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A RELIGIÃO POPULAR
PARTE I
INTRODUÇÃO
“De nada vale planejar nossa caminhada se não pormos em prática, enfrentando
problemas reais. A região viveu ocupações de terra. Na Av. Tancredo neves tem 150
famílias sendo despejadas. O IPESP quer a terra de volta. Dia 12.03 vai haver despejo.
Hoje tivemos uma reunião com a vereadora Terezinha Martins e D. Celso. Devemos
fechar em termos de pastoral da moradia da região sudeste uma carta de apoio. Será
uma atitude concreta. Para sairmos da assembleia de cabeça erguida, temos de sair
comprometidos com os despejados. Essa luta tem sido uma tortura. As celebrações tem
dado força. É fácil falar de luta, duro é estar juntos no sofrimento – isto é opção de classe.
Tem gente diz que lá só tem bandido. Heliópolis era pior na década de 70.”
(ASSEMBLÉIA, 1992)
centros urbanos pelo êxodo rural. A entrada de imigrantes e o fluxo interno tem
sido uma das características do Brasil desde o período colonial.
O fenômeno das favelas é mais novo que o dos cortiços. Em sua maioria
resultaram de ocupação de terras públicas ou terras devolutas. A reconstrução
do centro do Rio no início do século XX e o consequente despejo dos moradores
de cortiços marcam a formação das primeiras favelas metropolitanas nos
modelos existentes hoje nas grandes cidades.
como nos anos 70. A taxa de desemprego chega a 19% entre as famílias de até
5 salários mínimos.
As condições de atendimento de serviços urbanos de metrópole são
piores sobretudo nas moradias precárias. Dentre as famílias que as ocupam,
42,1% não contam pelo menos um serviço básico como abastecimento de água,
coleta de lixo ou esgoto sanitário (SEADE, 1992a: 27).
A ausência de pavimentação e de guias e sarjetas nas ruas dos domicílios
chega a atingir 34,9% das famílias de moradias precárias (SEADE, 1992a: 30).
O número de favelados saltou de 71.840 em 1973 para 812.764 em 1983.
Além da precariedade, os domicílios construídos em área de pobreza
caracterizam-se também pela ilegalidade (não estão de acordo com o Código de
Obras, Lei de Zoneamento ou Lei de Regularização Fundiária). Estima-se em
7,7 milhões de pessoas na ilegalidade (BOGUS, Lúcia, 1992: 45).
O processo perverso da urbanização provocou a invasão de áreas de
mananciais, áreas verdes, áreas destinadas a equipamentos públicos e a
construção de espaços segregados destinados às classes populares (SEADE,
1992b: 157). Cerca de 10% das famílias pobres residem em áreas invadidas na
região metropolitana.
O padrão de desenvolvimento urbano da metrópole na década de 80
ocorre por meio do adensamento interno. O centro cresce mais que as franjas
periféricas. Uma das faces do processo de adensamento populacional no
município de S. Paulo é o aumento do índice de favelamento espontâneo. Com
a ocupação de espaços vazios internos do município, redistribui-se o lugar das
camadas pobres. Convivem nas áreas mais urbanizadas diversas faixas de
renda (SEADE, 1992b: 161-163).
ORIGEM
ESTADOS DO NORDESTE...............................................................145 (72,5%)
SÃO PAULO.......................................................................................42 (21%)
MINAS GERAIS..................................................................................7 (3,5%)
PARANÁ.............................................................................................5 (2,5%)
MATO GROSSO.................................................................................1 (0,5%)
(AMOSTRAGEM)
GRAU DE ESCOLARIDADE
Nunca foi a escola.................................................................................26 (13%)
Primário incompleto...............................................................................70 (35%)
Quinta a oitava incompletas...................................................................75 (37,5%)
Primeiro grau completo...........................................................................9 (4,5%)
Segundo grau completo..........................................................................20 (10%)
(AMOSTRAGEM)
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PARTE II
3 A PESQUISA-AÇÃO
“PROGRAMA DE CELEBRAÇÕES:
PAM (Posto de atendimento médico) 1 DOM 10 Hrs
IMPERADOR 1 DOM 10 Hrs
HELIÓPOLIS TODO DOMINGO 10 Hrs
GAIVOTA/GASPAR proposta: revesar Heliópolis /
Sacomã ver proposta com eles
MINA2 3 DOM 15 Hrs
MINA1 3 DOM 10 Hrs
LAGOA 4 DOM 18 Hrs.”
A. Coleta de Depoimentos
Diretrizes Gerais
A. História de vida – destacando-se os fatos relacionados a experiência
religiosa (símbolos), mitos, ritos cumpridos, experiências concretas, etc.
B. Visão da realidade social – garantia da posse da terra, processo de
urbanização.
C. Sentimentos e expectativas em relação ao sagrado.
D. Situações de depoimentos coletivos. Somente em uma delas havia um
entrevistado, nas demais foram visitas a grupos.
Combinou-se com os agentes de pastoral que se evitaria uma proposta
proselista.
Roteiro
1 Onde nasceu, de onde veio; como foi a infância; como era a vida
religiosa?
2 Quando chegou a favela? Como era? Como foi a luta?
3 O que acha de tantas religiões? Uma dúvida que tenha sobre religião.
B. Questionário
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E. Mutirão de Coleta
PARTE II
conta que conheceu uma família na qual a filha que não saía se tornou mãe
solteira três vezes e os pais criaram os filhos dela; Elmiro diz que “ciumar” não
adianta. É em momentos como esse que é reelaborado e reafirmado o princípio
que a confiança vale mais que o controle rígido. Situações como esta, acima
descrita, são exemplos de uma micro instituição em ação.
São estruturas comunicativas (com temas, formas e espaços concretos)
com as quais os sem poder buscam a superação do desespero e a organização
da esperança possível. Essa estrutura comunicacional se alimenta de
testemunhos factuais em relação às possibilidades de acreditar em horizontes
de esperança. (ASSMANN, H., 1986: 566)
“O que se passa nas ruas, nas praças, nos bairros, nas casas dos
subalternos não são momentos de inteira liberdade de produção de
significados destes... mas, sem dúvida, é nesses lugares que os
subalternos silenciados nos rituais de dominação ousam inventar novas
maneiras de se relacionar. Nesse espaço público oficial da sociedade
abrangente, instauram uma vasta rede de comunicação na qual falam
entre si, transacionam bens e posições de poder, negociam significados
coletivos vindos das múltiplas tradições a que têm acesso, resistem e
lutam”. (ZALUAR, A. 1985: 57)
“Quem dá destino é quem faz a gente. Você já nasce com o destino, sabe
por quê? Se fosse pelo nosso gosto nós não íamos passar fome, nós não
íamos trabalhar, nós viveríamos numa boa. Não é? É o que Deus lhe fez,
se tem que passar naquele caminho que ele mandou; você paga aqui o
que ele já deixou marcado. Se você nasce pra ser rico, você vai ter que
ser um dia. Se você nasce para morrer mendigo, você vai ali do jeito que
Deus te fez.” (DEPOIMENTO)
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São Paulo é para o migrante um novo mundo, uma nova realidade que
precisa ser compreendida e ordenada. Muitas vezes esta nova realidade
inviabilizará as antigas noções trazidas dos locais de origem, revelando sua
inadequação, outras vezes se reinterpretará um conjunto de crenças e
superstições a partir da nova realidade. O que não pode mais ser vivenciado,
ficará apenas na memória coletiva, seletiva e idealizadora como bens que foram
perdidos e aos quais se continuará saudosamente desejando. Como sistemas
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com o mundo. Para ele o sagrado é o real do qual as situações emanam e são
manifestações. (ALMEIDA, A. V. M., de 1991: 26)
As representações religiosas são necessárias para o migrante articular; e
de algum modo unificar sua consciência em um saber compreensivo do real. A
religião ao explicar a realidade a transfigura de tal modo que quase se chega a
perdê-la, apresentando características de legitimação, reprodução ou
contestação da ordem sociocultural vigente. (ALMEIDA, A. V. M., de 1991: 26)
Essa nova situação (urbana, metropolitana e colonial) afeta a vida de
numerosos mitos e lendas; remanejamentos, modificações de temas exprimem
na linguagem dos mitos religiosos, as vicissitudes sofridas, problemas surgidos
para os homens, para a sociedade em razão da urbanização e dominação
cultural (BALANDIER, G., 1976: 204) A nova situação introduz agentes e
elementos desestabilizadores, por isso torna indispensável aquele que sofre a
dominação “situar” esses novos agentes e elementos. Importa-lhes subjuga-los
o mais possível, a fim de reduzir a desordem e as perturbações que podem
resultar de sua irrupção. Nesse caso, o mito permite, remanejamento e
adaptado, tornar inteligíveis os citados fatores de perturbação. Os mitos
religiosos podem ser uma forma de reação ao constrangimento colonial.
(BALANDIER, G., 1976: 205 e 208)
“O sincretismo permite captar, de maneira indireta, os valores do
colonizador e rivalizar, eventualmente, com ele.” (BALANDIER, G., 1976:
205)
voltar aos terceiros por ter conseguido o que pediu. Dona Maria saúda S.
Francisco por ter curado sua filha da queimadura. Dona Edithe relembra a cura
de seu filho com leptospirose pela graça de Nossa Senhora. Na amostragem
muitos evangélicos dizem ter encontrado as soluções para seus problemas de
trabalho e familiares. A experiência prática do sagrado na solução de problemas
é um critério fundamental de adesão de crenças.
Forja-se uma matriz simbólica religiosa de uso comum, sobre a qual o
grupo religioso e/ou cada indivíduo faz seu próprio recorte e combina seu
repertório da crenças; nascida da concorrência religiosa essa matriz condiciona
as experiências religiosas particulares de cada agência.
Trata-se de uma religião que se manifesta publicamente em contexto e
ambientes não especificamente religiosos, que é veiculada pelos meios de
comunicação de massa, pelos políticos, pelo estado, pela linguagem cotidiana
(ditos e expressões populares) e que tem como uma de suas características mais
marcantes a circulação por várias agências religiosas.
É reforçada tanto pelos políticos (que exploram a convicção comum na
esperança de mais prestígio e votos), quanto pelo povo em geral (arredio aos
conflitos). Um dos dogmas da religião mínima é a Bíblia, o livro sagrado do
cristianismo. Afirmado pelos especialistas religiosos, pelos políticos, respeitado
pela mídia como um tabu intocável, reproduzida pelas editoras, a Bíblia alcançou
na amostragem 76% de adesão. Quando perguntados se acreditavam na Bíblia,
150 dos 200 entrevistados declaram sim. Poderia-se acrescentar a lista de
dogmas: Jesus, Nossa Senhora, céu, inferno, hóstia, sinal da cruz, Espírito
Santo, mau olhado, demônios, entre outros.
As relações de transação – conflituosas ou de colaboração – que
estabelecem-se entre especialistas e leigos com base em interesses diferentes
e relações de consciência que opõe os diferentes especialistas no interior das
instituições religiosas constituem um dos princípios das transformações da
ideologia religiosa. (BOURDIEU, P., 1974: 50) Generosa frequentou durante um
ano uma seita evangélica, participando do culto, quando o pastor a pressionou
para se batizar, ela rompeu com seita. A colaboração vai até o limite da crença
pessoal ou dos interesses pessoais.
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ASSISTEM.........................................................................87 (43,5%)
NUNCA ASSISTEM...........................................................106 (53%)
NÃO RESPONDEM............................................................7 (3,5%)
(AMOSTRAGEM)
“Cada qual segue aquilo que gosta, que acha melhor, que lhe é
conveniente.” (AMOSTRAGEM)
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“O homem pobre conhece o uso da matéria por força das suas obrigações
diárias, lida com a terra ou com instrumentos mecânicos, que são o seu
meio único de sobrevivência. Daí lhe vem um realismo, uma praticidade,
um senso vivo dos limites e possibilidades de sua ação, que convergem
para uma sabedoria empírica muito argalada, o que é a sua principal
dessa numa economia adversa. Mas esse mundo de necessidade não é
“desencantado”. Há na mente dos desvalidos uma relação tácita com
forças superiores; e assimila ao mesmo panteão os ídolos provindos da
comunicação de massa, ou, eventualmente, as pessoas mais prestigiadas
no interior da sociedade. (BOSI, A., 1975: 158) Há uma combinação entre
um empirismo ou realismo no trabalho e na esfera econômica básica com
um universo potencialmente mágico (construídos de acasos, azares,
sortes, simpatias, maus-olhados, pés-direitos e pés-esquerdos, ervas
animais, imagens, fotos, figas, fitas, amuletos, bentinhos e pedras.” (BOSI,
A., 1980: 158)
QUEM CONVIDOU?
(Porcentagem dos que responderam sim)
Ninguém................................................................................................................67 (37,8%)
Parentes.................................................................................................................42 (23,7%)
Amigos ou colegas.................................................................................................42 (23,7%)
Padre......................................................................................................................4 (2,2%)
Não responderam...................................................................................................36 (20,6%)
(AMOSTRAGEM)
e que confia muito nela, para ela é a mesma Nossa Senhora do Brejo da
Serra, só que aqui muda de nome. Porém não muda só o nome, símbolo
verbal, a imagem com a qual conversa é outra (pequena, negra, com
manto azul), o lugar de culto é outro. A necessidade de relação pessoal
com o santo é atualizada, agora no contexto urbano e sulino.
S. FRANCISCO
“M. Enquanto eu vivesse nunca mais eu trabalhava naquele dia. Quarta feira.
Como deu certo. Deus me ajudou e S. Francisco só ficou o lugarzinho assim,
no quadril, um pouquinho.”
(DEPOIMENTO DE DONA MARIA)
Os cultos afro-brasileiros e indígenas foram considerados como
“feitiçaria”, superstições e “pacto com o demônio” no tempo colonial, e o
espiritismo no século XX. (HOONAERT, E., 1978: 07) Os escravos africanos
violentamente deportados para o Brasil não podiam transportar abertamente a
sua religião; os índios violentamente reduzidos a aldeamentos e vilas dificilmente
conseguiram difundir ou realizar seus cultos tradicionais. Contudo, suas religiões
continuaram a existir e a se difundir, porém reprimidas por preconceitos, tabus e
coerção oficial. (HOONAERT, E., 1978: 71) Na Colônia, as alternativas religiosas
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“R. Terreiro de umbanda já fui, mas não sou macumbeiro, nem nada. Mas já
frequentei quando era mais novo. A gente ia pra bagunçar, namorar, zuá.
Chegava lá entreva ná. Batê tambor. Aqueles tambozão alto, ficava batendo,
né. O povo todo de branco lá, manifestando, caindo por cima do outro. Nós leva
aquele espinho de mandacaru. Quando nós dava com tambor, espetava
aqueles espinhão grande ali, entreva té o pé. Se o cara tiver manifestado memo
ele não sente não. Não sente. Agora tinha muitos cara que fazia que tava, ai
gritava. Era malando. Os cara levava bebida pra bebe escondido. Escondia no
caminho, nós ia buscar depois. Ficava com aquelas lanterna assim procurando,
achava aqueles litrão de uísque. Bebida boa!
A. Ah é...
R. Lá sai caminhão lotado pra fazer sexta feira a noite assim. É gente pra
caramba sai aqueles caminhão de gente. Pra fazer trabalho, essas coisa.”
(DEPOIMENTO DE REGIS)
Um outro caso é contado por Dona Maria que fala do irmão do seu marido
que punha fé “nessas coisas de macumba” e levou seu marido para ser tratado
por um homem que curava.
“Ás vezes eu entro, já tenho entrado, aqui não, no norte. Posso entrar, só pra
assuntar mais pessoal lá o movimento crente, né.”
(DEPOIMENTO DE ARNALDO)
“A. Não lembro, não. Se chegaro a fazer, não lembro, não. Sei que são muito
religiosos, pela lei católica.”
(DEPOIMENTO DE ARNALDO)
“E. A minha lei é a católica, a lei de crente para mim não. A minha lei é a
católica, mesmo eu acho que um cara depois se batizá não é certo não.
G. Vem aqui, vem aqui seu Domingo, eu nunca vi um crente que ele hoje é
crente, já foi católico. Passa pra lei crente, alguma coisa não deve ser ele
deve ter feito. Ele falou assim, quem falou pra você. Se acha que eu sou
tão besta assim, eu sei já aprontou. E, justamente, já mesmo. Por isso que
a gente tem que convertê, ele disse, para Cristo perdoa, que não sei o
que. Eu nunca aprontei nada demais. É o dia que eu aprontá quem vai me
perdoar é Deus, se eu merecer esse perdão, se não merecê deixe que vá
lá pros canto ruim.”
(DEPOIMENTO DE ELMIRO E GENEROSA)
CONCLUSÕES
BIBLIOGRAFIA
AZZI, Riolando. A Vida religiosa no Brasil: enfoques históricos. São Paulo: [Casa
Publicadora?],1983.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de mudanças. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1983a.
_____. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
_____. Pedagogia do oprimido. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983b.
FREITAS, Byron Torres de. O jogo dos búzios. 9a.ed. Rio de Janeiro, Editora Eco,
s.d. [literatura religiosa]
FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo:
Cortez, 1997.
OLIVEIRA, Alkíndar de. O trabalho voluntário na Casa Espírita. São Paulo: Petit,
1983.
SANTANA, Sydney. Até que a vida nos una. Editora AGE, 1991.
TORRES, João Camilo de Oliveira. História das ideias religiosas no Brasil. São
Paulo: Grijalbo, 1968.