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Retalhadores

Onze corpos estão caídos no hall da mansão. São homens


e mulheres, e suas entranhas estão escorrendo para o lado de
fora de suas cascas mortais. As marcas da atrocidade ocorrida
refletem sobrenaturalmente no ambiente em forma de
amargura, agonia, desgosto e angústia. No meio da chacina,
dois homens andam com passos vagarosos sem sujar os
sapatos na vasta mancha de sangue que lava o
compartimento. Os seus pés tocam o liquido rubro, mas não
deixam marcas. Apesar de estarem ali, não há provas que
digam isso. Ambos olham ao redor fazendo uma varredura na
traumatizante cena onde próximo à escada um corpo de
mulher sem cabeça está de bruscos e em cima de suas costas
repousa um braço de um homem negro, que se encontra a sete
metros de distância. A investigação continua...
- Michael...
Michael é um homem loiro com cabelos longos e lisos
penteados para trás, destacando seu rosto fino e sua grande
testa. Os seus olhos são azuis e emana um brilho de sabedoria.
Seus trajes são negros e o seu sobretudo é tão longo que
arrasta-se nos corpos ensangüentados caídos ali.
- Gabriel...
Gabriel tem cabelos e minúsculos olhos castanhos
moldados em um rosto largo de tom entre o pálido e o
amarelo. Não é possuidor de uma alta estatura e nem é
recompensado em seu porte físico. As suas vestimentas são
idênticas as de seu companheiro Michael.
- A marca dos caçadores. - Gabriel olhou friamente para
Michael.
- Encontrei duas aqui. Então, a igreja chegou primeiro, e
mais uma vez nos atrapalhou.
Os mortos estavam divididos em dois grupos: três deles
carregavam um crucifixo no pescoço, enquanto que os oito
restantes estavam todos usando mantos longos, negros e
lavados em sangue. Havia sido um combate sangrento, um
tipo de viajem no tempo, diretamente para as antigas batalhas
das cruzadas e da era do xogunato. Um combate fora das
escalas modernas.
O bem contra o mal.
Armas de fogo e armas brancas decoravam o chão
juntamente com os membros decepados dos combatentes. O
homem magrelo chamado Gabriel cruzou o hall mais uma vez
e ficou observando uma enorme moldura na parede. Um
quadro de uma matéria-prima estranha e que representava
um lugar de dor e aflição. A tela tinha um metro de altura por
dois metros de largura, havia gravado nela vários homens
seminus afogados em uma terra escura e um céu vermelho,
em alguns dos desafortunados notava-se as marcas feitas por
chicotadas. No centro, havia uma criatura seis vezes maior do
que qualquer homem ali torturado. O monstro era musculoso,
tinha olhos vermelhos, dentes de tubarão e um rabo comprido
que terminava na forma de uma seta. Ele estava no centro
daquela judiação, encontrava-se com os dois braços erguidos
para o ar e parecia urrar satisfeito com todo o sofrimento que
o cercava.
- Alguma coisa no quadro? - perguntou Michael.
- Não.
- E por que está perdendo tempo o olhando? - Gabriel
continuou em silêncio e voltou-se para o centro do hall,
tornando a observar aquelas pessoas mortas.
Um homem com um crucifixo no pescoço segurava
firmemente uma espada italiana. O seu peito foi aberto por
um calibre doze, seus olhos ainda permaneciam abertos e a
expressão de surpresa estava congelada no rosto. À direita
dele haviam duas pernas arrancadas, uma tinha jeans azul e
tênis branco e a outra estava nua mas calçada em uma
sandália de tiras. No canto, encostado a parede, um homem
vestido de manto e de cabeça descoberta repousava de face
baixa, e acima, uma linha de sangue escorria de uma
rachadura até a traseira de seu crânio.
- Há um desenho no chão camuflado por todo esse
sangue. - disse Michael. - Eu o estava decifrando por todo esse
tempo. É uma espécie de pentagrama, porém, eu não o
compreendo. Não é nada que vi antes.
- Morris não esteve aqui.
No hall da mansão, corpos estão espalhados pelo chão e
sangue escapa por buracos de balas, cortes de espada e
membros e cabeças decepadas. Um símbolo está gravado no
chão em meio a todo o mar de sangue que pinta o pavimento
do imóvel. Um local de feitos misteriosos onde dois homens
de preto andam por sob a mancha vermelha sem deixar
rastros e estão à procura de alguém que não esteve lá.
No hall da mansão, dez corpos mortos. Olhos olham
diretamente para o brilho do círculo de fogo e um forte impacto na
nuca deixa tudo escuro. A visão é clara, apesar de se estar
inconsciente pode-se ver tudo: tiros e cortes. À vontade de se
levantar e fugir é grande, pois ver todos sucumbindo diante de
caçadores é o fim da linha. Reunir forças para se erguer e sair da
zona de perigo. Força se tem, porque uma das vantagens adquirida é
ampliação de força.
- Michael. Olhe.
- Um vivo. - disse Michael, observando as convulsões do
homem encostado na parede.
O homem loiro andou até o sobrevivente e agachou-se ao
seu lado. Gabriel não moveu um único músculo, analisando o
interrogatório que se procederia a partir daquele instante.
Michael tocou o queixo do homem e o ergueu
suavemente. Este tinha os olhos voltados parcialmente para
dentro e sangue escorrendo da boca, um chiado parecia vir de
dentro e aumentava continuamente. Os olhos voltaram ao
normal, a consciência tinha retornado.
- Quem é você? - perguntou.
- Diga-me onde está Morris? - perguntou Michael,
tocando-lhe o ombro.
- ...
- Vai ser do modo difícil? - disse Michael apertando o
ombro do homem até sua clavícula estalar. - Eu posso abrir a
sua cabeça com o meu pensamento e descobrir tudo o que
quero saber, vai depender de você.
- Ele não está aqui! Você precisa de mim para saber
disto!? - gritou o homem conforme seu ombro era partido.
- O que vocês faziam aqui? Responda-me ou vai querer
que eu desça para as costelas? - um sorriso se formava do lado
direito.
- Fazíamos uma comemoração! É tudo que sei!
- Comemoravam o quê?
- Me falaram que era a promoção de Morris... - a
respiração do homem parou conforme Michael segurava sua
cabeça com as duas mãos. A pressão aumentou e o impacto na
parede foi mortal. O crânio abriu matando todo o corpo do
seu dono, e a sua visão foi escurecendo aos poucos. A última
coisa que viu foi um sobretudo negro girando em sua frente.
Michael saiu pela porta principal seguido por Gabriel.
Do lado de fora, parado, aguardou que seu companheiro se
pusesse do seu lado. E quando este o fez, Michael o olhou nos
olhos enquanto as asas brancas e emplumadas nasciam em
suas costas, rasgando-lhe a roupa, e logo em seguida levantou
voou. Gabriel fez o mesmo.

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O céu estava limpo, a inclinação das estrelas estava


propicia aos observadores. E aqueles que pudessem notar
melhor o céu, veriam duas estrelas movendo-se velozmente
em direção ao oeste, cortando os céus, invadindo o espaço
aéreo daquele país, fazendo uma linha que não consta em
aeroporto algum.
Antes de arrebentar a cabeça daquele homem, Michael
varreu sua mente e leu os conhecimentos sobre Morris.
- O que nós sabemos sobre Morris, Gabriel?
- É um demônio ardiloso. Fraco fisicamente, mas
bastante pegajoso. Ele age através de seres humanos que
fazem pactos com ele. Estes são tolos e nos dão bastante
trabalho. Já estamos na cola dele faz bastante tempo, porém
ele não costuma mostrar a cara. E não devemos nos esquecer
de Nash, o seu guarda-costas.
- Um anjo caído. Um traidor que terei prazer em destruir.
- disse Michael.
À frente dos dois anjos uma enorme montanha se ergue.
O relevo mostra suas reentrâncias e saliências cobertas por
uma camada de vegetais variados, e em outra parte, o solo
claro está desprotegido com seus sulcos cavados na terra pela
água da chuva. O vento sopra forte contra as faces de Michael
e Gabriel. A grande montanha fica para trás e mais uma vez
os seres alados voam próximo ao solo.
- E para onde estamos indo? - perguntou Gabriel.
- Morris subiu na hierarquia e vai ser presenteado com
uma espada.
- Foi isso que você leu daquele homem que matou?
- Sim. E também sei quem e como vai trazer a espada: o
nome dela é Linda, também é um demônio, e está vindo pelo
trêm das duas.
Há poucos minutos dali um trêm-bala viajava numa
velocidade impressionante. A locomotiva se destacava no
escuro de forma que as luzes de suas janelas escapavam
fortemente do seu interior. O trêm aproximava-se de uma
curva. Devido a sua grande velocidade, as curvas para esse
tipo de transporte são projetadas muito abertas.
Michael e Gabriel já faziam contato visual com o alvo,
que por sua vez fazia a curva quase que sem reduzir a
velocidade. A localização dos inimigos foi coisa muito fácil de
se descobrir, pois em um vagão havia uma nuvem negra
densa que o rodeava e rodopiava estendendo tentáculos
sombrios que hora subiam e hora desciam.
Enquanto isso, na janela do vagão sombrio, um homem
observa a paisagem noturna passar rapidamente diante dos
seus olhos. Por um momento, ele tem a impressão de ver um
homem correndo no meio da noite fria. Foi apenas uma
impressão.
- Está tudo bem aí? - perguntou um senhor, também se
aproximando da janela.
- Tudo sobre controle. Às vezes os nossos olhos nos
pregam peças, igual a que vi agora.
- Fique de olho aberto, voltarei para a mesa.
O homem retornou para a mesa de seus companheiros,
uma mesa redonda onde estavam sentados quatro homens e
uma mulher. A mulher vestia um vestido cinza, longo e sem
alças, nos seus ombros descansava o longo cabelo cacheado e
os seus olhos brilhavam como duas esmeraldas. O seu nome
era Linda. Ela tomava whisky puro e não tirava a mão de
cima de uma caixa de madeira fina, comprida e bem acabada.
O conteúdo da caixa era a espada construída para Morris.
- Olhem ao redor. Esses mortais idiotas nem imaginam
que demônios os rodeiam nesse momento. Eu estive
observando aqueles dois ali naquela mesa, eles se conheceram
aqui e ela está atraída por ele e o babaca não faz nada. A sua
timidez chega a ser atraente para mim. Fiquem aí, eu volto já.
Eles se conheceram aqui mesmo no bar, ele é um
vendedor de seguros e está viajando para a casa do pai, ela faz
teatro e está indo fazer um teste para um novo papel. Os dois
bebem cerveja, a mulher está alegre e afim de ir com ele para a
sua cabine. Ela já se insinuou várias vezes e ele não percebeu,
ou fez de conta que não percebeu.
- Com licença! - disse Linda tocando o ombro da mulher.
- Não pude deixar de perceber que algo estava faltando aqui. -
ela falou, enquanto puxava a cabeça da mulher para trás e lhe
dava um beijo na boca. - É isso que ela quer que você faça,
mané! - Linda sibilou para o homem e em seguida deu as
costas para o casal, deixando o homem com cara de surpreso e
a mulher totalmente envergonhada. E no terceiro passo...As
suas sobrancelhas levantaram-se e seus olhos fizeram uma
varredura no local. Para os espectadores de Linda, ela apenas
observava a mesa de seus companheiros. Porém, sua
percepção sobrenatural sentia o que estava acontecendo do
lado de fora do vagão, ela sentia a presença de Michael e
Gabriel. Os quatro cavalheiros levantaram-se
simultaneamente da mesa e ficaram em alerta.
- Não pensem que estou de brincadeira! - gritou a
demônio, voltando para a mesa do casal e atacando a mulher.
As duas mãos de Linda agarraram o crânio da pobre moça e o
torceu, quebrando o seu pescoço. O companheiro dela
levantou-se da cadeira, engasgando-se com a própria saliva.
No bar, um copo caiu da mão de um embriagado e espatifou-
se no chão, ele tremeu tanto que não conseguiu mais manter o
objeto de vidro nas mãos. Uma mulher gritou histericamente
de uma mesa distante. Na porta do vagão, olhando para a
cena do assassinato, Michael estava encostado de ombro
observando a forma que o corpo sem vida da moça batia no
chão. A dor interna era intensa. Ardia...Queimava... A
imagem do corpo de Linda partido em dois lampejou em sua
mente. O sangue fluía do corpo cortado conforme a fúria do
anjo tomava conta do seu ser. Michael descobriu o sobretudo
e sua mão segurou forte o cabo de uma espada. Ele contou
sete demônios mais o que matou a mulher.
Linda agarrou o homem em choque, puxando-o pelas
costas e o erguendo pelo pescoço com apenas uma mão. -
Destruam-no! E se for preciso matem todos! - enquanto ela
recuava e seus guardas avançavam contra Michael, na outra
porta do vagão Gabriel bloqueava a passagem. O demônio
feminino deteve o seu avanço preocupando-se com a entrega
que tinha que fazer. Do outro lado, prestes a enfrentar sete
criaturas das trevas de uma só vez, Michael gritava para as
pessoas esconderem-se detrás do balcão do bar. Sete contra
um era uma grande desvantagem em números, mas o anjo era
um soldado bem treinado e sabia que era padrão demônios
como aqueles serem fáceis de se lidar. Ele então, inclinou o
cabo da espada para trás e avançou.
O homem desmaiou por falta de ar e Linda o atirou no
chão. - Saia da minha frente, caraastuu! - ela sibilou para
Gabriel, chamando por ele em um dialeto místico.
Gabriel olhava tanto para o demônio quanto para a caixa
em cima da mesa. Pegar a caixa só será possível se passar por
cima da mulher e, subestimar as habilidades de uma
encarregada de uma missão como esta é um erro que pode ser
fatal. Os ombros nus, o batom borrado e as unhas compridas
pintadas de preto descreveriam uma vadia do tipo que se
tratava apenas com uma bofetada em uma das maçãs do
rosto. Mas se tratava de uma criatura cuja essência era
sombria, pútrida e traiçoeira. E todo cuidado era pouco.
Dois demônios já estavam no chão, imóveis, com seus
abdomens abertos pela lâmina afiada de do anjo loiro e sem
condições alguma de representarem perigo. Michael agora só
tinha que se preocupar com cinco deles. Os dois primeiros
que tentaram avançar foram cortados e trespassados por sua
espada. O cabelo do anjo caído diante dos olhos não era
empecilho para observar a posição de seus oponentes. A
espada, uma katana de oitenta centímetros, estava novamente
guardada dentro da bainha e a mão dele agarrada no cabo,
esperando a hora de se libertar e cortar a carne dos que lhe
desafiavam.
O corpo franzino de Gabriel avançou contra Linda de
forma que ameaçava o pescoço exposto da bela mulher. Sua
mão aberta e os dedos encurvados como se fossem a garra de
uma águia foram barrados por uma defesa sem toque. Linda
apenas direcionou-lhe a mão, uma demonstração
surpreendente de telecinese. O anjo arrependeu-se de não ter
lhe atacado com a espada que carrega oculta pelos trajes. O
próximo ataque foi o descarrego de uma grande pressão
contra o peito de Gabriel, parecia que ele tinha sido posto em
frente aos trilhos do trêm-bala e segurado a locomotiva com o
seu tronco. A sua caixa torácica fora contraída contra os
pulmões e antes do suspiro seguinte ele foi levitado e atirado
contra uma das janelas de vidro do vagão, onde terminou por
ficar pendurado tendo grandes fragmentos de vidro fincados
no peito. Linda observou o corpo imóvel do anjo por dois
segundos, até que, começou a gotejar sangue pelo sapato e dar
início a uma pequena mancha vermelha no chão. O demônio
feminino desprezou o corpo inerte do inimigo e
metamorfoseou-se em um pedaço de sombra densa. E haviam
gritos de pânico vindo das pessoas comuns que não estavam
acostumadas a devido espetáculo de poderes sobrenaturais. A
forma tenebrosa de Linda encobriu boa parte do vagão,
trazendo uma escuridão fria e assustadora para todos aqueles
tocados por ela. Uma mulher de saúde frágil, que tomava um
café com leite antes, teve uma parada respiratória e caiu
inconsciente no escuro. Em um instante a escuridão foi
absoluta, e no outro, se dissipou escapando pela janela
destruída numa incrível velocidade. Ela tinha levado a caixa
consigo.
Os poucos instantes de falta de luz não modificou o
combate de Michael, só restavam três demônios em pé, e estes
agora que foram abandonados por sua líder perceberam que
os seus destinos não seriam diferentes dos que já estavam
caídos.
O coração não batia mais. Em condições humanas
Gabriel estava morto. O interior do seu peito foi reduzido em
quarenta por cento, os pulmões foram atravessados por
costelas e vidros que rasgaram a carne partindo vasos
sanguíneos. Gabriel podia ter antecipado o ataque dela e ter
vencido o combate, mas ele não conseguiu agir. O cérebro
pensou e o corpo não executou os comandos.
Um movimento procedeu-se. Um braço. O membro forçava o
restante do corpo para sair de cima de lâminas vitrais e aliviar
a pressão contra os pulmões perfurados. Os pés tocaram o
chão e o tronco levantou da janela. O último demônio tombou
e Michael começou um interrogatório. Gabriel curava suas
feridas com a energia celestial que circulava o seu corpo. O
corpo de um anjo é uma obra-prima: é ágil, resistente,
regenerador. Mais forte ainda é o orgulho de um anjo, e o
orgulho de Gabriel estava ferido, porém, diferentemente do
seu corpo, ele não podia curá-lo com sua vontade. O anjo
virou-se para o bar e avistou as pessoas comuns o olhando,
exatamente quando se regenerava um corte que ia da
bochecha esquerda até acima do olho direito.
- Gabriel? Eu sei para onde devemos ir. - disse Michael.
Ele estava em uma postura de vitorioso, com os cabelos
cobrindo-lhe quase todo o rosto. Os corpos destruídos dos
demônios estavam espalhados ao redor do anjo formando um
círculo de carne morta e retalhada.
- Eles viram tudo. - indagou Gabriel.
- Daqui a pouco, Gabriel, não restará nada que prove o
que aconteceu aqui.
- Alguns pessoas precisam de ajuda.
- Não temos tempo. Acompanhe-me, Gabriel. É uma
ordem.

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O fluxo de pessoas era grande, muitos cidadãos


aguardavam o trêm-bala na estação. Uma gestante de seis
meses sentada num banco acariciava a sua barriga, a moça
expirava felicidade. Diante dela, um homem passou folgando
a gravata, ele tinha ficado na empresa até tarde trabalhando
na conclusão do faturamento e estava com suas energias
esgotadas. A lanchonete estava com todos os seus bancos
ocupados e no balcão tinha vários copos de refrigerantes
distribuídos sobre o mesmo. O atendente era um garoto de
olhos castanhos que carregava no ombro um pano branco. E
mais pessoas circulavam na estação.
O estranho era que ainda faltava um bom tempo para o
trêm chegar e haviam dois homens, postos de forma que
estavam prontos a entrar em um trêm que ainda não tinha
chegado. Estavam lado a lado, um deles trajava calças e
sapatos sociais, uma camisa branco-gelo, gravata e um paletó
aberto, tinham os olhos castanhos, um cabelo preto e uma
aparência que deixava a desejar. O seu rosto era fino e
esquelético e sempre aparentava está aborrecido. Esse era
Morris. O homem do seu lado era Nash, o guarda-costas. Um
homem branco e alto, de cabelos e olhos castanhos e um corpo
robusto coberto por vestimentas negras. Ambos aguardavam
o trêm, nada seria mais correto do que o homenageado fazer a
recepção na hora da chegada de alguém tão importante
quanto Linda. Morris ascendeu na hierarquia infernal por ter
desenvolvido um excepcional trabalho na cidade em que atua.
Conseguiu desmanchar a ordem de caçadores da igreja e
corrompeu, fazendo um grande número de pactos, dezenas
de pessoas.
- Algo se aproxima. - disse Nash, olhando ao longo dos
trilhos, onde a escuridão dominava.
- Eu também senti, é um demônio que se aproxima.
Uma massa de sombras moveu-se engolindo os trilhos e
deslocava-se para a plataforma. Os dois seres observavam a
locomoção da sombra e ela se aproximava cada vez mais.
Nash estava inquieto, apesar de não servir mais a luz, ele
ainda sentia calafrios na presença das criaturas do inferno a
qual não estava acostumado. Ao chegar no um ponto em que
uma maior aproximação revelaria a massa densa de trevas aos
mortais na estação, a escuridão reverteu a metamorfose
sombria voltando a ser Linda. Ela subiu na plataforma e trazia
consigo a caixa, trazia consigo a espada que seria entregue a
Morris.
- Você não chegaria de trêm? - perguntou Morris.
- Fui atacada por dois deles. Você me garantiu segurança,
mal começou a desfrutar a sua nova patente e já falhou em
uma tarefa tão simples.
- Eu tomei todas as providências. Eu vou consertar esse
erro.
- Vai ter a sua oportunidade. Aqui está... - disse Linda
entregando a caixa a Morris. - Eles me seguiram. Até já posso
senti-los se aproximando.
- São dois, certo? Nós três podemos dar conta deles.
- Nós nada! O problema é seu, Morris. Disperso-me aqui.
- falou Linda, seguindo pela plataforma em direção aos
trilhos.
Ambos a observaram quando Linda se tornou una com a
escuridão novamente. Nash olhou por cima do ombro, e a
presença “deles” aumentavam cada vez mais. Morris abriu a
caixa e espiou o conteúdo. A espada estava repousada em
uma almofada vermelha, tinha o cabo grande e a lâmina
curvada. Era um objeto de grande acabamento.
- Faça o seu trabalho, Nash. - o demônio misturou-se as
pessoas, deixando o local para trás.
Nash, o anjo caído, cerrou os punhos e encarou os dois
homens que acabaram de acessar a plataforma. Michael e
Gabriel o encararam. Eles o reconheceram, já o tinham visto
antes quando agiu contra dois bombeiros que tentavam salvar
uma mulher, que Morris queria morta, em um incêndio. Ele
era cruel e não tinha piedade de matar, mesmo inocentes.
- Gabriel, siga Morris e o destrua. Eu me encarrego deste
traidor.
Gabriel seguiu na direção do fluxo de pessoas que nada
tinham percebido. Michael descobrira a katana do sobretudo e
a desembainhou. Nash não moveu um único músculo. As
pessoas por outro lado, apavoraram-se.
- Há bastante tempo que quero esse combate com você. -
disse Michael, segurando a espada de forma invertida, com a
ponta da lâmina voltada para o chão.
- Essa é a sua chance.
Os dois combatentes correram convergindo-se. O anjo
caído não temia a lâmina de Michael e no primeiro ataque ele
se esquivou, agarrando o braço do oponente e arremessando-
o contra um dos pilares de concreto da estação. Michael
tombou no chão e sua espada girou loucamente até cair nos
trilhos. Ele se surpreendeu.
Um pouco distante dali, Morris andava apressado no
meio da multidão. - Eles seriam capazes de me atacarem no
meio de toda essa gente? - o demônio agarrou com as duas
mãos a caixa que continha seu prêmio, seu senso de perigo
disparou feito louco, a cabeça começou a latejar... Um deles
estava próximo. O demônio arrependeu-se de querido ter
feito bonito para aqueles que o promoveram, já que agora
estava sendo perseguido por um anjo e estava sem defesas.
Ele nunca esteve tão próximo do perigo quanto agora,
durante toda a sua existência sempre esteve por trás de seres
humanos e protegido por guarda-costas, mas agora estava por
conta própria. A sensação de perigo chegou aos extremos e
Morris sabia que não poderia mais fugir do seu caçador.
Então, ele abriu a caixa, segurou o cabo da espada e a retirou
de dentro da caixa. A mesma caiu no chão fazendo um
barulho seco.
- Afastem-se de mim! - gritou o demônio, e uma força
sobrenatural empurrou as pessoas que se encontravam ao seu
redor em um raio de dez metros e as derrubou no chão.
Morris ficou no centro de um círculo de pessoas caídas, com a
espada na mão. Ele direcionou-se para um certo ponto e
avistou o seu caçador. Gabriel estava parado atrás de uma
barreira de pessoas caídas e assustadas.
- Eu não irei fugir mais de você.
O anjo saltou por cima da barreira de pessoas na direção
de Morris. No ar, ele saca a espada oculta no sobretudo,
atacando o demônio visando a cabeça em um golpe frontal. A
espada de Gabriel chocou-se com a espada do inimigo, que
ascendeu um arco como forma de defesa. O demônio forçou a
espada do seu inimigo para trás e expôs seus dentes
serrilhados, quando o anjo recuou o demônio lhe atacou com
um golpe que partiu da direita e foi detido pelo choque com a
lâmina de Gabriel. As poucas pessoas que já tinham se
levantado correram para o mais longe possível, enquanto
outras ficaram observando a apresentação dos espadachins. O
trânsito estava parado, um motorista brecou repentinamente o
carro quando viu um monte de pessoas sendo arremessadas
pelo nada na calçada, o que ocasionou um choque com o
automóvel que vinha de trás e o que vinha atrás deste e assim
formou-se um engarrafamento de quatros carros batidos.
A gestante assistia a luta de dentro do banheiro
masculino. Foi o único local seguro que encontrou a tempo.
Ela viu que Michael estava solitário no meio da estação. O seu
rosto estava desfigurado, cheio de rasgos e um olho já não
abria mais. Nash estava caído por detrás do balcão da
lanchonete, as costas dele estavam cortadas por fragmentos
dos vidros provindos de garrafas de soda. Haviam outras
pessoas espalhadas pela estação, escondidas daqueles dois
homens que ameaçavam a segurança de todos. Os olhos azuis
do anjo moveram-se procurando sua espada nos trilhos, e de
repente, Nash ergueu-se com um pulo do chão, caindo em
cima do balcão.
- Você falhou em defender o seu chefe. Meu
companheiro já deve o ter destruído. - disse Michael.
- Ele que se dane. - o anjo caído investiu contra seu
inimigo mais uma vez. Michael o socou, antes que Nash
pudesse ter agido, acertando-lhe o rosto e logo em seguida
deu-lhe um outro soco no estômago, e antes de lhe acertar o
terceiro, foi pego por um golpe de Nash. O punho foi de
encontro ao nariz e as duas mãos agarraram a camisa e jogou
o corpo longe. Michael caiu e rolou alguns metros,
arrastando-se quase até a saída da estação. Agora a gestante
viu unicamente Nash, sozinho, no meio da estação, e este
mesmo deslocou-se tão veloz que deixava rastros da imagem
de sua pessoa para trás. O borrão disparou para cima de
Michael, atropelando o seu corpo. A fagulha que Nash tinha
se tornado continuou o seu trajeto em direção de um poste
metálico na calçada, onde se chocou, entortou o metal e caiu
no chão como um saco de cimento molhado. E ainda dentro
da estação estava Michael, agachado, economizando forças
para continuar o combate. Nash, estirado no chão, também
começava a reagir.

O trânsito agora estava parado. Os motoristas,


passageiros e pedestres estavam observando os dois homens
se golpearem constantemente com suas espadas. Cinco metros
os separavam um do outro e os seus corpos estavam cheios de
pequenos cortes que drenavam o sangue deles diretamente
para a calçada. A espada apontava para a cabeça de Gabriel,
que mantinha a sua arma em posição de defesa. Os dois se
encaravam sem piscar os olhos, os músculos estavam
cansados, alguns nervos dilacerados e não havia tempo de
uma regeneração completa, aquele que perdesse um só
segundo em tentar curar os ferimentos sofridos poderia
perder a luta.
Gabriel piscou e Morris atacou. O demônio avançou e o
braço direito dele esticou fazendo a lâmina atacar na forma de
uma estocada. O anjo ergueu a espada diante do corpo,
bloqueando o ataque e fez um contorno girando a sua lâmina
ao contrário, desviando a espada do inimigo para a sua
direita, e usando as costas da mão esquerda, Gabriel trouxe a
espada do inimigo de volta para a sua esquerda, abrindo a
guarda do demônio e fincando-lhe a espada no peito. Morris
tremeu e Gabriel arrancou a espada pela lateral abrindo
caminho pelas costelas. Com um rombo enorme no tronco ele
caiu na calçada, morto. O anjo escondeu a espada dentro do
sobretudo, pegou a espada do inimigo e andou por cima da
enorme poça de sangue que se formava ao redor do inimigo.
Gabriel abandonou o local e como as pessoas notaram, ele
andou pelo sangue mas não deixou marcas ao pisar na
calçada.
Michael jogou Nash por cima do capô de um carro. O
anjo caído rolou e tombou do outro lado, batendo forte no
chão.
- Não briguem aqui. Isso é um posto de gasolina, seus
imbecis!! - gritou um velho, vestido em um uniforme azul.
Nash levantou-se, cambaleando e foi atacado múltiplas
vezes por Michael... Socos e pontapés machucaram a carne do
caído. O anjo ignorou completamente o aviso do velho. O anjo
caído agarrou os dois punhos de Michael e os torceu para os
lados, os dois começavam uma disputa de forças. O rosto de
Michael estava inchado e sua visão estava limitadíssima, ao
contrário da visão de Nash. Michael foi atingido por uma
violenta cabeçada seguida de um potente chute, o qual o fez
bater de costas em uma bomba de gasolina. A luta tinha
chegado a um ponto de perigo fora de escala. Ambos não
davam a mínima para o que poderia acontecer as pessoas ali
próximas. E então, o anjo caído ergueu uma moto que estava
estacionada e arremessou contra Michael. O impacto forte
contra a bomba de gasolina foi o suficiente para causar uma
explosão. O fogo alcançou vários metros de altura.
Construções, carros, caminhões, motos e pessoas foram
espedaçados pela catástrofe. A ação daquele que devia zelar
pela proteção dos humanos foi responsável pela morte de
vários. Haviam os funcionários do posto de gasolina, uma
família que abastecia, caminhoneiros e um restaurante e um
hotel vizinho ao posto que foram atingidos em totalidade.
Uma verdadeira tragédia.
Distante do incêndio, Gabriel refletia a cena que
presenciou. Talvez, graças à natureza celestial, Michael
sobreviva a explosão e eles voltem a se encontrar. A missão
foi concluída, mas foi pago um preço muito alto. Efeito
colateral, como diria um terrorista. São esses tipos de estórias
que colocam na dúvida o trabalho dos anjos de Deus.

Márcio Anjo.

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