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INÍCIO GERAL
ENTREVISTA
Rute Pina
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 28 de Maio de 2018 às 05:39
Ouça o áudio:
Rolnik recebeu a equipe do Brasil de Fato na USP, onde leciona - José Eduardo Bernardes
O Brasil não tem uma política habitacional que centralize todas as complexidades e
desa os do tema da moradia. Em vez disso, desde a década de 1960, o Estado
promove apenas o nanciamento habitacional. Quem faz a avaliação é a arquiteta e
urbanista Raquel Rolnik.
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25/02/2020 Raquel Rolnik: "A captura da | Uma visão popular do Brasil e do mundo
O resultado dessa visão, segundo Rolnik, é que o país não consegue atingir a camada
da população que tem mais necessidade e urgência de moradia. "O governo se
nanceiriza. Todos os cálculos são feitos em cima das expectativas de rentabilidade",
aponta a arquiteta.
Raquel Rolnik: Antes mesmo de discutir essa metodologia, está a seguinte pergunta:
quantas casas e apartamentos precisam ser construídos para que as pessoas que hoje
não têm casa própria possam ter? Essa é a questão que está historicamente por trás da
política habitacional utilizada no país, desde do período do BNH [Banco Nacional da
Habitação, em 1964], ou mesmo antes, no período getulista.
E, desde que o momento que temos uma política habitacional, ela é a construção
de casas acessadas via crédito nanceiro hipotecário.
A nossa crítica em relação a esse conceito é o pressuposto dele. Quem disse que as
necessidades habitacionais dos brasileiros e brasileiras se resumem ao acesso a casa
própria individual nova, construída por uma construtora ou por uma agência público-
privada? Fazer isso nos impede de pensar outras alternativas de acesso à moradia.
E mais do que isso: muitas das pessoas hoje moram muito mal. Não exatamente em
função das condições especí cas da casa, mas dos bairros onde elas vivem. Uma parte
importante das necessidades habitacionais dos brasileiros, brasileiras e dos imigrantes
estrangeiros é urbanizar ou melhorar as condições de infraestrutura dos bairros
existentes.
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Esse cálculo me parece que está na raiz de um problema muito mais sério que é uma
política de modelo e pensamento únicos. E que, pela natureza de crédito bancário à
casa própria, nunca chega em quem precisa — que são as famílias, os indivíduos, as
pessoas mais pobres, sem renda ou com renda totalmente informal, e que também
acumulam muitas outras vulnerabilidades. Seguramente, um crédito nanceiro e
hipotecário, mesmo que subsidiado, não é a melhor solução.
No seu livro Guerra dos Lugares você fala de como a gente não conseguiu romper,
desde a criação do BNH, essa relação entre desenvolvimento urbano e a
nanceirização e os bancos — independente do governo que esteja do poder. Por
quê?
Essa história atravessou governos petistas, tucanos, governos de todos os tipos. Esse
modelo é o que estrutura a política habitacional e de desenvolvimento urbano. Há
várias versões disso até chegar no Minha Casa Minha Vida, que é a novíssima versão
desse mesmo modelo.
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25/02/2020 Raquel Rolnik: "A captura da | Uma visão popular do Brasil e do mundo
conseguiu-se fazer com que renda um pouco mais baixa pudesse acessar também esse
produto casa própria, ofertado pelo mercado e pelas construtoras privadas.
O efeito disso sobre a cidade e sobre o preço da terra foi tremendo porque, claro, na
hora que você tem tanto crédito solto na praça a competição entre os terrenos para ver
quem é que vai receber os empreendimentos vai car enorme. Então, essa procura das
incorporações, das entidades, das pessoas por terra e por imóvel fez subir o preço das
terras e dos imóveis tremendamente, muito acima do aumento do preços dos salários
que aconteceu também no Brasil, principalmente, entre 2005 e 2013.
Tem mais um elemento que nos ajuda a entender e articula a ideia da especulação
imobiliária com a discussão da nanceirização. Nesta era de hegemonia do capital
nanceiro sobre o capital produtivo, o governo se nanceiriza. Todos os cálculos são
feitos em cima das expectativas de rentabilidade.
Isso signi ca que, uma parte importante do espaço construído hoje, está servindo só
para ser garantia e não para ser usado. Ou seja, sua função e seu uso é muito mais de
funcionar dentro do circuito nanceiro do que propriamente abrigar usos e pessoas.
Com um pequeno detalhe: esses espaços estão ocupando pedaços da cidade e
impedindo que quem precisa do espaço para morar, trabalhar, instalar uma empresa.
Isso tem tido um efeito muito desastroso nas cidade e ajuda a gente entender essa
coisa absurda de tanto imóvel vazio e tanta gente precisando ter onde morar.
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A luta social em torno do direito à cidade construiu uma pauta importante desde a
constituição de 1988 e muito marcada pela existência de uma constituinte, de uma
nova ordem legal e urbanística — que era uma pauta institucional, legal, regulatória. A
ideia era que, aumentando as possibilidades de regulação do processo de
desenvolvimento urbano, isso naturalmente poderia se transformar em um processo
redistributivo e mais inclusivo
O problema é que essa regulação se confronta todo dia com um processo e um modelo
de produção da cidade que não é feito para ser redistributivo. Cada implementação se
transforma em um enorme embate e di culdade de conseguir implementar isso na
prática, por mais que exista um marco regulatório.
É absolutamente necessário não apenas implementar esse instrumento mas lutar com
todas as forças políticas no sentido de constituir mais força política para uma pauta
inclusiva. O que estamos vendo na prática é o contrário. Cada vez mais, nesta
destruição de um imaginário social redistributivo como um todo que vivemos no país,
essa ideia de que a questão da igualdade, da justiça territorial, da redistribuição não
são mais valores que têm que orientar a cidade. O que tem que orientar a cidade é a
competição, produção de mais valor, empreendedorismo — valores que estão, na
verdade, enfraquecendo cada vez mais essa pauta regulatória, que vai sendo
exibilizada.
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25/02/2020 Raquel Rolnik: "A captura da | Uma visão popular do Brasil e do mundo
Uma das conquistas importantes no campo regulatório, por exemplo, foi ter Zonas
Especiais de Interesse Social [ZEIS] demarcadas no território, reconhecendo a
existência de territórios populares e declarando que estes têm que fazer parte das
cidades.
Ora, o que aconteceu com a pauta das Zonas Especiais de Interesse Social? O próprio
governo não respeita e retira e remove pessoas que moram em uma ZEIS para fazer
outra coisa lá, sem levar em consideração o próprio marco regulatório. Vou dar dois
exemplos: o Templo de Salomão foi construído em um lugar que estava destinado à
moradia popular. Outro exemplo é a parceria público-privada do Hospital Pérola
Byington, na região dos Campos Elíseos. Quando isso foi contestado, a Procuradoria do
Estado disse que isso era uma interpretação da lei.
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