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Suplemento:
ANNO XXIX N.1/2uma
- 2011 - €5
ANO XXIX - N.1/2 - 2011 R$ 15,00 - € 5
na Igreja e no mundo
meditação
Entrevista com Antonios Naguib
Diretor: Giulio Andreotti
A aposta egípcia
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Ano XXIX
N. 1 / 2 - Ano 2011
EDITORIAL
EDITORIAL
Linhas de concórdia
— de Giulio Andreotti 4
CAPA
EGITO
Santa Sé p. 16
A aposta egípcia
Entrevista com Antonios Naguib — de G. Valente 20
Uma janela sobre a Igreja e sobre
o mundo. O sentido de uma estatística.
Um artigo do cardeal Angelo Sodano NESTE NÚMERO
LEITURA ESPIRITUAL
O milagre de São José
— de Dom Luigi Giussani 36
A oração A ti, São José 39
ARTE CRISTÃ
Rússia. As portas santas do povo russo
— de Vladimir Yakunin 40
“O rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”
— de Kirill, patriarca de Moscou e de todas as Rússias 41
“O sentido da unidade do povo com a Igreja”
— de Dimitrij Medvedev, presidente da Federação Russa 42
p. 50 Livres e simples.
As igrejas de Milão segundo Montini
Arte Cristã — de G. Frangi 50
LITURGIA
Moçárabe, ou seja, “entre os árabes”
Entrevista com Juan Miguel Ferrer Grenesche
— de R. Rotondo 56
Leitura
espiritual NOVA ET VETERA
A mulher do Apocalipse e o anticristo
O milagre — de Ignace de la Potterie, S.I. 62
de São José.
Um texto de SEÇÕES
Linhas de concórdia
de Giulio Andreotti
É triste ver tanta gente morrendo na pressionante de dados e notícias. Talvez porque nun-
Líbia sem que se saiba (e sem que tal- ca aprofundamos os fenômenos, mas paramos na
vez eles mesmos saibam) por que se esteja realmen- impressão imediata que causa uma notícia. Soma-
te combatendo. Infelizmente na Líbia há também mos os fatos, um após o outro, mas nunca fazemos
muita influência a exasperação das diferenças étni- uma correlação.
cas, e não se perde a ocasião de colocar em evidên- Também a reação dos Estados Unidos a esta crise
cia o que divide uns dos outros. causou algumas críticas, por serem os Estados Uni-
Cronologicamente a revolta estourou depois da- dos longe do Mediterrâneo: e é verdade que quando
quela na Tunísia e no Egito mas, com exceção de um se vê um problema de longe às vezes é difícil
princípio que muitas vezes entre países vizinhos po- compreendê-lo em todas as suas facetas, mas sob
de-se ter uma atração recíproca tanto nos processos um outro aspecto, ver as coisas de longe dá a possi-
virtuosos quanto nos negativos, não tenho elemen- bilidade de ver aquilo que é essencial sem se perder
tos para afirmar com certeza que o que acontece na nos aspectos superficiais. Portanto antes de dizer
Líbia seja o mesmo que aconteceu no Egito. que os americanos erram sobre este tema, eu pensa-
Parece paradoxal que sejamos surpreendidos por ria duas vezes.
estes acontecimentos mesmo vivendo em um mun- Alguns anos atrás disse que sobre o problema lí-
do onde, muito mais do que no passado, somos bio influenciava uma luta interna às companhias pe-
bombardeados diariamente por uma quantidade im- trolíferas americanas; não que eu tenha tido a prova
3OGIORNI
nella Chiesa e nel mondo
Imagens
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REDAÇÃO Giuseppe Frangi, Silvia Kritzenberger, Gianni Valente
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é uma publicação mensal registrada
Gráfica junto ao Tribunal de Roma na data 11/11/1993 Este número foi concluído na redação
Marco Pigliapoco - marcopgl@30giorni.it n. 501. A publicação beneficia-se de subsídios dia 28 de fevereiro de 2011
Vincenzo Scicolone - Enzo@30giorni.it públicos diretos de acordo com a lei
Marco Viola - marcoviola@30giorni.it de 7 de agosto de 1990, n. 250 Impressão concluída no mês de março de 2011
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS:
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Galosi: pp.21,47; Afp/Getty Images: pp.22,23,29; National Geographic/Getty Images: p.26; Romano Siciliani: pp.31,32,34,46; Archivio CL: p.37; ITAR-TASS: pp.42-43;
Photoxpress/Agenzia Sintesi: p.43; Ale Frangi: pp.52,54; Armin Linke: p.54; Lessing/Contrasto: p.56; Efe: p.58; Archivi Alinari, Florença: p.64.
A igreja do mosteiro de São Pedro in Vineis (século XII), nos arredores de Anagni, Itália. Tendo pertencido de início muito
provavelmente aos beneditinos, tornou-se sede de uma comunidade de clarissas logo depois da canonização de Santa Clara
em Anagni (15 de agosto de 1255). Nestas páginas, os afrescos medievais no coro das clarissas
É uma alegria pô-lo a par de algumas importantes CLARISSAS DO CONVENTO DE SAINT FRANÇOIS DʼASSISE
notícias sobre as nossas comunidades ao longo deste Musambira, Ruanda
ano de 2010. Entre as muitas bênçãos derramadas
por Deus sobre nós, irmã Mary Agnes Hu, a nossa ir- Grande gratidão pelo presente
mã de Taiwan, fez a sua profissão perpétua solene em que é 30Jours
2 de outubro passado, festa dos Anjos da Guarda. De-
pois, juntamente com Suas graças divinas, recebemos Musambira, 10 de dezembro de 2010
a aprovação do mosteiro – filiação do nosso – na ilha
de Lamma, em Hong Kong, com ereção canônica na Caríssimo diretor,
data de 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. paz e bem no Senhor.
Desejamos aproveitar a oportunidade para agrade- Temos o prazer de lhe fazer chegar estas poucas li-
cer-lhe mais uma vez pela revista 30Days, que com ge- nhas para expressar-lhe a nossa grande gratidão pelo
nerosidade nos envia gratuitamente há alguns anos. A presente que é a revista 30Jours, mas também para
revista nos oferece sem dúvida uma grande quantidade fazer-lhe nossos melhores votos para as festas já pró-
de informações sobre a Igreja Católica e importantes ximas. Que o Verbo de Deus feito carne traga-lhe to-
notícias do mundo que de outra forma dificilmente po- das as graças e bênçãos de que precisa para melhor le-
deríamos conhecer. Que Deus o recompense! var adiante a sua missão! Que o ano de 2011 seja para
Rezamos para que o senhor esteja bem e fazemos o senhor um ano próspero e muito frutuoso.
votos de paz e amor neste tempo de Natal, e muitas Fique certo de nossa proximidade na oração.
bênçãos para todos os seus colaboradores e seus en- Que a Virgem Maria o conserve e o proteja em tu-
tes queridos para todo o novo ano de 2011. do e para tudo.
Muito fraternalmente,
Irmã Mary Veronica Therese, O.S.C.
e as clarissas de Yenshui as clarissas de Musambira
IRMÃS DO SANTO ROSÁRIO suas orações, para que uma paz duradoura possa fi-
Jerusalém, Israel nalmente prevalecer na região.
Renovando a minha gratidão, sinceramente em
Obrigada de coração Jesus Cristo,
pelos valorosos artigos que enchem irmã Ildephonse El-Hajjeh
o nosso horizonte
CARMELITAS DO CONVENTO MARÍA MADRE DE LA IGLESIA sacerdotais e religiosas. Até hoje Deus nos doou 82
La Vega, República Dominicana sacerdotes diocesanos nativos desta diocese. Por isso
somos felizes e queremos celebrar, com gratidão e en-
Agradecemos profundamente tusiasmo, este acontecimento eclesial e histórico e co-
por sua bela e interessante revista 30Días municar-lhes a nossa alegria.
Em profunda comunhão com todos vocês, prosse-
La Vega, 21 de dezembro de 2010 guimos muito unidas ao papa Bento XVI e a toda a
Igreja em suas provações e sofrimentos, por meio da
Caríssimo senhor Giulio Andreotti, nossa oração e das tribulações que o Senhor, em seu
seja bendito o Senhor, que mais uma vez nos conce- amor e em sua providência, permite que atravesse-
de celebrar com imensa alegria o grande mistério de mos.
amor do Natal, que nos reúne espiritualmente todos Desejamos a todos que estas santas festas do
em adoração humilde e silenciosa d’Aquele que sen- “Deus conosco” nos ajudem a aumentar a nossa fé,
do imenso e onipotente se fez pequeno e fraco para esperança e caridade e a unir as nossas forças na luta
nos comunicar a vida divina! Por isso, deste humilde pela transformação do nosso mundo, com a firme
confim da terra, que teve a boa sorte de contemplar convicção de que só o amor e a verdade devem preva-
a vitória do nosso Deus, nós lhe enviamos um abraço lecer sobre todos os males.
fraterno de paz e amor e o cumprimentamos de todo Que a nossa santíssima Mãe, Rainha da Paz, lhe
o coração. conceda um ano novo de 2011 cheio de graça e de
Comunicamos que a partir de 8 de agosto de 2010 paz, segundo a vontade do Senhor.
começamos o jubileu pelo quinto centenário da nossa Fraternalmente em Jesus, Maria e José, agradece-
diocese de Concepción de la Vega – uma das três pri- mos profundamente por sua bela e interessante revis-
meiras da América, ao lado das de Santo Domingo e ta 30Días, que lemos com muito prazer.
Puerto Rico –, erigida com a bula Romanus Pontifex, Recomendando-o de coração em nossas orações,
do papa Júlio II. O Senhor foi grande conosco. Nestes
anos concedeu à nossa região abundantes vocações irmã María Cecilia Morini e comunidade
MISSIONÁRIOS XAVERIANOS
Redenção, Pará, Brasil
30Jours para todos os alunos Qui prie sauve son âme responde
de maneira apropriada às necessidades
Libreville, 16 de dezembro de 2010 dos nossos catecúmenos
Padre Paul Akplogan Qui prie sauve son âme ajuda as crianças
da nossa paróquia a rezar bem
Qui prie sauve son âme, que ajuda as crianças da nossa roso serviço que presta ao povo de Deus com a sua re-
paróquia a rezar bem. Precisaríamos ainda de um bom vista e suas múltiplas publicações, de modo particular
número de exemplares do livrinho, também em francês. o seu Qui prie sauve son âme.
Aproveito a oportunidade para apresentar meus Sou um missionário xaveriano. Estava em Cama-
votos de felicidade, paz e prosperidade para o ano de rões e recebi de vocês um bom número de exemplares
2011, ao senhor, aos seus colaboradores e a toda a do precioso livro Qui prie sauve son âme. Não pode
equipe da redação, sem esquecer todos os assinantes imaginar o quanto esse livrinho encheu de contenta-
de 30Jours. mento os jovens e as crianças da nossa paróquia Jesus
Aceite, senhor diretor, a expressão de nossos senti- Bom Pastor, de Oyom Abang. Mais uma vez, em no-
mentos de alegria e felicidade. me desses jovens, digo-lhes um grande obrigado.
Por ora me encontro no Congo, em Kinshasa. Per-
Roger Phanzu-Kumbu cebo o quanto esse livro poderia ser útil também aos
cristãos daqui, da nossa paróquia de São Bernardo de
Kingabwa, arquidiocese de Kinshasa.
MISSIONÁRIOS XAVERIANOS Se puder, peço-lhe que me envie, mais uma vez, al-
Kinshasa, República Democrática do Congo guns exemplares em francês de Qui prie sauve son
âme. Muitíssimo obrigado e bom serviço ao povo de
Qui prie sauve son âme Deus.
para uma paróquia de Kinshasa Em união de orações, de Kinshasa,
Caríssimo diretor,
receba mais uma vez meus agradecimentos pelo gene- MISSIONÁRIOS DO PIME
Kousséri, Camarões
Caríssimos amigos,
obrigado de coração pela bela e interessante revista
30Giorni.
Há anos a recebo e leio, sempre com prazer. Há dois
anos me encontro em Kousséri, diocese de Yagoua, e
comigo estão dois sacerdotes camaroneses.
Vocês não poderiam, por favor, enviar-me 30Gior-
ni em francês para dar a possibilidade também aos
dois sacerdotes de poderem ler esta bela revista?
Agradeço-lhes de coração, e continuem a semear
generosamente e com alegria: o resto está nas mãos
de Deus.
Uma cordial saudação,
L’Aquila - Pescara
Borgorose
TODOS OS AMBIENTES Vicovaro
Mandela
SÃO ACESSÍVEIS
A DEFICIENTES FÍSICOS ROMA Subiaco
La Foresteria
Fiuggi Guarcino
Frascati Anagni
Alatri Sora
Pomezia Velletri Anagni
Fiuggi FROSINONE
Cassino
LATINA
Pontecorvo
MOSTEIRO DE Sta. ESCOLÁSTICA Como chegar Fondi
‡
Napoli
no Mosteiro Terracina
Formia
reio na Santa Igreja nasceu justamente para resumir a Roma. No nono artigo, desde o fi-
“C Ca tólica”: é a profis-
são de fé que o cristão
continuamente repete com as pa-
mensagem de Cristo transmitida
pelos apóstolos e assim oferecer
aos cristãos uma marca de reco-
nal do século III, vemos afirmada
de modo explícito a fé na Igreja
que é “una, santa, católica e apos-
lavras do Símbolo apostólico. nhecimento de sua identidade. tólica”. Também a catolicidade da
Como se sabe, ‘símbolo’ é um É também significativo que es- Igreja já era bem sentida como
termo grego que indica uma mar- ta fórmula de fé, em todos os seus uma sua nota essencial.
ca, um sinal de reconhecimento. doze artigos, tenha sido definiti- Passaram-se dois mil anos des-
Na Igreja primitiva tal documento vamente codificada na Igreja de de que o Senhor ressuscitado pas-
A aposta egípcia
Das perseguições de Diocleciano à queda de Mubarak.
Das alianças com os primeiros seguidores de Maomé à incógnita representada
pela Irmandade Muçulmana. Antonios Naguib, patriarca dos Coptas Católicos
de Alexandria, retoma o longo itinerário dos cristãos na terra dos faraós.
Uma história cheia de surpresas
de Gianni Valente
rimeiro, o massacre de Ale- do regime de Mubarak e o início clam anseios, medos e esperan-
À esquerda, o prêmio Nobel Mohamed El Baradei na praça Tahrir, em 30 de janeiro de 2011; à direita, Mohamed Hussein Tantawi,
ex-ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro, hoje sucessor de Mubarak, durante as negociações com os manifestantes da praça Tahrir,
em 4 de fevereiro de 2011
Não posso dizer se as pressões grupos discriminados na socieda- nações, no propósito comum de
ocidentais, e de modo particular a de e na política. O Egito se encon- agir pelo bem do Egito, pela sal-
pressão dos Estados Unidos, tive- tra numa encruzilhada importante vação e pela segurança do país.
ram realmente um peso efetivo na do ponto de vista político, econô- Espero que esses sentimentos
decisão definitiva de Mubarak de mico e social. A reconstrução do possam permanecer e criar raízes
renunciar. Porque, se as manifes- país poderá realmente reavivar as nos corações. Essa experiência
tações tivessem parado com as raízes de uma civilização que mar- abriu os olhos de muita gente.
suas primeiras concessões, ele cou o mundo por séculos. Hoje, todos veem que quem fo-
não se retiraria antes do fim de Como os cristãos viveram menta as divisões e os conflitos
seu mandato. Foram os jovens e este tempo? com os outros egípcios baseando-
os outros manifestantes, decidi- Com e como todos os nossos se nas diferenças religiosas na
dos a não aceitar menos que a re- concidadãos, vivemos estes even- verdade visa destruir a unidade e
núncia total e definitiva, que o le- tos dramáticos com um profundo desestabilizar o Egito.
varam à decisão final. Se não a ti- sentimento de apreensão. Como O fato é que o regime auto-
vesse tomado, creio que o exérci- eu disse, todas as Igrejas se voltam ritário de Mubarak, nas suas
to decretaria e declararia a sua ex- ao nosso único socorro: a Miseri- declarações oficiais, comba-
pulsão do poder. córdia divina. Depositamos toda a tia os conflitos religiosos e,
E agora? Na sua opinião, nossa confiança em Deus, e agora apesar de tudo, era conside-
como tudo isso vai acabar? imploramos que dê luz e coragem rado por muitos observado-
A meu ver, existe realmente a aos líderes dos grupos e das orga- res um fator de “proteção”
possibilidade de que se inicie um nizações, para que caminhem jun- dos cristãos, vítimas de vio-
processo que leve gradualmente o tos na via da reconstrução. lências recorrentes nas últi-
Egito a ter uma posição própria No início dos protestos, os mas décadas. Não existe
entre os países modernos. Um líderes cristãos eram pruden- mesmo o risco de daqui a um
país civil e democrático baseado tes. Houve mesmo quem te- tempo nos lembrarmos com
À esquerda,
São Pedro entrega
o Evangelho
a São Marcos,
evangeliário copta
de 1250 conservado
no Instituto Católico
de Paris
À direita,
o patriarca
Shenouda III
orientais da vida da Igreja Católica. segundo a qual a natureza Igreja do povo, deixando aos cal-
Foram feitas algumas propostas prá- humana de Jesus seria absor- cedônios o controle de uma hierar-
ticas, como a de admitir os patriar- vida pela divina. O que resta quia filoimperial protegida pelas
cas orientais no Sacro Colégio que dessas doutrinas na espiri- guarnições bizantinas. Mas, do
elege o Papa em virtude de seu pró- tualidade copta? ponto de vista doutrinal, já no sé-
prio ofício patriarcal, sem que seja Na realidade, desde aquela épo- culo VI foram rejeitadas no Egito
preciso criá-los cardeais. Seriam si- ca, as controvérsias giravam em as doutrinas que afirmavam a fu-
nais de um maior envolvimento, mas torno de aspectos terminológicos, são entre a natureza humana e a
natureza divina de Jesus. Em
1988, os representantes da Igreja
copta ortodoxa e da Igreja católica
subscreveram uma declaração cris-
tológica pactuada para expressar
sua fé compartilhada em Jesus
Cristo, “perfeito na Sua Divindade
e perfeito na Sua Humanidade”,
que “tornou a Sua Humanidade
uma coisa só com a Sua Divinda-
de, sem mistura ou confusão”.
No seu modo de ver, o que
define, na vida concreta, a es-
piritualidade da Igreja copta?
Neste ponto, é preciso fazer
uma distinção. Nós, coptas católi-
cos, nos formamos com a ajuda
de professores e educadores cató-
licos. Portanto, nos enriquece-
mos com todas as novas contri-
Celebração litúrgica da Sexta-feira Santa em uma igreja copta do Cairo buições teológicas e espirituais
que apareceram no catolicismo
ao longo dos séculos. Por sua pró-
Naqueles dias, os postos de vigilância da polícia pria postura, o nosso pensamen-
to se atualiza constantemente, es-
que ficam em frente das igrejas foram retirados, timulado pelos ensinamentos que
mas não houve nenhum ataque às igrejas. recebemos tanto do Papa quanto
das Congregações, dos Concílios,
Esse fato deu peso à hipótese, que circulou entre dos teólogos e dos santos.
E os coptas ortodoxos?
os cristãos, de que o próprio ministro Para eles, é diferente. Nós,
coptas católicos, distinguimos o
dos Assuntos Internos tenha planejado patrimônio espiritual ascético-
o massacre de Alexandria de 31 de dezembro, monástico do patrimônio teológi-
co-dogmático. Para eles, a teolo-
para justificar um reforço das forças policiais gia coincide com a Sagrada Escri-
tura, com os Padres da Igreja e
com a rica tradição espiritual mo-
não representam uma solução. E mais que substanciais. Como nástica. Assim, tudo permanece
certamente não são coisas que po- acontece ainda hoje, as disputas sempre igual ao início; não existe
dem satisfazer os nossos irmãos or- doutrinais eram alimentadas tam- a diferenciação a que assistimos
todoxos. Para eles, o critério é o da bém por questões políticas. Na- na Igreja Católica através dos sé-
autocefalia, ou seja, da autonomia quele tempo, o Egito estava sob o culos. E devo dizer que para nós,
de cada Igreja local. E a questão do domínio dos bizantinos, que ti- coptas católicos, a proximidade
primado deve ser posta nos termos nham aceitado o Concílio de Cal- com essa realidade dos nossos ir-
em que era compartilhada nas rela- cedônia e queriam preencher as mãos coptas ortodoxos é uma aju-
ções entre os apóstolos e entre seus sedes episcopais com bispos “cal- da, pois a nossa formação “à ma-
primeiros sucessores. cedônios” politicamente fiéis a neira ocidental” contém um risco
A partir da rejeição do eles, a começar pela sede patriar- de intelectualismo. Já entre eles
Concílio de Calcedônia, as cal de Alexandria. Os egípcios tudo é muito mais simples e es-
comunidades cristãs autócto- identificavam a fé “calcedônia” co- sencial. O ponto que nos une é a
nes do Egito ficaram ligadas mo um sinal distintivo da fé impe- liturgia. Podemos dizer que a fé
ao monofisismo, a doutrina rial, e, estimulados sobretudo pe- no Egito é preservada e transmiti-
que esse Concílio condenou, los monges, se organizaram numa da não pela teologia, pela cul- ¬
À esquerda, devoção
na igreja de Minya,
um dos lugares em que
a Sagrada Família
pernoitou durante
a fuga para o Egito
desde os fellah, os camponeses, pre digo é que este é um dado real: Os coptas não sentiram
até a elite rica. Sempre numa pro- os cristãos coptas estavam no Egi- grande pesar quando, no Egi-
porção que não supera dez por to antes da chegada dos muçulma- to moderno, os quartéis das
cento. Os ricos, até bastante co- nos. Mas não é preciso fazer disso potências ocidentais foram
nhecidos internacionalmente, re- um fator de oposição em relação desmantelados.
presentam um número muito pe- aos outros egípcios. Como é possí- Muito pelo contrário. Eles não
queno, se comparado ao dos ricos vel apagar catorze séculos de con- viam no poder das potências oci-
muçulmanos. E entre os coptas vivência? Se assim fosse, os muçul- dentais um elemento de proteção
católicos há pouquíssimos ricos, manos também poderiam dizer: para os cristãos. Para eles, era um
quase não existem... [ri, ndr]. no fundo, vocês chegaram aqui fator de enfraquecimento da Igreja
Mas é um fato que, a partir “apenas” sete séculos antes de local, com a passagem de mem-
do século XIX, surgiu entre nós... No máximo, um argumento bros da Igreja copta ortodoxa para
os coptas um certo naciona- como esse deve ser usado para de- a copta protestante. É o mesmo
lismo, que os levava a identi- finir um terreno comum que nos que dizem em relação aos coptas
ficar-se como os verdadeiros una no presente e no futuro, como católicos. Mas, ao mesmo tempo,
herdeiros dos antigos egíp- nos uniu na alegria e na dor duran- a liberdade religiosa não pode ser
cios e a considerar os muçul- te catorze séculos, até hoje. Luta- negada. E no Egito moderno não
manos “estrangeiros”. A bur- mos juntos pela independência, houve uma dominação que favore-
guesia copta batizava seus fi- sofremos juntos nas últimas guer- cesse o nascimento da Igreja copta
lhos com nomes de faraós. ras, em que o sangue dos cristãos católica. Até hoje somos apenas
Para dizer a verdade, isso existe foi derramado juntamente com o 250 mil. Não podemos ser acusa-
na mentalidade copta. O que sem- dos muçulmanos. dos de proselitismo. ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011 27
C A PA
Na Igreja copta ortodoxa, tico”. Esse fenômeno tem dife- versas ramificações; os diversos
mesmo nos longos períodos rentes formas e manifestações. grupos muitas vezes tomam cami-
de marginalidade, os leigos Alguns desses grupos se esforçam nhos diferentes e entram em con-
sempre tiveram uma grande para fazer uma lavagem cerebral flito. Não dá para pôr todos no
influência na orientação da nos jovens, de modo a pôr em mesmo saco. Cada geração segue
vida eclesial. prática projetos de domínio, local por um caminho. É preciso distin-
No início eram eles que diri- e mundialmente. Não o escon- guir um grupo do outro. Hoje,
giam tudo. Os leigos notáveis ti- dem, dizem-no claramente, escre- além de tudo, existem novos gru-
nham dinheiro e posições social- vem sobre o assunto. E, dadas as pos salafitas que atacam os ou-
mente influentes; o clero não era condições difíceis vividas em nos- tros, inclusive a Irmandade Mu-
instruído. Os camponeses iam pa- sos países, têm sucesso. Entre es- çulmana, em nome de sua preten-
ra os mosteiros; os mais devotos tes, há quem defenda uma menta- sa maior pureza islâmica.
eram ordenados bispos. Foi assim
até o patriarca Cirilo VI, o ante-
cessor do atual patriarca, She-
nouda III, que era um santo ho-
mem de Deus e começou a atrair
para os mosteiros alguns jovens
universitários, e depois os consa-
grou bispos para a missão entre o
povo. Esses bispos, ao lado dos
leigos, lançaram as escolas domi-
nicais de catecismo, e de lá partiu
uma corrente de renovação que
envolveu toda a comunidade cop-
ta. Uma renovação que floresceu
em torno dos mosteiros. É desse
contexto que vêm os bispos orde-
nados pelo patriarca Shenouda
III. São mais de cem, e hoje são
eles que dirigem a Igreja. O peso
dos leigos diminuiu, mas continua
a ser muito grande.
Muitas comunidades cristãs
do Oriente são caracterizadas
por uma certa discrição. Ten-
dem a não ser socialmente visí-
veis demais. No entanto, no
Egito, os coptas mostram uma
certa exuberância, até publica- Crianças brincam na entrada da igreja copta dedicada à Virgem Maria, em Alexandria
mente. Grandes mosteiros,
grandes catedrais, manifesta-
ções públicas. lidade de rejeição e de ódio ao ou- O grande mérito histórico do
Certamente a Igreja copta é visí- tro. Desse húmus podem sair gru- Sínodo para o Oriente Médio foi
vel, presente, ativa. Mas não se tra- pelhos que decidem realizar aten- ter definido essa situação com cla-
ta de querer aparecer. O fato é que, tados como o de Alexandria. reza, numa perspectiva de comu-
mesmo sendo minoria, são uma mi- A Irmandade Muçulmana nhão dentro da Igreja, com os ou-
noria muito consistente. São mui- está por trás da violência tros cristãos e também com os ou-
tos, pelo menos oito milhões; com contra os cristãos, como al- tros concidadãos, para construir
certeza não podem esconder-se. guns afirmam? sociedades baseadas no direito,
Voltemos à dramática si- A Irmandade Muçulmana nas- no respeito aos valores comuns e
tuação atual. O massacre do ceu de uma ideologia que promo- na igualdade na cidadania.
último dia do ano impressio- via a renovação do islã, para vol- No passado, ante os ata-
nou a todos. Mas os coptas já tar à pureza das origens. Logo is- ques e a violência sofridos
tinham sofrido ataques e vio- so se tornou uma orientação polí- pelos coptas, a Igreja no Egi-
lências, desde a década de tica, que pretendia voltar ao mo- to nunca atribuiu a culpa à
1980. O que mudou, em rela- do de vida dos tempos do Profeta, maioria islâmica ou ao islã
ção à época anterior? pela imposição integral da Sharia em geral. E hoje?
Existe hoje um fenômeno geral e da dominação islamista na so- Depois da tragédia de Alexan-
de crescimento das correntes fun- ciedade. Mas depois as coisas mu- dria, houve uma reafirmação ain-
damentalistas e islamistas, que no daram. Mesmo dentro da Irman- da mais forte do destino comum
Sínodo definimos como “islã polí- dade Muçulmana se criaram di- que é compartilhado por cristãos e
muçulmanos no Egito. Tudo o que se isso. Mas essa falsa versão de em razão dos episódios que en-
foi dito, na televisão e no jornal, suas palavras foi tomada como se volvem os cristãos egípcios é o
mesmo pelos intelectuais e pelos fosse a versão oficial. E transfor- dano mais grave que possa ser
guias da comunidade muçulmana, mou-se no pretexto de que Al-Az- feito aos próprios cristãos. Eu
a começar pelo grande imã de Al- har precisava para suspender o gostaria de ter dito isso em Bru-
Azhar, seguiu nessa linha, mais do diálogo com a Santa Sé. xelas, no Parlamento Europeu,
que antes. Enfim, as palavras do Papa quando me convidaram a falar
Houve fortes reações às foram desvirtuadas. Mas das perseguições dos cristãos no
palavras do Papa, chegando houve realmente campanhas Oriente Médio. Mas não quis dei-
até a suspensão das relações or ganizadas no Ocidente, xar o país, nas circunstâncias trá-
de diálogo com a Santa Sé, que chegaram até o Parla- gicas destes dias.
por iniciativa da Universida- mento Europeu, onde foi pe- Como os coptas ortodoxos
de de Al-Azhar, o maior cen- dida a suspensão da ajuda avaliaram essas iniciativas e
tro de ensino religioso do is- prestada aos países que não os apelos do Papa?
lã sunita. Como foi esse epi- defendem os cristãos. Eles também ficaram condicio-
sódio? Essa é uma atitude errada. E nados pela versão distorcida que
Uma emissora de tevê [a Al Ja- acaba por confirmar as interpre- se espalhou. E oficialmente assu-
zeera, ndr] transmitiu as notícias tações errôneas das palavras do miram o mesmo critério de juízo
de modo distorcido, dizendo que Papa. Como cristãos do Egito – expresso pelo imã de Al-Azhar.
o Papa tinha chamado os Estados católicos, protestantes e ortodo- Nós, como católicos, temos um
e os governos do Ocidente a se xos, sem diferenças –, vemos que vínculo de fé e hierarquia com o
posicionarem para defender os todo apelo por pressões diplomá- bispo de Roma. Mas certamente
cristãos perseguidos no Egito e no ticas, iniciativas punitivas ou san- não temos nenhuma obrigação de
Oriente Médio. O Papa nunca dis- ções econômicas contra o Egito nos sentirmos vinculados às inicia-
se enfrentar a mesma situa- quer se manter como fé em dalidade poderá ter a preten-
ção com a opção exatamente Jesus Cristo ‘vindo na car- são de ser o único modo de
contrária: a que consiste em ne’”. São algumas considera- pertença eclesial’. Ainda mais
assumir uma pertença ao pró- ções de monsenhor Mariano ‘com traços de exclusão, não
prio grupo eclesial, ao pró- Crociata, secretário geral da apenas para com os não cris-
prio movimento, à própria Conferência Episcopal Italia- tãos, mas até mesmo para os
‘experiência’ como se fossem na, na abertura da Semana que, cristãos como nós, vivem
a única modalidade de per- Teológica, promovida pela a sua pertença eclesial de mo-
tença possível para ser Igre- diocese de Messina em 8 de do diferente do nosso’”.
ja”. São “duas faces de uma fevereiro passado e publica-
mesma medalha [...]. O pró- das no L’Osservatore Roma-
prio fato de que a nossa lin- no do dia seguinte. Sintetizan- ORIENTE MÉDIO
guagem conheça a possibili- do o discurso do bispo, o arti- A bandeira
dade de uma fé sem pertença Mariano Crociata go do jornal do Vaticano con- da Palestina hasteada
ou de uma pertença sem fé, já clui: “Enfim, a pertença ecle- nos EUA
é índice do fato que a perten- em uma pertença visível e ex- sial ‘jamais pode ser sectária’,
ça eclesial vive uma sua singu- terior, não pode nem mesmo mas sim ‘estruturalmente “Pela primeira vez, a ban-
laridade. Ela está ligada à fé, e ser concebida como fato me- aberta’. Consequentemente deira palestina foi hasteada
a fé, se não pode totalmente ramente interior e invisível, se ‘nenhuma determinada mo- na sede da missão ANP ¬
EGITO
Arrigo Levi e as ilusões de Israel
“Caríssimos, celebramos a memória do dies natalis de “Novas iniciativas são tomadas na Igreja [depois do Con-
Dom Giussani, ou seja, do dia de seu encontro definiti- cílio, ndr], nem sempre felizes. Delineiam-se sobretudo
vo e eterno com Cristo, ponto mais alto daquele encon- duas correntes igualmente perniciosas: os tradicionalis-
tro que foi o segredo, a paixão, a força e a alegria de ca- tas e os progressistas. [...] Ao aceitar a tradição da Igreja,
da um de seus dias [...]. A partir daquele encontro Dom Dom Giussani não acaba prisioneiro de esquemas do
Giussani ficou fascinado e conquistado e nada mais fez passado. Ao contrário disso, ele intui que dessa forma,
em sua vida senão ser ‘ministro’ humilde e valioso do em vez de dispersar-se na busca de novos caminhos dou-
encontro que fizera, fascinando, por sua vez, e conquis- trinais dos quais não sente a necessidade, pode servir-se
tando para Cristo as pessoas e as realidades que encon- do rico patrimônio doutrinal, filosófico e teológico da
trou em seu caminho. Como disse há seis anos, nesta Igreja para aprofundar o encontro pessoal dos homens
mesma Catedral, o então cardeal Joseph Ratzinger: ‘Já com Cristo e reapresentar, assim, a mensagem originá-
na adolescência criou com outros jovens uma comuni- ria com nova força e vigor, dialogando de modo seguro
dade que se chamava Studium Christi: o seu programa com a cultura de sua época e oferecendo uma resposta
era não falar de nada mais a não ser de Cristo, pois todo segura às necessidades mais profundas do homem.” São
o resto parecia perda de tempo’.” É assim que começa palavras do cardeal Velasio De Paolis, presidente da Pre-
a homilia da missa que o cardeal Dionigi Tettamanzi ce- feitura para os Assuntos Econômicos da Santa Sé, na ho-
lebrou no Domo de Milão, em 28 de fevereiro, em su- milia durante a missa celebrada em sufrágio de padre
frágio de padre Luigi Giussani, que o arcebispo recor- Luigi Giussani em 22 de fevereiro, em Roma. Esta é a
dou como “nosso irmão e pai”. Disse na parte conclusi- conclusão do purpurado: “No livro É possível viver as-
va da homilia: “A palavra de Paulo: ‘Eu vivo, mas não sim?, Dom Giussani revela o segredo da experiência reli-
eu: é Cristo que vive em mim’ (Gl 2,20) foi assim co- giosa na vida vivida em comunhão com Jesus. Onde está
mentada pelo papa Bento XVI em seu discurso no Con- o segredo? Ele responde: “Vivendo com Ele. Como se dá
gresso de Verona: ‘Assim mudou a minha identidade testemunho d’Ele? Vivendo com Ele. Uma pessoa que lê
essencial, mediante o batismo, e eu continuo a existir o Evangelho todos os dias, uma pessoa que comunga to-
somente nesta mudança. [...] Assim, tornamo-nos ‘um dos os dias, uma pessoa que diz Vem, Senhor, uma pes-
só em Cristo’ (Gl 3,28), um único sujeito novo, e o nos- soa que observa alguns companheiros seus para os quais
so eu é libertado do seu isolamento. ‘Eu, mas já não eu’: isso já se tornou habitual, pode começar a sentir o que
esta é a fórmula da existência cristã [...], a fórmula da quer dizer viver com Ele. Viver com Ele se pode dizer de
‘novidade’ cristã chamada a transformar o mundo’ (19 uma outra for ma: viver como
de outubro de 2006). É o que escreve Dom Ele”. Eis a experiência
Giussani no livro É pos- antiga, mas sempre no-
sível viver assim?, re- va, que Dom Giussani
velando o segredo da nos deixou. Conser-
experiência religiosa da vemo-la com zelo. É
vida vivida em comu- o segredo da exis-
nhão com Jesus: o se- tência cristã plena”.
gredo está em viver com
Ele: ‘Como se dá teste-
munho d’Ele? Vivendo
com Ele. Uma pessoa que
lê o Evangelho todos os Dois santinhos
dias, uma pessoa que co- em memória de
munga todos os dias, uma Dom Giussani
pessoa que diz Vem, Se-
nhor, uma pessoa que ob-
serva alguns companheiros
seus para os quais isso já se
tornou habitual, pode come-
çar a sentir o que quer dizer
viver com Ele. Viver com Ele don Lu
se pode dizer de uma outra 15 ottob igi Gius
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forma: viver como Ele’”. ssan i braio 20
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30DIAS Nº 1/2 - 2011 33
Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN
O milagre
de São José
“Na última quarta-feira daquele mês de outubro,
padre Motta, o nosso padre espiritual, ao final
de sua pequena meditação matutina, disse-nos que
a quarta-feira da semana, pela piedade cristã, era reservada
à devoção a São José, o qual tinha uma grande tarefa na Igreja:
portanto, que nos dirigíssemos confiantes a ele,
em primeiro lugar porque era o protetor da boa morte e,
em segundo lugar, porque fazia milagres”.
Fragmento de um texto de padre Luigi Giussani
O seminário
da diocese
de Milão,
em Venegono
Inferiore,
Varese
Luigi Giussani, no centro da foto, com seus colegas de classe no seminário de Venegono
o meu primeiro ano do ensino médio, após as férias de verão, voltei para
com você?’, porque eu tinha mudado de cara, estava diferente de como eles tinham me
visto naquele mês, tinha recuperado o meu bom humor e, toda vez que me pergunta-
vam, eu respondia: ‘Hoje vai chegar o Gemoll’.
Estávamos em 1938 e naquela época o correio chegava onde quer que fosse uma
vez por dia. Meio-dia, no seminário, era a hora da distribuição do correio: vinha o vice-
reitor ao grande refeitório (onde éramos trezentos a almoçar) com um grande ‘paco-
tão’ e distribuía a todos as correspondências; era um momento do dia muito esperado,
mais ou menos como no exército. Eu estava tranquilíssimo: ‘Hoje chega o Gemoll’,
mas o meu Gemoll não chegou. Eu, porém, tinha certeza de que ia chegar. Algumas
raras vezes, naquela época, o correio chegava também à tarde, e o vice-reitor, nesses
casos, durante o jantar repetia a mesma cena do almoço. Aquela noite isso ocorreu,
mas o meu Gemoll não apareceu. Eram oito da noite. Após o jantar, tínhamos uma
hora de jogos, de recreio, depois, das nove e meia às dez e meia, tínhamos uma hora
de estudo; às dez e meia tocava a última campainha, rezávamos as orações da noite e
íamos dormir. Estudávamos numa grande sala, éramos mais ou menos oitenta, cada
um na sua carteira. Às dez e meia toca a campainha do fim do dia e, naquele instante,
entra uma pessoa do fundo da sala e aproxima-se do Prefeito com um embrulho. Eu
falei bem alto para os meus colegas: ‘É o meu Gemoll’. Era o meu Gemoll!
Esta oração foi inserida por Leão XIII ao final da encíclica Quamquam pluries, de 15 de agosto de 1889.
A devoção a São José, que fora declarado padroeiro da Igreja universal pelo beato Pio IX em 8 de de-
zembro de 1870, foi particularmente promovida por Leão XIII, que, eleito papa em 20 de fevereiro de
1878, pôs o seu pontificado desde o início “sob a fortíssima proteção de São José, padroeiro celeste da
Igreja” (alocução aos cardeais de 28 de março de 1878).
Evidentemente, esse fato pode não ter dito nada para os outros; para mim disse
muitíssimo.
Contei esse episódio para insistir sobre a segunda acepção da palavra ‘milagre’:
um realce dos acontecimentos que chama a pessoa remetendo-a a Deus e, nisso,
chama também o próximo, quem está a seu lado.
A grandeza de Deus sabe manifestar-se exatamente na familiaridade que Ele vive
com o homem, vive na vida do homem”.
(Extraído de: Giussani, Luigi. Por que a Igreja. Trad. Neófita Oliveira e Durval Cordas.
As portas santas
do povo russo
Acreditava-se que tivessem sido destruídas na época soviética. Mas os
sagrados ícones colocados há séculos nas torres de entrada do Kremlin
foram encontrados e restaurados. Eis a história do achado
de Vladimir Yakunin
Kremlin, havia retângulos bran- nos anos da luta anti-religiosa do nes no lugar daqueles perdidos,
cos. E a grande maioria dos meus poder soviético. Assim, por quase eles poderiam excluir o Kremlin da
conterrâneos não tinha dúvida de vinte anos depois da queda da lista dos patrimônios protegidos de
que sempre fora assim. O Kremlin URSS, não tinham sido feitas sé- interesse mundial. O risco era alto.
tinha-se tornado exclusivamente o rias tentativas de restaurar o aspec- Tínhamos ao nosso lado somente
centro do poder estatal. No seu in- to original das torres do Kremlin. a tradição oral, conservada pelos
terior tinham sido destruídos vá- Alguns anos atrás a Fundação descendentes de imigrantes russos
rios mosteiros e igrejas, enquanto “Santo André, o Primeiro Chama- que viviam na Europa, Estados
outros edifícios religiosos tinham do” decidiu verificar se por acaso, Unidos e outros países.
sido transformados em museus. na eventualidade de não terem si- Um caro amigo nosso, o bispo
Poucos, principalmente historia- do destruídos, os ícones ainda es- Mikhail de Genebra e da Europa
dores e críticos de arte, sabiam dos tavam conservados sob o estuque. Ocidental da Igreja Ortodoxa Rus-
ícones que antigamente se encon- A maior parte dos especialistas iro- sa no exterior, nascido e crescido
travam sobre as torres e não po- nizavam-nos, os especialistas da em Paris, descendente de um cos-
diam sequer imaginar que estes Unesco nos colocavam em alerta: saco do vale do Don, contou-nos
pudessem ter sido conservados se tentássemos colocar novos íco- que entre os russos no exterior fa-
lava-se das imagens, que antes da
Na página ao lado, o patriarca Kirill abençoa o antigo ícone do Salvador revolução se encontravam sobre
de Smolensk na torre Spasskaya do Kremlin, em Moscou, dia 28 de agosto de 2010; os portões das torres Spasskaya e
abaixo, duas fotos da cerimônia de inauguração do antigo ícone restaurado: Nikolskaya, veneradas pelo povo
à esquerda, o patriarca Kirill com Vladimir Yakunin; à direita, como sacras e milagrosas. ¬
com o presidente Dmitrij Medvedev
história dos ícones é impressionante. Por ordem nha sido conservada nas nossas avós e nossas mães,
“A das autoridades da época, esses deveriam ter
sido destruídos, mas encontraram homens, confesso-
tinha sido conservada graças aos confessores e aos
mártires, tinha sido protegida por aqueles que não he-
res da fé, que arriscaram a vida e, ao invés de destruí- sitaram em dar a vida para conservar a fé. E quando
los, fecharam dentro de uma edícula, cobriram com ci- por misericórdia de Deus pôde-se realizar no povo e
mento, pintaram e fingiram que eles tinham sido des- na pátria aquilo que hoje acontece com estes ícones, o
truídos. rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”.
Nesta história dos ícones há o símbolo do que
aconteceu ao nosso povo no século XX. Fez-se acre- Kirill
ditar que os autênticos objetivos e os valores, as coi- Patriarca de Moscou e de todas as Rússias
sas sacras tinham sido destruídas, que a fé tinha de-
saparecido da vida do nosso povo. Para alguns isso (do discurso realizado em Moscou na Praça Vermelha
era necessário, e muita gente fez de conta que tinha dia 28 de agosto de 2010, por ocasião da abertura e
acontecido exatamente isso. No entanto, a fé do nosso da bênção do ícone do Salvador de Smolensk colocada sobre
povo não tinha desaparecido de modo algum, a fé ti- a torre Spasskaya do Kremlin)
torre com fuzis e até mesmo ca- ícone de São Nicolau Taumaturgo
nhões. Tudo isso requer extremo no portão da torre Nikolskaya,
pacientes para proceder à remo- cuidado na restauração, mas por diante de milhares de pessoas,
ção da camada protetiva. sorte, os nossos especialistas são crescidas na União Soviética ou
As primeiras análises mostra- excelentes. Um deles parece ter saí- descendentes dos emigrantes que
vam que a conservação dos ícones do diretamente do século XIX: não viviam na Europa. A transmissão
tinha sido feita por restauradores sabia usar o celular e procurava es- ao vivo pela televisão contou com
especializados, usando a máxima capar ao uso das atuais tecnologias milhões de espectadores russos. A
cautela. Junto com o comandante de comunicação. Um homem pro- tradição cristã, eixo de sustentação
do Kremlin, Sergej Khlebnikov, tive fundamente crente, com um olhar do desenvolvimento da nossa so-
a oportunidade de subir nos andai- surpreendentemente penetrante e ciedade multiétnica e multiconfes-
mes e ser testemunha do início dos cheio de bondade. Ele se dedicava à sional, alma da nossa história,
trabalhos para a retirada da cober- restauração com grande seriedade grande e trágica, uniu-nos a todos,
tura da primeira edícula. E somente e temor. reavivando a confiança também
depois que uma parte significativa No final de agosto de 2010 a co- para um futuro mais radioso do Es-
do afresco tinha aparecido aos nos- missão interdicasterial comunicou a tado russo. q
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na Igreja e no Mundo
Via dei Santi Quattro, 47 - Roma Via Vincenzo Manzini, 45 - 00173 Roma
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Roma, Basílica de Santa Maria Maior, 30 de maio de 2010: beatificação de madre Pierina
o andar térreo, onde está Pierina De Micheli, de nome secu- restos de um cobertor queimado;
Livres e simples.
As igrejas
segundo Montini
quele 6 de janeiro de 1955
A igreja paroquial de São Francisco de Assis, em Fopponino, Milão, construída no princípio da década de 1960,
com projeto de Gio Ponti
Providência e nos homens, seus le momento histórico. A Igreja abria 1962, “orgulho por ter sacerdotes
ministros”. uma nova terra de missão nesses no- que aceitam a vida pastoral nas con-
Ao longo de seus oito anos e vos e imensos aglomerados que sur- dições em que vocês o fazem, que
meio em Milão, Montini iniciou giam nas periferias das cidades. Era aceitam como uma honra viver em
obras, e em grande parte concluiu, um percurso duro, pois, antes de ob- condições de risco, com responsabi-
em nada menos que 135 igrejas em ter os meios para construir as novas lidades formidáveis, sem meios, qua-
toda a diocese. Uma estratégia lan- igrejas, os párocos viviam acampa- se mendicantes em alojamentos
çada por seu predecessor, o cardeal dos, às vezes em condições piores provisórios e incômodos. Vocês se
Schuster, e que o futuro Papa perse- que as de seus fiéis. “Tenho orgulho lembrarão destes dias quando tive-
guiu sentindo toda a urgência daque- de vocês”, disse-lhes Montini em rem sua igreja e a paróquia estiver ¬
formada... esta é a sua sorte: poder construções relacionadas às depen- em 1933, em Banneux, na Bélgica,
criar livremente a sua paróquia, dan- dências da empresa, desde as casas a uma menina, Mariette Beco. Em
do importância ao que é essencial na para os funcionários até as creches. 1942, com confirmações em 1947
vida religiosa, o dogma”. Figini e Pollini eram herdeiros do ra- e 1949, a Igreja reconhecera a apa-
Naquele advérbio “livremente” cionalismo italiano e, para Nossa rição. Em 1949, os mineiros de Lim-
está toda a maneira como Montini Senhora dos Pobres, no coração da- bourg quiseram presentear “os tra-
encara o desafio das novas igrejas. quele bairro de “casas mínimas”, balhadores de Baggio” com uma có-
Na Milão que naqueles anos contava construíram uma igreja de uma sim- pia da imagem de Nossa Senhora de
com alguns dos maiores talentos da plicidade extrema, a custos reduzi- Banneux, que ainda hoje é venerada
arquitetura europeia, o arcebispo dos, com uma estrutura em cimento na nave esquerda da igreja. O edifí-
decide dar-lhes crédito e confiar a armado. Na fachada em duas águas, cio de Figini e Pollini é de um equilí-
eles alguns importantes projetos. Di- com um frontão apenas delineado, brio extraordinário, sem se dar ao lu-
ferentemente de seu predecessor, os dois arquitetos inseriram grandes xo de nenhuma futilidade. É quase
Montini enfim optava por abrir-se à intercalações de cerâmica lombarda, rude, na sua nudez, mas comove pe-
modernidade. Suas expectativas como elemento extremamente sim- lo derramamento inesperado da luz,
eram elevadas: “A arte se presta às ples de decoração. que chove do alto sobre o presbité-
edificações. Este aparecimento da O edifício foi dedicado a uma rio: um cibório quadrado, fechado
arte no limiar das nossas obras nos Nossa Senhora que tinha aparecido na parte superior por uma grade de
enche de emoções”. Mas eram tam-
bém claras as suas recomendações:
“Queremos apresentar uma arquite-
tura livre, segundo a inspiração mo-
derna, mas contida numa sã demo-
cracia da construção civil: não é tem-
po de fazer monumentos, mosaicos,
decorações dispendiosas. É tempo
de salvar, com construções simples,
a fé do nosso povo” (1961).
O primeiro edifício consagrado
por Montini, um ano depois de sua
entrada na cidade, parece propor-se
como encarnação dessas suas reco-
mendações. A igreja de Nossa Se-
nhora dos Pobres, no coração de um
novo bairro operário perto de Bag-
gio, foi encomendada à dupla de ar-
quitetos Luigi Figini e Gino Pollini,
que tinham ficado famosos no mun- A igreja paroquial de Nossa Senhora dos Pobres, em Baggio, Milão,
do todo pelos edifícios criados para a construída na primeira metade da década de 1950, com projeto dos arquitetos
Olivetti, em Ivrea, e por todas as Luigi Figini e Gino Pollini. Foi o primeiro edifício consagrado por Montini
vo do diamante renova-se por toda portas de Milão, o quartel-general da a Mattei. Como verdadeira igreja de
parte, desde as pequenas chapas la- empresa petrolífera ENI. Quando aldeia, Gardella concebeu um edifí-
jotas até as grandes janelas (algumas Mattei morreu em 1962, em cir- cio de uma humildade extrema, com
abertas simplesmente para o céu) e cunstâncias trágicas e ainda miste- nave única e em forma de grande ca-
o portal. Mas tudo sempre mantido riosas, Montini assumiu a presidên- bana protegida por um teto baixo e
nos trilhos de uma sobriedade fran- cia do Comitê e chamou Ignazio muito prolongado. As paredes de ci-
ciscana. Foi uma obra que Montini Gardella, outro grande nome da ar- mento armado são ornadas por um
estimou muitíssimo e que visitou três quitetura milanesa, para projetar a simples motivo decorativo linear de
vezes, a partir da cerimônia de depo- igreja “da aldeia” de San Donato. Ao pedras brancas, que percorre a igreja
sição da pedra fundamental, em 4 dedicar a igreja a Santo Henrique, em todo o seu perímetro, por dentro
de maio de 1961 (“Para que aqui rei- Montini quis fazer uma homenagem e por fora. E por dentro a luz chove
ne a verdadeira fé, o temor do alto de duas janelas con-
de Deus e o amor aos ir- tíguas, que garantem har-
mãos”, mandou escrever monia, ritmo e leveza.
no pergaminho que foi in- Em 23 de maio de
serido na cavidade dessa 1963, Montini estava pre-
pedra). Gio Ponti, em se- sente em mais uma das
guida, construirá outra be- muitas cerimônias de de-
líssima igreja, a do hospital posição da pedra funda-
São Carlos, dedicada a mental de uma nova igre-
Santa Maria Anunciata: ja, a de São Gregório Bar-
um edifício sugestivo, com barigo, em Barona. Seria a
o estilo longo e inclinado última, pois dali a poucas
próprio de um navio. semanas, em 21 de junho,
No grande esforço para era eleito papa. Estamos
dotar Milão das igrejas de aqui, disse, “comovidos
que precisava, Montini deu pela sorte que nos é dada
uma tarefa estratégica ao de presentear a nossa ci-
Comitê das Novas Igrejas, dade com um templo no-
para cuja presidência cha- O cardeal Montini, arcebispo de Milão, vo, de criar em seu seio,
mou Enrico Mattei, que na- com Enrico Mattei, chamado pelo próprio Montini dentro de seus limites,
queles anos estava cons- a presidir o Comitê das novas igrejas uma família espiritual de
truindo em San Donato, às um povo bom”. q
O altar
El transparente (1730),
obra do escultor
Narciso Tomé,
na Catedral de Toledo
Moçárabe, ou seja,
“entre os árabes”
Entrevista com dom Juan Miguel Ferrer Grenesche, subsecretário
da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
sobre o rito litúrgico que nasceu no século IV na península ibérica,
particularmente na região do antigo reino visigodo de Toledo.
O rito não apenas preservou a fé do povo, defendendo-a do arianismo,
mas foi praticado também durante os séculos de dominação árabe.
Tendo chegado até o nosso tempo, com seu riquíssimo patrimônio
de orações para a celebração da missa, sua história é também uma aula
de inculturação da fé numa área geográfica específica
56 30DIAS Nº 1/2 - 2011
História e valor do antigo rito hispano-moçárabe
de Roberto Rotondo
minará com as edições do benedi- as tradições, impressa e manus- melo Borobia Isasa, em Québec,
tino francês Férotin, que traz à luz crita, recorrendo à proposta de no Canadá, por ocasião do Con-
a riqueza dos manuscritos moçá- dois ciclos celebrativos quando gresso Eucarístico Internacional
rabes da Castela Setentrional, necessário. do ano de 2008.
dando espaço à descoberta de E hoje? O rito, então, não ficou
uma outra tradição hispânica (a Podemos dizer que, desde o sé- apenas como um tesouro para
que tomará o nome de “manuscri- culo VIII, a riqueza do patrimônio estudiosos e eruditos...
ta”). Tamanho foi o fervor que es- eucológico do rito hispano-moçá- De fato, é um rito para uma mi-
sas descobertas suscitaram, que rabe nunca foi tão acessível quanto noria. Mas depois do Concílio che-
despertaram suspeitas acerca da hoje. De fato, isso é demonstrado gou a haver um desejo de abrir as
“autenticidade” da tradição pre- pelas muitas teses de doutorado portas desse tesouro para outros
sente nos livros impressos em sua publicadas nas últimas décadas a católicos espanhóis e do mundo
época por Cisneros, que foi de- respeito da matéria, ao lado de di- todo, com uma ampla possibilida-
pois recuperando crédito graças versas celebrações ocasionais do de de celebrar essas missas ou a Li-
aos estudos realizados após o rito em todas as regiões da Espa- turgia das Horas com o rito moçá-
Concílio Vaticano II pelo grande nha e em lugares e circunstâncias rabe, com permissão prévia do bis-
especialista em rito padre Jordi de ressonância universal: basta ci- po, mesmo em lugares onde não
Pinell e por seus alunos de Santo tar, entre outras, a celebração pre- há comunidades moçárabes.
Anselmo, em Roma, e por outros sidida pelo papa João Paulo II na É claro que continua a ser uma
professores na Espanha. Basílica Vaticana (1992), a presidi- liturgia que não é celebrada com
Dessa forma, no atual missal da pelo arcebispo-primaz de Tole- um grande número de fiéis, mas as
hispano-moçárabe, publicado se- do, o cardeal Francisco Álvarez portas estão abertas, de modo que
gundo os princípios da constitui- Martínez, também na Basílica de as pessoas que gostam de se apro-
ção Sacrosanctum Concilium e São Pedro, por ocasião do Grande ximar do mistério não apenas pelo
sob a direção e o patrocínio do Jubileu do ano 2000, a convite do estudo teórico, mas numa expe-
cardeal arcebispo de Toledo Mar- próprio comitê organizador, ou, riência como a da celebração, pos-
celo González Martín, puderam enfim, a presidida pelo bispo auxi- sam encontrar essa riqueza no rito
ser reunidas as riquezas de ambas liar de Toledo, dom Joaquín Car- moçárabe. q
A mulher
do Apocalipse
e o anticristo
Repropomos, pela sua surpreendente atualidade,
um artigo de Ignace de la Potterie publicado
no número 10 de 1995, de 30Dias
de Ignace de la Potterie
ois pontos nos estimulam a tismo, as visões narradas no Apo- ca com o Império Romano e, mais
A mulher vestida de sol e o dragão que tenta devorar seu filho, uma das cenas do Apocalipse, afresco de Giusto de' Menabuoi na abside
do Batistério de Pádua
Inicialmente há uma observa- casta sacerdotal judaica (a prosti- meira vez; e significa: ‘aquele que
ção a ser feita. Mesmo se muitos tuta), como deixou bem claro Eu- se opõe a Cristo’ ou seja “aquele
comentários colocam em relação genio Corsini no seu livro Apoca- que nega que Jesus é o Cristo”
o anticristo com o Apocalipse, a lisse prima e dopo (edições Sei, (1Jo 2, 22). O trecho fundamen-
expressão anticristo não aparece Turim, 1980). A besta religiosa é tal é um pouco antes: “Filhinhos,
nem uma vez explicitamente no perigosa na condição de instru- é chegada a última hora. Ouvistes
livro escrito por João em Patmos. mento do maligno assim como dizer que o anticristo deve vir; e já
Existem, é verdade, as duas terrí- também são os grandes poderes vieram muitos anticristos: daí re-
veis figuras das bestas e do dra- mundanos. conhecemos que é chegada a últi-
gão. Mas também aqui, se por um Mas se queremos saber o que é ma hora. Eles saíram de entre
lado a besta que vem do mar se o anticristo para João, antes de nós, mas não eram dos nossos. Se
identifica com Roma e os reina- procurar no Apocalipse devemos tivessem sido dos nossos, teriam
dos mundanos, a outra besta, a olhar às suas primeiras duas car- permanecido conosco. Mas era
que vem da terra, representa o tas. E aqui que o termo anti-cristo preciso que se manifestasse que
poder religioso encar nado na criado por João aparece pela pri- nem todos eram dos nossos” (1Jo
Notas
ros entre lobos, organizado por L. 3
Cfr. L. Cappelletti, Apocalipse,
1
Cfr. I. de la Potterie, O Apocalip- Cappelletti, ibid., pp. 55-57; I. de la uma história atual, e 30Dias, n. 6, ju-
se já aconteceu, em 30Dias, n. 9, se- Potterie, O Israel de Deus, em nho de 1995, pp. 62-64; Christus vin-
tembro de 1995, pp. 60-61. 30Dias, n. 11, novembro de 1995, pp. cit, organizado por L. Cappelletti,
2
Cfr. L. Cappelletti, Teólogo sem 24-27; A eleição continua sempre ibid., pp. 65-68.
pátria, em 30Dias, n. 7/8, julho/agos- uma graça, organizado por G.Valen- 4
V. Messori – J. Ratzinger, Infor-
to de 1995, pp. 51-54; Como cordei- te, ibid., pp. 28-32. me sobre a fé, Edições BAC, 1985.
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