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Resumo

A heterogeneidade linguística está presente em


quaisquer comunidades de fala, mesmo que não
notemos ela de forma direta. Sendo que a mesma
não é fruto do puro acaso, mas sim, dotada de
características sistemáticas e de processos que
podem (e são) devidamente estudados.
A Linguística Estruturalista nos deixou um
importante legado no que toca às variações
linguísticas e a forma de interpretarmo-las.
Levando-se em conta a variação sistemática, temos
que dois enunciados somente são equivalentes se
considerarmos a função referencial da linguagem,
ou seja, a função de comunicar algo. São chamadas
de variantes as formas de expressar um mesmo
conteúdo usando recursos linguísticos distintos.
Temos como exemplo, as forma “nós chegamu”,
“nós chegamos” e “nós chegô”.
O estudo dessas variantes requer uma regra para
a análise do pesquisador e ele leva em conta
diversas condições, tais quais a frequência que essa
variante é usada na comunidade e sua relevância
sociossimbólica. Essa correlação pode é complexa,
como no exemplo do estudo sociolinguístico na ilha
de Martha’s Vineyard. Desta forma é fundamental
saber quando e em que grupos etários a variante
teve início, e se a mesma é estigmatizada ou
prestigiada em função de certos grupos sociais –
algo que é corriqueiro vermos no Brasil, o que pode
infelizmente desdobrar-se em preconceito
linguístico.
Quando uma variante se torna longeva numa
sociedade, ela pode fazer parte de uma variedade
padrão ou ajudar a formá-la. Dittmar (1976, A
critical Survey of sociolinguistics) fornece a seguinte
definição para esse conceito: “Variedade padrão é
aquela variedade de uma comunidade de fala que é
legitimada e institucionalizada como um método
suprarregional de comunicação, como resultado de
várias circunstâncias sociopolíticas, relacionadas à
detenção do poder, no processo histórico.
Desta forma, a língua padrão acaba por ser
associada a classe social e, por conseguinte, torna-
se símbolo de status. Os que possuem mais poder e
prestígio têm uma acesso maior a essa língua, ao
passo que as classes sociais mais desfavorecidas
carecem desse mesmo acesso, deparando-se e
estudando essa língua padrão nas escolas.
O processo de padronização da língua portuguesa
no nosso país iniciou-se com a colonização de
Portugal, a burocracia estatal e pelo clero da Igreja
Católica. Assim, esse processo foi se desenvolvendo
por todo o Brasil, primeiro em Salvador e depois Rio
de Janeiro. Várias instituições foram promotores
desse processo, desde as escolas, cartórios e
quartéis até lojas maçônicas e forúns do Poder
Judiciário.
O sociolinguista Dell Hathaway Hymes [1927-
2009] teve um papel importantíssimo na
sociolinguística, compondo as bases da
Etnografia da Comunicação. Para ele, era
necessário estudar os registros escritos e orais
das comunidades para se ter uma melhor
compreensão da humanidade.
Algumas pesquisas etnográficas davam-se,
durante vários períodos, na vida diária da
comunidade, contando com uma participação
ativa dos pesquisadores na mesma, seja
fazendo perguntas ou reunindo informações
que auxiliassem melhor no entendimento das
características daquela cultura.
Hymes propôs em 1966 o conceito de
competência comunicativa, como uma
alternativa à noção de competência
chomskiana (conhecimento mental e inato que
o falante-ouvinte possui da sua língua). Este
conceito refere-se a noção de aceitabilidade,
proposta pelo antropólogo funcionalista Ward
Goodenough [1919-2013] em 1957; Hymes vê
a cultura como um conjunto de relações
comunicativas que temos de conhecer e outro
conjunto de relações comunicativas que temos
de acreditar a fim de operarmos/agirmos de
forma aceitável pelos outros na sociedade.
Assim, a competência comunicativa no
âmbito da linguística é aquilo que capacita o
interlocutor a comunicar-se de forma
receptível (admissível) para com os outros na
sociedade. Logo, o papel social que os falantes
estão inseridos é bastante relevante no
tocante à essa competência.
Quando propôs os métodos de pesquisa da
Etnografia da comunicação, Hymes criou, de
forma a auxiliar no entendimento desses
métodos, o termo speaking, sendo que cada
letra corresponde a um elemento chave da
pesquisa etnográfica (Saville-Troike, 1982).
A primeira letra “s” quer dizer “setting” ou ,
referindo-se ao ambiente. Ou seja, toda fala
está imersa em um espaço e em um tempo
determinados. Sendo que esse espaço pode
aludir também ao espaço psicológico, isto é,
um espaço que não está necessariamente
alinhado com o espaço físico, podendo ser
fruto de reflexões e visões alternativas do lugar
que se ocupa.
Já a letra “p” refere-se à “participants”,
participantes. São, naturalmente, os
componentes chave da linguística, visto serem
os mesmos os responsáveis diretos pela
comunicação humana. Pode haver um ou
vários interlocutores em cada evento de fala.
Contudo, o mais relevante nisso são os papéis
sociais, uma vez que a depender do contexto
considerado, a forma com que comunicamo-
nos pode mudar drasticamente. Por exemplo:
quando um estudante universitário vai
conversar com um colega, ele adota uma
postura mais despojada e informal, porém
quando se for falar com o reitor da
universidade ele adotará um tom mais
comedido e terá um discurso mais monitorado.
No termo em questão, a letra “e” refere-se a
“ends”, fins. A finalidade com que mantemos
uma interação comunicativa depende
sobremaneira da situação que nos
encontramos, seja em uma consulta médica ou
em bate-papo informal. A depender do
contexto, nos comunicaremos diferente – de
forma mais ou menos monitorada.
A letra “a” refere-se a “act sequence”, ato
posterior. Quando relatamos algo que já
aconteceu, podemos usar de uma fala mais
performativa, ou seja, explicitando o assunto
abordado através de verbos e adjetivos.
A letra “k” remete a “key”. Dependendo da
situação que nos encontramos, fazemos uso de
um tom mais sério ou mais descontraído.
A letra “i” refere-se a “instrumentalities”,
instrumentalidades. Podemos transmitir uma
mensagem por diversos meios, seja face a face,
carta, telefone, internet, etc.
A letra “n” refere-se a “norms”, normas. As
normas estão relacionadas a forma como a
interação humana pode ser alterada conforme
o convívio social.
A letra “g” refere-se a “genres”, gêneros.
Para Marcuschi (2001, Letramento e oralidade
no contexto das práticas sociais e eventos
comunicativos): “Gêneros são formas textuais
estabilizadas, histórica e socialmente situadas.
Sua definição não é linguística, mas de
natureza sociocomunicativa, com paramêtros
essencialmente pragmáticos e discursivos”.
Vale citar que é essencial que os etnógrafos
preservem o sigilo quanto à identidade de seus
colaboradores, visto que a pesquisa pode
tomar contornos de conversa e acaba por
resvalar em assuntos pessoais, que devem,
claro, ser tratados com muito cuidado.
Referente a essa questão, John Baugh (1979)
criou o termo etnossensibilidade, que é uma
qualidade a ser desenvolvida pelos etnógrafos
na condução de suas pesquisas e que consiste
em uma respeitos consciência etnográfica
(Bortoni-Ricardo, 2008).

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