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CAPÍTULO 1

Sobre a Ciência
1.1 Matemática – a 1.5 Ciência, arte
linguagem da ciência e religião
1.2 Medições 1.6 Ciência e
científicas tecnologia
1.3 Os métodos 1.7 Física –
da ciência a ciência básica
1.4 A atitude científica 1.8 Em perspectiva

As manchas claras circulares ao redor de Lillian são imagens do Sol,


projetadas no piso através de pequenas aberturas entre folhas de uma
árvore. Durante um eclipse parcial do Sol, as manchas adquirem a
forma de lua crescente.

E
m primeiro lugar, ciência é o corpo de destruíram quase tudo em seu caminho enquanto se
conhecimentos que descreve a ordem na espalhavam pela Europa. A razão deu lugar à religião,
natureza e a origem desta ordem. Segundo, o que veio a ser conhecido como a Idade das Trevas.
ciência é uma atividade humana dinâmica que Durante esse tempo, os chineses e os polinésios
representa as descobertas, os saberes e os esforços estavam catalogando estrelas e planetas. Antes do
coletivos da raça humana, uma atividade dedicada a surgimento da religião islâmica, as nações árabes
reunir conhecimento sobre o mundo, a organizá-lo e haviam desenvolvido a matemática e aprendido
a condensá-lo em leis e teorias testáveis. A ciência a produzir vidro, papel, metais e vários produtos
teve início antes da história escrita, quando as pessoas químicos. A ciência grega foi reintroduzida na Europa
começaram a descobrir as regularidades e as relações através das influências islâmicas que penetraram na
da natureza, tais como padrões de estrelas no céu Espanha durante os séculos X, XI e XII.
noturno e padrões de clima – quando a estação chuvosa
As universidades emergiram na Europa durante o
começava ou quando os dias tornavam-se mais longos.
século XIII, e a introdução da pólvora mudou a estrutura
A partir dessas regularidades, os homens aprenderam
social e política do continente durante o século XIV. O
a fazer previsões, o que lhes dava um tipo de controle
século XV assistiu à arte e à ciência maravilhosamente
sobre o que os cercava.
mescladas por Leonardo da Vinci. O conhecimento
A ciência tomou grande impulso na Grécia, nos científico foi favorecido pelo advento da imprensa no
séculos III e IV a.C. Depois, se espalhou pelo mundo século XVI.
Mediterrâneo. O avanço científico chegou quase
a ser interrompido, na Europa, após a queda do
Império Romano, no século V d.C. Hordas de bárbaros
20 Fundamentos de Física Conceitual

O astrônomo polonês Nicolau Copérnico, no século XVI,


causou grande controvérsia quando publicou um livro em
que propunha o Sol estacionário e a Terra girando ao seu re- Os físicos têm uma necessidade inerente de saber
dor. Essas idéias entraram em conflito com a visão popular por que e o que aconteceria se. Os matemáticos
de que a Terra era o centro do universo. Também entraram preocupam-se mais com o conjunto de ferramentas
em conflito com os ensinamentos da Igreja e foram banidas que eles desenvolvem para resolver estas questões.
por 200 anos. O físico italiano Galileu Galilei foi preso por
divulgar a teoria de Copérnico e por suas outras contribui-
ções ao pensamento científico. Mesmo assim, os defensores
de Copérnico foram aceitos um século depois. 1.2 Medições científicas
Esse tipo de ciclo ocorre era após era. No início do
século XIX, geólogos sofreram violentas condenações por
discordarem do Gênesis em relação à criação. Mais tarde,
no mesmo século, a geologia foi aceita, mas as teorias evo-
A s medições constituem um indicador da boa ciência.
O quanto você conhece sobre algo depende normal-
mente de quão bem você pode medi-lo. Isto foi claramen-
lucionárias foram condenadas, e seu ensino, proibido. Cada te expresso pelo famoso físico Lord Kelvin, no século XIX:
época tem seus grupos de intelectuais rebeldes que são de- “Digo freqüentemente que quando se pode medir algo e
sacreditados, condenados e, algumas vezes, até mesmo per- expressá-lo em números, alguma coisa se conhece sobre ele.
seguidos, os quais mais tarde, porém, parecerão inofensivos Quando não se pode medi-lo, quando não se pode expressá-
e, com freqüência, essenciais para a elevação das condições lo em números, o conhecimento que se tem dele é estéril e
humanas. “Em toda encruzilhada da estrada que leva ao insatisfatório. Ele pode até ser um início para o conhecimen-
futuro, a cada espírito progressista se opõem mil homens to, mas ainda se avançou muito pouco em direção ao estágio
determinados a salvaguardar o passado.”1 da ciência, seja ele qual for”. As medições científicas não são
algo novo, ao contrário, remetem aos tempos antigos.
Uma medição simples e desafiadora é a do tamanho
1.1 Matemática – a linguagem do Sol. Você já notou que, com o Sol diretamente acima
da ciência de sua cabeça, as regiões iluminadas do chão, abaixo de ár-
vores, são perfeitamente redondas, e que elas se alargam,

A ciência e as condições de vida humana avançaram


significativamente depois que a ciência e a matemá-
tica integraram-se há cerca de quatro séculos. Quando as
tornando-se elípticas, quando o Sol está mais baixo no céu?
As regiões iluminadas do chão são imagens do Sol produ-
zidas quando a luz solar passa por pequenas aberturas nas
idéias da ciência são expressas em termos matemáticos, elas
não contêm ambigüidades. As equações da ciência provê-
em expressões compactas para relações entre conceitos. Elas
não possuem os múltiplos significados que freqüentemente
tornam confusa a discussão de idéias expressas em lingua-
gem comum. Quando as descobertas sobre a natureza são
expressas matematicamente, é mais fácil comprová-las ou
negá-las através de experimentos. A estrutura matemática
da física ficará evidente através das muitas equações que
você encontrará ao longo deste livro. Elas são guias para o
pensamento, mostrando as conexões entre os conceitos so-
bre a natureza. O método matemático e a experimentação
levaram a ciência a um enorme sucesso.2

FIGURA 1.1
A mancha arredondada luminosa pro-
1
Conde Maurice Maeterlinck, na obra Our Social Duty (“Nosso Dever Social”). jetada através do pequeno furo é uma
2
Fazemos distinção entre a estrutura matemática da física e a prática de reso-
imagem do Sol. Sua razão diâmetro/
lução de problemas matemáticos – o foco da maioria dos cursos não-concei- distância é igual à razão diâmetro do
tuais. Observe o número relativamente pequeno de problemas comparado Sol/distância do Sol: 1/110. O diâme-
ao de exercícios propostos nos finais de capítulos deste livro. O foco aqui é a tro do Sol é 1/110 de sua distância
compreensão antes da computação. da Terra.
CAPÍTULO 1 Sobre a Ciência 21

FIGURA 1.2
Renoir pintou as manchas luminosas de luz solar sobre as roupas e o
entorno de seus personagens – imagens do Sol projetadas através das
aberturas relativamente pequenas entre as folhas acima deles.

1.3 Os métodos da ciência

N ão existe um método científico. Entretanto, existem


características comuns na maneira como os cien-
tistas procedem em seus trabalhos. Todas elas remontam
ao físico italiano Galileu Galilei (1564-1642) e ao filósofo
inglês Francis Bacon (1561-1626). Eles se libertaram dos
métodos usados pelos gregos, que operavam “para cima ou
para baixo”, dependendo das circunstâncias, tirando con-
clusões acerca do mundo natural, por meio de raciocínio,
folhas, pequenas se comparadas à distância até o chão abai- a partir de hipóteses arbitrárias (axiomas). Os cientistas
xo delas, e depois incide no chão. Uma região iluminada modernos operam “para cima”, inicialmente examinando
com diâmetro de 5 centímetros, por exemplo, foi projetada a maneira segundo a qual a natureza efetivamente funciona
por uma abertura que se encontra a 110 ⫻ 10 centímetros e, então, construindo uma estrutura que explique as desco-
acima do chão. Árvores altas produzem imagens grandes; as bertas realizadas.
baixas, produzem pequenas imagens. Usando um pouco de Embora não exista um livro de receitas realmente ade-
geometria elementar, você pode medir o diâmetro do Sol. quado para descrição do método científico, alguns dos
Isto é feito no livro Practicing Physics*. seguintes passos, ou todos eles, provavelmente são encon-
É interessante notar que durante um eclipse parcial do trados na maneira como os cientistas conduzem seus tra-
Sol, as imagens têm a forma de um crescente (Figura 1.3). balhos.
1. Observação: observe atentamente o mundo físico
em torno de você. Identifique uma questão ou um
enigma – tal como uma observação para a qual não
se tem uma explicação.
2. Questão: Proponha uma explicação bem-formula-
da – uma hipótese – que possa resolver o enigma.
3. Predição: preveja as conseqüências da hipótese.
4. Teste das predições: realize experimentos ou cál-
culos a fim de testar as conseqüências previstas.
5. Obtenção de uma conclusão: formule a regra ge-
ral mais simples que organize os três ingredientes
principais: hipótese, efeitos previstos e resultados
experimentais.
Embora estes passos sejam convidativos, muito do
progresso científico adveio de tentativas e erros, da expe-
rimentação sem qualquer hipótese ou simplesmente de
uma descoberta acidental inequívoca feita por uma men-
te bem-treinada. O sucesso da ciência baseia-se mais em
uma atitude compartilhada pelos cientistas do que em um
FIGURA 1.3 método particular. Essa atitude é a de questionamento, ex-
As manchas luminosas em forma de lua crescente são imagens do Sol perimentação e humildade – ou seja, a de disposição em
quando está ocorrendo um eclipse solar parcial. reconhecer erros.

* N. de T.: Obra do mesmo autor deste livro, não traduzida para o português.
22 Fundamentos de Física Conceitual

1.4 A atitude científica sempre tendência de adotar regras, crenças, credos, idéias
e hipóteses sem questionar profundamente sua validade

É comum pensar em um fato como algo imutável e ab-


soluto, mas, em ciência, um fato significa geralmente
uma estreita concordância entre observadores competentes
e de mantê-las por muito tempo após terem se mostrado
sem significado, falsas ou no mínimo questionáveis. As
suposições mais difundidas são freqüentemente as menos
acerca de uma série de observações de um mesmo fenôme- questionadas. Muitas vezes, quando uma idéia é adotada,
no. Por exemplo, se já foi fato que o universo era imutável e é dada uma atenção especial aos casos que parecem cor-
eterno, hoje é considerado fato que ele esteja se expandindo roborá-la, ao passo que aqueles casos que parecem refutá-
e evoluindo. Por outro lado, uma hipótese científica é uma la são distorcidos, depreciados ou ignorados.
suposição bem-formulada que somente pode ser conside- Os cientistas empregam a palavra teoria com significado
rada factual depois de testada por meio de experimentos. diferente daquele da linguagem cotidiana. Na linguagem do
Após ser testada muitas e muitas vezes e não ser negada, dia-a-dia, uma teoria é o mesmo que uma hipótese – ou seja,
essa hipótese pode se tornar uma lei ou princípio. uma suposição que ainda não foi comprovada. Uma teoria
Se um cientista descobre evidências que contradigam científica, por outro lado, é uma síntese para um grande corpo
uma dada hipótese, lei ou princípio, então, de acordo com de informações que englobam hipóteses comprovadas e bem-
o espírito científico, ela deve ser abandonada – não im- testadas sobre determinados aspectos do mundo natural. Os
porta a reputação ou a autoridade das pessoas que a defen- físicos, por exemplo, falam na teoria dos quarks para os núcle-
dam (a menos que a evidência negativa mostre-se errônea os atômicos, os químicos falam na teoria das ligações metáli-
– como acontece, às vezes). Por exemplo, o filósofo grego cas para os metais e os biólogos falam na teoria celular.
altamente respeitável Aristóteles (384-322 a.C.) afirmava As teorias científicas não
que um objeto cai com uma velocidade proporcional ao são imutáveis, ao contrário, Fatos são dados sobre o
mundo
seu peso. Esta idéia foi aceita como verdadeira por quase elas sofrem mudanças. Elas passíveis de Teorias são
2.000 anos devido à grande autoridade de Aristóteles. evoluem enquanto passam revisões. interpretações dos fatos.
Galileu supostamente demonstrou a falsidade da afir- por estágios de redefinição e
mativa de Aristóteles por meio de de refinamento. Durante os
São os um experimento – mostrando que últimos cem anos, por exem-
experimentos, e objetos leves e pesados caíam da plo, a teoria atômica tem sido
não, as discussões Torre Inclinada de Pisa com valo- refinada muitas vezes, sempre
filosóficas, que res de rapidez aproximadamente que se obtém uma nova evi-
decidem o que é dência sobre o comportamento atômico. Os modelos
iguais. De acordo com o espírito
correto em ciência. atômicos são aperfeiçoados sempre que uma nova infor-
científico, um único experimento
comprovadamente contrário tem mação é descoberta. De maneira semelhante, os quími-
mais valor do que qualquer autoridade, não importa sua cos aperfeiçoam suas visões acerca de como as moléculas
reputação ou o número de seus seguidores ou defensores. se ligam. Os astrônomos se referem à teoria do Big Bang
Na ciência moderna, argumentos de autoridade possuem para explicar a observação de que as galáxias estão se afas-
pouco valor.3 tando umas das outras. Os biólogos têm refinado a teoria
Os cientistas devem aceitar descobertas experimen- celular e realizado enormes avanços para a compreensão
tais mesmo quando gostariam que elas fossem diferentes. acerca da vida. O aperfeiçoamento das teorias é uma
Eles devem se esforçar em distinguir o que vêem e o que força da ciência, e não, uma fraqueza. Muitas pessoas
desejam ver, pois os cientistas, como as pessoas, têm gran- consideram um sinal de fraqueza mudar suas opiniões.
de capacidade de enganar a si mesmos4. As pessoas têm Cientistas competentes devem ser especialistas em saber
alterar suas opiniões. Eles trocam de opinião, entretanto,
apenas quando se deparam com evidências experimentais
3
Mas o apelo ao estético tem valor na ciência. Em tempos recentes, mais de sólidas ou quando uma hipótese conceitualmente mais
um resultado experimental se contrapôs a uma teoria fascinante, que mais simples força-os a adotar um novo ponto de vista. Mais
tarde, após pesquisas mais detalhadas, mostrou-se errônea. Isso tem reforçado
importante que defender crenças, é melhorá-las. As me-
a crença dos cientistas de que a descrição correta da natureza, em última ins-
tância, deva envolver a concisão de expressão e economia de conceitos – uma lhores hipóteses são as mais honestas em face da evidên-
combinação que pode ser chamada de bela. cia experimental.
4
Em sua formação, não é suficiente estar atento a pessoas que tentem fazê-lo Fora de suas profissões, os cientistas não são ineren-
de bobo; mais importante é estar atento à própria tendência de enganar a si temente mais honestos ou mais éticos que a maioria das
mesmo.
CAPÍTULO 1 Sobre a Ciência 23

pessoas. Mas, em suas profissões, eles trabalham em um ser negada, não constitui uma hipótese científica. Inúmeras
meio que dá alto valor à honestidade. A regra que norteia dessas afirmações são completamente razoáveis e úteis, mas
a ciência é a de que todas as hipóteses devem ser testáveis estão fora do domínio da ciência.
– devem ser passíveis, pelo menos em princípio, de ser ne-
gadas. Na ciência, é mais importante que exista um modo
de provar que uma idéia está errada do que uma maneira
de provar que ela é correta. Este é um dos principais fatores
que distingue a ciência da não-ciência. À primeira vista, Antes de uma teoria ser aceita, ela deve ser testada
através de experimentos e fazer pelo menos uma
isso pode soar estranho, pois quando nos indagamos sobre
nova predição – diferente daquelas já previstas por
a maioria das coisas, preocupamo-nos em encontrar ma- teorias anteriores.
neiras de revelar se elas são verdadeiras. Com as hipóteses
científicas é diferente. De fato, se você deseja descobrir se
uma hipótese é científica ou não, verifique se existe um
teste capaz de comprovar que ela é errônea. Se não exis- Nenhum de nós dispõe de tempo, energia ou recursos
tir teste algum capaz de provar sua falsidade, a hipótese é para testar cada idéia; assim, na maior parte do tempo, es-
não-científica. Albert Einstein expressou isso muito bem tamos nos baseando na palavra de alguém. Como descobrir
quando declarou que “Nenhum número de experimentos qual é a opinião a considerar? Para reduzir a possibilidade
pode provar que estou certo; um único experimento pode de erro, os cientistas aceitam somente a opinião daqueles
provar que estou errado”. cujas idéias, teorias e descobertas são testáveis – se não na
Considere a hipótese do biólogo Charles Darwin de prática, pelo menos em princípio. Especulações não-tes-
que a vida evolui de formas mais simples para mais com- táveis são consideradas como “não-científicas”. Isto tem o
plexas. Isso poderia ser negado se os paleontologistas des- efeito, a longo prazo, de incentivar a honestidade – as des-
cobrissem que formas de vida mais complexas surgiram cobertas divulgadas largamente entre colegas da comuni-
antes de suas contrapartidas mais simples. Einstein criou dade científica estão geralmente sujeitas a testes adicionais.
a hipótese de que a luz é desviada pela gravidade. Isso po- Mais cedo ou mais tarde, erros (e fraudes) são descobertos:
deria ser negado se a luz das estrelas, que passa muito pró- o pensamento tendencioso é desmascarado. Um cientista
ximo ao Sol durante um eclipse solar e que pode ser vista desacreditado não consegue uma segunda chance dentro da
durante o fenômeno, não fosse desviada de sua trajetória comunidade científica. A penalidade por uma fraude é a
normal. Como foi constatado, as formas de vida menos excomunhão profissional. A honestidade, tão importante
complexas precederam suas contrapartidas mais comple- para o progresso da ciência, torna-se assim um assunto de
xas e a luz das estrelas desviou-se ao passar perto do Sol, o interesse próprio dos cientistas. Há relativamente pouco lo-
que confirma as afirmativas feitas. Se e quando uma hipó- gro em um jogo no qual todas as apostas são declaradas.
tese ou alegação científica for confirmada, ela será encara- Em campos de estudo onde o certo e o errado não são facil-
da como útil e como sendo um ponto de partida para um mente reconhecíveis, a pressão para ser honesto é conside-
conhecimento adicional. ravelmente menor.
Considere a hipótese de que “O alinhamento dos pla-
netas no céu determina a melhor ocasião para tomar deci-
sões”. Muitas pessoas acreditam nela, mas essa hipótese é
não-científica. Não se pode provar que ela esteja errada ou
A essência da ciência é expressa em duas questões:
correta. Trata-se de uma especulação. Analogamente, a hipó-
como se pode obter conhecimento e quais
tese de que “Existe vida inteligente em outros planetas em evidências provam que determinada idéia é errônea?
algum lugar do universo” não é científica. Embora possa ser Afirmações desprovidas de evidências são não-
considerada correta pela comprovação de um único exem- científicas e podem ser descartadas sem evidência.
plo de vida inteligente em algum outro lugar do universo,
não existe maneira de se provar que ela está errada se ne-
nhuma vida inteligente for encontrada. Se procurássemos
nas regiões mais longínquas do universo ao longo de eras e As idéias e os conceitos mais importantes de nossa vida
não descobríssemos vida, isso não provaria que ela não exis- cotidiana freqüentemente são não-científicos; sua veracida-
te “na próxima esquina” por investigar. Uma hipótese pos- de ou falsidade não pode ser determinada no laboratório.
sível de ser comprovada como correta, mas impossível de Curiosamente, parece que as pessoas acreditam honesta-
24 Fundamentos de Física Conceitual

PARE E lo, você não terá certeza absoluta de estar correto acerca de
TESTE A SI MESMO suas próprias idéias, mas se passar no teste, suas chances de
Qual destas afirmações constitui uma hipótese estar certo serão consideravelmente maiores.
científica?
a. Os átomos são as menores partículas PARE E
existentes de matéria. TESTE A SI MESMO
b. O espaço é permeado com uma essência não- Suponha que durante uma discordância entre
detectável. duas pessoas, designadas por A e B, você nota
que a pessoa A repetidamente enuncia seu ponto
c. Albert Einstein foi o maior físico do século
de vista, enquanto a B enuncia claramente tanto
vinte.
a sua própria posição como a da pessoa A. Quem
provavelmente estará correta? (Pense antes de ler
VERIFIQUE SUA RESPOSTA a resposta abaixo!)
Reflita sobre as questões propostas acima antes de ler
as respostas. Ao formular primeiro suas próprias res- VERIFIQUE SUA RESPOSTA
postas, você notará que aprendeu mais – muito mais!
Quem sabe com certeza? A pessoa B pode ter a perspi-
Apenas a hipótese a é científica, pois existe uma maneira cácia de um advogado, que pode sustentar vários pontos
de testar sua falsidade. A afirmação não apenas é possível de vista e ainda assim estar incorreto. Não podemos ter
de ser negada, como foi de fato negada. Não existe um certeza acerca do “outro cara”. O teste para correção ou
teste para provar a falsidade da hipótese b e ela, portan- incorreção sugerido aqui não é um teste para os outros,
to, é não-científica. O mesmo vale para qualquer princí- mas de e para você. Ele pode auxiliar em seu desenvolvi-
pio ou conceito para o qual não exista uma maneira, um mento pessoal. Quando você tenta articular as idéias de
procedimento ou um teste através do qual ele possa ser seus antagonistas, esteja preparado, como os cientistas,
negado (se for errado). Alguns pseudocientistas e outros para alterar suas opiniões e descobrir evidências contrá-
fraudadores do saber nem mesmo se preocupam com rias às suas próprias idéias – evidências que podem modi-
a existência de um teste capaz de verificar a possível ficar seus pontos de vista. O desenvolvimento intelectual
falsidade de suas afirmativas. A afirmativa c é uma das freqüentemente é alcançado dessa maneira.
que não podem ser testadas em sua possível falsidade.
Se Einstein não tivesse sido o maior dos físicos, como
poderíamos sabê-lo? É importante notar que, como o
nome de Einstein geralmente é muito considerado, ele
é o preferido dos pseudocientistas. Portanto, não deve- Cada um de nós necessita de um “filtro de
ríamos ficar surpresos que o nome de Einstein, como os conhecimento” que permita distinguir entre o que é
de Jesus e de outras fontes altamente respeitadas, seja válido e o que tem a pretensão de ser válido. O melhor
freqüentemente mencionado por charlatões que querem filtro de conhecimento já inventado é a ciência.
agregar respeito a si mesmos e a seus pontos de vista.
Em todos os campos, é prudente ser cético com aque-
les que querem dar crédito a si mesmos apelando para a
autoridade de outros.
Embora a noção de respeito e reconhecimento dos
pontos de vista contrários pareça razoável à maioria das pes-
soas pensantes, a noção oposta – proteger-nos, e a outros,
mente que suas idéias sobre as coisas estejam corretas, e de idéias contrárias – tem sido mais amplamente praticada.
quase todo mundo conhece pessoas que sustentam pontos Temos sido ensinados a desacreditar idéias não-populares
de vista inteiramente opostos – logo, as idéias de alguns (ou sem tentar entendê-las no contexto apropriado. Em retros-
de todos) devem estar incorretas. Como saber se você é ou pectiva, podemos agora afirmar que muitas das “profundas
não um daqueles que sustentam crenças errôneas? Existe um verdades”, pedras-mestras de civilizações inteiras, eram me-
teste para isso. Antes de estar razoavelmente convencido de ros reflexos da ignorância que na época prevalecia. Muitos
que você está certo acerca de uma idéia particular, deveria dos problemas que importunavam as sociedades pro-
estar seguro de que compreendeu bem as objeções e as posi- vinham da ignorância e das falsas
ções de seus adversários mais articulados. Deveria descobrir Aqueles que são concepções daí resultantes; muito
se suas próprias opiniões são sustentadas pelo conhecimen- capazes de levá-lo do que foi sustentado como verda-
to adequado das idéias oponentes ou pelas falsas concepções a crer em absurdos de simplesmente não é verdadeiro.
podem também E isso não é restrito ao passado.
delas. Faça esta distinção, comprovando se você pode ou fazê-lo cometer
não enunciar as objeções e as posições de seus opositores de Cada avanço científico é neces-
atrocidades.
forma que eles fiquem satisfeitos. Mesmo que consiga fazê- sariamente incompleto e parcial-
— Voltaire
mente impreciso, pois o descobri-
CAPÍTULO 1 Sobre a Ciência 25

dor enxerga com os antolhos* de sua época e consegue se ranjas: são dois campos distintos, ainda que complemen-
livrar apenas de uma parte dos impedimentos. tares, da atividade humana.
Quando, mais adiante neste livro, estudarmos a na-
tureza da luz, a trataremos inicialmente como se fosse
1.5 Ciência, arte e religião uma onda, e depois, como sendo formada por partículas.

A procura por ordem e significado no mundo em nossa


volta tem tomado diferentes formas: uma é a ciên-
cia, outra é a arte e outra é a religião. Embora as raízes das
Para uma pessoa que sabe um pouco sobre ciência, ondas
e partículas são entidades contraditórias; a luz pode ser
uma ou outra apenas, e temos de escolher entre as duas
possibilidades. Mas para uma pessoa esclarecida, ondas e
três remetam a milhares de anos, as tradições científicas são
partículas são noções que se complementam mutuamente,
relativamente recentes. Mais importante, os domínios da
promovendo uma compreensão mais profunda da luz. De
ciência, da arte e da religião são diferentes, embora exista
maneira análoga, são principalmente as pessoas desinfor-
freqüentemente uma superposição entre elas. A ciência está
madas ou mal-informadas acerca das naturezas mais pro-
principalmente engajada em descobrir e registrar fenôme-
fundas da ciência e da religião que se sentem obrigadas a
nos naturais; as artes dizem respeito à interpretação pessoal
optar entre acreditar na religião ou na ciência. A menos
e à expressão criativa; e a religião remete à origem, propósi-
que se tenha uma compreensão superficial de uma ou de
to e significado de tudo.
ambas, não existe contradição em ser religioso e ser cientí-
Ciência e arte são comparáveis. Na literatura, encontra-
fico em seu modo de pensar5.
mos o possível para a experiência humana. Podemos aprender
Muitas pessoas ficam preocupadas por não conhecerem
a respeito das emoções, que vão da angústia ao amor, mesmo
as respostas para questões religiosas e filosóficas. Algumas
que não as tenhamos experimentado. As artes não necessa-
evitam a incerteza adotando acriticamente qualquer respos-
riamente promovem aquelas experiências, mas as descrevem
ta confortadora. Um recado importante da ciência, entre-
e sugerem o que delas pode ser retido para nós mesmos. A
tanto, é que a incerteza é algo aceitável. Por exemplo, no
ciência nos diz o que é possível na natureza. O conhecimen-
capítulo 15 você aprenderá que não é possível conhecer si-
to científico nos ajuda a prever as possibilidades contidas na
multaneamente e com toda precisão a posição e o momen-
natureza, mesmo antes que elas tenham sido experimenta-
tum de um elétron em um átomo. Quanto mais você sabe
das. Ela nos fornece uma maneira de conectar as coisas, de
sobre um, menos sabe sobre o outro. A incerteza faz parte
enxergar as relações entre elas e de dar sentido à miríade de
do processo científico. É aceitável não saber as respostas
eventos naturais que ocorrem a nosso redor. A ciência alarga
para as questões fundamentais. Por que as maçãs são atraí-
nossa perspectiva do ambiente natural, do qual somos uma
das gravitacionalmente pela Terra? Por que os elétrons se
parte. Os conhecimentos, tanto em arte quanto em ciência,
repelem mutuamente? Por que um ímã interage com outros
formam um todo que afeta a maneira de vermos o mundo,
ímãs? Por que a energia possui massa? Em nível mais pro-
bem como as decisões que tomamos a respeito dele e de nós
fundo, os cientistas não sabem as respostas para tais ques-
mesmos. Uma pessoa realmente culta deve ser versada tanto
tões – pelo menos não ainda. Nós sabemos um bocado a
em arte quanto em ciência.
respeito de onde estamos, mas nada sabemos realmente so-
Ciência e religião também têm similaridades, mas são
bre o porquê de estarmos aqui. Tudo bem se não soubermos
basicamente diferentes – principalmente porque seus do-
as respostas a essas questões religiosas. Entre escolher uma
mínios são distintos: a ciência diz respeito ao reino físico;
mente fechada e possuidora de respostas reconfortantes e
a religião, ao reino espiritual. O domínio da ciência é a
uma mente aberta e exploradora, sem possuir as respostas, a
ordem natural; o domínio da religião é o sentido da
maioria dos cientistas opta pela segunda atitude. Eles geral-
natureza. Crenças e práticas religiosas normalmente
mente se sentem confortáveis em não saber.
envolvem fé e reverência a um ser
A arte diz respeito supremo. Por sua própria nature-
à beleza do
cosmo. A ciência
za, a religião opera com as partes
diz respeito à da experiência humana que não
ordem do cosmo. podem ser reproduzidas por ex- A crença de que existe apenas uma verdade, e de
A religião diz perimentos controlados. Nestes que se está em posse dela, me parece ser a raiz mais
respeito ao sentido aspectos, ciência e religião são profunda de tudo de ruim que existe no mundo.
do cosmo. tão diferentes quanto maçãs e la- — Max Born

5
* N. de T.: Peças de couro, ou de outro material opaco, colocadas do lado dos Obviamente, isso não se aplica a certas religiões extremistas que decididamen-
olhos de um cavalo, para limitar seu campo de visão e evitar que se assustem. te afirmam que não se pode abraçar simultaneamente sua religião e a ciência.
26 Fundamentos de Física Conceitual

CIÊNCIA E SOCIEDADE

■ PSEUDOCIÊNCIA Um xamã que estuda as oscilações de um pêndulo suspen-


so sobre o abdômen de uma mulher grávida pode prever o sexo
Nos tempos pré-científicos, qualquer tentativa de dominar
do feto com precisão de 50%. Isso significa que se ele usar sua
a natureza significava forçá-la contra sua própria vontade. A
mágica muitas vezes, para muitos fetos, metade de suas previ-
natureza tinha de ser subjugada, geralmente por meio de al-
sões estarão certas e metade erradas – ou seja, a previsibilidade
gum tipo de magia ou do que estivesse acima da natureza – ou
de uma adivinhação comum. Em comparação, ao determinar
seja, o sobrenatural. A ciência faz o oposto, trabalhando com
o sexo de não-nascidos por meios científicos, obtém-se uma
leis da natureza. Os métodos empregados pela ciência reve-
taxa de 95% de acertos usando ecografia e de 100% usando
lam uma progressiva perda de confiança no sobrenatural – mas
amniocentese. O melhor que pode ser dito em favor dos xa-
não inteiramente. Velhas crenças persistem com força total nas mãs é que a taxa de sucesso de 50% é um bocado melhor que
culturas primitivas e sobrevivem em culturas tecnologicamen- as taxas de sucesso obtidas por astrólogos, leitores de mão ou
te avançadas também, às vezes disfarçadas de ciência. Isso é a por outros pseudocientistas que prevêem o futuro.
falsa ciência – ou pseudociência. O notável de uma pseudo- Um exemplo de pseudociência com zero de sucesso é a
ciência é a falta dos ingredientes-chave da evidência e de um das máquinas multiplicadoras de energia. A respeito dessas
teste capaz de provar sua falsidade. No reino da pseudociência, máquinas, que supostamente fornecem mais energia do que
ceticismo e testes para comprovar uma possível falsidade são a que lhes é fornecida, alguns afirmam que “elas ainda estão
descartados ou categoricamente ignorados. nas pranchetas de projeto, e são necessárias verbas para seu
Existem várias maneiras de enxergar relações de cau- desenvolvimento completo”. As verbas são angariadas por
sa e efeito no universo. O misticismo é uma delas, talvez charlatões que vendem ações a um público ignorante que
apropriada para a religião, mas não aplicável em ciência. A sucumbe a promessas fantasiosas de sucesso. Isso é refugo
astrologia é um antigo sistema de crenças que supõe haver científico. Pseudocientistas estão em todo lugar, geralmente
uma correspondência mística entre os indivíduos e o univer- bem-sucedidos em recrutar aprendizes por dinheiro ou por
so como um todo – que assuntos humanos são influenciados trabalho, e podem parecer muito convincentes mesmo para
pelas posições e pelos movimentos dos planetas e de outros pessoas aparentemente maduras. Nas livrarias, seus livros
corpos celestes. Essa visão de mundo não-científica pode ter suplantam grandemente, em número, os livros sobre ciên-
um grande apelo. Não importa quão insignificante possamos cia. A falsa ciência está prosperando.
nos sentir, às vezes os astrólogos nos asseguram que estamos Há quatro séculos, durante suas curtas e difíceis exis-
em íntima conexão com os mecanismos do cosmo e que este tências, a maioria dos seres humanos era dominada por
foi criado para os humanos – particularmente para os hu- superstições, demônios, doenças e magia. Somente através
manos que pertencem à nossa própria tribo, comunidade ou de um enorme esforço eles adquiriram conhecimentos cien-
grupo religioso. A astrologia como magia antiga é uma coisa, tíficos e abandonaram suas superstições. Temos ainda de
mas a astrologia disfarçada de ciência é outra. Quando posa percorrer um longo caminho na compreensão da natureza
de ciência relacionada à astronomia, ela se torna uma pseu- e em nossa libertação da ignorância. Deveríamos estar or-
dociência. Alguns astrólogos apresentam sua arte com um gulhosos com o que aprendemos. Não estamos mais con-
disfarce científico. Quando eles usam informação astronô- denados à morte sempre que uma doença infecciosa ataca
mica atualizada e computadores para calcular os movimen- ou a viver com medo de demônios. Nos tempos medievais,
tos dos corpos celestes, estão operando no reino científico. a vida era cruel. Hoje não precisamos fingir que a supersti-
Mas quando eles usam esses dados para forjar revelações as- ção é algo mais do que superstição ou que noções viciadas
trológicas, adentram na mais pura pseudociência. são algo além de noções viciadas – sejam elas atribuídas a
Como a ciência, a pseudociência faz previsões. Um in- pretensos xamãs, a charlatões de esquina, a pensadores va-
divíduo que usa uma varinha mágica para fazer previsões gos que escrevem livros de saúde recheados de promessas de
– um rabdomante –consegue localizar água no subsolo com saúde completa, a vendedores de tratamentos com terapias
altas taxas de sucesso – aproximadamente 100%. Sempre magnéticas ou a demagogos que incutem medo.
que um rabdomante realiza seu ritual e aponta para um Porém ainda existe razão para temor quando supersti-
lugar no solo, o escavador de poços está certo de que en- ções, que no passado as pessoas lutaram para apagar, são res-
contrará água. A rabdomancia funciona. Um rabdomante gatadas a força, seduzindo um número crescente de pessoas.
dificilmente pode errar, claro, pois existe água a 100 metros Em seu livro Flim-Flam!, James Randi registra que há mais
da superfície em aproximadamente qualquer lugar da Terra. de 20.000 astrólogos praticantes nos Estados Unidos aten-
(O verdadeiro teste para um rabdomante seria ele apontar dendo milhões de crentes crédulos. O escritor de ciência
um lugar onde não se encontrasse água!) Martin Gardner registra que a percentagem de americanos
(Continua)
CAPÍTULO 1 Sobre a Ciência 27

contemporâneos que acredita em astrologia e em fenômenos Muitos crêem que a condição humana está regredindo
ocultos é maior do que a que existia entre os europeus da por causa do desenvolvimento tecnológico. É mais provável
Idade Média. Poucos jornais mantêm uma coluna científica regredirmos, porém, se a ciência e a tecnologia vierem a se cur-
diária, mas aproximadamente todos eles apresentam horós- var diante da irracionalidade, das superstições e das demago-
copos diariamente. Embora os benefícios e os remédios ao gias do passado. Em nossas salas de aula, “tempo igual”* será
nosso redor tenham melhorado com os avanços da ciência, destinado ao ensino da irracionalidade. Preste atenção em seus
muitas pessoas acreditam que não. arautos. A pseudociência é um gigantesco e lucrativo negócio.

CIÊNCIA E SOCIEDADE

■ AVA L I A Ç Ã O D E R I S C O S Como agora temos mais consciência dos custos am-


bientais advindos da combustão dos combustíveis fósseis,
Os inúmeros benefícios da tecnologia são sempre acompa-
aqueles derivados da biomassa estão tendo um lento re-
nhados de riscos. Quando os benefícios proporcionados por
torno. Estão sendo desenvolvidas fontes de energia menos
uma inovação tecnológica excedem seus riscos, ela passa a
agressivas do ponto de vista ambiental. É muito importante
ser aceita e utilizada. Os raios X, por exemplo, continuam
que se tenha uma compreensão dos riscos de curto e tam-
sendo usados para diagnósticos médicos, a despeito de seu
bém de longo prazo de cada tecnologia.
potencial cancerígeno. Entretanto, uma vez que se perceba
As pessoas parecem ter dificuldade em aceitar a impos-
que os riscos advindos de uma tecnologia suplantam os be-
sibilidade de risco zero. Não se pode garantir, por exemplo,
nefícios proporcionados, ela deve ser usada com parcimônia
que as viagens de avião sejam totalmente seguras. Nem que
ou, até mesmo, nunca ser empregada.
alimentos processados sejam completamente livres de to-
O risco pode variar para diferentes grupos de pessoas.
xidade, pois todos são tóxicos em algum grau. Você não
A aspirina, por exemplo, é um medicamento útil para adul-
pode freqüentar uma praia sem aumentar o risco de ter um
tos, mas em crianças muito novas pode causar uma doença
câncer de pele, por mais protetor solar que aplique à pele.
potencialmente letal, conhecida como Síndrome de Reye.
Despejar água de esgoto sem tratamento num rio local re- Tampouco pode evitar a radioatividade, pois ela está no
presenta pouco risco para uma cidade localizada rio acima ar que se respira e nas comidas que se come, e assim tem
do ponto de despejo, mas, para as cidades localizadas rio sido desde que os humanos caminharam sobre a Terra pela
abaixo, a água não-tratada dos esgotos representará um sério primeira vez. Mesmo a chuva mais límpida contém algum
risco para a saúde pública. Analogamente, armazenar lixo carbono-14 radioativo, para não mencionar o que existe
radioativo no subsolo pode ser de pouco risco para nós, hoje em nossos corpos. Entre duas batidas do coração huma-
em dia, mas para as gerações futuras os riscos do armaze- no ocorrem naturalmente 10.000 decaimentos radioativos.
namento serão maiores se existir um vazamento que atinja Você poderia se esconder nas colinas, comer apenas alimen-
o lençol de água subterrânea do local. As tecnologias que tos naturais, praticar a higiene obsessivamente e, ainda as-
envolvem diferentes riscos para diferentes grupos de pessoas, sim, morrer de um câncer causado pela radioatividade que
bem como diferentes benefícios, levantam questões que com emana de seu próprio corpo. A probabilidade de se morrer
freqüência suscitam discussões acaloradas. Quais medica- algum dia é 100%. Ninguém está livre disso.
mentos deveriam ser vendidos sem restrições para o público A ciência nos ajuda a determinar o que é mais provável.
em geral e quais deles deveriam ter venda controlada? Os Quando as ferramentas da ciência melhoram, a avaliação do
alimentos deveriam ser expostos à radiação para evitar a con- mais provável torna-se mais precisa. A aceitação do risco,
taminação, que mata mais de 5.000 americanos por ano? por outro lado, é um tema social. Fixar o risco zero como
Os riscos de todos os membros da sociedade precisam ser objetivo social não é apenas impraticável, mas também
levados em conta quando se decidem políticas públicas. egoísta. Qualquer sociedade que praticasse uma política de
Nem sempre os riscos de uma tecnologia são imediata- risco zero consumiria seus recursos econômicos presentes
mente visíveis. No início do século passado, quando o pe- e futuros. Não seria mais nobre de nossa parte aceitar um
tróleo foi escolhido como combustível para os automóveis, risco não-nulo, procurando minimizá-lo ao máximo dentro
ninguém percebeu claramente os perigos dos produtos da dos limites do praticável? Uma sociedade incapaz de aceitar
sua combustão. A partir de uma visão retrospectiva, teria riscos também não receberá benefício algum.
sido uma escolha mais apropriada do ponto de vista am-
biental, neste caso, usar como combustível os vários tipos de * N. de T.: “Equal-time-rule”, regra dos meios de comunicação norte-
alcoóis obtidos da biomassa, mas estes estavam banidos pelo americanos segundo a qual tempo igual será destinado a candidatos de
pensamento dominante na época. partidos diferentes.
28 Fundamentos de Física Conceitual

1.6 Ciência e tecnologia mais complexa e envolve a questão do que é vida. Assim,
a química é subjacente à biologia, e a física é subjacente à

C iência e tecnologia também diferem uma da outra.


A ciência diz respeito à obtenção de conhecimento
e à sua organização. A tecnologia possibilita aos humanos
química. Os conceitos da física fundamentam essas ciências
mais complicadas. É por essa razão que a física é uma ciên-
cia mais fundamental.
usarem este conhecimento com propósitos práticos e provê A compreensão da ciência inicia com a compreensão da
as ferramentas necessárias aos cientistas em suas pesquisas física. Os capítulos seguintes apresentam a física de forma
futuras. conceitual a fim de que você possa se divertir compreen-
A tecnologia é como uma faca de dois gumes, ela pode dendo-a.
tanto ser útil quanto nociva. Por exemplo, dispomos da
tecnologia para extrair combustíveis fósseis do solo e de- PARE E
pois queimá-los para produzir energia. A produção de TESTE A SI MESMO
energia a partir de combustíveis fósseis tem beneficiado Qual das seguintes atividades envolve a mais
nossa sociedade de inúmeras maneiras. Em contrapartida, elevada expressão humana de paixão, talento e
a queima de combustíveis fósseis ameaça o meio ambien- inteligência?
te. Hoje tende-se a culpar a tecnologia por problemas tais a. pintura e escultura
como poluição, esgotamento de recursos e até mesmo su- b. literatura
perpopulação. Esses problemas, no entanto, não represen-
c. música
tam um defeito da tecnologia, assim como um ferimento
d. religião
de tiro não constitui um defeito das armas de fogo. São os
humanos que usam a tecnologia e são eles os responsáveis e. ciência
pela maneira como ela é empregada.
Sem dúvida, já dispomos de tecnologia para resolver VERIFIQUE SUA RESPOSTA
muitos problemas ambientais. O século XXI provavel- Todas elas! O valor humanístico da ciência, entretan-
mente assistirá a uma guinada entre o uso de combustíveis to, é menos compreendido pela maioria dos indivíduos
fósseis e o de fontes de energia renováveis, tais como as em nossa sociedade. As razões para isso são variadas,
indo desde a noção ordinária de que a ciência é incom-
células fotoelétricas, a geração termo-solar de eletricida-
preensível para pessoas com habilidades medianas
de ou a conversão de biomassa. O maior obstáculo para
até a visão extrema segundo a qual a ciência é uma
a solução dos problemas contemporâneos está na inércia força desumanizadora em nossa sociedade. A maioria
social, mais do que na falta de tecnologia. A tecnologia é das falsas concepções sobre ciência provavelmente
nossa ferramenta. O que fazemos com ela está acima de provém da confusão entre os abusos da ciência e a
nós. O que a tecnologia promete é um mundo mais limpo ciência em si.
e saudável. O uso sensato da tecnologia pode levar a um A ciência é uma atividade encantadora, comparti-
mundo melhor. lhada por uma grande variedade de pessoas que, com
as ferramentas e o know-how contemporâneos, estão
indo além e descobrindo mais sobre si mesmas e sobre
1.7 Física – a ciência básica o ambiente em que vivem do que as pessoas do passa-
do jamais foram capazes. Quanto mais se sabe sobre a

A ciência, que já foi chamada de filosofia natural, abran-


ge o estudo de coisas vivas e inanimadas: as ciências
da vida e as ciências exatas. As ciências da vida incluem a
ciência, mais apaixonados nos sentimos pelo que nos
cerca. Há física em cada coisa que vemos, escutamos,
cheiramos, provamos e tocamos!
biologia, a zoologia e a botânica. As ciências exatas incluem
a geologia, a astronomia, a química e a física.
A física é mais do que um simples ramo das ciências da 1.8 Em perspectiva
natureza. A física é uma ciência básica. Ela se refere a fatos
básicos tais como o movimento, as forças, a energia, a ma-
téria, o calor, o som, a luz e a estrutura interna dos átomos.
A química diz respeito a questões tais como a razão por
A penas alguns séculos atrás, os mais talentosos e ha-
bilidosos artistas, arquitetos e artesãos do mundo
inteiro dirigiram seus gênios e esforços para a construção
que a matéria se mantém unida, como se combinam os áto- de grandes catedrais, sinagogas, templos e mesquitas. Al-
mos para formar moléculas e como estas se combinam para gumas dessas estruturas arquitetônicas levaram séculos para
formar a variedade da matéria que nos cerca. A biologia é ser construídas, o que significa que ninguém testemunhou
CAPÍTULO 1 Sobre a Ciência 29

a construção do início ao fim. Mesmo os arquitetos e os Um deste livro, podemos ser como o pintinho em incuba-
construtores iniciais que viveram até uma idade avançada, ção, que exauriu os recursos de seu ambiente interno no
jamais puderam ver os resultados finais de seus trabalhos. ovo e que está perto de penetrar em um novo mundo cheio
Vidas inteiras foram gastas nas sombras de construções que de possibilidades. A Terra é nosso berço e nos tem servido
deviam parecer sem começo ou fim. Essa enorme concen- muito bem. Mas berços, embora confortáveis, tornam-se
tração de energia humana era inspirada numa visão que pequenos demais. Assim, com uma inspiração em vários
ia além dos interesses mundanos – uma visão do cosmo. aspectos semelhante à daqueles que construíram as primei-
Para as pessoas daquela época, as estruturas que elas erigiam ras catedrais, sinagogas, templos e mesquitas, nós também
eram suas “espaçonaves de fé”, ancoradas firmemente, mas almejamos o cosmo.
apontando para o cosmo. Vivemos numa época realmente excitante!
Hoje em dia os esforços de muitos de nossos mais ha-
bilidosos cientistas, engenheiros, artistas e artesãos são dire-
cionados para construir espaçonaves que orbitam a Terra e
outras que viajarão além. O tempo requerido para se cons-
A ciência é uma maneira de ensinar como algo pode
truir essas espaçonaves é extremamente breve, comparado ser conhecido, o que não é conhecido, em que grau
ao tempo que era gasto construindo as estruturas de pedra as coisas são conhecidas (pois nada é conhecido
e mármore do passado. Muitas pessoas que hoje trabalham de forma absoluta), como conviver com a dúvida
em espaçonaves nasceram antes que os primeiros jatos de e a incerteza, quais são as regras a seguir, como
carreira levassem passageiros. O que verão os mais jovens pensar sobre as coisas de maneira que se possa
em um tempo comparável? fazer julgamentos e como distinguir a verdade da
Parece que vivemos na alvorada de uma grande trans- falsidade e da aparência.
formação no desenvolvimento da humanidade, pois, como — Richard Feynman
a pequena Evan sugere na foto que está no início da Parte

SUMÁRIO DE TERMOS

Método científico Princípios e procedimentos para aquisição Fato Um fenômeno sobre o qual observadores competentes es-
sistemática de conhecimento, envolvendo o reconhecimento tão em concordância após realizarem uma série de observações.
e a formulação de um problema, a coleta de dados por meio Lei Uma hipótese ou afirmação geral a respeito da relação entre
de observação e de experimentação e a formulação e o teste de quantidades naturais que foi testada inúmeras vezes sem ter sido
hipóteses. negada. Também conhecida como princípio.
Hipótese Uma especulação culta; uma explicação razoável para Teoria Uma síntese de um grande volume de informações, que
uma observação ou resultado experimental, que não é plena- abrange hipóteses bem-testadas e comprovadas acerca de deter-
mente aceita como factual até que seja testada inúmeras vezes minados aspectos do mundo natural.
por meio de experimentos. Pseudociência A falsa ciência que finge ser verdadeira.

LEITURA SUGERIDA

Bodanis, David. E ⫽ mc : A Biography of the World´s Most Famous


2
Feynman, Richard P. Surely You’re Joking, Mr. Feynman. New York:
Equation. New York: Berkeley Publishing Group, 2002. Norton, 1986.
Bryson, Bill. A Short History of Nearly Everything. New York: Gleick, James. Genius – The Life and Science of Richard Feynman.
Broadway Books, 2003. New York: Pantheon Books, 1992.
Cole, K. C. First You Build a Cloud. New York: Morrow, 1999. Sagan, Carl. The Demon-Haunted World. New York: Random
House, 1995.

QUESTÕES DE REVISÃO

1.1 Matemática – a linguagem da ciência 1.2 Medições científicas


1. Neste curso, qual é a função das equações? 2. O que são as regiões circulares e iluminadas vistas sobre o
piso abaixo de uma árvore, em um dia ensolarado?
30 Fundamentos de Física Conceitual

1.3 Os métodos da ciência 1.5 Ciência, arte e religião


3. Resuma os passos básicos do método científico clássico. 10. Dê uma razão para encorajar os estudantes de arte a aprende-
rem sobre ciência, e os de ciência, a aprenderem sobre artes.
1.4 A atitude científica 11. Por que muitas pessoas acreditam que precisam escolher entre
4. Faça distinção entre um fato científico e uma lei científica. ciência e religião?
5. Em que uma teoria científica difere daquilo que, em lingua- 12. O conforto psicológico é um benefício de se possuir respostas
gem comum, chamamos de teoria? sólidas para questões religiosas. Que benefício advém da po-
6. Na vida cotidiana, as pessoas muitas vezes sentem prazer em sição de não possuir tais respostas?
sustentar um ponto de vista particular pela “coragem de suas
convicções”. Uma mudança de opinião é vista como um sinal 1.6 Ciência e tecnologia
de fraqueza. Como isso é diferente na ciência? 13. Faça uma clara distinção entre ciência e tecnologia.
7. Qual o teste para descobrir se uma hipótese é científica ou não?
8. Na vida cotidiana, conhecemos muitos casos de pessoas sur- 1.7 Física – a ciência básica
preendidas deturpando fatos e que logo depois foram perdoa- 14. Por que a física é considerada uma ciência básica?
das e aceitas por seus contemporâneos. Como isso é diferente
na ciência? 1.8 Em perspectiva
9. Que teste você poderia realizar, mentalmente, a fim de au- 15. Na introdução da Parte Um, a pequena Evan propõe uma
mentar a chance de estar julgando corretamente uma deter- questão ao autor. Qual a mensagem implícita nesta questão?
minada idéia?

EXERCÍCIOS

1. Dentro da comunidade científica, qual é a penalidade para homem. Eu não sustentarei que o conhecimento jamais possa
uma fraude científica? causar danos. Penso que tais proposições gerais podem quase
2. Quais das seguintes hipóteses são científicas? sempre ser refutadas através de experimentos bem-escolhidos.
a. A clorofila faz a grama ser verde. O que eu sustentarei – e sustentarei vigorosamente – é que o
b. A Terra gira em torno de um eixo porque as coisas preci- conhecimento é freqüentemente muito mais útil que danoso
sam de uma alternância entre luz e escuridão. e que o temor do conhecimento é freqüentemente mais da-
c. As marés são causadas pela Lua. noso que útil”. Pense em exemplos que confirmem esta afir-
3. Em resposta à questão “Quando uma planta cresce, de onde mação.
vem o material?”, usando a lógica, Aristóteles formulou a hi- 6. Quando você sai da sombra para a luz solar, o calor do Sol é
pótese de que todo o material viria do solo. Você considera tão evidente quanto aquele emitido por um pedaço de carvão
tal hipótese como correta, incorreta ou parcialmente correta? em brasa numa sala fria. Sente-se o calor do Sol não por cau-
Que experimentos você proporia a fim de validar a hipótese? sa da sua temperatura alta (mais alta mesmo do que aquelas
4. O grande filósofo e matemático Bertrand Russel encontradas em maçaricos de soldagem), mas porque o Sol é
(1872-1970) escreveu sobre as idéias de sua juventude, que grande. O que você estima ser maior, o raio do Sol ou a dis-
ele rejeitara na fase mais avançada de sua vida. Você encara tância entre a Lua e a Terra? Cheque sua resposta consultando
isso como um sinal de fraqueza ou de força, em Bertrand os dados contidos na parte interna da capa deste livro.
Russel? (Você acha que suas idéias atuais, acerca do mundo 7. Quando alguém diz “Mas isso é apenas uma teoria científi-
e sobre você próprio, mudarão com o decorrer de seu apren- ca!”, o que provavelmente está sendo mal compreendido pela
dizado e com a maior experiência adquirida ou você acha pessoa?
que conhecimento e experiência adicionais solidificarão seu 8. Uma teoria que unifica muitas idéias de uma maneira simples
presente entendimento?) é chamada de “bela” pelos cientistas. Fora da ciência, há uni-
5. Bertrand Russel escreveu: “Eu penso que devemos manter a dade e simplicidade entre os critérios de beleza? Fundamente
crença de que o conhecimento científico é uma das glórias do sua resposta.

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