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QUESTÕES DOGMÁTICAS E ZETÉTICAS PARA ALÉM DE TERCIO SAMPAIO

Luis Alberto Warat

1.

Na via teórica de Tercio Sampaio Ferraz Jr., as questões dogmáticas e zetéticas


nos aparecem como conceitos constitutivos de seu objetivo jurídico. Uma leitura
sintomática de seu discurso teórico só pode se efetuar ao analisar o papel dessas
questões dentro dos distintos planos em que Tercio estrutura a produção da ciência
jurídica.

A função social da Ciência do Direito – como legitimadora do que pode ser


assumido como discurso significativo dentro das diversas práticas normativas – surge a
partir dos conceitos de que nos ocupamos agora.

Da mesma forma, a distinção entre atitude dogmática e atitude zetética pode nos
orientar, se nos interessa diferenciar os campos temáticos das teorias jurídicas em estado
prático (ciências jurídicas em sentido estrito). A Teoria Geral do Direito e a Filosofia
Política também.

Como o próprio Tercio assinala, são duas categorias que podem servir a nós para
uma mudança do modelo de ensino do direito.

Mais além de Tercio, os pontos de vista dogmáticos e zetéticos serviriam para


nortear propostas metodológicas diferentes em relação a produção de um objeto de
conhecimento sobre o jurídico. O pensamento zetético nos levaria a um tipo de
racionalismo, digamos, diferente do predominante. É desse valor metodológico que
pretendemos dizer alguma coisa com essa nota.

2.

Mas antes vamos ao conhecimento acumulado sobre as questões zetéticas e


dogmáticas.

O termo “zetético” em grego significa: reflexão, consideração, investigação. Seu


sentido se torna mais claro quando contraposto ao termo “dogma”.
Com esta distinção, se marcaria duas maneiras distintas de pensar. Uma, a
dogmática como um pensamento agarrado às próprias premissas, aos pontos de partidas
deixados fora de questão. Outra, a zetética, sempre disposta a problematizar e
questionar os pontos de partida.

Estes dois modos de organização do conhecimento podem ser encontrados


dentro da produção teórica do direito. Teríamos assim um domínio jurídico zetético que
complementaria o domínio jurídico dogmático.

A Dogmática Jurídica cumpre uma dupla função: serve para legitimar certos
tipos de decisões e para produzir regras de derivação não demonstrativas para os
raciocínios jurídicos. Por seu intermédio, se construíram as condições retóricas para a
formulação de expressões com sentido, dentro das diferentes linguagens da atividade
prática dos juristas.

A Zetética Jurídica, como disse Viehweg, seria uma meta-dogmática. Um


pensamento que cuidaria da flexibilidade da dogmática para conduzi-la, de pouco em
pouco, a uma desdogmatização. Representaria em relação à dogmática um pensamento
complementar e corretivo.

Aqui surge com toda a força o problema de determinar o tipo de correção


efetuado por meio de uma atividade zetética. Evidentemente ela desdogmatiza, mas,
pareceria, que nos levaria à produção de um objeto de conhecimento, digamos,
contradogmático. A zetética problematiza dentro dos limites da própria dogmática,
atualizando-a para assegurar sua efetividade retórica. A zetética seria a atualização
ideológica da dogmática. Para mim, não existem dúvidas para falar de uma Ideologia
Jurídica que está na base da dogmática e da zetética jurídicas.

Observando, com Tercio, mais de perto as questões dogmáticas e zetéticas,


vemos que com as primeiras se assegura um procedimento de resolução de problemas e
tomadas de decisões e com as segundas iniciamos a busca de marcos teóricos
alternativos. Parece ser que a zetética colocaria entre parênteses as opiniões e as
crenças, separando soluções a partir de preocupações predominantemente teóricas. Em
suma: a dogmática justificaria, a zetética investigaria. À jurisprudência dogmática
caberia – como assinala Ottomar Zilles – a função básica de legitimar valorativamente o
sentido das normas abstratas, determinar as soluções e os procedimentos argumentativos
aceitáveis; moldar a partir de dogmas legitimados o que deve ser direito. Ou seja, o
papel da dogmática seria o de legitimar as crenças e as opiniões não demonstradas a
partir das quais se tomam decisões e se admite raciocínios persuasivos. Só as opiniões
assumidas como princípios jurídicos pela comunidade de juristas servem de suporte
para os usos argumentativos. A argumentação jurídica é exitosa na medida em que suas
afirmações conclusivas possam se vincular, serem dogmaticamente reencontradas, no
interior de uma teoria jurídica. A jurisprudência dogmática seria, então, o significante
simbólico das linguagens práticas do direito. São as regras de derivação desses
discursos. A zetética subsidiaria a dogmática atualizando-a, produzindo uma
modificação de suas crenças, adequando-a às expectativas, conjeturas e crenças de
futuro.

Conforme a isso, a dogmática vai se integrando com as representações que os


homens fazem em relação às trocas sociais esperadas.

3.

A zetética é, portanto, um pensamento que se produz no interior da dogmática.


Aproveita o saber acumulado em outros terrenos do conhecimento científico para o
fortalecimento retórico da dogmática. Trata-se, então, de uma função cumprida no
interior de uma nova teoria da argumentação – a zetética mostra o papel que deve
desempenhar a tópica nos contextos de justificação.

Assim globalmente consideradas as questões Dogmáticas e Zetéticas, me


proponho redefini-las para colocá-las a serviço de outro objeto de conhecimento.

Coincidiria em colocar a zetética como uma metalinguagem da dogmática.


Rechaçaria a possibilidade de vê-la como um mero controle retórico do universo de
crenças, as quais justificam o raciocínio dos juristas.

A Zetética dentro do pensamento Tópico, é uma investigação que sai, por assim
dizer, em busca de novas opiniões, que transplanta para o direito o conhecimento
acumulado em outros domínios, dogmatizando-os. Ou seja, convertendo-os em
premissas táticas de novas derivações falaciosas. A Zetética ensina a argumentar
contemporaneamente. Ela só aumenta as garantias retóricas mas não estabelece as
condições de um pensamento científico.

Dentro do espírito tópico permanece latente a metafísica positivista. A


argumentação dogmática e zetéticas são contrapostas, pensando que a primeira está a
serviço da ação e que a segunda não tem servidores. A zetética virginalmente teoriza
para moralizar o pensamento comprometido com a ação, o que não deixa de ser também
uma crença virginal.

A Zetética tem também sua dogmática. Não se pode desdogmatizar a dogmática


sem uma superação dos dogmas que orientam a zetética. Não basta dizer que a
Dogmática acentua o aspecto “resposta” (justificativa) e a Zetética o aspecto “pergunta”
(atitude aparentemente científica). As perguntas sofrem determinações que é preciso
explicitar.

Pensar cientificamente é tentar superar as determinações que limitam o


conhecimento. A Zetética não pode desenvolver-se no interior da Dogmática. Ela deve
ser vista como um pensamento de ruptura em relação ao conhecimento acumulado.

A investigação zetética deve dizer “não” ao saber anterior. Um “não” que nos
ajude a buscar novas problemáticas. A Zetética deve realizar-se na tentativa de
constituir um novo objeto de conhecimento. A Superação dos limites de um saber nunca
pode estar condicionada a uma atualização no interior do conhecimento acumulado.
Esse é um ponto de vista diferente da Zetética tópica. A função zetética é redefinida a
partir dessa distinção epistemológica. Uma concepção diferente sobre a produção do
conhecimento origina outro programa de realização para a zetética.

O espírito zetético deve tomar o sabe acumulado e dogmatizado para tentar sua
objetivação; quer dizer, para teorizar sobre os obstáculos epistemológicos do
conhecimento produzido. A dogmática sempre produz obstáculos epistemológicos e
degenera variáveis. A Zetética deve revitalizar todas essas variáveis mortas. Desde o
ponto de vista do espírito científico, a dogmática é um pensamento por inércia. A
zetética deve tentar superar esse ponto epistemológico morto. Ela é um pensamento que
deve sempre explicitar o que é silenciado e ocultado pela dogmática.

O objetivo central de uma zetética – realizada no interior de uma preocupação


metodológica – deve ser o de efetuar uma leitura sintomática da dogmática (na qual se
inclui também a zetética tópica). Explico-me melhor. Não existe um autêntico
perguntar-se à margem de uma análise de suas determinações. Muitas vezes, a zetética
deve converter-se na guardiã de seus próprios fantasmas, à busca de perguntas deve
corresponder um controle de modos de sua exposição. Uma zetética que não contenha
esse controle metazetético é somente uma zetética dogmatizada.

Estou quase seguro que Tercio concordaria com grande parte dessa estipulação
efetuada. As noções por ele trabalhadas têm muito em comum com as nossas. Parece-
me, sem embargo, importante alertar sobre os perigos de uma zetética demasiadamente
comprometida com a metafísica do idealismo. E também que não basta para
desdogmatizar a dogmática, enriquecê-la com a contribuição do que em outros domínios
se chama ciência. Eles têm sua razão comprometida; os compromissos da razão
constituem a questão zetética fundamental.

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