ou exógeno, com aumento do risco quanto maior for o tempo de exposição. Possuem
risco aumentado as mulheres com história de menarca precoce (idade da primeira menstruação
menor que 12 anos), menopausa tardia (instalada após os 50 anos de idade), primeira gravidez
após os 30 anos, nuliparidade e terapia de reposição hormonal pós-menopausa, principalmente
se prolongada por mais de cinco anos. Até o momento, as evidências sobre o aumento de risco
88
de câncer de mama com o uso de contraceptivos orais são conflitantes.

A história familiar e a idade precoce ao diagnóstico (mulheres com menos de 50 anos) são
importantes fatores de risco para o câncer de mama e podem indicar predisposição genética
associada à presença de mutações em determinados genes. Entretanto o câncer de mama de
caráter hereditário (predisposição genética) corresponde a cerca de 5 a 10% do total de casos
(ADAMI, 2008).

Outros fatores incluem a exposição a radiações ionizantes em idade inferior a 40 anos,


a ingestão regular de álcool (mesmo que em quantidade moderada – 30g/dia), obesidade
(principalmente quando o aumento de peso se dá após a menopausa) e sedentarismo. O
tabagismo não é considerado fator de risco para câncer de mama. A prática de atividade física é
considerada um fator protetor.

Segundo o “Documento de Consenso do Câncer de Mama” de 2004, são definidos como


grupos populacionais com risco muito elevado para o desenvolvimento do câncer de mama:

• Mulheres com história familiar de, pelo menos, um parente de primeiro grau (mãe, irmã
ou filha) com diagnóstico de câncer de mama, abaixo dos 50 anos de idade.

• Mulheres com história familiar de pelo menos um parente de primeiro grau (mãe, irmã
ou filha) com diagnóstico de câncer de mama bilateral ou câncer de ovário, em qualquer
faixa etária.

• Mulheres com história familiar de câncer de mama masculino.

• Mulheres com diagnóstico histopatológico de lesão mamária proliferativa com atipia ou


neoplasia lobular in situ.
Esse grupo representa cerca de 1% da população, devendo ser acompanhado com um olhar
diferenciado, com indicação para rastreamento anual. A publicação Rede Nacional de Câncer
Familial (INCA, 2012) apresenta um capítulo específico sobre risco cumulativo de câncer de mama,
com diferentes modelos de avaliação, para mulheres com história familiar dessa doença.

4.2.4 Manifestações clínicas

O sintoma mais comum de câncer de mama é o aparecimento de um nódulo, geralmente


indolor, duro e irregular, mas há tumores que são de consistência branda, globosos e bem
definidos. Alguns estudos apontam que os nódulos representam 90% da apresentação inicial dos
casos sintomáticos confirmados de câncer (KÖSTERS; GØTZSCHE, 2008; LOSTUMBO et al., 1995) e
CONTROLE DOS CÂNCERES DO COLO DO ÚTERO E DA MAMA

que cerca de 10% dos nódulos suspeitos tem diagnóstico de câncer confirmado posteriormente.
Outros sinais de câncer de mama incluem: saída de secreção pelo mamilo – especialmente quando
é unilateral e espontânea –, coloração avermelhada da pele da mama, edema cutâneo semelhante
à casca de laranja, retração cutânea, dor ou inversão no mamilo, descamação ou ulceração do
mamilo. A secreção papilar associada ao câncer geralmente é transparente, podendo também
ser rosada ou avermelhada devido à presença de hemácias. Não deve ser confundido com as
descargas fisiológicas ou associado a processos benignos, que costumam ser bilaterais, turvas, 89
algumas vezes amareladas ou esverdeadas, e se exteriorizam na maioria das vezes mediante
manobras de compressão do mamilo. Podem também surgir linfonodos palpáveis na axila.

4.3 Promoção da Saúde e prevenção primária

Para o controle do câncer de mama, destaca-se em particular a importância de ações


intersetoriais que promovam acesso à informação e ampliem oportunidades para controle do
peso corporal e a prática regular de atividade física.

O amplo acesso da população a informações claras, consistentes e culturalmente apropriadas


deve ser uma iniciativa dos serviços de saúde em todos os níveis, especialmente na Atenção Básica.

A prevenção primária do câncer de mama está relacionada ao controle dos fatores de


risco reconhecidos. Embora os fatores hereditários e muitos daqueles relacionados ao ciclo
reprodutivo da mulher não sejam passíveis de mudança, evidências demonstram uma diminuição
do risco relativo para câncer de mama de cerca de 4,3% a cada 12 meses de aleitamento materno,
adicionais à redução de risco relacionada à maior paridade (COLLABORATIVE..., 2002). Fatores
relacionados ao estilo de vida como obesidade pós-menopausa, sedentarismo, consumo excessivo
de álcool e terapia de reposição hormonal, podem ser controlados e contribuir para diminuir
a incidência do câncer de mama, o que historicamente tem sido pouco valorizado. Com base
em amplo resumo sobre evidências científicas da relação entre alimentação, atividade física e
prevenção de câncer, estima-se que é possível prevenir 28% dos casos de câncer de mama por
meio da alimentação, nutrição, atividade física e gordura corporal adequada (INCA, 2011b).

Nos Estados Unidos, no início da década de 2000, a diminuição drástica da prescrição de


reposição hormonal em mulheres na pós-menopausa provocou redução significativa da incidência
do câncer de mama nesta população (RAVDIN et al., 2007). A terapia de reposição hormonal,
quando indicada na pós-menopausa, deve ter seu risco benefício avaliado e deve ser feita sob
rigoroso acompanhamento médico, pois aumenta o risco de câncer de mama (SHAH et al., 2005).

Com relação à quimioprofilaxia para o câncer de mama, duas drogas têm sido mais estudadas:
o tamoxifeno e o raloxifeno. As evidências existentes permitem recomendar contra o uso da
quimioprofilaxia do câncer de mama em mulheres assintomáticas com risco baixo ou intermediário
(NELSON et al., 2009). Não há consenso de que a quimioprofilaxia deva ser recomendada para
mulheres assintomáticas, mesmo em grupos com risco elevado para o desenvolvimento do câncer
de mama (INCA, 2004). As drogas disponíveis para quimioprofilaxia, estão também relacionadas
ao aumento do risco de eventos tromboembólicos, câncer de endométrio ou acidente vascular
encefálico (NELSON et al., 2009).
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4.5.2 Métodos de imagem

Os métodos de imagem são indicados em situações de rastreamento e em situações


diagnósticas. No rastreamento, os exames têm como finalidade detectar precocemente o câncer
de mama, para permitir tratamento menos radical, melhorar a qualidade de vida, reduzir as
taxas de mortalidade e morbidade e reduzir gastos no tratamento. 99
Como diagnóstico, os métodos de imagem são utilizados para confirmar ou não a suspeita
de câncer a partir dos sinais detectados no exame clínico, dos sintomas referidos pela paciente
ou de exames de rastreamento alterados. Os métodos diagnósticos que podem ser utilizados são
a mamografia, a ultrassonografia e a ressonância magnética.

a. Mamografia

Os resultados do exame mamográfico são classificados de acordo com o Breast Imaging


Reporting and Data System (BI-RADS®), publicado pelo Colégio Americano de Radiologia (ACR) e
traduzido pelo Colégio Brasileiro de Radiologia.

Esse sistema utiliza categorias de 0 a 6 para descrever os achados do exame e prevê


recomendações de conduta. A Tabela 3 sintetiza os resultados do exame mamográfico e as
principais condutas.

Tabela 3 – Categorias BI-RADS® no exame mamográfico, interpretação


e recomendação de conduta
Categoria Interpretação Recomendação de conduta
Avaliação adicional com incidências e manobras;
0 Exame incompleto correlação com outros métodos de imagem;
comparação com mamografia feita no ano anterior.
Rotina de rastreamento conforme a faixa etária ou
1 Exame negativo
prosseguimento da investigação, se o ECM for alterado.
Exame com achado
2 Rotina de rastreamento conforme a faixa etária.
tipicamente benigno
Exame com achado
3 Controle radiológico.*
provavelmente benigno

4 Exame com achado suspeito


Avaliação por exame de cito ou histopatológico.
Exame com achado
5
altamente suspeito
Exame com achados Terapêutica específica em Unidade de Tratamento
6 cuja malignidade já está
de Câncer.
comprovada

Fonte: Autoria própria.

*O estudo histopatológico está indicado nas lesões Categoria 3 quando houver impossibilidade de realizar o controle;
quando a lesão for encontrada em concomitância com lesão suspeita ou altamente suspeita homo ou contralateral; ou
em mulheres com indicação precisa para terapia de reposição hormonal.
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Com indicação diagnóstica, a mamografia deve ser realizada nas mulheres com sinais e/ou
sintomas de câncer de mama, tais como nódulo, espessamento e descarga papilar. A mastalgia,
apesar de queixa muito frequente, não representa indicação de mamografia, pois o sintoma “dor”,
além de não representar sintoma de câncer de mama, não tem expressão correspondente em
imagens. Outras situações diagnósticas com indicação de mamografia são o controle radiológico
de lesão provavelmente benigna (Categoria 3 BI-RADS®) e a avaliação de mama masculina.
100
b. Ultrassonografia

As principais indicações da ultrassonografia como método diagnóstico são:

• Diagnóstico diferencial entre lesão sólida e lesão cística.

• Alterações no exame físico (lesão palpável), no caso de mamografia negativa ou inconclusiva.

• Na jovem com lesão palpável.

• Nas alterações do exame clínico no ciclo grávido-puerperal.

• Na doença inflamatória e abscesso.

• No diagnóstico de coleções.

A complementação da mamografia com a ultrassonografia pode ser considerada obrigatória


e com grande benefício no diagnóstico nas seguintes situações: quando há lesão palpável
sem expressão na mamografia (pela alta densidade do parênquima mamário ou localização
em “zonas cegas”); nos nódulos regulares ou lobulados, que possam representar cisto; e nas
lesões densificantes (assimetria difusa, área densa) que podem representar lesão sólida, cisto ou
parênquima mamário.

A complementação não está indicada nas lesões Categoria 2, nas lesões Categoria 5, nas
microcalcificações e na distorção focal da arquitetura.

A complementação pode ser dispensada nos pequenos nódulos de aspecto benigno em


mamas adiposas.

Nas mulheres assintomáticas com mama densa, a complementação não é obrigatória, porém
existe benefício no grupo de alto risco.

Os resultados do exame ultrassonográfico e da ressonância magnética são também


classificados de acordo com o Sistema BI-RADS®, com categorização e condutas na mesma linha
da mamografia.

c. Ressonância magnética

A ressonância magnética tem papel importante em diversas situações diagnósticas. As


indicações mais comuns são: casos não conclusivos nos métodos tradicionais; carcinoma oculto;
planejamento terapêutico; avaliação de resposta à quimioterapia neoadjuvante; suspeita de
recidiva e avaliação das complicações dos implantes.

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