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ANNO XXIX N.1/2uma
- 2011 - €5
ANO XXIX - N.1/2 - 2011 R$ 15,00 - € 5
na Igreja e no mundo

meditação
Entrevista com Antonios Naguib
Diretor: Giulio Andreotti

Patriarca dos Coptas Católicos de Alexandria

A aposta egípcia

sobre a Santa Páscoa


nella Chiesa e nel mondo
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Ano XXIX
N. 1 / 2 - Ano 2011

Na capa: duas imagens da Praça Tahrir no Cairo


Sumário
durante as manifestações contra o regime em fevereiro passado

EDITORIAL

EDITORIAL
Linhas de concórdia
— de Giulio Andreotti 4

CAPA

EGITO
Santa Sé p. 16
A aposta egípcia
Entrevista com Antonios Naguib — de G. Valente 20
Uma janela sobre a Igreja e sobre
o mundo. O sentido de uma estatística.
Um artigo do cardeal Angelo Sodano NESTE NÚMERO

por ocasião da publicação do SANTA SÉ


Uma janela sobre a Igreja e sobre o mundo.
Anuário Pontifício 2011 O sentido de uma estatística
— do cardeal Angelo Sodano 16

LEITURA ESPIRITUAL
O milagre de São José
— de Dom Luigi Giussani 36
A oração A ti, São José 39

ARTE CRISTÃ
Rússia. As portas santas do povo russo
— de Vladimir Yakunin 40
“O rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”
— de Kirill, patriarca de Moscou e de todas as Rússias 41
“O sentido da unidade do povo com a Igreja”
— de Dimitrij Medvedev, presidente da Federação Russa 42

p. 50 Livres e simples.
As igrejas de Milão segundo Montini
Arte Cristã — de G. Frangi 50

Livres e simples. NOVOS BEATOS


As igrejas de Milão segundo Montini Madre Pierina e o Rosto de Jesus — de D. Malacaria 46

LITURGIA
Moçárabe, ou seja, “entre os árabes”
Entrevista com Juan Miguel Ferrer Grenesche
— de R. Rotondo 56
Leitura
espiritual NOVA ET VETERA
A mulher do Apocalipse e o anticristo
O milagre — de Ignace de la Potterie, S.I. 62

de São José.
Um texto de SEÇÕES

Dom Luigi Giussani CARTAS DOS MOSTEIROS 6


CARTAS DAS MISSÕES 10
no sexto aniversário CORREIO DO DIRETOR 14
p. 36 de sua morte 30DIAS NA IGREJA E NO MUNDO 30

30DIAS Nº 1/2 - 2011 3


Editorial

Linhas de concórdia
de Giulio Andreotti

É triste ver tanta gente morrendo na pressionante de dados e notícias. Talvez porque nun-
Líbia sem que se saiba (e sem que tal- ca aprofundamos os fenômenos, mas paramos na
vez eles mesmos saibam) por que se esteja realmen- impressão imediata que causa uma notícia. Soma-
te combatendo. Infelizmente na Líbia há também mos os fatos, um após o outro, mas nunca fazemos
muita influência a exasperação das diferenças étni- uma correlação.
cas, e não se perde a ocasião de colocar em evidên- Também a reação dos Estados Unidos a esta crise
cia o que divide uns dos outros. causou algumas críticas, por serem os Estados Uni-
Cronologicamente a revolta estourou depois da- dos longe do Mediterrâneo: e é verdade que quando
quela na Tunísia e no Egito mas, com exceção de um se vê um problema de longe às vezes é difícil
princípio que muitas vezes entre países vizinhos po- compreendê-lo em todas as suas facetas, mas sob
de-se ter uma atração recíproca tanto nos processos um outro aspecto, ver as coisas de longe dá a possi-
virtuosos quanto nos negativos, não tenho elemen- bilidade de ver aquilo que é essencial sem se perder
tos para afirmar com certeza que o que acontece na nos aspectos superficiais. Portanto antes de dizer
Líbia seja o mesmo que aconteceu no Egito. que os americanos erram sobre este tema, eu pensa-
Parece paradoxal que sejamos surpreendidos por ria duas vezes.
estes acontecimentos mesmo vivendo em um mun- Alguns anos atrás disse que sobre o problema lí-
do onde, muito mais do que no passado, somos bio influenciava uma luta interna às companhias pe-
bombardeados diariamente por uma quantidade im- trolíferas americanas; não que eu tenha tido a prova

A Líbia é um país com


o qual tivemos necessidade
de encontrar mais linhas
de concórdia, do que
acentuar divisões.
E também hoje,
devemos procurar juntos
pontos sobre os quais se
pode convergir,
senão corremos o risco
de pagar as despesas

Refugiados líbios na fronteira com a Tunísia

4 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Soldados líbios controlam uma refinaria
em Marsa El Brega, Líbia

matemática, mas uma suspeita de


que seja um elemento que ainda in-
fluencia a situação é mais do que le-
gítima.
A Itália muitas vezes foi acusada –
de modo injusto – de ter um compor-
tamento excessivamente indulgente
para com Kadafi. Certamente Kadafi
tem ideias e características diferentes
das nossas, mas não podemos pre-
tender que todo o mundo seja alinhado aos nossos seus adversários e não como inimigos e esta talvez
modelos. seja a diferença com o momento atual.
Nós sempre quisemos dar a impressão aos líbios, A Líbia é um país com o qual tivemos necessidade
porque correspondia à verdade, de que respeitáva- de encontrar mais linhas de concórdia, do que acen-
mos suas características particulares, mesmo quan- tuar divisões. E também hoje, devemos procurar jun-
do manifestavam seu orgulho contra a época do co- tos pontos sobre os quais se pode convergir, senão
lonialismo italiano. Então, os líbios viam-nos como corremos o risco de pagar as despesas. q

3OGIORNI
nella Chiesa e nel mondo
Imagens
Paolo Galosi - galosi@30giorni.it
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Diretor Giulio Andreotti Marie-Ange Beaugrand, Maurizio Benzi, Conselho de Administração
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é uma publicação mensal registrada
Gráfica junto ao Tribunal de Roma na data 11/11/1993 Este número foi concluído na redação
Marco Pigliapoco - marcopgl@30giorni.it n. 501. A publicação beneficia-se de subsídios dia 28 de fevereiro de 2011
Vincenzo Scicolone - Enzo@30giorni.it públicos diretos de acordo com a lei
Marco Viola - marcoviola@30giorni.it de 7 de agosto de 1990, n. 250 Impressão concluída no mês de março de 2011

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS:
Reuters/Contrasto: Capa; pp.24,25,31; Ansa: pp.4,5; Osservatore Romano: pp.16-17,18; Corbis: pp.20-21,27,43; Associated Press/LaPresse: pp.21,23,28,29,32,40,41; Paolo
Galosi: pp.21,47; Afp/Getty Images: pp.22,23,29; National Geographic/Getty Images: p.26; Romano Siciliani: pp.31,32,34,46; Archivio CL: p.37; ITAR-TASS: pp.42-43;
Photoxpress/Agenzia Sintesi: p.43; Ale Frangi: pp.52,54; Armin Linke: p.54; Lessing/Contrasto: p.56; Efe: p.58; Archivi Alinari, Florença: p.64.

30DIAS Nº 1/2 - 2011 5


Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

A igreja do mosteiro de São Pedro in Vineis (século XII), nos arredores de Anagni, Itália. Tendo pertencido de início muito
provavelmente aos beneditinos, tornou-se sede de uma comunidade de clarissas logo depois da canonização de Santa Clara
em Anagni (15 de agosto de 1255). Nestas páginas, os afrescos medievais no coro das clarissas

CLARISSAS DO CONVENTO DE YENSHUI vos para os festejos do aniversário dos oitocentos


Yenshui, Taiwan anos da sua fundação, no século XIII. O tema deste
ano é a contemplação. A vida contemplativa não é
30Days nos oferece notícias que de outra exclusiva de comunidades de homens e mulheres que
forma dificilmente poderíamos conhecer vivem sua silenciosa presença em regiões remotas ou
no centro de cidades para testemunhar que Deus está
Yenshui, 7 de dezembro de 2010 vivo. Todos somos chamados a uma união mais ínti-
ma com o nosso Criador, qualquer que seja o nosso
Prezado diretor Giulio Andreotti, estado de vida.
o Príncipe da Paz está agora entre nós! Alegremo-nos A chegada do tempo de Advento e do tempo de
e exultemos! Natal representa uma oportunidade para nos levar a
A ordem de Santa Clara, da qual a nossa comuni- meditar mais uma vez sobre o significado do nasci-
dade faz parte, já está no segundo ano de preparati- mento do Menino Jesus no meio de nós.

6 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

É uma alegria pô-lo a par de algumas importantes CLARISSAS DO CONVENTO DE SAINT FRANÇOIS DʼASSISE
notícias sobre as nossas comunidades ao longo deste Musambira, Ruanda
ano de 2010. Entre as muitas bênçãos derramadas
por Deus sobre nós, irmã Mary Agnes Hu, a nossa ir- Grande gratidão pelo presente
mã de Taiwan, fez a sua profissão perpétua solene em que é 30Jours
2 de outubro passado, festa dos Anjos da Guarda. De-
pois, juntamente com Suas graças divinas, recebemos Musambira, 10 de dezembro de 2010
a aprovação do mosteiro – filiação do nosso – na ilha
de Lamma, em Hong Kong, com ereção canônica na Caríssimo diretor,
data de 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. paz e bem no Senhor.
Desejamos aproveitar a oportunidade para agrade- Temos o prazer de lhe fazer chegar estas poucas li-
cer-lhe mais uma vez pela revista 30Days, que com ge- nhas para expressar-lhe a nossa grande gratidão pelo
nerosidade nos envia gratuitamente há alguns anos. A presente que é a revista 30Jours, mas também para
revista nos oferece sem dúvida uma grande quantidade fazer-lhe nossos melhores votos para as festas já pró-
de informações sobre a Igreja Católica e importantes ximas. Que o Verbo de Deus feito carne traga-lhe to-
notícias do mundo que de outra forma dificilmente po- das as graças e bênçãos de que precisa para melhor le-
deríamos conhecer. Que Deus o recompense! var adiante a sua missão! Que o ano de 2011 seja para
Rezamos para que o senhor esteja bem e fazemos o senhor um ano próspero e muito frutuoso.
votos de paz e amor neste tempo de Natal, e muitas Fique certo de nossa proximidade na oração.
bênçãos para todos os seus colaboradores e seus en- Que a Virgem Maria o conserve e o proteja em tu-
tes queridos para todo o novo ano de 2011. do e para tudo.
Muito fraternalmente,
Irmã Mary Veronica Therese, O.S.C.
e as clarissas de Yenshui as clarissas de Musambira

A última ceia e o lava-pés

30DIAS Nº 1/2 - 2011 7


Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

A prisão e a flagelação de Cristo

IRMÃS DO SANTO ROSÁRIO suas orações, para que uma paz duradoura possa fi-
Jerusalém, Israel nalmente prevalecer na região.
Renovando a minha gratidão, sinceramente em
Obrigada de coração Jesus Cristo,
pelos valorosos artigos que enchem irmã Ildephonse El-Hajjeh
o nosso horizonte

Jerusalém, 12 de dezembro de 2010 CISTERCIENSES DO MOSTEIRO NOTRE DAME DE VINH-PHUOC


Bien Hoa, Vietnã
Cara equipe de 30Giorni,
paz e bem de Jerusalém! Desejo-lhes uma feliz festa da Votos do Vietnã
Natividade do Senhor Jesus Cristo e um 2011 prós-
pero e cheio de paz. Bien Hoa, 13 de dezembro de 2010
Sou uma leitora apaixonada de 30Giorni: obriga-
da de coração pelos valorosos artigos que enchem o A prioresa e suas irmãs desejam-lhe, senhor diretor, e
nosso horizonte e nos mantêm informadas sobre as à sua família, saúde e muitas graças do divino Menino
notícias da Igreja e do mundo. e a alegria de participar das Suas obras de redenção.
Peço-lhes que me enviem, por gentileza, dois Obrigada pelo envio de 30Jours.
exemplares de Who prays is saved, um em italiano e Deus o abençoe,
um em inglês.
Eu lhes serei sempre grata se puderem ser enviados irmã Marie Jean de la Croix Pham Ghy Tac
logo. Peço-lhes que se lembrem do Oriente Médio em e toda a comunidade

8 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros

CARMELITAS DO CONVENTO MARÍA MADRE DE LA IGLESIA sacerdotais e religiosas. Até hoje Deus nos doou 82
La Vega, República Dominicana sacerdotes diocesanos nativos desta diocese. Por isso
somos felizes e queremos celebrar, com gratidão e en-
Agradecemos profundamente tusiasmo, este acontecimento eclesial e histórico e co-
por sua bela e interessante revista 30Días municar-lhes a nossa alegria.
Em profunda comunhão com todos vocês, prosse-
La Vega, 21 de dezembro de 2010 guimos muito unidas ao papa Bento XVI e a toda a
Igreja em suas provações e sofrimentos, por meio da
Caríssimo senhor Giulio Andreotti, nossa oração e das tribulações que o Senhor, em seu
seja bendito o Senhor, que mais uma vez nos conce- amor e em sua providência, permite que atravesse-
de celebrar com imensa alegria o grande mistério de mos.
amor do Natal, que nos reúne espiritualmente todos Desejamos a todos que estas santas festas do
em adoração humilde e silenciosa d’Aquele que sen- “Deus conosco” nos ajudem a aumentar a nossa fé,
do imenso e onipotente se fez pequeno e fraco para esperança e caridade e a unir as nossas forças na luta
nos comunicar a vida divina! Por isso, deste humilde pela transformação do nosso mundo, com a firme
confim da terra, que teve a boa sorte de contemplar convicção de que só o amor e a verdade devem preva-
a vitória do nosso Deus, nós lhe enviamos um abraço lecer sobre todos os males.
fraterno de paz e amor e o cumprimentamos de todo Que a nossa santíssima Mãe, Rainha da Paz, lhe
o coração. conceda um ano novo de 2011 cheio de graça e de
Comunicamos que a partir de 8 de agosto de 2010 paz, segundo a vontade do Senhor.
começamos o jubileu pelo quinto centenário da nossa Fraternalmente em Jesus, Maria e José, agradece-
diocese de Concepción de la Vega – uma das três pri- mos profundamente por sua bela e interessante revis-
meiras da América, ao lado das de Santo Domingo e ta 30Días, que lemos com muito prazer.
Puerto Rico –, erigida com a bula Romanus Pontifex, Recomendando-o de coração em nossas orações,
do papa Júlio II. O Senhor foi grande conosco. Nestes
anos concedeu à nossa região abundantes vocações irmã María Cecilia Morini e comunidade

A deposição da Cruz e a descida ao Limbo

30DIAS Nº 1/2 - 2011 9


Cartas das missões Cartas das missões

MISSIONÁRIOS XAVERIANOS
Redenção, Pará, Brasil

Peço-lhes a caridade de continuarem a nos enviar 30Giorni também em 2011

Redenção, 25 de novembro Peço-lhes, portanto, a caridade


de 2010 de continuarem a nos oferecer esta
dádiva, também em 2011. Se quise-
Caros amigos da redação de rem e lhes interessar também man-
30Giorni, ter contato conosco... já têm o en-
já faz alguns anos que recebemos a dereço eletrônico.
sua revista e, não sei por que injus- Conosco, missionários xaveria-
tificável razão, nunca lhes agrade- nos, cumprimentam-nos os nossos
cemos. No entanto, razões para fa- e seus irmãos caiapós.
zer isso nós tivemos todas as vezes Obrigado! Contem com a nossa
que a revista chegou! Nós a rece- oração. Com sincera amizade, em
bemos pontualmente em Reden- nome da comunidade,
ção, onde temos a nossa base e o
centro de apoio para os índios da padre Renato Trevisan
tribo caiapó. Redenção é uma cidade de cerca de
setenta mil habitantes no sul do Estado do Pará, si-
tuada entre dois grandes rios, o Araguaia e o Xin- Obs.: Gostaríamos que as fotos que lhes envio
gu, formada por uma população proveniente, ain- fossem uma recordação do Natal. Crianças caia-
da hoje, de outros Estados do centro-sul e do nor- pós... vestidas e adornadas de penas; ou pintadas
deste do Brasil. pela mãe... Se Jesus tivesse nascido entre os caia-
Sempre recebemos com prazer a sua revista, pós, Maria o teria pintado de preto com substâncias
aliás, algumas vezes, quando demorava a chegar, ti- vegetais (só com a pintura corporal o caiapó é caia-
vemos medo de que vocês se tivessem cansado do pó). As penas simbolizam o voo... O mito conta que
nosso silêncio. Mas a última edição que recebemos os caiapós desceram do céu... e para lá voltarão.
nos infundiu novo ânimo...
Venho, em nome da comunidade dos missioná-
rios xaverianos de Redenção, pedir-lhes, ou melhor,
pedir a um dos “santos” que nos proporcionaram
receber a revista até hoje, que continuem a nos en-
viar 30Giorni!
Neste pedido está implícito o apreço pelos con-
teúdos doutrinais, de um lado, e pastorais, de outro.
Pessoalmente, leio com grande interesse e proveito
a apresentação da vida e da espiritualidade de per-
sonagens que engrandeceram o Reino de Deus, que
mostraram a força de transformação da graça em
tantas e tantas pessoas e ambientes. Não nomeio os
protagonistas dessa fantástica história da Igreja, Duas fotos
com seus altos e baixos, naturalmente (senão, que dos índios
história seria?), para não ser injusto com ninguém. caiapós
Só Deus mede a santidade!

10 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Cartas das missões Cartas das missões

tudo aquilo de que precisamos para estar informadas,


IRMÃS URSULINAS MISSIONÁRIAS DO SAGRADO CORAÇÃO e gostaria muito de recebê-la. Dado que trabalho nu-
Fukuoka, Japão ma escola católica, será um bem para todos os alunos:
tirarei fotocópias, para que possam lê-la. Além disso,
Um obrigado do Japão nos ajudará muito na evangelização.
É preciso indicar o que é a vida cristã, e esta revista
Fukuoka, 6 de dezembro de 2010 é maravilhosa, porque faz isso. Eu ficaria grata se pu-
dessem enviá-la em francês, a língua local, e se pudes-
Agradeço sinceramente a bela e interessante revista sem enviar também o livro de orações Qui prie sauve
30Giorni, que recebo todos os meses. son âme.
Peço e desejo que o Santo Natal e o ano-novo pos- Muitíssimo obrigada e que Deus os conserve e os
sam ser vividos na paz e na alegria do Senhor. Meus abençoe sempre!
cumprimentos. Bom Natal!

Irmã Maria Giovanna Ferralis Irmã Sonia Batagin

IRMÃS DE JESUS BOM PASTOR PARÓQUIA DO SAGRADO CORAÇÃO DE PORTO-NOVO


Libreville, Gabão Porto-Novo, Benin

30Jours para todos os alunos Qui prie sauve son âme responde
de maneira apropriada às necessidades
Libreville, 16 de dezembro de 2010 dos nossos catecúmenos

Saudação a todos! Porto-Novo, 13 de janeiro de 2011


Sou uma missionária brasileira e trabalho em Librevil-
le, no Gabão. Conheci 30Jours quando estava na co- Bom dia, senhor diretor de 30Jours,
munidade das irmãs de São José, na nunciatura apos- sou o padre Paul Akplogan, pároco da paróquia do Sagra-
tólica em Libreville; gostei muito da revista, que tem do Coração de Porto-Novo, na República do Benin. ¬

A aparição de Jesus ressuscitado a Maria Madalena e aos apóstolos

30DIAS Nº 1/2 - 2011 11


Cartas das missões Cartas das missões

Descobri, de maneira realmente oportuna, o livrinho cúmenos e na potencialização da preparação de nos-


intitulado Qui prie sauve son âme, com os frades ca- sos fiéis.
puchinhos de Wawata. Vi que se trata de uma obra Esteja certo da nossa oração pela perene duração
muito importante, que responde de maneira apropria- das atividades pastorais de 30Jours.
da a boa parte das necessidades do nosso catecume- Ao senhor e a seus colaboradores, graça e paz por
nato. Por isso, peço mui respeitosamente que nos parte de Deus nosso Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo.
concedam de presente esse livrinho para as necessida-
des da causa catecumenal. Para sua informação, este Padre Paul Akplogan
ano temos cerca de oitocentos catecúmenos e aproxi-
madamente o mesmo número todos os anos.
Na esperança de uma resposta favorável, peço-lhes
que encontrem aqui, desde já, a expressão da minha PARÓQUIA NOTRE DAME DE LʼASSOMPTION
profunda gratidão. Boma, República Democrática do Congo

Padre Paul Akplogan Qui prie sauve son âme ajuda as crianças
da nossa paróquia a rezar bem

Porto-Novo, 20 de janeiro de 2011 Boma, 17 de janeiro de 2011

Senhor diretor, Senhor diretor,


foi com verdadeiro prazer que recebi, hoje, os livros. agradeço-lhe por 30Jours, que alimenta o meu espírito
Confesso que fiquei muito surpreso com a prontidão com repetidas leituras. Obrigado pelo envio desta revista
de sua resposta e lhe agradeço por sua participação, tão importante por todos os conhecimentos e informa-
muito eloquente, na formação cristã de nossos cate- ções que nela encontrei. Muitíssimo obrigado pelo livro
Cartas das missões Cartas das missões

Qui prie sauve son âme, que ajuda as crianças da nossa roso serviço que presta ao povo de Deus com a sua re-
paróquia a rezar bem. Precisaríamos ainda de um bom vista e suas múltiplas publicações, de modo particular
número de exemplares do livrinho, também em francês. o seu Qui prie sauve son âme.
Aproveito a oportunidade para apresentar meus Sou um missionário xaveriano. Estava em Cama-
votos de felicidade, paz e prosperidade para o ano de rões e recebi de vocês um bom número de exemplares
2011, ao senhor, aos seus colaboradores e a toda a do precioso livro Qui prie sauve son âme. Não pode
equipe da redação, sem esquecer todos os assinantes imaginar o quanto esse livrinho encheu de contenta-
de 30Jours. mento os jovens e as crianças da nossa paróquia Jesus
Aceite, senhor diretor, a expressão de nossos senti- Bom Pastor, de Oyom Abang. Mais uma vez, em no-
mentos de alegria e felicidade. me desses jovens, digo-lhes um grande obrigado.
Por ora me encontro no Congo, em Kinshasa. Per-
Roger Phanzu-Kumbu cebo o quanto esse livro poderia ser útil também aos
cristãos daqui, da nossa paróquia de São Bernardo de
Kingabwa, arquidiocese de Kinshasa.
MISSIONÁRIOS XAVERIANOS Se puder, peço-lhe que me envie, mais uma vez, al-
Kinshasa, República Democrática do Congo guns exemplares em francês de Qui prie sauve son
âme. Muitíssimo obrigado e bom serviço ao povo de
Qui prie sauve son âme Deus.
para uma paróquia de Kinshasa Em união de orações, de Kinshasa,

Kinshasa, 1º de fevereiro de 2011 padre Louis Birabaluge, S.X.

Caríssimo diretor,
receba mais uma vez meus agradecimentos pelo gene- MISSIONÁRIOS DO PIME
Kousséri, Camarões

Obrigado de coração por 30Giorni

Kousséri, 2 de fevereiro de 2011

Caríssimos amigos,
obrigado de coração pela bela e interessante revista
30Giorni.
Há anos a recebo e leio, sempre com prazer. Há dois
anos me encontro em Kousséri, diocese de Yagoua, e
comigo estão dois sacerdotes camaroneses.
Vocês não poderiam, por favor, enviar-me 30Gior-
ni em francês para dar a possibilidade também aos
dois sacerdotes de poderem ler esta bela revista?
Agradeço-lhes de coração, e continuem a semear
generosamente e com alegria: o resto está nas mãos
de Deus.
Uma cordial saudação,

padre Giovanni Malvestio, PIME

O Juízo Final e a estigmatização de São Francisco

30DIAS Nº 1/2 - 2011 13


Correio do Diretor

Santa Aurélia, Santa Escolástica e São Bento.


EXARCADO PATRIARCAL ARMÊNIO CATÓLICO Em oração a seus pés, uma terciária,
Damasco, Síria uma clarissa e um monge os invocam

“O Verbo abreviou-se” DIOCESE DE CARLISLE


Carlisle, Reino Unido
Damasco, 10 de dezembro de 2010
Um obrigado da Comunhão Anglicana
Estimado senhor,
bom Natal e feliz ano novo. Carlisle, 21 de dezembro de 2010
No Natal manifestou-se este amor misericordioso en-
carnado. “O Verbo abreviou-se. [...] ‘A Palavra eterna Prezado diretor,
fez-se criança, para que possa ser compreendida por o bispo de Carlisle, James Newcome, deseja enviar-
nós’” (exortação apostólica Verbum Domini, nº 12, lhe os agradecimentos pelo generoso presente que lhe
30 de setembro de 2010). Para ser ouvida, vista, toca- deu na forma de uma assinatura anual da revista men-
da, contemplada e amada. Essa é a plenitude do amor, sal 30Days in the Church and in the World. É um
da vida, da luz, da força e da alegria. gesto muito bem recebido.
Bom Natal e feliz ano de 2011. Com nossos melhores votos,
sinceramente,
Dom Joseph Arnaoutian Pat Gundry
bispo armênio católico de Damasco secretária assistente do bispo de Carlisle

14 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Um patrimônio que une arte,
cultura e espiritualidade na maravilhosa
paisagem natu ral dos Montes “Simbruini”
O patrimônio artístico e cultural
desta região é fascinante.
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valor pelas suas elaboradas arquiteturas,
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Santa Sé

Uma janela para a Igreja


e para o mundo.
O sentido de uma estatística
Por ocasião da publicação do Anuário Pontifício de 2011,
o cardeal decano do Sagrado Colégio escreveu para nós este artigo
no qual fala sobre vários aspectos da presença da Igreja no mundo,
desde o número de pastores e de fiéis à missão da Cúria Romana

do cardeal Angelo Sodano

reio na Santa Igreja nasceu justamente para resumir a Roma. No nono artigo, desde o fi-

“C Ca tólica”: é a profis-
são de fé que o cristão
continuamente repete com as pa-
mensagem de Cristo transmitida
pelos apóstolos e assim oferecer
aos cristãos uma marca de reco-
nal do século III, vemos afirmada
de modo explícito a fé na Igreja
que é “una, santa, católica e apos-
lavras do Símbolo apostólico. nhecimento de sua identidade. tólica”. Também a catolicidade da
Como se sabe, ‘símbolo’ é um É também significativo que es- Igreja já era bem sentida como
termo grego que indica uma mar- ta fórmula de fé, em todos os seus uma sua nota essencial.
ca, um sinal de reconhecimento. doze artigos, tenha sido definiti- Passaram-se dois mil anos des-
Na Igreja primitiva tal documento vamente codificada na Igreja de de que o Senhor ressuscitado pas-

16 30DIAS Nº 1/2 - 2011


A audiência com os cardeais e com os membros da Cúria
Romana na apresentação das felicitações de Natal, Sala
Régia do Palácio Apostólico Vaticano, dia 20 de dezembro
de 2010; no centro da foto, o cardeal Angelo Sodano,
decano do Sagrado Colégio, durante a homenagem ao
Papa Bento XVI

sou o mandato missionário uni-


versal à Sua Igreja e esta, com al-
ternadas vicissitudes, difundiu-se
no mundo e chegou até nós, sus-
tentada pelo força vivificante do
Seu Santo Espírito.
Hoje, mesmo os laicistas mais
obstinados não podem ignorar a
existência desta realidade eclesial O Anuário Pontifício 2011,
nem podem não reconhecer a sua apresentado pela Secretaria de Estado a Bento XVI,
obra transformadora na vida dos a 19 de fevereiro passado
povos. É suficiente dar uma olha-
da breve à presença da Igreja no
mundo, às pessoas e às comuni- 2011. Assim, dá-se continuidade neamente todos os anos pela Se-
dades que a compõem, como às a uma publicação que remonta ao cretaria de Estado, com o título:
instituições que desta procedem. Papa Pio IX (1846-1878), mes- Annuarium statisticum Eccle-
mo se na época apresentava um siae. No volume, os dados estatís-
O Anuário Pontifício título mais limitado: A hierarquia ticos são examinados e confron-
Um instrumento válido para conhe- católica e a família pontifícia. tados com maior atenção, nação
cer os vários aspectos da presença Em várias bibliotecas ainda se por nação, continente por conti-
da Igreja no mundo é dado pelo pode consultar a sucessão de vo- nente, com um olhar comparativo
Anuário Pontifício que, desde a lumes publicados desde a sua ori- sobre as várias formas de aposto-
metade de 1800 até hoje, é publica- gem até hoje. É uma pesquisa lado existentes na Igreja.
do anualmente pela Santa Sé. sempre confortante sobre a histó-
Em 19 de fevereiro passado, o ria da Igreja e da sua progressiva Os católicos no mundo
cardeal Tarcisio Bertone, com os difusão no mundo inteiro. Segundo os últimos dados dispo-
seus colaboradores da Secretaria Também, um precioso com- níveis, atualmente o número de
de Estado, apresentou ao Papa plemento ao Anuário Pontifício católicos batizados é de cerca
Bento XVI o Anuário Pontifício é o livro publicado contempora- 1,181 bilhão em uma popula- ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 17


Santa Sé
ção mundial de 6,698 bilhões de
habitantes.
Portanto o católicos em base ao
último Annuarium statisticum Ec-
clesiae chegam a 17,4% da popula-
ção mundial. A maior concentração
de católicos registra-se nas Améri-
cas com 63,1% da população. Na
Europa os católicos são 40%. Po-
rém, a presença de cristãos na Eu-
ropa é muito mais alta se conside-
rarmos também os irmãos das Igre-
jas Orientais e as várias comunida-
des nascidas com a Reforma.
Na Oceania a presença dos ca-
tólicos corresponde a 26,2%, na
África de 17,8% e na Ásia de
3,1%. E é justamente a Ásia (em
cujos limites engloba-se também o A hierarquia católica e a família pontifícia (ano de 1877, sob o pontificado de Pio IX)
Oriente Médio) a constituir o gran-
de desafio para a futura obra evan-
gelizadora da Igreja. Já em 1998 o
saudoso papa João Paulo II tinha- tores, chamados a guiar nos dias circunscrições eclesiásticas che-
nos convidado a refletir sobre este de hoje a Santa Igreja de Cristo. gam a quase 3 mil (exatamente a
tema convocando no Vaticano um Obviamente, em primeiro lugar 2.956). Porém o número de bis-
Sínodo Especial sobre a Ásia. é colocado o Sucessor de Pedro, o pos é superior, porque ao lado do
Tive também a alegria de parti- Papa Bento XVI, colocado pelo bispo que guia cada uma das dio-
cipar a esta Assembleia sinodal e Espírito Santo para presidir a co- ceses, há também o bispo coadju-
recordo bem o compromisso co- munidade católica nesta importan- tor, um auxiliar e um ou mais bis-
mum que na época se assumiu pa- te hora da história, no início do pos eméritos. O número total dos
ra trabalhar neste sentido. De res- Terceiro Milênio cristão. Ao lado bispos chega assim a 5.065. Em
to, a Ásia é o continente mais ex- do Papa figura em primeiro lugar o cada diocese há também um ade-
tenso e populoso. Foi lá que nas- Colégio Cardinalício, chamado a quado número de sacerdotes co-
ceu o cristianismo. Foi lá que o coadjuvar o Bispo de Roma na sua mo providenciais cooperadores
Evangelho de Cristo conheceu o mais vasta missão de Pastor da do bispo. Todos juntos (diocesa-
seu primeiro anúncio. Portanto é Igreja universal. nos e religiosos) superam hoje
compreensível o compromisso Uma longa lista de todas as se- 400 mil (exatamente 410.593).
para que entre aqueles povos o des episcopais existentes no mun- Estes dados estatísticos nos fazem
fermento evangélico continue a do nos introduz depois a conhecer intuir a extrema importância do
permear aquelas culturas, orien- a vida concreta de cada uma das seu trabalho minucioso no vasto
tando-as a Cristo. Igrejas particulares espalhadas nos campo de ação da Igreja, em to-
cinco continentes desde as de épo- das as realidades humanas. Mui-
Pastores e fiéis ca apostólica às mais recentes, tas vezes estes são os soldados
Como todos os anos, o Anuário constituídas no decorrer de 2010. desconhecidos do Reino de Deus.
Pontifício 2011 apresenta tam- O Anuário Pontifício de 2011 Junto com a lista das dioceses,
bém os números relativos aos Pas- informa-nos que atualmente as o Anuário Pontifício apresenta-
nos também a lista das várias
Conferências Episcopais nacio-
Bento XVI com o cardeal nais e inter nacionais e enfim
Sodano em 20 apresenta-nos o importante orga-
de dezembro de 2010. nismo do Sínodo dos Bispos, ins-
O cardeal Sodano, tituído pelo Papa Paulo VI para
há 50 anos a serviço favorecer uma comunhão mais
da Santa Sé, estreita com o romano Pontífice.
foi Secretário de Estado
de 29 de junho de 1991 A Cúria Romana
a 2 de abril de 2005, Uma rápida olhada ao Anuário
com João Paulo II, Pontifício permite também co-
e de 21 de abril de 2005 nhecer mais de perto o instru-
a 15 de setembro mento operante do qual o Papa
de 2006 com o atual serve-se cotidianamente para o
Pontífice desenvolvimento da sua missão.

18 30DIAS Nº 1/2 - 2011


ANUÁRIO PONTIFÍCIO
Sinto-me na obrigação de eviden- As representações pontifícias nha úteis contatos com todo o Ex-
ciar este particular aspecto da vi- Falando dos colaboradores do Pa- tremo Oriente.
da da Igreja de Roma, porque de- pa, não quero esquecer de evi- Pela história pode-se ver que a
diquei grande parte do meu sacer- denciar o grande serviço realizado origem de tais nunciaturas não
dócio, cinquenta anos, ao traba- pelos representantes pontifícios era ligada apenas às relações ofi-
lho na Cúria Romana. espalhados pelo mundo. O Anuá- ciais com os Estados, mas tinha
Folheando o Anuário Pontifí- rio Pontifício descreve-nos a sua como objetivo, principalmente,
cio pode-se ver a descrição por- presença na maior parte dos paí- manter e incrementar a comu-
menorizada dos vários organis- ses do mundo. É uma presença nhão entre a Sé Apostólica e as
mos da Cúria, da Secretaria de que tem também um caráter ofi- Igrejas particulares. Um típico
Estado às Congregações, dos Tri- cial com os 178 Estados com os exemplo é o envio de núncios
bunais aos Pontifícios Conselhos, quais a Santa Sé mantém regula- apostólicos na Alemanha, no iní-
das administrações aos vários es- res relações diplomáticas. cio da Reforma, para responder à
critórios e comissões. Como em Como se sabe, com o nasci- expansão do protestantismo na
um filme vê-se toda a composição mento dos Estados modernos nos mesma região onde este tinha
da Cúria Romana, como foi reor- séculos XV e XVI, iniciaram tam- nascido. No final do Concílio Tri-
ganizada pelo falecido pontífice bém a se constituir missões per- dentino, também os representan-
João Paulo II com a constituição manentes entre os Estados. Os tes pontifícios na Espanha, na
apostólica Pastor Bonus de 28 de Romanos Pontífices, que até França, e nos vários Estados da
junho de 1988. aquele momento tinham-se limi- península italiana receberam de-
Gostaria particularmente de re- tado ao envio transitório de pró- pois do Papa São Pio V, assim co-
cordar o espírito de serviço que prios representantes para algu- mo do Papa Gregório XIII e dos
anima a grande família destes cola- mas finalidades específicas, tam- sucessores, a missão de fazer
boradores do Santo Padre. Fui tes- bém recorreram então a tal instru- com que fossem aceitas as deci-
temunha direta, principalmente mento de diálogo e de colabora- sões conciliares. Na realidade, foi
nos 16 anos em que fui Secretário ção permanente. Assim nasce- mérito também dos núncios a
de Estado (15 anos durante o pon- ram as primeiras nunciaturas na aplicação da reforma tridentina
tificado do Papa João Espanha, na França, na Europa.
Paulo II e um ano no na Alemanha, na Po-
início do pontificado do lônia, assim como na A serviço dos povos
Papa Bento XVI). República de Veneza, O Anuário Pontifício de cada
De resto, o Papa que na época manti- ano leva-nos também a conside-
Paulo VI já tinha deli- rar várias outras faces da atividade
neado a Cúria Romana O Annuarium statisticum da Igreja, principalmente a sua
como “um cenáculo Ecclesiae 2008, precioso atividade social. Segundo as esta-
per manente” total- complemento do Anuário tísticas emerge, com efeito, todo
mente consagrado ao Pontifício publicado o trabalho que realizam as gran-
serviço da Santa Igreja todos os anos pela des Famílias religiosas, os que
de Deus. Secretaria de Estado abraçaram os conselhos evangéli-
cos e que se colocaram a serviço
do próximo, nos mais variados se-
tores da assistência, da caridade e
da promoção social.
O Anuário Pontifício mostra
também a contribuição da Igreja à
cultura contemporânea com as
suas escolas, as suas universida-
des e as suas academias.
Em síntese, o Anuário ponti-
fício de cada ano abre-nos uma
janela para o mundo e permite-
nos intuir, ao menos em parte, a
obra que a Sé Apostólica está
realizando para difundir até os
confins da terra o Evangelho de
salvação que Cristo nos doou. q

O Anuário Pontifício do ano de 1931,


sob o pontificado de Pio XI, uma das primeiras
edições com esta denominação

30DIAS Nº 1/2 - 2011 19


C A PA

A aposta egípcia
Das perseguições de Diocleciano à queda de Mubarak.
Das alianças com os primeiros seguidores de Maomé à incógnita representada
pela Irmandade Muçulmana. Antonios Naguib, patriarca dos Coptas Católicos
de Alexandria, retoma o longo itinerário dos cristãos na terra dos faraós.
Uma história cheia de surpresas
de Gianni Valente

rimeiro, o massacre de Ale- do regime de Mubarak e o início clam anseios, medos e esperan-

P xandria, com dezenas de


mortos no atentado à igreja
copta ortodoxa dos Santos, na
de uma transição cujo destino ain-
da é incerto. Para os cristãos do
Egito, como para todos os outros
ças despretensiosas. E em que o
máximo de realismo coincide
com uma prece de agradecimento
noite de 31 de dezembro. Depois, egípcios, este é realmente um e abandono à misericórdia de
a revolta nas ruas e praças egíp- tempo repleto de questionamen- Deus. Como testemunha, na en-
cias, os conflitos, os mortos, o fim tos. Um tempo em que se mes- trevista a seguir, Antonios Na-

20 30DIAS Nº 1/2 - 2011


EGITO

Praça Tahrir, no Cairo, onde durante dezoito


dias centenas de milhares de manifestantes
antigovernistas deram início à revolta contra
o presidente Hosni Mubarak; no destaque,
um manifestante mostra um crucifixo
e um exemplar do Alcorão durante
uma manifestação contra a evacuação
da praça dois dias depois da queda de
Mubarak, domingo 13 de fevereiro de 2011

deradas insuficientes. O final, co- tente pela maneira como as coisas


mo todos sabem, foi a deposição se passaram, e rezamos pela paz e
de Mubarak. pelo bem de nosso amado Egito,
Como pôde haver uma ex- para que o país possa enxergar um
plosão tão inesperada? futuro melhor e mais luminoso.
Na verdade, não podemos di- Quem foram os verdadei-
zer que foi inesperada. Muitos ros protagonistas da revolta?
analistas apontavam há tempos Como o senhor vê o papel da
os elementos que preparavam pa- Ir mandade Muçulmana no
ra essa explosão, que foi como a momento atual e no futuro? E
erupção de um vulcão. Diversos o papel do exército?
guib, patriarca dos coptas católi- fatores se somaram para leva o Os primeiros a quem temos de
cos de Alexandria. povo à insurreição: o abuso do agradecer são os jovens patriotas
poder, a corrupção, o monopólio que guiaram toda a população na
Vo s s a B e a t i t u d e , o q u e da indústria e das terras por parte recusa de uma situação errada que
ocorreu no Egito? E como o de alguns homens de negócios. E reinava no país há tempo demais.
senhor viveu os últimos acon- também todos os problemas so- Quanto aos membros da Irmanda-
tecimentos? ciais: desemprego dos jovens, im- de Muçulmana, eles não escondiam
ANTONIOS NAGUIB: Vive- possibilidade de encontrar habita- a sua oposição radical. Mas não fo-
mos dias angustiosos, que o mun- ção a preço razoável e, por conse- ram eles que guiaram o levante. O
do inteiro pôde acompanhar pela guinte, dificuldades para formar exército quis evitar o confronto ar-
mídia. Os partidos e os grupos de uma família; e, ainda, o aumento mado com a população, e acredito
oposição ao regime e ao governo contínuo dos preços dos alimen- que tenha tido um papel decisivo
começaram a organizar tos e dos serviços. para levar Mubarak à deposição.
enor mes manifesta- Houve muitos Foi uma revolta espontâ-
ções, a partir de 25 de mortos. Mas, em al- nea ou houve interferências
janeiro. Pediam a “mu- guns momentos, externas com o objetivo de
dança”, uma mudança houve o medo de desestabilizar o Egito?
radical e imediata do re- que estourasse uma O início das manifestações dos
gime, da Constituição, guerra civil bem jovens, em 25 de janeiro, era pací-
do governo e do presi- mais sangrenta. fico e muito correto. Depois, ou-
dente. O presidente Em todas as igrejas tros elementos se infiltraram, e co-
Mubarak procurou sa- de todas as denomina- meçaram os atos de vandalismo. A
tisfazer os manifestan- ções foram oferecidas retirada das forças de polícia abriu
tes e a opinião pública orações diárias pela paz as portas para todos os malfeito-
com concessões par- no país. Hoje, agrade- res. Mas foi então que vimos a coi-
ciais, que foram consi- Antonios Naguib cemos a Deus onipo- sa mais interessante: em todas ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 21


C A PA
as ruas, os jovens e os adultos, cris- em leis, onde a liberdade de cada nha convidado os cristãos a
tãos e muçulmanos, numa solida- um seja respeitada e as relações não participar das manifesta-
riedade maravilhosa, se organiza- entre as pessoas sejam reguladas ções. Vocês têm medo de que
ram espontaneamente em “comi- com base na cidadania comparti- a desestabilização do regime
tês populares” para defender a po- lhada e comum, com direitos e de- possa, com o tempo, trazer
pulação e seus bens, e assim foi veres iguais para todos. As mani- novos problemas para os
possível trazer de volta a segurança festações expressavam esse tipo cristãos, como aconteceu no
e a tranquilidade. de exigência política. Este pode Iraque?
Mas qual foi o peso das realmente, e finalmente, ser o ca- O que me enche de segurança
pressões ocidentais – em par- minho para evitar divisões e con- é o fato de ter voltado a ver acon-
ticular dos Estados Unidos – flitos entre os grupos sociais e reli- tecer nestes dias uma coisa que
e do exército na deposição de giosos, garantindo a todos a pos- não víamos faz tempo: uma uni-
Mubarak? E como o povo sibilidade de expressar-se e de dar dade concreta entre os cidadãos,
egípcio avalia essas pr es- sua contribuição para o bem co- velhos e jovens, cristãos e muçul-
sões? mum. Sem que haja categorias e manos, sem distinções e discrimi-

À esquerda, o prêmio Nobel Mohamed El Baradei na praça Tahrir, em 30 de janeiro de 2011; à direita, Mohamed Hussein Tantawi,
ex-ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro, hoje sucessor de Mubarak, durante as negociações com os manifestantes da praça Tahrir,
em 4 de fevereiro de 2011

Não posso dizer se as pressões grupos discriminados na socieda- nações, no propósito comum de
ocidentais, e de modo particular a de e na política. O Egito se encon- agir pelo bem do Egito, pela sal-
pressão dos Estados Unidos, tive- tra numa encruzilhada importante vação e pela segurança do país.
ram realmente um peso efetivo na do ponto de vista político, econô- Espero que esses sentimentos
decisão definitiva de Mubarak de mico e social. A reconstrução do possam permanecer e criar raízes
renunciar. Porque, se as manifes- país poderá realmente reavivar as nos corações. Essa experiência
tações tivessem parado com as raízes de uma civilização que mar- abriu os olhos de muita gente.
suas primeiras concessões, ele cou o mundo por séculos. Hoje, todos veem que quem fo-
não se retiraria antes do fim de Como os cristãos viveram menta as divisões e os conflitos
seu mandato. Foram os jovens e este tempo? com os outros egípcios baseando-
os outros manifestantes, decidi- Com e como todos os nossos se nas diferenças religiosas na
dos a não aceitar menos que a re- concidadãos, vivemos estes even- verdade visa destruir a unidade e
núncia total e definitiva, que o le- tos dramáticos com um profundo desestabilizar o Egito.
varam à decisão final. Se não a ti- sentimento de apreensão. Como O fato é que o regime auto-
vesse tomado, creio que o exérci- eu disse, todas as Igrejas se voltam ritário de Mubarak, nas suas
to decretaria e declararia a sua ex- ao nosso único socorro: a Miseri- declarações oficiais, comba-
pulsão do poder. córdia divina. Depositamos toda a tia os conflitos religiosos e,
E agora? Na sua opinião, nossa confiança em Deus, e agora apesar de tudo, era conside-
como tudo isso vai acabar? imploramos que dê luz e coragem rado por muitos observado-
A meu ver, existe realmente a aos líderes dos grupos e das orga- res um fator de “proteção”
possibilidade de que se inicie um nizações, para que caminhem jun- dos cristãos, vítimas de vio-
processo que leve gradualmente o tos na via da reconstrução. lências recorrentes nas últi-
Egito a ter uma posição própria No início dos protestos, os mas décadas. Não existe
entre os países modernos. Um líderes cristãos eram pruden- mesmo o risco de daqui a um
país civil e democrático baseado tes. Houve mesmo quem te- tempo nos lembrarmos com

22 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Entrevista com o patriarca Antonios Naguib

O que me enche de segurança é o fato


de ter voltado a ver acontecer nestes dias
uma coisa que não víamos faz tempo:
uma unidade concreta entre os cidadãos,
velhos e jovens, cristãos e muçulmanos,
sem distinções e discriminações.
Espero que esses sentimentos possam
criar raízes nos corações

Acima, uma imagem do atentado à igreja


copta ortodoxa dos Santos,
em Alexandria, em 31 de dezembro
de 2010, em que um carro-bomba matou
vinte e uma pessoas; à direita,
a manifestação de protesto
da comunidade copta ortodoxa
de Alexandria, em 1º de janeiro de 2011

saudade, digamos assim, da


rígida onipresença das forças
de segurança?
É verdade que muitos cristãos
pensavam que o regime de Muba-
rak garantia a eles uma certa pro-
teção, e temiam que a mudança
de regime pudesse levar a Irman-
dade Muçulmana ao poder. Até
agora, esse perigo permanece um
pouco distante, embora não te-
nha sido removido por completo.
Por outro lado, as forças armadas
declararam claramente que sua
tarefa é provisória, com a finalida-
de de preparar o caminho para
pleno restabelecimento do gover-
no civil.
Pouco antes da revolta ge-
ral, o Egito esteve no centro
de atenções e polêmicas in-
ter nacionais por causa do
massacre de cristãos coptas
em Alexandria, em 31 de de-
zembro passado. Na sua opi-
nião, há uma ligação entre as
duas coisas?
Avaliei essa hipótese desde o atacar diretamente a polícia e os caminho, assim, para todos os
primeiro momento. Porque tinha representantes do governo, até atos de vandalismo de que vocês
visto ocorrências semelhantes das matar o grande imã de Al-Azhar. têm conhecimento, partiu do mi-
décadas de 1980 e 1990, quando O alvo era o regime, os cristãos nistro dos Assuntos Internos, que
era bispo em Minya. Na época, vi- eram apenas uma ponte para es- queria provar dessa forma que a
vemos cerca de cinco anos de ata- se objetivo. sua pessoa era indispensável para
ques mortais contra os cristãos. Nestes últimos eventos, ouvi o presidente e para o regime. Na-
Os autores dos ataques queriam dizer que a ordem para que as for- queles dias, apesar da total ausên-
subverter o regime, mas não con- ças policiais se retirassem nos três cia da polícia, que normalmente
seguiram. Por isso, começaram a primeiros dias do levante, abrindo ocupava postos de vigilância ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 23


C A PA
em frente de cada igreja, não hou- grandes teólogos: Orígenes, Santo cado Copta Católico. Mas a visão
ve nenhum ataque às igrejas. Esse Alexandre, São Cirilo e Santo Ata- do vínculo com a Igreja de Roma
fato deu peso à hipótese, que cir- násio. Até que, em 451, a Igreja continua a ser um ponto contro-
culou particularmente entre os copta, ao lado da etíope, da síria e verso nas relações com os nossos
cristãos, de que o próprio ministro da armênia, rejeitou as decisões do irmãos da Igreja copta ortodoxa.
dos Assuntos Internos tenha pla- Concílio de Calcedônia. Eles dizem: unidade na fé, sim, na
nejado o massacre de Alexandria, Qual é o reflexo das origens caridade, sim, mas submissão, co-
para justificar um reforço das for- apostólicas da Igreja egípcia mo inferior perante um superior,
ças policiais. Em todo caso, a es- na vida e nas devoções dos não. Dizem que essa era a situa-
pontaneidade dos levantes juvenis fiéis? ção dos primeiros séculos, que
e populares acabou com qualquer A devoção a São Marcos é for- mais tarde se sintetizou na Pen-
eventual cálculo criminoso. tíssima. Ele é venerado por todos tarquia, a estrutura dos cinco Pa-
Depois do massacre de como o apóstolo fundador. Além triarcados, entre os quais o de Ro-
Alexandria de 31 de dezem- disso, o Egito foi também um dos ma, que, segundo eles, tinha um
bro, a grande mídia interna- países em que Jesus viveu, quan- primado na caridade, mas não na
do, logo depois do jurisdição.
seu nascimento, Abrindo um parêntese, no
Maria e José se re- recente Sínodo sobre o
fugiaram aqui para Oriente Médio, o cardeal Le-
escapar de Hero- vada anunciou que quer re-
des. Todo o per- colher sugestões e propos-
curso da Sagrada tas dos chefes das Igrejas
Família é demarca- orientais a respeito do tema
do com lugares e do primado, para procurar
santuários que ho- novas oportunidades para o
je são meta de pe- diálogo com os ortodoxos
regrinações. sobre esse ponto. Essa ini-

À esquerda,
São Pedro entrega
o Evangelho
a São Marcos,
evangeliário copta
de 1250 conservado
no Instituto Católico
de Paris

À direita,
o patriarca
Shenouda III

cional passou a falar também São Marcos era discípulo


dos cristãos coptas do Egito. de Pedro. Recebeu do Prínci-
Normalmente sem explicar pe dos Apóstolos a ordem de
bem quem são eles. escrever seu Evangelho. Por-
Os coptas são cristãos do Egito tando, existe desde as ori-
que, segundo a tradição, receberam gens um vínculo entre a Igre-
a fé cristã do apóstolo São Marcos. ja copta e o bispo de Roma.
Depois, com Diocleciano, o grande Até 451, a Igreja era pratica- ciativa foi adiante? Vocês,
perseguidor, veio a era dos márti- mente uma só; depois é que vie- patriarcas católicos orien-
res, que deu início (no ano de 284) ram as separações. A partir da tais, foram contatados pela
ao calendário copta. No século IV, primeira metade do século XVIII, Congregação para a Doutri-
com a liberdade religiosa, a fé cristã uma pequena parte dos coptas na da Fé?
se difundiu por todo o Egito. A Igre- confessou sua comunhão com o Até agora, não. No Sínodo, ma-
ja de Alexandria naquela época ti- bispo de Roma, e em 1895 o pa- nifestou-se o desejo de uma maior
nha um papel eminente, com seus pa Leão XIII constituiu o Patriar- participação dos patriarcas católicos

24 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Entrevista com o patriarca Antonios Naguib

orientais da vida da Igreja Católica. segundo a qual a natureza Igreja do povo, deixando aos cal-
Foram feitas algumas propostas prá- humana de Jesus seria absor- cedônios o controle de uma hierar-
ticas, como a de admitir os patriar- vida pela divina. O que resta quia filoimperial protegida pelas
cas orientais no Sacro Colégio que dessas doutrinas na espiri- guarnições bizantinas. Mas, do
elege o Papa em virtude de seu pró- tualidade copta? ponto de vista doutrinal, já no sé-
prio ofício patriarcal, sem que seja Na realidade, desde aquela épo- culo VI foram rejeitadas no Egito
preciso criá-los cardeais. Seriam si- ca, as controvérsias giravam em as doutrinas que afirmavam a fu-
nais de um maior envolvimento, mas torno de aspectos terminológicos, são entre a natureza humana e a
natureza divina de Jesus. Em
1988, os representantes da Igreja
copta ortodoxa e da Igreja católica
subscreveram uma declaração cris-
tológica pactuada para expressar
sua fé compartilhada em Jesus
Cristo, “perfeito na Sua Divindade
e perfeito na Sua Humanidade”,
que “tornou a Sua Humanidade
uma coisa só com a Sua Divinda-
de, sem mistura ou confusão”.
No seu modo de ver, o que
define, na vida concreta, a es-
piritualidade da Igreja copta?
Neste ponto, é preciso fazer
uma distinção. Nós, coptas católi-
cos, nos formamos com a ajuda
de professores e educadores cató-
licos. Portanto, nos enriquece-
mos com todas as novas contri-
Celebração litúrgica da Sexta-feira Santa em uma igreja copta do Cairo buições teológicas e espirituais
que apareceram no catolicismo
ao longo dos séculos. Por sua pró-
Naqueles dias, os postos de vigilância da polícia pria postura, o nosso pensamen-
to se atualiza constantemente, es-
que ficam em frente das igrejas foram retirados, timulado pelos ensinamentos que
mas não houve nenhum ataque às igrejas. recebemos tanto do Papa quanto
das Congregações, dos Concílios,
Esse fato deu peso à hipótese, que circulou entre dos teólogos e dos santos.
E os coptas ortodoxos?
os cristãos, de que o próprio ministro Para eles, é diferente. Nós,
coptas católicos, distinguimos o
dos Assuntos Internos tenha planejado patrimônio espiritual ascético-
o massacre de Alexandria de 31 de dezembro, monástico do patrimônio teológi-
co-dogmático. Para eles, a teolo-
para justificar um reforço das forças policiais gia coincide com a Sagrada Escri-
tura, com os Padres da Igreja e
com a rica tradição espiritual mo-
não representam uma solução. E mais que substanciais. Como nástica. Assim, tudo permanece
certamente não são coisas que po- acontece ainda hoje, as disputas sempre igual ao início; não existe
dem satisfazer os nossos irmãos or- doutrinais eram alimentadas tam- a diferenciação a que assistimos
todoxos. Para eles, o critério é o da bém por questões políticas. Na- na Igreja Católica através dos sé-
autocefalia, ou seja, da autonomia quele tempo, o Egito estava sob o culos. E devo dizer que para nós,
de cada Igreja local. E a questão do domínio dos bizantinos, que ti- coptas católicos, a proximidade
primado deve ser posta nos termos nham aceitado o Concílio de Cal- com essa realidade dos nossos ir-
em que era compartilhada nas rela- cedônia e queriam preencher as mãos coptas ortodoxos é uma aju-
ções entre os apóstolos e entre seus sedes episcopais com bispos “cal- da, pois a nossa formação “à ma-
primeiros sucessores. cedônios” politicamente fiéis a neira ocidental” contém um risco
A partir da rejeição do eles, a começar pela sede patriar- de intelectualismo. Já entre eles
Concílio de Calcedônia, as cal de Alexandria. Os egípcios tudo é muito mais simples e es-
comunidades cristãs autócto- identificavam a fé “calcedônia” co- sencial. O ponto que nos une é a
nes do Egito ficaram ligadas mo um sinal distintivo da fé impe- liturgia. Podemos dizer que a fé
ao monofisismo, a doutrina rial, e, estimulados sobretudo pe- no Egito é preservada e transmiti-
que esse Concílio condenou, los monges, se organizaram numa da não pela teologia, pela cul- ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 25


CAPA
tura civil, pelos grandes pregado-
res, mas pelo apego visceral à li-
turgia vivido pelos cristãos desta
terra. A liturgia é a nossa verda-
deira pátria espiritual.
E as peregrinações?
As peregrinações também ocu-
pam um espaço privilegiado na vi-
da dos nossos fiéis. Nelas encon-
tramos gente de todas as partes do
Egito; nelas descobrimos ser uma
única família, na fé e na veneração
dos santos. Nós, coptas católicos,
peregrinamos também aos santuá-
rios ortodoxos e aos lugares pelos
quais, segundo a tradição, passou
a Sagrada Família.
É verdade que os muçul-
manos também participam?
Claro. Eles participam das pe-
regrinações para se encontrar
com São Jorge e a Virgem Maria,
que é citada no Alcorão como a
mais honrada entre todas as mu-
lheres, e que, também para eles, Como cristãos do Egito – católicos,
deu à luz milagrosamente a seu fi-
lho, que eles consideram o maior protestantes e ortodoxos, sem diferenças –,
dos profetas. Portanto, a Virgem vemos que todo apelo por pressões diplomáticas,
Maria é uma ponte de unidade.
Além deles, Santa Teresinha tam- iniciativas punitivas ou sanções econômicas
bém. No Cairo, há uma basílica
dedicada a Teresinha que é muito contra o Egito em razão dos episódios que
frequentada pelos muçulmanos.
É ver dade? Como isso é envolvem os cristãos egípcios é o dano mais grave
possível? que possa ser feito aos próprios cristãos
É a sua santa menina predileta.
O santuário fica num bairro muito
popular. Quando alguém fica
doente, passa por uma necessida- os coptas eram não apenas mar- cos foram marcadas pela violên-
de urgente, tem problemas de tra- ginalizados, mas perseguidos pe- cia e por repetidas tentativas de
balho ou de família, um amigo ou los bizantinos, que eram os domi- eliminar os coptas. Boa parte de-
uma amiga cristã lhe diz: vamos nadores. Como eu disse, Alexan- les se deslocou para as regiões ao
rezar a Santa Teresinha. Eles vão dria tinha um patriarca bizantino sul, onde podiam viver uma vida
lá, param diante da imagem da imposto pelo império. Quando um pouco mais tranquila.
santa, acendem velas, e rezam chegaram os conquistadores mu- E hoje? Ainda existem
com muito ardor. Muitas vezes os çulmanos, os coptas os acolhe- áreas ou grupos sociais em
vi até chorar. E realmente os mila- ram como libertadores. Seu pri- que os cristãos se concen-
gres acontecem, e as histórias se meiro governador, Amr ibn al-As, tram?
espalham, de amigo para amigo. garantiu que respeitaria a fé dos Hoje os cristãos vivem no país
Assim, esse se tornou um santuá- coptas e seus lugares de culto, o inteiro, das costas do norte às
rio frequentado igualmente por que de fato aconteceu sob seu go- fronteiras com o Sudão. São ra-
muçulmanos e cristãos. Temos verno e de seus primeiros suces- ros os municípios em que todos os
até livrinhos em árabe que con- sores. Assim, os monges e os bis- habitantes são cristãos. De modo
tam a sua história. Uma santa tão pos coptas puderam retomar a geral, eles vivem misturados com
jovem, tão indefesa... eles têm um orientação espiritual do povo e o resto do povo egípcio. Antes
grande apreço por ela. também um posicionamento so- havia bairros do Cairo onde os
As relações com os muçul- ciopolítico reconhecido na nova cristãos eram maioria, mas hoje
manos sempr e foram uma ordem muçulmana. esse fenômeno também vai dimi-
prova do caráter autóctone, Mas depois as coisas se de- nuindo. Não temos enclaves. E
“egípcio”, da Igreja copta. gradaram. não somos identificados como
Desde a chegada deles. A época dos soberanos mame- uma classe social. Há cristãos em
Naquele tempo, no século VII, lucos e, depois, a dos sultões tur- todas as camadas da sociedade,

26 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Entrevista com o patriarca Antonios Naguib

À esquerda, devoção
na igreja de Minya,
um dos lugares em que
a Sagrada Família
pernoitou durante
a fuga para o Egito

Abaixo, o mosteiro copta


de Santo Antônio,
em Zafarana

Acima, o incipit do Evangelho


de Marcos, num manuscrito
copta de 1204-1205,
proveniente do mosteiro
de Santo Antônio e atualmente
conservado na Biblioteca
Apostólica Vaticana.
O códice contém a versão
copta do texto grego
dos Evangelhos e, na margem,
a tradução em língua árabe.
A miniatura representa
o arcanjo Miguel com
o evangelista Marcos

desde os fellah, os camponeses, pre digo é que este é um dado real: Os coptas não sentiram
até a elite rica. Sempre numa pro- os cristãos coptas estavam no Egi- grande pesar quando, no Egi-
porção que não supera dez por to antes da chegada dos muçulma- to moderno, os quartéis das
cento. Os ricos, até bastante co- nos. Mas não é preciso fazer disso potências ocidentais foram
nhecidos internacionalmente, re- um fator de oposição em relação desmantelados.
presentam um número muito pe- aos outros egípcios. Como é possí- Muito pelo contrário. Eles não
queno, se comparado ao dos ricos vel apagar catorze séculos de con- viam no poder das potências oci-
muçulmanos. E entre os coptas vivência? Se assim fosse, os muçul- dentais um elemento de proteção
católicos há pouquíssimos ricos, manos também poderiam dizer: para os cristãos. Para eles, era um
quase não existem... [ri, ndr]. no fundo, vocês chegaram aqui fator de enfraquecimento da Igreja
Mas é um fato que, a partir “apenas” sete séculos antes de local, com a passagem de mem-
do século XIX, surgiu entre nós... No máximo, um argumento bros da Igreja copta ortodoxa para
os coptas um certo naciona- como esse deve ser usado para de- a copta protestante. É o mesmo
lismo, que os levava a identi- finir um terreno comum que nos que dizem em relação aos coptas
ficar-se como os verdadeiros una no presente e no futuro, como católicos. Mas, ao mesmo tempo,
herdeiros dos antigos egíp- nos uniu na alegria e na dor duran- a liberdade religiosa não pode ser
cios e a considerar os muçul- te catorze séculos, até hoje. Luta- negada. E no Egito moderno não
manos “estrangeiros”. A bur- mos juntos pela independência, houve uma dominação que favore-
guesia copta batizava seus fi- sofremos juntos nas últimas guer- cesse o nascimento da Igreja copta
lhos com nomes de faraós. ras, em que o sangue dos cristãos católica. Até hoje somos apenas
Para dizer a verdade, isso existe foi derramado juntamente com o 250 mil. Não podemos ser acusa-
na mentalidade copta. O que sem- dos muçulmanos. dos de proselitismo. ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011 27
C A PA
Na Igreja copta ortodoxa, tico”. Esse fenômeno tem dife- versas ramificações; os diversos
mesmo nos longos períodos rentes formas e manifestações. grupos muitas vezes tomam cami-
de marginalidade, os leigos Alguns desses grupos se esforçam nhos diferentes e entram em con-
sempre tiveram uma grande para fazer uma lavagem cerebral flito. Não dá para pôr todos no
influência na orientação da nos jovens, de modo a pôr em mesmo saco. Cada geração segue
vida eclesial. prática projetos de domínio, local por um caminho. É preciso distin-
No início eram eles que diri- e mundialmente. Não o escon- guir um grupo do outro. Hoje,
giam tudo. Os leigos notáveis ti- dem, dizem-no claramente, escre- além de tudo, existem novos gru-
nham dinheiro e posições social- vem sobre o assunto. E, dadas as pos salafitas que atacam os ou-
mente influentes; o clero não era condições difíceis vividas em nos- tros, inclusive a Irmandade Mu-
instruído. Os camponeses iam pa- sos países, têm sucesso. Entre es- çulmana, em nome de sua preten-
ra os mosteiros; os mais devotos tes, há quem defenda uma menta- sa maior pureza islâmica.
eram ordenados bispos. Foi assim
até o patriarca Cirilo VI, o ante-
cessor do atual patriarca, She-
nouda III, que era um santo ho-
mem de Deus e começou a atrair
para os mosteiros alguns jovens
universitários, e depois os consa-
grou bispos para a missão entre o
povo. Esses bispos, ao lado dos
leigos, lançaram as escolas domi-
nicais de catecismo, e de lá partiu
uma corrente de renovação que
envolveu toda a comunidade cop-
ta. Uma renovação que floresceu
em torno dos mosteiros. É desse
contexto que vêm os bispos orde-
nados pelo patriarca Shenouda
III. São mais de cem, e hoje são
eles que dirigem a Igreja. O peso
dos leigos diminuiu, mas continua
a ser muito grande.
Muitas comunidades cristãs
do Oriente são caracterizadas
por uma certa discrição. Ten-
dem a não ser socialmente visí-
veis demais. No entanto, no
Egito, os coptas mostram uma
certa exuberância, até publica- Crianças brincam na entrada da igreja copta dedicada à Virgem Maria, em Alexandria
mente. Grandes mosteiros,
grandes catedrais, manifesta-
ções públicas. lidade de rejeição e de ódio ao ou- O grande mérito histórico do
Certamente a Igreja copta é visí- tro. Desse húmus podem sair gru- Sínodo para o Oriente Médio foi
vel, presente, ativa. Mas não se tra- pelhos que decidem realizar aten- ter definido essa situação com cla-
ta de querer aparecer. O fato é que, tados como o de Alexandria. reza, numa perspectiva de comu-
mesmo sendo minoria, são uma mi- A Irmandade Muçulmana nhão dentro da Igreja, com os ou-
noria muito consistente. São mui- está por trás da violência tros cristãos e também com os ou-
tos, pelo menos oito milhões; com contra os cristãos, como al- tros concidadãos, para construir
certeza não podem esconder-se. guns afirmam? sociedades baseadas no direito,
Voltemos à dramática si- A Irmandade Muçulmana nas- no respeito aos valores comuns e
tuação atual. O massacre do ceu de uma ideologia que promo- na igualdade na cidadania.
último dia do ano impressio- via a renovação do islã, para vol- No passado, ante os ata-
nou a todos. Mas os coptas já tar à pureza das origens. Logo is- ques e a violência sofridos
tinham sofrido ataques e vio- so se tornou uma orientação polí- pelos coptas, a Igreja no Egi-
lências, desde a década de tica, que pretendia voltar ao mo- to nunca atribuiu a culpa à
1980. O que mudou, em rela- do de vida dos tempos do Profeta, maioria islâmica ou ao islã
ção à época anterior? pela imposição integral da Sharia em geral. E hoje?
Existe hoje um fenômeno geral e da dominação islamista na so- Depois da tragédia de Alexan-
de crescimento das correntes fun- ciedade. Mas depois as coisas mu- dria, houve uma reafirmação ain-
damentalistas e islamistas, que no daram. Mesmo dentro da Irman- da mais forte do destino comum
Sínodo definimos como “islã polí- dade Muçulmana se criaram di- que é compartilhado por cristãos e

28 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Entrevista com o patriarca Antonios Naguib

muçulmanos no Egito. Tudo o que se isso. Mas essa falsa versão de em razão dos episódios que en-
foi dito, na televisão e no jornal, suas palavras foi tomada como se volvem os cristãos egípcios é o
mesmo pelos intelectuais e pelos fosse a versão oficial. E transfor- dano mais grave que possa ser
guias da comunidade muçulmana, mou-se no pretexto de que Al-Az- feito aos próprios cristãos. Eu
a começar pelo grande imã de Al- har precisava para suspender o gostaria de ter dito isso em Bru-
Azhar, seguiu nessa linha, mais do diálogo com a Santa Sé. xelas, no Parlamento Europeu,
que antes. Enfim, as palavras do Papa quando me convidaram a falar
Houve fortes reações às foram desvirtuadas. Mas das perseguições dos cristãos no
palavras do Papa, chegando houve realmente campanhas Oriente Médio. Mas não quis dei-
até a suspensão das relações or ganizadas no Ocidente, xar o país, nas circunstâncias trá-
de diálogo com a Santa Sé, que chegaram até o Parla- gicas destes dias.
por iniciativa da Universida- mento Europeu, onde foi pe- Como os coptas ortodoxos
de de Al-Azhar, o maior cen- dida a suspensão da ajuda avaliaram essas iniciativas e
tro de ensino religioso do is- prestada aos países que não os apelos do Papa?
lã sunita. Como foi esse epi- defendem os cristãos. Eles também ficaram condicio-
sódio? Essa é uma atitude errada. E nados pela versão distorcida que
Uma emissora de tevê [a Al Ja- acaba por confirmar as interpre- se espalhou. E oficialmente assu-
zeera, ndr] transmitiu as notícias tações errôneas das palavras do miram o mesmo critério de juízo
de modo distorcido, dizendo que Papa. Como cristãos do Egito – expresso pelo imã de Al-Azhar.
o Papa tinha chamado os Estados católicos, protestantes e ortodo- Nós, como católicos, temos um
e os governos do Ocidente a se xos, sem diferenças –, vemos que vínculo de fé e hierarquia com o
posicionarem para defender os todo apelo por pressões diplomá- bispo de Roma. Mas certamente
cristãos perseguidos no Egito e no ticas, iniciativas punitivas ou san- não temos nenhuma obrigação de
Oriente Médio. O Papa nunca dis- ções econômicas contra o Egito nos sentirmos vinculados às inicia-

À direita, sacerdotes coptas em oração na


Catedral copta ortodoxa de São Marcos,
no Cairo

Abaixo, devoção na gruta de Doronka,


na cidade de Asyut, um dos lugares em
que pernoitou a Sagrada Família durante
a fuga para o Egito. Para cá, todos os
anos, por ocasião da festa da Assunção
da Virgem, dezenas de milhares
de cristãos coptas se dirigem em
peregrinação ao lado de milhares
de muçulmanos igualmente atraídos
pela santidade do lugar

tivas de grupos ou organismos eu-


ropeus, ocidentais ou internacio-
nais. São importantes e devem ser
valorizadas as contribuições que
podem vir de qualquer parte, mas
os objetivos precisam ser promo-
ver um clima positivo e identificar
terrenos comuns de convivência e
colaboração, e não piorar as ten-
sões e os conflitos.
Para terminar, eu lhes pediria
em primeiro lugar que rezassem
pela paz e pela tranquilidade do
Egito e de todos os países que so-
frem com a instabilidade e a vio-
lência. E lhes agradeço por seu
interesse e sua proximidade. q

30DIAS Nº 1/2 - 2011 29


Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN

O MISTÉRIO DA CARIDADE DE JOANA D'ARC

Publicamos alguns trechos da catequese do que a vida: é um


Papa Bento XVI sobre Santa Joana d’Arc na dom de Deus, que
audiência geral de quarta-feira, 26 de janeiro deve ser recebido e
de 2011. conservado com
humildade e con-
“Estimados irmãos e irmãs! fiança. Um dos tex-
Hoje gostaria de vos falar de Joana d’Arc, uma tos mais conheci-
jovem santa do fim da Idade Média, morta com dos do primeiro
19 anos em 1431. Esta santa francesa, citada vá- Processo diz res-
rias vezes no Catecismo da Igreja Católica, está peito precisamente
a isto: ‘Interrogada
se sabia que estava
na graça de Deus, Uma imagem de Joana d'Arc no
responde: se não filme de Carl Theodor Dreyer
estou nela, que La passion de Jeanne d'Arc
Deus me queira
pôr; se aí estou, Deus me queira conservar’ (cf.
Catecismo da Igreja Católica, n. 2005).
A nossa santa vive a oração na forma de um
diálogo contínuo com o Senhor, que ilumina
também o seu diálogo com os juízes e lhe dá paz
e segurança. Ela pede com confiança: ‘Dulcíssi-
mo Deus, em honra da vossa santa Paixão, pe-
ço-vos, se me amais, que me reveleis como devo
responder a estes homens de Igreja’. Jesus é
A praça do Mercado Antigo de Rouen contemplado por Joana como o ‘Rei do Céu e
onde Joana d'Arc foi queimada na fogueira
da Terra’. Assim, no seu estandarte, Joana man-
particularmente próxima de santa Catarina de dou pintar a imagem de ‘Nosso Senhor que
Sena, padroeira da Itália e da Europa. [...] mantém o mundo’. [...]
O Nome de Jesus, invocado pela nossa santa Apraz-me recordar como santa Joana d’Arc
até nos últimos instantes da sua vida terrena, era teve uma profunda influência sobre uma jovem
como que o suspiro contínuo da sua alma, como a santa da época moderna: Teresa do Menino Je-
palpitação do seu coração, o centro de toda a sua sus. Numa vida completamente diferente, trans-
vida. O Mistério da caridade de Joana d’Arc, corrida na clausura, a carmelita de Lisieux sentia-
que tanto tinha fascinado o poeta Charles Péguy, se muito próxima de Joana, vivendo no coração
é este amor total por Jesus, e pelo próximo em da Igreja e participando nos padecimentos de
Jesus e por Jesus. [...] Cristo para a salvação do mundo. A Igreja reuniu-
Com o voto de virgindade, Joana consagra de as como Padroeiras da França, depois da Virgem
modo exclusivo toda a sua pessoa ao único Amor Maria. Santa Teresa tinha exprimido o seu desejo
por Jesus: é ‘a sua promessa feita a nosso Se- de morrer como Joana, pronunciando o Nome
nhor, de conservar bem a sua virgindade de corpo de Jesus, e era animada pelo mesmo grande
e de alma’. A virgindade da alma é o estado de amor a Jesus e ao próximo, vivido na virgindade
graça, valor supremo, para ela mais precioso do consagrada”.

30 30DIAS Nº 1/2 - 2011


urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO

PAPA/1 menino escapa de seu pai e para Migrantes e


A unidade dos pula além das primeiras fi- subsecretário no “Cor
cristãos habita na las, o guarda que se detém Unum” e promotor na
oração ao ver que monsenhor Congregação dos
Georg Gänswein faz um si- Santos
Na audiência geral da quar- nal sorrindo para deixá-lo
ta-feira, 19 de janeiro, o livre e ele, o menino, um No dia 4 de janeiro o Papa
Papa Bento XVI disse: “O brasileiro, que corre e dá aceitou a renúncia apresen-
caminho rumo à unidade um olhada atrás de si e sobe tada pelo cardeal Franc Ro-
visível entre todos os cris- os degraus para cumpri- dé do cargo de prefeito da
tãos habita na oração por- mentar Bento XVI, enter- Congregação para os Reli-
que, fundamentalmente, a necido pelo gesto da crian- giosos e chamou para suce-
unidade não somos nós que ça que se ajoelha para bei- dê-lo no mesmo cargo
a ‘construímos’, mas é jar seu anel”. Publicado no Nasrallah Pierre Sfeir monsenhor João Braz de
Deus que a ‘constrói’, deri- Corriere della Sera de 3 de Aviz, 64 anos, ligado ao
va d’Ele, do Mistério trinitá- fevereiro. Em 22 de fevereiro o Pa- movimento dos Focolari-
rio, da unidade do Pai com pa nomeou arcebispo de nos, desde 2004 arcebispo
o Filho no diálogo de amor Québec no Canadá, monse- de Brasília.
que é o Espírito Santo, e o DEMISSÕES nhor Gérald Cyprien La- Em 22 de janeiro o Papa
nosso compromisso ecu- E NOMEAÇÕES croix, do Institut Séculier Pie nomeou, por um triênio, vi-
mênico deve abrir-se à obra As demissões de X, 54 anos, que desde abril ce-camerlengo da Santa
divina, deve fazer-se invo- Agnelo, Husar, de 2009 era auxiliar na mes- Igreja Romana o arcebispo
cação quotidiana da ajuda Sterzinsky e Sfeir. ma sede do cardeal Marc espanhol Santos Abril y
de Deus. A Igreja é sua, e Nomeado o sucessor Ouellet, chamado no ano Castelló, 76 anos, ex-nún-
não nossa”. de Ouellet em passado para guiar a Con- cio apostólico na Eslovênia.
Québec gregação para os Bispos. Em 22 de fevereiro o
Papa nomeou Secretário
PAPA/2 No dia 12 de janeiro o Pa- do Pontifício Conselho da
O menino e o Papa pa aceitou a renúncia ao NOMEAÇÕES/1 Pastoral para os Migrantes
governo pastoral da arqui- O cardeal Nicora na e Itinerantes o indiano Jo-
“Aconteceu tudo rapida- diocese de São Salvador da direção da Autoridade seph Kalathiparambil, 59
mente, foi na audiência de Bahia, no Brasil, apresen- de Informação anos, desde 2002 bispo de
ontem, logo depois do final tada pelo cardeal Geraldo Financeira Calicut.
da catequese do Papa: o Majella Agnelo, e nomeou Em 5 de janeiro o Papa
para substituí-lo o arcebis- No dia 19 de janeiro o nomeou subsecretário do
po Murilo Sebastião Ra- Papa nomeou presiden- Pontifício Conselho “Cor
mos Krieger, dehoniano, te da Autoridade de In- Unum”, monsenhor Se-
68 anos, desde 2002 me- formação Financeira, gundo Tejado Muñoz, da
tropolita de Florianópolis. constituída em 30 de de- diocese de Roma, oficial do
Em 10 de fevereiro o Papa zembro, o cardeal Atti- mesmo dicastério.
aceitou a renúncia do car- lio Nicora, presidente Em 9 de fevereiro o Pa-
deal Lubomyr Husar, 78 da Administração do Pa- pa nomeou Promotor da Fé
anos em 26 de fevereiro, trimônio da Sé Apostóli- na Congregação para as
ao cargo de arcebispo ca. O Pontífice nomeou Causas dos Santos, o padre
maior de Kyiv-Halyc na também como membros Luigi Borriello, carmelita-
Ucrânia. No dia 24 de fe- do Conselho Diretor da no descalço, até agora con-
vereiro o Papa aceitou a AIF, o professor Claudio sultor do mesmo dicastério.
renúncia ao governo pas- Bianchi, o advogado
toral da arquidiocese de Marcelo Condemi, o
Berlim, na Alemanha, professor Giuseppe Dal- IGREJA
apresentada pelo cardeal la Torre, e Cesare Testa. Mariano Crociata
Geor g Maximilian Ster- e o sectarismo cristão
zinsky. No dia 26 de feve-
reiro aceitou a renúncia ao NOMEAÇÕES/2 “Na época das crises das
ofício de patriarca de Anti- Novo prefeito identidades, do expressivis-
oquia dos Maronitas apre- na Congregação mo e da autenticidade, po-
sentada pelo cardeal Nas- para os Religiosos; de-se viver uma pertença
r a l l a h P i e r r e S f e i r, 9 1 vice-camerlengo; eclesial fluída, intermitente
anos. secretário na Pastoral e fraca, ou senão, pode- ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 31


Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN

se enfrentar a mesma situa- quer se manter como fé em dalidade poderá ter a preten-
ção com a opção exatamente Jesus Cristo ‘vindo na car- são de ser o único modo de
contrária: a que consiste em ne’”. São algumas considera- pertença eclesial’. Ainda mais
assumir uma pertença ao pró- ções de monsenhor Mariano ‘com traços de exclusão, não
prio grupo eclesial, ao pró- Crociata, secretário geral da apenas para com os não cris-
prio movimento, à própria Conferência Episcopal Italia- tãos, mas até mesmo para os
‘experiência’ como se fossem na, na abertura da Semana que, cristãos como nós, vivem
a única modalidade de per- Teológica, promovida pela a sua pertença eclesial de mo-
tença possível para ser Igre- diocese de Messina em 8 de do diferente do nosso’”.
ja”. São “duas faces de uma fevereiro passado e publica-
mesma medalha [...]. O pró- das no L’Osservatore Roma-
prio fato de que a nossa lin- no do dia seguinte. Sintetizan- ORIENTE MÉDIO
guagem conheça a possibili- do o discurso do bispo, o arti- A bandeira
dade de uma fé sem pertença Mariano Crociata go do jornal do Vaticano con- da Palestina hasteada
ou de uma pertença sem fé, já clui: “Enfim, a pertença ecle- nos EUA
é índice do fato que a perten- em uma pertença visível e ex- sial ‘jamais pode ser sectária’,
ça eclesial vive uma sua singu- terior, não pode nem mesmo mas sim ‘estruturalmente “Pela primeira vez, a ban-
laridade. Ela está ligada à fé, e ser concebida como fato me- aberta’. Consequentemente deira palestina foi hasteada
a fé, se não pode totalmente ramente interior e invisível, se ‘nenhuma determinada mo- na sede da missão ANP ¬

EGITO
Arrigo Levi e as ilusões de Israel

No jornal La Stampa de 2 de fevereiro, Arrigo Levi es-


creveu um editorial com o título: Acabaram as ilusões de
Israel. Publicamos a parte conclusiva.
“Israel, ou melhor a Israel da aliança entre direita política
e religiosa guiada por Netanyahu, poderia pensar que a
substancial inércia diplomática, e a continuação da ex-
pansão nos territórios ocupados, representasse uma polí-
tica cômoda e não arriscada para enfrentar um mundo
palestino dividido e privado de substanciais apoios do Manifestantes na praça Tahrir, no Cairo
mundo árabe e islâmico: desde que, bem entendido, não
se olhe muito longe no tempo, e se iluda de que uma Pa- disponibilidade às concessões, indispensáveis para um
lestina cada vez mais fraca deveria por fim contentar-se acordo, sobre o bloqueio de novos assentamentos como
com uma paz imposta com qualquer condição. Se forem sobre a aceitação de uma capital palestina nas zonas com
verdadeiras as revelações de Al Jazeera, o comporta- população árabe da grande Jerusalém. (De resto, na Je-
mento renunciatário dos negociadores palestinos pode- rusalém histórica, dentro das antigas muralhas, não há
ria justificar estas ilusões. Mas a aliança com o Egito era a nem o Parlamento nem a Presidência nem os essenciais
premissa necessária desta política, na verdade injusta pa- órgãos de governo nem mesmo do Estado de Israel). Mas
ra com o povo palestino, e míope por parte de um Estado por enquanto, isso é apenas um auspício. Também o
de Israel que encontrará a garantia final do seu futuro his- oportunismo instintivo de um político hábil como Neta-
tórico apenas com o nascimento de um Estado Palestino nyahu não parece à altura de uma tal virada política. A es-
que ofereça o justo reconhecimento às razões do povo perança que a revolução egípcia leve ao nascimento de
palestino. Se os judeus continuaram a se prometer por uma democracia leiga egípcia é talvez ainda menos auda-
dois mil anos ‘no ano próximo em Jerusalém’, porque os ciosa do que a esperança de que o anúncio, que vem do
palestinos, com um grande mundo árabe e islâmico às Cairo, de uma nova era de instabilidade e imprevisibilida-
costas, deveriam esquecer em tempos breves o sonho de de de todo o mundo árabe-islâmico (não sabemos se e on-
uma pátria para si? Então, o que Israel pode fazer? De vá- de se deterá a onde revolucionária depois da Tunísia e do
rias frentes, o início da revolução egípcia levou diversos Egito), leve este governo israelense a uma iniciativa ines-
observadores a se perguntarem se justamente a falta da perada para levar justamente agora ao sucesso as nego-
‘coluna da paz’ que tinha como base o Cairo não possa ciações com os palestinos. Os observadores menos oti-
ter o efeito surpreendente de levar Israel, no temor de um mistas temem o efeito oposto de um ulterior fechamento
próprio ulterior isolamento, a relançar as negociações de Israel por trás da ilusória segurança do muro de prote-
suspensas com os palestinos, demonstrando a necessária ção nos limites do Estado”.

32 30DIAS Nº 1/2 - 2011


urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO

DOM GIUSSANI/1 DOM GIUSSANI/2


A recordação A recordação
do cardeal Tettamanzi, em Milão do cardeal De Paolis, em Roma

“Caríssimos, celebramos a memória do dies natalis de “Novas iniciativas são tomadas na Igreja [depois do Con-
Dom Giussani, ou seja, do dia de seu encontro definiti- cílio, ndr], nem sempre felizes. Delineiam-se sobretudo
vo e eterno com Cristo, ponto mais alto daquele encon- duas correntes igualmente perniciosas: os tradicionalis-
tro que foi o segredo, a paixão, a força e a alegria de ca- tas e os progressistas. [...] Ao aceitar a tradição da Igreja,
da um de seus dias [...]. A partir daquele encontro Dom Dom Giussani não acaba prisioneiro de esquemas do
Giussani ficou fascinado e conquistado e nada mais fez passado. Ao contrário disso, ele intui que dessa forma,
em sua vida senão ser ‘ministro’ humilde e valioso do em vez de dispersar-se na busca de novos caminhos dou-
encontro que fizera, fascinando, por sua vez, e conquis- trinais dos quais não sente a necessidade, pode servir-se
tando para Cristo as pessoas e as realidades que encon- do rico patrimônio doutrinal, filosófico e teológico da
trou em seu caminho. Como disse há seis anos, nesta Igreja para aprofundar o encontro pessoal dos homens
mesma Catedral, o então cardeal Joseph Ratzinger: ‘Já com Cristo e reapresentar, assim, a mensagem originá-
na adolescência criou com outros jovens uma comuni- ria com nova força e vigor, dialogando de modo seguro
dade que se chamava Studium Christi: o seu programa com a cultura de sua época e oferecendo uma resposta
era não falar de nada mais a não ser de Cristo, pois todo segura às necessidades mais profundas do homem.” São
o resto parecia perda de tempo’.” É assim que começa palavras do cardeal Velasio De Paolis, presidente da Pre-
a homilia da missa que o cardeal Dionigi Tettamanzi ce- feitura para os Assuntos Econômicos da Santa Sé, na ho-
lebrou no Domo de Milão, em 28 de fevereiro, em su- milia durante a missa celebrada em sufrágio de padre
frágio de padre Luigi Giussani, que o arcebispo recor- Luigi Giussani em 22 de fevereiro, em Roma. Esta é a
dou como “nosso irmão e pai”. Disse na parte conclusi- conclusão do purpurado: “No livro É possível viver as-
va da homilia: “A palavra de Paulo: ‘Eu vivo, mas não sim?, Dom Giussani revela o segredo da experiência reli-
eu: é Cristo que vive em mim’ (Gl 2,20) foi assim co- giosa na vida vivida em comunhão com Jesus. Onde está
mentada pelo papa Bento XVI em seu discurso no Con- o segredo? Ele responde: “Vivendo com Ele. Como se dá
gresso de Verona: ‘Assim mudou a minha identidade testemunho d’Ele? Vivendo com Ele. Uma pessoa que lê
essencial, mediante o batismo, e eu continuo a existir o Evangelho todos os dias, uma pessoa que comunga to-
somente nesta mudança. [...] Assim, tornamo-nos ‘um dos os dias, uma pessoa que diz Vem, Senhor, uma pes-
só em Cristo’ (Gl 3,28), um único sujeito novo, e o nos- soa que observa alguns companheiros seus para os quais
so eu é libertado do seu isolamento. ‘Eu, mas já não eu’: isso já se tornou habitual, pode começar a sentir o que
esta é a fórmula da existência cristã [...], a fórmula da quer dizer viver com Ele. Viver com Ele se pode dizer de
‘novidade’ cristã chamada a transformar o mundo’ (19 uma outra for ma: viver como
de outubro de 2006). É o que escreve Dom Ele”. Eis a experiência
Giussani no livro É pos- antiga, mas sempre no-
sível viver assim?, re- va, que Dom Giussani
velando o segredo da nos deixou. Conser-
experiência religiosa da vemo-la com zelo. É
vida vivida em comu- o segredo da exis-
nhão com Jesus: o se- tência cristã plena”.
gredo está em viver com
Ele: ‘Como se dá teste-
munho d’Ele? Vivendo
com Ele. Uma pessoa que
lê o Evangelho todos os Dois santinhos
dias, uma pessoa que co- em memória de
munga todos os dias, uma Dom Giussani
pessoa que diz Vem, Se-
nhor, uma pessoa que ob-
serva alguns companheiros
seus para os quais isso já se
tornou habitual, pode come-
çar a sentir o que quer dizer
viver com Ele. Viver com Ele don Lu
se pode dizer de uma outra 15 ottob igi Gius
re 1922
– 22 feb sani
forma: viver como Ele’”. ssan i braio 20
05
Giu
don Luigi raio 2005
febb
1922 – 22
15 ottobre
30DIAS Nº 1/2 - 2011 33
Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN

e m Wa s h i n g t o n ( c o m a te deveria “dar a sua contri- apostólico na Eslovênia,


aprovação de Obama). Um buição à ‘democristianiza- com cargo de delegado
gesto simbólico: a Autori- ção’ dos islâmicos, segun- apostólico no Kossovo, o
dade força o reconheci- do o modelo turco de Erdo- arcebispo polonês Juliusz
mento do Estado Palestino gan. Esta não é a revolução Janusz, 67 anos, desde
com ou sem a paz. Para a árabe. A ideia de revolu- 2003 núncio apostólico na
Rússia eles têm direito ao ção, que durou dois sécu- Hungria. Na ocasião a Sala
Estado. E vários países da los, morreu com o ano de de Imprensa da Santa Sé
América do Sul já reconhe- 1989 e com Wojtyla”. esclareceu que “a nomea-
ceram a Palestina”. Publi- ção de um delegado apos-
cado no Corriere della Se- tólico faz parte das funções
ra de 20 de janeiro. ACADEMIA de organização da estrutura
DAS CIÊNCIAS da Igreja Católica e, por-
Pela primeira vez tanto, assume caráter ex-
ESTADOS UNIDOS um protestante Werner Arber clusivamente intraeclesial,
Giffords: os judeus, é presidente permanecendo completa-
o compromisso mente distinta de conside-
e os milagres No dia 15 de janeiro o Papa rações referentes a situa-
nomeou presidente da Pon- se assim o mais jovem bispo ções jurídicas e territoriais
Causou muita comoção o tifícia Academia das Ciên- italiano. Ordenado sacer- ou de qualquer outra ques-
atentado contra a expoente cias o suíço Werner Arber, dote em 1987, incardinado tão inerente à atividade di-
do partido democrata Ga- 82 anos, protestante, pro- em Ventimiglia, em 1992 plomática da Santa Sé”.
brielle Giffords, ocorrido fessor emérito de Microbio- entrou para o serviço diplo- Em 19 de fevereiro o
em 8 de janeiro em Tucson logia na Universidade de mático da Santa Sé e pres- Papa nomeou núncio apos-
no Arizona. No atentado, Basileia, prêmio Nobel de tou serviços em seguida nas tólico na Federação Russa
que causou a morte de seis Fisiologia e Medicina junto representações pontifícias o arcebispo esloveno Ivan
pessoas entre as quais uma com Hamilton O. Smith e de Sri Lanka, Áustria, Ale- Jurkovic, 59 anos, desde
criança, a política Giffords Daniel Nathans em 1978. manha e, por último, junto 2004 núncio apostólico na
ficou gravemente ferida na à seção para as Relações Ucrânia.
cabeça. Ao fazer uma sua com os Estados da Secreta- Em 22 de fevereiro Ben-
descrição, o Corriere della DIPLOMACIA/1 ria de Estado. to XVI nomeou núncio
Sera de 9 de janeiro apre- Mudanças nas Ainda no dia 8 de janei- apostólico na Grécia o arce-
sentou seu último slogan nunciaturas e dois ro o Papa nomeou arcebis- bispo norte-americano Ed-
eleitoral que chamara aten- novos núncios po titular de Telepte mon- ward Joseph Adams, 67
ção dos eleitores: “Se qui- senhor Edgar Peña Parra, anos, desde 2007 núncio
serem verdadeiros resulta- No dia 5 de janeiro o Papa 51 anos, venezuelano, até apostólico nas Filipinas. O
dos, apostem em mim por- nomeou observador per- agora conselheiro de nun- arcebispo Luigi Gatti, 65
que por tradição nós mu- manente da Santa Sé junto ciatura no México, confian- anos, desde 2009 represen-
lheres judias sabemos cum- às Organizações e os Orga- do-lhe ao mesmo tempo o tante pontifício em Atenas e
prir compromissos e mila- nismos das Nações Unidas ofício de núncio apostólico. atualmente núncio a dispo-
gres”. As suas condições de para a Alimentação e a Em 2 de fevereiro monse- sição da segunda seção da
saúde, com o tempo, me- Agricultura (FAO, Ifad e nhor Parra foi nomeado Secretaria de Estado.
lhoraram. PAM), o arcebispo Luigi núncio no Paquistão.
Travaglino, 72 anos, ex- Em 13 de janeiro o Pa-
núncio na África e Nicará- pa nomeou núncio apostó- DIPLOMACIA/2
MAGHREB gua e desde 2001 a disposi- lico em Singapura, delega- Novo embaixador
Riccardi: “A ideia ção da seção das Relações do apostólico na Malásia e da Áustria junto
de revolução morreu com os Estados da Secreta- no Brunei, e representante à Santa Sé
com o ano de 1989 ria de Estado. pontifício não residente pa-
e com Wojtyla” Em 8 de janeiro Bento ra o Vietnã, o arcebispo No dia 3 de fevereiro o Papa
XVI nomeou arcebispo titu- Leopoldo Girelli, 58 anos, recebeu as cartas creden-
No Corriere della Sera de lar de Sutri monsenhor An- desde 2006 núncio apostó- ciais do novo embaixador da
4 de fevereiro, foi publica- tonio Guido Filipazzi, con- lico na Indonésia. Girelli Áustria junto à Santa Sé.
da uma entrevista com An- selheiro de nunciatura, con- permanece também como Trata-se de Alfons M. Kloss,
drea Riccardi sobre as re- fiando-lhe ao mesmo tem- núncio no Timor Leste, en- 58 anos, ex-embaixador na
voltas que acontecem no po, o ofício de núncio apos- cargo recebido também em Itália de 2001 a 2007 e nos
Maghreb. No parecer do tólico. Filipazzi, 48 anos em 2006. últimos quatro anos conse-
fundador da Comunidade outubro, nascido em Melzo, No dia 10 de fevereiro lheiro diplomático do Presi-
de Santo Egídio, o Ociden- província de Milão, torna- Bento XVI nomeou núncio dente da República. q

34 30DIAS Nº 1/2 - 2011


LEITURA ESPIRITUAL

O milagre
de São José
“Na última quarta-feira daquele mês de outubro,
padre Motta, o nosso padre espiritual, ao final
de sua pequena meditação matutina, disse-nos que
a quarta-feira da semana, pela piedade cristã, era reservada
à devoção a São José, o qual tinha uma grande tarefa na Igreja:
portanto, que nos dirigíssemos confiantes a ele,
em primeiro lugar porque era o protetor da boa morte e,
em segundo lugar, porque fazia milagres”.
Fragmento de um texto de padre Luigi Giussani

O seminário
da diocese
de Milão,
em Venegono
Inferiore,
Varese

36 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Padre Luigi Giussani (15 de outubro de 1922 – 22 de fevereiro de 2005)
Recordação no sexto aniversário de sua morte

Luigi Giussani, no centro da foto, com seus colegas de classe no seminário de Venegono

o meu primeiro ano do ensino médio, após as férias de verão, voltei para

“N o seminário em Venegono. Passei aquele primeiro mês, o mês de outu-


bro, muito melancólico. No fundo, era porque tinha vindo embora de ca-
sa, mas, quando ficamos assim repletos de melancolia, buscamos sempre, e encontra-
mos, um pretexto, um álibi para não acusarmos a nossa própria fraqueza; e o álibi era
que não me tinha chegado o meu dicionário de grego, de Gemoll. Minha mãe o havia
despachado no começo de outubro, mas os dias passavam e o Gemoll não chegava; e
isso era ruim também porque, nas provas, eu precisava pedir toda vez o dicionário em-
prestado ao colega, para grande aborrecimento meu e dele.
Na última quarta-feira daquele mês de outubro, padre Motta, o nosso padre espiritual,
ao final de sua pequena meditação matutina, disse-nos que a quarta-feira da semana, pe-
la piedade cristã, era reservada à devoção a São José, o qual tinha uma grande tarefa na
Igreja: portanto, que nos dirigíssemos confiantes a ele, em primeiro lugar porque era o
protetor da boa morte e, em segundo lugar, porque fazia milagres. Naquele instante, às
sete da manhã, eu disse: ‘Hoje vai chegar o Gemoll’. Lembro que durante o café da ma-
nhã, e no recreio sucessivo, todos os meus colegas me perguntavam: ‘Que aconteceu ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 37


LEITURA ESPIRITUAL

com você?’, porque eu tinha mudado de cara, estava diferente de como eles tinham me
visto naquele mês, tinha recuperado o meu bom humor e, toda vez que me pergunta-
vam, eu respondia: ‘Hoje vai chegar o Gemoll’.
Estávamos em 1938 e naquela época o correio chegava onde quer que fosse uma
vez por dia. Meio-dia, no seminário, era a hora da distribuição do correio: vinha o vice-
reitor ao grande refeitório (onde éramos trezentos a almoçar) com um grande ‘paco-
tão’ e distribuía a todos as correspondências; era um momento do dia muito esperado,
mais ou menos como no exército. Eu estava tranquilíssimo: ‘Hoje chega o Gemoll’,
mas o meu Gemoll não chegou. Eu, porém, tinha certeza de que ia chegar. Algumas
raras vezes, naquela época, o correio chegava também à tarde, e o vice-reitor, nesses
casos, durante o jantar repetia a mesma cena do almoço. Aquela noite isso ocorreu,
mas o meu Gemoll não apareceu. Eram oito da noite. Após o jantar, tínhamos uma
hora de jogos, de recreio, depois, das nove e meia às dez e meia, tínhamos uma hora
de estudo; às dez e meia tocava a última campainha, rezávamos as orações da noite e
íamos dormir. Estudávamos numa grande sala, éramos mais ou menos oitenta, cada
um na sua carteira. Às dez e meia toca a campainha do fim do dia e, naquele instante,
entra uma pessoa do fundo da sala e aproxima-se do Prefeito com um embrulho. Eu
falei bem alto para os meus colegas: ‘É o meu Gemoll’. Era o meu Gemoll!

Giovanni Battista Montini, arcebispo de Milão,


em visita ao seminário de Venegono.
O terceiro a partir da direita é padre Enrico Motta

38 30DIAS Nº 1/2 - 2011


A ti, São José
A ti, São José, recorremos em nossa tribula-
ção, e, depois de termos implorado o auxílio de tua
santíssima esposa, cheios de confiança, solicita-
mos também a tua proteção. Por esse laço sagrado
de caridade, que te uniu à Virgem Imaculada,
Mãe de Deus, e pelo amor paternal que tiveste ao
menino Jesus, ardentemente te suplicamos que
lances um olhar benigno para a herança que Jesus
Cristo conquistou com o seu sangue, e nos socorras,
em nossas necessidades, com o teu auxílio e poder.
Protege, ó guarda providente da divina fa-
mília, a raça eleita de Jesus Cristo. Afasta para
longe de nós, ó pai amantíssimo, a peste do erro e
do vício. Assiste-nos do alto do céu, ó nosso fortís-
simo sustentáculo, na luta contra o poder das
trevas, e assim como outrora salvaste da morte a
vida ameaçada do menino Jesus, assim também
defende agora a santa Igreja de Deus das ciladas
dos inimigos e contra toda a adversidade. Ampa-
ra cada um de nós com a tua constante proteção,
a fim de que, a teu exemplo, possamos viver vir-
A imagem de São José venerada
na igreja paroquial de Trivolzio,
tuosamente, e piedosamente morrer e alcançar
que abriga o corpo de São Ricardo Pampuri no céu a eterna bem-aventurança. Amém.

Esta oração foi inserida por Leão XIII ao final da encíclica Quamquam pluries, de 15 de agosto de 1889.
A devoção a São José, que fora declarado padroeiro da Igreja universal pelo beato Pio IX em 8 de de-
zembro de 1870, foi particularmente promovida por Leão XIII, que, eleito papa em 20 de fevereiro de
1878, pôs o seu pontificado desde o início “sob a fortíssima proteção de São José, padroeiro celeste da
Igreja” (alocução aos cardeais de 28 de março de 1878).

Evidentemente, esse fato pode não ter dito nada para os outros; para mim disse
muitíssimo.
Contei esse episódio para insistir sobre a segunda acepção da palavra ‘milagre’:
um realce dos acontecimentos que chama a pessoa remetendo-a a Deus e, nisso,
chama também o próximo, quem está a seu lado.
A grandeza de Deus sabe manifestar-se exatamente na familiaridade que Ele vive
com o homem, vive na vida do homem”.

(Extraído de: Giussani, Luigi. Por que a Igreja. Trad. Neófita Oliveira e Durval Cordas.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, pp. 365-367)

30DIAS Nº 1/2 - 2011 39


Arte cristã

As portas santas
do povo russo
Acreditava-se que tivessem sido destruídas na época soviética. Mas os
sagrados ícones colocados há séculos nas torres de entrada do Kremlin
foram encontrados e restaurados. Eis a história do achado
de Vladimir Yakunin

oi um verdadeiro aconteci- portões de entrada principais do cavalo, e atravessando-a era preci-

F mento histórico, o que ocor-


reu no verão de 2010.
Contra todas as avaliações dos crí-
Kremlin, a residência de Estado
dos dirigentes soviéticos, que ti-
nham proclamado o ateísmo co-
so obrigatoriamente tirar o chapéu.
O Kremlin tinha um significado sa-
cro para os nossos antepassados,
ticos de arte, dos restauradores e mo ideologia oficial da URSS. E, era o centro espiritual do nosso Es-
dos historiadores foram encontra- ao invés, as coisas tinham aconte- tado, o coração do Império russo.
dos objetos sacros de grande valor: cido de outro modo... Construído, entre outros, pelos ar-
os dois ícones dos portões de en- No decorrer dos séculos, alguns quitetos italianos Aristotile Fiora-
trada do Kremlin em Moscou, que ícones tinham sido colocados sobre vanti e Pietro Antonio Solari, era
remontam a cinco séculos atrás. os portões de entrada das duas tor- considerado pelos nossos pais co-
No decorrer dos últimos 70 anos res do Kremlin: sobre a torre Spas- mo um grande mosteiro, razão pe-
todos estavam certos de que ti- skaya, o ícone do Salvador de Smo- la qual a porta Spasskaya era cha-
nham sido destruídos por ordem lensk; sobre a torre Nikolskaya, a mada na Rus’ a Porta Santa.
das autoridades soviéticas, e de de são Nicolau de Mira (Taumatur- A minha geração foi educada
que não podia ser diferente: de fa- go). Através da torre principal, a nos anos em que, no lugar dos íco-
to, estavam colocados sobre os Spasskaya, não se podia passar a nes, sobre os portões das torres do

40 30DIAS Nº 1/2 - 2011


RÚSSIA. As portas santas do povo russo

Kremlin, havia retângulos bran- nos anos da luta anti-religiosa do nes no lugar daqueles perdidos,
cos. E a grande maioria dos meus poder soviético. Assim, por quase eles poderiam excluir o Kremlin da
conterrâneos não tinha dúvida de vinte anos depois da queda da lista dos patrimônios protegidos de
que sempre fora assim. O Kremlin URSS, não tinham sido feitas sé- interesse mundial. O risco era alto.
tinha-se tornado exclusivamente o rias tentativas de restaurar o aspec- Tínhamos ao nosso lado somente
centro do poder estatal. No seu in- to original das torres do Kremlin. a tradição oral, conservada pelos
terior tinham sido destruídos vá- Alguns anos atrás a Fundação descendentes de imigrantes russos
rios mosteiros e igrejas, enquanto “Santo André, o Primeiro Chama- que viviam na Europa, Estados
outros edifícios religiosos tinham do” decidiu verificar se por acaso, Unidos e outros países.
sido transformados em museus. na eventualidade de não terem si- Um caro amigo nosso, o bispo
Poucos, principalmente historia- do destruídos, os ícones ainda es- Mikhail de Genebra e da Europa
dores e críticos de arte, sabiam dos tavam conservados sob o estuque. Ocidental da Igreja Ortodoxa Rus-
ícones que antigamente se encon- A maior parte dos especialistas iro- sa no exterior, nascido e crescido
travam sobre as torres e não po- nizavam-nos, os especialistas da em Paris, descendente de um cos-
diam sequer imaginar que estes Unesco nos colocavam em alerta: saco do vale do Don, contou-nos
pudessem ter sido conservados se tentássemos colocar novos íco- que entre os russos no exterior fa-
lava-se das imagens, que antes da
Na página ao lado, o patriarca Kirill abençoa o antigo ícone do Salvador revolução se encontravam sobre
de Smolensk na torre Spasskaya do Kremlin, em Moscou, dia 28 de agosto de 2010; os portões das torres Spasskaya e
abaixo, duas fotos da cerimônia de inauguração do antigo ícone restaurado: Nikolskaya, veneradas pelo povo
à esquerda, o patriarca Kirill com Vladimir Yakunin; à direita, como sacras e milagrosas. ¬
com o presidente Dmitrij Medvedev

Vladimir Yakunin, autor deste artigo, é o presidente do Conselho de garantes


da Fundação Santo André o Primeiro Chamado. Atualmente é também presidente
das Ferrovias Russas e do World Public Forum – Dialogue of civilizations

“O rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”

história dos ícones é impressionante. Por ordem nha sido conservada nas nossas avós e nossas mães,
“A das autoridades da época, esses deveriam ter
sido destruídos, mas encontraram homens, confesso-
tinha sido conservada graças aos confessores e aos
mártires, tinha sido protegida por aqueles que não he-
res da fé, que arriscaram a vida e, ao invés de destruí- sitaram em dar a vida para conservar a fé. E quando
los, fecharam dentro de uma edícula, cobriram com ci- por misericórdia de Deus pôde-se realizar no povo e
mento, pintaram e fingiram que eles tinham sido des- na pátria aquilo que hoje acontece com estes ícones, o
truídos. rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”.
Nesta história dos ícones há o símbolo do que
aconteceu ao nosso povo no século XX. Fez-se acre- Kirill
ditar que os autênticos objetivos e os valores, as coi- Patriarca de Moscou e de todas as Rússias
sas sacras tinham sido destruídas, que a fé tinha de-
saparecido da vida do nosso povo. Para alguns isso (do discurso realizado em Moscou na Praça Vermelha
era necessário, e muita gente fez de conta que tinha dia 28 de agosto de 2010, por ocasião da abertura e
acontecido exatamente isso. No entanto, a fé do nosso da bênção do ícone do Salvador de Smolensk colocada sobre
povo não tinha desaparecido de modo algum, a fé ti- a torre Spasskaya do Kremlin)

30DIAS Nº 1/2 - 2011 41


Arte cristã
Essa informação causou-nos tê de apoio constituído pelos diri-
muitas perplexidades e grande cu- gentes das instituições compe-
riosidade: o que poderia haver na- tentes para a salvaguarda dos
quelas edículas, por trás do estuque bens culturais, pelas forças de or-
branco? A parede de tijolos do dem (sem a permissão destes não
Kremlin ou os restos dos ícones? é possível realizar as obras em
Então tentamos obter a permis- em uma zona sensível) e de ou-
são para analisar as edículas, para tras personalidades interessadas.
verificar a presença ou não dos anti- O grupo de trabalho contava com
gos ícones. Foi-nos concedida ape- os principais historiadores e críti-
nas depois de três anos, dado que o cos de arte, restauradores e ar-
Kremlin é a residência do presiden- quitetos.
te da Federação Russa. Em maio de Tinha-se criado já muita ex-
2007 enviei uma carta ao presiden- pectativa e não se pretendia pro-
te Vladimir Putin, e também ao Pa- vocar maiores clamores enquan- Que alegria quando nos comu-
triarca de Moscou e de todas as Rús- to não tivéssemos absoluta certe- nicaram que as primeiras análises
sias, Aléxis II, que apoiaram com za da nossa hipótese. No início de mostravam a presença de uma ca-
paixão a nossa iniciativa. No texto 2010 decidimos começar as pri- mada de pintura sob o reboco! Os
era esclarecido que o projeto teria meiras análises das edículas. resultados das pesquisas foram ilus-
sido financiado com fundos da Fun- O grupo de trabalho avaliou trados em entrevista à imprensa e
dação “Santo André o Primeiro cinco empresas para a restaura- todos os telejornais apresentaram
Chamado”, e não com fundos esta- ção, indicadas pelo Instituto Russo a notícia como histórica, até mes-
tais. A nossa lógica era muito sim- para a Conservação dos Bens Cul- mo para marcar época...
ples: se embaixo do estuque fossem turais e dos Museus do Kremlin, Porém, consideremos um mo-
encontrados vestígios dos ícones escolhendo uma destas. Uma co- mento as medidas dos ícones: têm
históricos, nós providenciaríamos a missão interdicasterial especial vi- a altura média de uma pessoa e são
restauração; caso contrário recria- giava os trabalhos de restauração. largas mais de um metro. Todavia,
ríamos as imagens perdidas. Mas Para não os expor a inúteis cu- as pesquisas iniciais tinham sido
mesmo com um apoio de alto nível, riosidades, encarregamos os res- feitas em um pequeno espaço de
foi preciso muito tempo para con- tauradores de trabalharem nas apenas dez centímetros quadra-
vencer os historiadores de arte e os edículas das torres Spasskaya e dos. E depois da conclusão das
arquitetos da necessidade de tais Nikolskaya ao mesmo tempo em análises estas pesquisas foram cui-
buscas, porque não havia nenhum que estavam sendo feitas normais dadosamente escondidas, de mo-
documento que confirmasse a hipó- obras de conservação no Kremlin do que ninguém suspeitasse da
tese da conservação dos ícones. em vista das comemorações de 9 realização desses trabalhos. Aquilo
Criamos junto da Fundação de maio, dia em que é celebrada a que os especialistas tinham encon-
um grupo de trabalho, que apre- vitória da Segunda Guerra Mun- trado não garantia a total conser-
sentou um projeto de restauração dial. Logicamente estávamos to- vação dos afrescos. Além disso,
dos ícones. Formou-se um comi- dos muito preocupados. depois da entrevista à imprensa,

“O sentido da unidade do povo com a Igreja”


oje devemos recordar todos os que sustentaram Na realidade, em tudo isso há um significado particu-
“H e ajudaram a recuperação destes ícones, tam-
bém os que num momento particularmente difícil para o
lar, talvez ainda não totalmente compreensível, o senti-
do da unidade do povo com a Igreja, o sentido da res-
nosso país, no período da luta anti-religiosa, nos anos tauração da justiça, da obra comum para o bem da nos-
mais obscuros, protegeram esses, arriscando não ape- sa amada pátria.
nas o emprego, mas também a vida, e conservaram tal Tenho certeza, com a descoberta e a bênção destes
maravilha até os nossos dias, para os que hoje estão ícones, da restauração da justiça, que o nosso país re-
aqui presentes e para os que no futuro visitarão o Krem- cebeu uma proteção suplementar que se estende a to-
lin, para os que poderão admirar dos os presentes, a todos os que rezam e amam o nos-
a obra dos nossos pais e serão so país”.
inspirados pela imagem que pro-
tege a cidade de Moscou, prote- Dmitrij Medvedev
ge o Kremlin, protege todos nós. Presidente da Federação Russa

(do discurso realizado em Moscou na Praça Vermelha


O presidente Medvedev dia 28 de agosto de 2010, por ocasião da abertura e
com o patriarca Kirill e Yakunin da bênção do ícone do Salvador Smolensk colocado sobre
durante a cerimônia a torre Spasskaya do Kremlin)

42 30DIAS Nº 1/2 - 2011


RÚSSIA. As portas santas do povo russo
O patriarca Kirill abençoa o antigo ícone conclusão positiva dos trabalhos da
de São Nicolau Taumaturgo da torre imagem do Salvador de Smolensk.
Nikolskaya do Kremlin, Pouco depois chegou a bênção dos
dia 4 de novembro de 2010 ícones por parte do patriarca Kirill,
com a presença do presidente da
sos olhos, desci na praça e comuni- Rússia Dmitrij Medvedev, com
quei aos jornalistas que o ícone do grande repercussão nos canais tele-
Salvador tinha sido conservado. Em visivos mais importantes da Rússia
poucos dias foi também completa- e da Europa.
mente retirada a camada que cobria Tenho certeza que para todas as
o ícone de São Nicolau Taumaturgo pessoas reunidas em 28 de agosto
sobre o portão da torre Nikolskaya. na Praça Vermelha, no dia da Dor-
Foram necessários três meses mição da Mãe de Deus, a bênção
para a restauração do ícone sobre o do ícone do Salvador foi um mo-
recebi a carta de um sacerdote que portão da torre Spasskaya; um pou- mento inesquecível, entre os mais
queria me convencer do fato de co mais de tempo para a restaura- iluminantes e emocionantes. Ape-
que as nossas conclusões estavam ção do ícone de São Nicolau, mais sar do mau tempo, sentia-se a ma-
erradas e que os ícones não tinham antigo, sobre a outra porta. O ícone ravilhosa unidade de todos os pre-
sido conservados. Compreendi de São Nicolau Taumaturgo tam- sentes, que rezavam e agradeciam
que só poderia ter certeza da con- bém estava gravemente danificado por este acontecimento, milagroso
servação dos ícones depois de ter pelas explosões nos dias da revolu- e memorável.
visto os afrescos com meus pró- ção de 1917: os marinheiros e os Em 4 de novembro, no dia da
prios olhos. Então estávamos im- soldados tinham atirado contra a Unidade Popular, foi abençoado o

À esquerda, o portão de entrada da torre Nikolskaya em uma foto de 1918; acima,


dois especialistas examinam o antigo ícone do Salvador de Smolensk trazido
novamente à luz sobre a torre Spasskaya

torre com fuzis e até mesmo ca- ícone de São Nicolau Taumaturgo
nhões. Tudo isso requer extremo no portão da torre Nikolskaya,
pacientes para proceder à remo- cuidado na restauração, mas por diante de milhares de pessoas,
ção da camada protetiva. sorte, os nossos especialistas são crescidas na União Soviética ou
As primeiras análises mostra- excelentes. Um deles parece ter saí- descendentes dos emigrantes que
vam que a conservação dos ícones do diretamente do século XIX: não viviam na Europa. A transmissão
tinha sido feita por restauradores sabia usar o celular e procurava es- ao vivo pela televisão contou com
especializados, usando a máxima capar ao uso das atuais tecnologias milhões de espectadores russos. A
cautela. Junto com o comandante de comunicação. Um homem pro- tradição cristã, eixo de sustentação
do Kremlin, Sergej Khlebnikov, tive fundamente crente, com um olhar do desenvolvimento da nossa so-
a oportunidade de subir nos andai- surpreendentemente penetrante e ciedade multiétnica e multiconfes-
mes e ser testemunha do início dos cheio de bondade. Ele se dedicava à sional, alma da nossa história,
trabalhos para a retirada da cober- restauração com grande seriedade grande e trágica, uniu-nos a todos,
tura da primeira edícula. E somente e temor. reavivando a confiança também
depois que uma parte significativa No final de agosto de 2010 a co- para um futuro mais radioso do Es-
do afresco tinha aparecido aos nos- missão interdicasterial comunicou a tado russo. q

30DIAS Nº 1/2 - 2011 43


MUITOS CAMINHOS DA CARIDADE
PASSAM POR UMA PICCOLA VIA

A ASSOCIAÇÃO PICCOLA VIA ONLUS foi instituída para enviar gratuitamente


principalmente nos países de missão a revista mensal internacional 30Dias e o
pequeno livro Quem reza se salva, assim como para atender aos pedidos de caridade.

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Novos beatos

Roma, Basílica de Santa Maria Maior, 30 de maio de 2010: beatificação de madre Pierina

Madre Pierina e o Rosto de Jesus


História de uma freira que, entre a Argentina, Milão e Roma,
viveu a fé como um olhar para o doce Rosto de Jesus
de Davide Malacaria

o andar térreo, onde está Pierina De Micheli, de nome secu- restos de um cobertor queimado;

D instalada a creche, sobem


os gritos das brincadeiras
das crianças. Aqui, no andar de ci-
lar Giuseppina, proclamada beata
em 30 de maio de 2010. Suas coi-
sas ainda estão aqui, no primeiro
objetos que foram encontrados em
sua cela e que, explicam as irmãs,
testemunham o ódio feroz que o
ma, habita o silêncio e a oração. E andar, naquele que foi por anos o diabo tinha por ela. Poucos passos
há uma certa harmonia secreta, seu quarto: bem dispostas, arru- bastam para chegar ao fim do cor-
que liga o silêncio deste andar que madas, expostas como uma pe- redor, e eis que se abre a pequena
hospeda as celas das freiras às quena mostra. Quem nos leva a vê- capela do instituto, em que repou-
brincadeiras das crianças que se las é uma freira, que nos aponta sa o corpo da beata, ainda aqui, no
sucedem embaixo. Como coisas uma urna ao lado da porta do quar- meio de suas irmãs. À frente do
que se entrelaçam, se atravessam, to, na qual se conservam objetos sarcófago puseram um genuflexó-
remetem uma à outra neste canto que lembram as atenções conferi- rio, para os devotos que vêm de to-
do mundo que fica no coração de das à beata ao longo de sua vida, dos os cantos de Roma para rezar
Roma. Cercado de verde, o Institu- entre as quais se destaca a peque- a ela. O túmulo fica num nicho la-
to do Espírito Santo se encontra na imagem de cerâmica do Meni- teral, de modo que mesmo agora,
em Testaccio, bairro que é um no Jesus, que, explica a nossa depois de morta, parece que a ma-
pouco o símbolo da romanidade, e acompanhante, parece tê-la abra- dre obedece à pequena regra à
hospeda as Filhas da Imaculada çado. Em frente, uma outra urna qual se conformou em vida, a de
Conceição de Buenos Aires. A es- conserva recordações mais obscu- manter-se oculta ao mundo, junto
sa congregação pertencia madre ras: seu crucifixo despedaçado, os de Jesus, perto de Jesus.

46 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Giuseppina De Micheli é roma- guém pensava em beijá-lo no Ros- rante a vestição de uma de suas ir-
na de adoção, pois na verdade nas- to. Eu darei o beijo de amor, Jesus, mãs, talvez antes. O certo é que des-
ceu em Milão em 1890, última de tenha paciência. Na minha vez, de menina sentiu-se de alguma for-
uma prole numerosa, que dará à apliquei-lhe um forte beijo no Ros- ma atraída para isso e, ao mesmo
Igreja outras duas religiosas, Teofila to, com todo o ardor do meu cora- tempo, atemorizada. Quando al-
e Luigia, e um sacerdote, padre ção. Eu estava feliz, acreditando guém lhe perguntava, respondia
Riccardo. Para contar sua vida, que Jesus, agora contente, não so- evasiva. Numa carta, padre Riccar-
marcada desde a infância por uma freria mais aquela pena”. Desde do, o irmão sacerdote a quem Giu-
especial amizade com Jesus, usare- então, o rosto de Jesus foi objeto seppina apegou-se muito, depois da
mos uma carta que ela mesma es- de devoção profunda de Giuseppi- morte dos pais, ironizaria essa sua
creveu ao papa Pio XII em 1943, na. “A partir daquele dia”, escreve hesitação, escrevendo: “Para você,
por ocasião de uma visita ao trono ainda na carta, “o primeiro beijo no as freiras devem vir do outro mun-
de Pedro. Escreve a beata: “Eu ti- crucifixo era em Seu Santo Rosto”. do”. Passam alguns meses e o sa-
nha doze anos quando, na Sexta- Quando era adolescente, gosta- cerdote conhece religiosas que aca-
Feira Santa, esperava em minha va de ensinar o catecismo às crian- bam de chegar a Milão: pertencem
paróquia a minha vez de beijar o ças e corria para acompanhar o sa- à congregação das Filhas da Imacu-
crucifixo, e ouço uma voz distinta cerdote quando este ia administrar a lada Conceição, e sua casa generalí-
que diz: ‘Ninguém me dá um beijo extrema-unção aos moribundos, cia fica em Buenos Aires. Não lhe
de amor no rosto, para reparar o pois, como ela mesmo explicava resta senão comunicar à irmã mais
beijo de Judas?’ Acreditei, na mi- quando lhe perguntavam, é bonito nova que as freiras do outro mundo
nha inocência de menina, que to- acompanhar uma alma rumo ao Pa- tinham finalmente chegado... Ven-
dos ouvissem a voz, e fiquei com raíso. Ninguém sabe muito bem cendo as últimas hesitações, Giu-
muita pena, vendo que continua- quando foi que floresceu nela a vo- seppina entra na congregação e se
vam a beijar as chagas e que nin- cação à vida consagrada: talvez du- torna irmã Maria Pierina.
Depois de um intenso período
Abaixo, o túmulo de madre Pierina; de formação, é enviada à Argenti-
à esquerda, o seu quarto na, onde toma os votos perpétuos.
No final de 1921, volta à Itália, para
a casa que as irmãs abriram em Mi-
lão, onde, com o tempo, se torna
superiora. Nesse período, a amiza-
de com Jesus, que lhe apareceu ou-
tras vezes, se torna mais cara e fa-
miliar. Escreve na carta enviada ao
Papa: “Seu olhar era tudo para
mim. Nós nos olhávamos sempre e
fazíamos competições de amor. Eu
Lhe dizia: ‘Jesus, hoje eu te olhei
mais’; e Ele: ‘Prova-me, se pude-
res’. Eu O fazia lembrar as muitas
vezes que olhava para ele sem nem
sentir, mas Ele sempre vencia”.
É nesse clima que acontece um
outro episódio importante da vida
da beata, que é também motivo
principal deste artigo. Assim o
conta, na carta a Pio XII: “Em 31
de maio de 1938, quando rezava
na capelinha de meu noviciado,
uma Bela Senhora se apresentou a
mim: tinha nas mãos um escapulá-
rio formado por duas flanelinhas
brancas, unidas por um cordão.
Uma flanelinha trazia a imagem da
Santo Rosto de Jesus, a outra uma
hóstia cercada por um feixe de
raios. Aproximou-se e me disse:
‘Ouça bem e conte tudo exata-
mente ao padre. Este escapulário é
uma arma de defesa, um escudo de
fortaleza, uma promessa de amor
e de misericórdia que Jesus quer ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 47


Novos beatos
oferecer ao mundo nestes tempos Nesse meio-tempo, em setem-
de sensualidade e de ódio contra bro de 1939, é enviada a Roma
Deus e a Igreja. Estendem-se redes com o cargo de superiora regional,
diabólicas para arrancar a fé dos para viver na nova casa que a Con-
corações, o mal se expande, os gregação conseguiu abrir na capi-
verdadeiros apóstolos são poucos, tal graças, também, a sua incansá-
é necessário um remédio divino e vel supervisão. É ali que encontra o
este remédio é o Santo Rosto de abade Ildebrando Gregori (cujo
Jesus. Todos aqueles que usarem processo de beatificação está em
um escapulário como este e, po- andamento), da congregação dos
dendo, fizerem toda terça-feira monges beneditinos silvestrinos,
uma visita ao Santíssimo Sacra- Giuseppina De Micheli (à esquerda), que se torna seu novo orientador
mento para reparar os ultrajes que com uma irmã (no centro) e uma prima espiritual e seguro conforto para o
recebeu o Santo Rosto durante a resto da vida. E é ali que, finalmen-
Sua Paixão e que recebe to- te, consegue reproduzir as meda-
dos os dias no sacramento eu- lhas que lhe são tão caras. Graças
carístico, serão fortalecidos também a um pequeno prodígio.
na fé, estarão prontos a de- Na carta ao Papa já citada, madre
fendê-la e a superar todas as Pierina conta assim o episódio:
dificuldades internas e exter- “Escrevi ao fotógrafo Bruner para
nas, e ainda terão uma morte obter dele a permissão de usar a
serena sob o olhar amável do imagem do Santo Rosto tirada por
meu Divino Filho’”. ele e a obtive. Apresentei à Cúria
A madre torna-se assim so- de Milão o pedido de permissão,
lícita promotora da devoção que me foi concedida em 9 de
do Santo Rosto de Jesus, a agosto de 1940. Encarreguei a
qual logo se difunde como empresa Johnson do trabalho, que
uma mancha de óleo ao redor foi demorado, pois Bruner queria
do Instituto. Infelizmente, verificar todas as provas. Poucos
muito cedo percebe que não é dias antes da entrega das meda-
fácil difundir escapulários. lhas, encontro na mesa do meu
Tem assim a ideia de cunhar uma A paróquia de São Pedro em Sala, quarto um envelope, observo e ve-
medalha que reproduza em suas fa- onde Giuseppina De Micheli foi jo 11.200 liras. A conta dava exa-
ces o que é pedido por Nossa Se- batizada em 11 de setembro de 1890 tamente aquela soma. As meda-
nhora. Uma ideia que logo obtém o lhas foram todas distribuídas gra-
conforto divino: numa outra apari- tuitamente e repetiu-se outras ve-
ção, a Bela Senhora lhe garantirá zes a mesma Providência para ou-
que as medalhas serão acompanha- Argentina, madre Pierina, postulante tras encomendas; e a medalha se
das pelas mesmas promessas já ex- junto às Filhas da Imaculada Conceição difundia, realizando insignes gra-
pressas para os escapulários. de Buenos Aires, está atrás ças. [...] O inimigo tem raiva disso
Em busca de uma imagem para de dom Mariano Antonio Espinosa, e perturbou e perturba de muitas
a medalha, madre Pierina se depa- arcebispo de Buenos Aires formas. Mais de uma vez, durante
ra com uma fotografia do Sudário
que reproduz o Rosto de Jesus, ti-
rada por Giovanni Bruner. Uma
imagem um tanto conhecida em
Milão, já que o fotógrafo a dera de
presente ao arcebispo da cidade, o
bem-aventurado cardeal Ildefonso
Schuster, o qual, por sua vez, a en-
tronizou com máxima devoção nu-
ma igreja dedicada ao Santo Ros-
to. Infelizmente, fica difícil a pro-
dução das medalhas, por uma série
de problemas de ordem econômi-
ca e burocrática, que parecem in-
superáveis à pobre freira. Procura
a ajuda de seu orientador espiri-
tual, o jesuíta padre Rosi, que res-
ponde que confie na Providência.
Acolhe a sugestão, mas não fica
muito confortada.

48 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Madre Pierina (à direita) com a
superiora-geral Filomena Bragonzi,
diante do Instituto Espírito Santo,
em construção

a noite, jogou as medalhas no chão


pelos corredores e pelas escadas,
quebrou imagens, ameaçando e
pisoteando”.
Nessa última parte da carta, a
madre faz menção às duríssimas
provações que enfrentou por obra
do demônio. Provações que ela
não deixa transparecer de modo
algum, mas que anota diligente-
mente em seu diário, obedecendo
a uma disposição precisa do abade
Gregori. Suas dificuldades são aco-
lhidas com letícia, pelo bem das al-
mas (“alegro-me nos sofrimentos
que tenho suportado por vós e Tão logo termina a guerra, a
completo, na minha carne, o que madre decide viajar para o norte da
falta às tribulações de Cristo em fa- Itália, para voltar a abraçar suas ir-
vor do seu Corpo que é a Igreja”, mãs, que o conflito havia isolado de
Cl 1,24). Uma extraordinária força Roma. Parte em junho de 1945 e,
de vontade? Mais simplesmente, e depois de uma breve parada em
de modo mais realista, o testemu- Milão, vai para a casa de Centona-
nho de uma graça singular e de um ra d’Artò, onde algumas noviças a
igualmente singular abandono a esperam para tomar os votos. E é
Deus. Não é ela que combate e que aqui que, esgotada pelo cansaço da
vence: “Jesus venceu em mim” é a viagem, adoece gravemente. Ou-
frase que aparece com maior fre- tras vezes, no passado, tinha-se cu-
quência nas páginas do diário. E é rado prodigiosamente de graves
o próprio Jesus, anota ainda em doenças, como lembra o abade
seu cader no em fevereiro de Gregori, algumas vezes depois de
1942, que lhe explica: “Fica tran- lhe solicitar que rezasse por sua
quila, que eu mesmo conservei teu saúde. É o que parece destinado a
coração puro, sem nenhum mérito repetir-se também nessa ocasião: o
teu, para fazê-lo objeto de meus abade, informado da situação, en-
deleites”. Nesse abandono, acom- via-lhe um telegrama, assim formu-
panhado e confortado por “delí- lado: “Em virtude da santa obediên-
cias do paraíso”, escreve: “Como cia, cure-se em três dias”. Mas, in-
sinto o meu nada e a minha misé- felizmente, ocorre um desvio e a
ria diante de tamanha bondade! É mensagem chega tarde demais: às
tão bom sermos pequeninos, inca- 11 horas do dia 27 de julho. Madre
pazes de tudo...” Pierina morrera à noite.
Um abraço que permitirá a ma- Em vez de recordar a beata no
dre Pierina resplandecer de fé, es- dia de sua morte, o dies natalis, co-
perança e caridade mesmo nos mo se diz canonicamente, a Igreja
anos da guerra, durante os quais optou pelo dia de seu nascimento (e
tira o pão da própria boca para do batismo): 11 de setembro. No
dar de comer aos famintos e des- quarto que preserva as suas coisas,
dobra-se para difundir as meda- as irmãs puseram uma placa em A medalha do Santo Rosto de
lhas que representam a face de Je- que está escrito um pensamento da Jesus, à qual, segundo o que foi
sus. A propósito disso, o abade beata: “É tão reconfortante repetir: revelado por madre Pierina,
Gregori, testemunhando no pro- eu sou nada, Ele é tudo; eu não pos- estão ligadas promessas celes-
cesso de beatificação, recorda co- so nada, Ele pode tudo”. É mais fá- tes. Ainda hoje as Filhas da Ima-
mo “algumas delas chegaram até cil o abandono, como o das crian-
culada Conceição de Buenos
pessoas condenadas à morte e ças do andar de baixo, que, com
perseguidos políticos, e nenhum suas brincadeiras, participam da Aires difundem essas medalhas
desses condenados à morte teve a alegria do Paraíso. Pois, “se não vos e, por meio delas, a devoção ao
sentença executada”. tornardes como crianças...” q Santo Rosto de Jesus
Arte cristã

Livres e simples.
As igrejas
segundo Montini
quele 6 de janeiro de 1955

A era um dia frio e chuvoso. Era


a data fixada para a entrada
do novo arcebispo de Milão na cida-
de. Apesar das condições do tem-
po, Giovanni Battista Montini quis
fazer o trajeto que o esperava até o
Domo em carro aberto, para aco-
lher a saudação de seus fiéis. Um
momento que o arcebispo lembra-
ria com precisão muito tempo de-
pois: “Quando, já há quase sete
anos, cruzando os limites da dioce-
se, pusemos os pés nesta terra ben-
dita, nós nos curvamos – estava fria
e molhada – para beijá-la; ainda ho-
je queremos que a caridade daquele
beijo esteja em nossos esforços”.
Sete anos depois. Era 12 de novem-
bro de 1961 e Montini encerrava
assim o discurso com que lançava a
sua diocese na empreitada de cons-
truir em poucos anos outras 22 no-
vas igrejas. “Milão cresce, cresce;
continuamente, rapidamente, para
além de qualquer previsão, para
além da nossa já tensa e sofrível
possibilidade de estar devidamente
à altura, com a assistência pastoral,
das necessidades dos novos bair- Giovanni Battista Montini durante a deposição
ros...”, explicava aos fiéis. da pedra fundamental da igreja de São Miguel Arcanjo
Só no ano anterior tinham che- in Mater Dei, na região da avenida Monza, Milão, em 1961
gado do sul do país sessenta mil
pessoas, que se iam instalando “em
novas regiões habitadas, em plena ros: “Sentimos o dever de concor- prestasse mais copioso socorro; e
expansão”. Cresciam e se multipli- rer sem descanso e sem queixas, acreditávamos também que Milão,
cavam os edifícios, as ruas iam-se com civil e cristã solidariedade, pa- grande e rica, favorecida agora por
estendendo, mas aos olhos do bis- ra o desenvolvimento excepcional uma feliz conjuntura econômica,
po aquela nova Milão corria o risco da nossa metrópole, oferecendo- pudesse tornar mais rápido e feliz o
de acabar por ser como um deserto lhe a assistência religiosa e moral nosso caminho”. No entanto, isso
em que os homens ficassem aban- de muitas novas paróquias”. De- não aconteceu; toda a dificuldade
donados a si mesmos. A preocupa- pois, uma observação amarga: “Es- para angariar recursos e pôr em
ção de Montini é simplesmente a perávamos, é verdade, que Milão, prática aquele amplo plano caiu so-
do pastor por seus fiéis; não há ne- com suas históricas e grandes paró- bre suas costas: “Mas não nos dará
la nenhum desejo de garantir a he- quias e com seu coração cristão e desgosto trabalhar, fazendo da nos-
gemonia “cultural” nos novos bair- sensível, se empenhasse mais e sa pobreza motivo de confiança na

50 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Eram os anos da grande imigração. Pouco
depois de nomeado arcebispo de Milão,
Montini chamou os maiores arquitetos da
época para a construção das novas igrejas.
Com coragem e devoção
de Giuseppe Frangi

A igreja paroquial de São Francisco de Assis, em Fopponino, Milão, construída no princípio da década de 1960,
com projeto de Gio Ponti

Providência e nos homens, seus le momento histórico. A Igreja abria 1962, “orgulho por ter sacerdotes
ministros”. uma nova terra de missão nesses no- que aceitam a vida pastoral nas con-
Ao longo de seus oito anos e vos e imensos aglomerados que sur- dições em que vocês o fazem, que
meio em Milão, Montini iniciou giam nas periferias das cidades. Era aceitam como uma honra viver em
obras, e em grande parte concluiu, um percurso duro, pois, antes de ob- condições de risco, com responsabi-
em nada menos que 135 igrejas em ter os meios para construir as novas lidades formidáveis, sem meios, qua-
toda a diocese. Uma estratégia lan- igrejas, os párocos viviam acampa- se mendicantes em alojamentos
çada por seu predecessor, o cardeal dos, às vezes em condições piores provisórios e incômodos. Vocês se
Schuster, e que o futuro Papa perse- que as de seus fiéis. “Tenho orgulho lembrarão destes dias quando tive-
guiu sentindo toda a urgência daque- de vocês”, disse-lhes Montini em rem sua igreja e a paróquia estiver ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 51


Arte cristã

À direita e acima, duas imagens da igreja


paroquial de São Lucas Evangelista,
na divisa com Lambrate, Milão, construída
na segunda metade da década de 1950,
com projeto de Gio Ponti

formada... esta é a sua sorte: poder construções relacionadas às depen- em 1933, em Banneux, na Bélgica,
criar livremente a sua paróquia, dan- dências da empresa, desde as casas a uma menina, Mariette Beco. Em
do importância ao que é essencial na para os funcionários até as creches. 1942, com confirmações em 1947
vida religiosa, o dogma”. Figini e Pollini eram herdeiros do ra- e 1949, a Igreja reconhecera a apa-
Naquele advérbio “livremente” cionalismo italiano e, para Nossa rição. Em 1949, os mineiros de Lim-
está toda a maneira como Montini Senhora dos Pobres, no coração da- bourg quiseram presentear “os tra-
encara o desafio das novas igrejas. quele bairro de “casas mínimas”, balhadores de Baggio” com uma có-
Na Milão que naqueles anos contava construíram uma igreja de uma sim- pia da imagem de Nossa Senhora de
com alguns dos maiores talentos da plicidade extrema, a custos reduzi- Banneux, que ainda hoje é venerada
arquitetura europeia, o arcebispo dos, com uma estrutura em cimento na nave esquerda da igreja. O edifí-
decide dar-lhes crédito e confiar a armado. Na fachada em duas águas, cio de Figini e Pollini é de um equilí-
eles alguns importantes projetos. Di- com um frontão apenas delineado, brio extraordinário, sem se dar ao lu-
ferentemente de seu predecessor, os dois arquitetos inseriram grandes xo de nenhuma futilidade. É quase
Montini enfim optava por abrir-se à intercalações de cerâmica lombarda, rude, na sua nudez, mas comove pe-
modernidade. Suas expectativas como elemento extremamente sim- lo derramamento inesperado da luz,
eram elevadas: “A arte se presta às ples de decoração. que chove do alto sobre o presbité-
edificações. Este aparecimento da O edifício foi dedicado a uma rio: um cibório quadrado, fechado
arte no limiar das nossas obras nos Nossa Senhora que tinha aparecido na parte superior por uma grade de
enche de emoções”. Mas eram tam-
bém claras as suas recomendações:
“Queremos apresentar uma arquite-
tura livre, segundo a inspiração mo-
derna, mas contida numa sã demo-
cracia da construção civil: não é tem-
po de fazer monumentos, mosaicos,
decorações dispendiosas. É tempo
de salvar, com construções simples,
a fé do nosso povo” (1961).
O primeiro edifício consagrado
por Montini, um ano depois de sua
entrada na cidade, parece propor-se
como encarnação dessas suas reco-
mendações. A igreja de Nossa Se-
nhora dos Pobres, no coração de um
novo bairro operário perto de Bag-
gio, foi encomendada à dupla de ar-
quitetos Luigi Figini e Gino Pollini,
que tinham ficado famosos no mun- A igreja paroquial de Nossa Senhora dos Pobres, em Baggio, Milão,
do todo pelos edifícios criados para a construída na primeira metade da década de 1950, com projeto dos arquitetos
Olivetti, em Ivrea, e por todas as Luigi Figini e Gino Pollini. Foi o primeiro edifício consagrado por Montini

52 30DIAS Nº 1/2 - 2011


MILÃO. Cento e trinta e cinco canteiros de obras para as novas igrejas

vidros também quadrados, é a única A igreja paroquial


concessão feita pelos arquitetos, pa- dos Santos João
ra chamar a atenção, sem ênfase, Batista e Paulo,
para a centralidade do altar e do ta- em Milão,
bernáculo. Uma solução a que os construída na
dois arquitetos recorreram também segunda metade
em outra igreja que projetaram, a da década de 1960,
dos Santos João e Paulo, em Affori. com projeto
E é comovente também sua opção dos arquitetos
de cercar o próprio presbitério com Luigi Figini
um muro hexagonal pintado de ro- e Gino Pollini
sa, quase como reflexo da preciosi-
dade daquilo a que aquele lugar é
destinado.

Entre eles está Giovanni Muzio, ar-


quiteto que fizera seu nome durante
o fascismo, e que entre 1956 e
1958 trabalharia nas obras da igreja
de São João Batista de Argila, em
Giambellino: um edifício baixo, com
uma fachada toda em cerâmica,
com gregas compostas por tijolos,
motivos decorativos muito delica-
dos. Acima, um alpendre livre e sur-
preendentemente apontado para o
alto protege a entrada dos fiéis.
Mais do que Muzio, porém, cou-
be nas obras de Montini um papel
importante para Gio Ponti, arquite-
to e designer mundialmente consa-
grado, que em dez anos construiu
Já no ano seguinte Montini vai da do Apocalipse, em que está dito: três igrejas em Milão. A primeira, a
consagrar a igreja mais audaciosa e ‘Vidi civitatem sanctam descenden- de São Lucas, entre 1955 e 1960,
mais discutida. Em Baranzate, muni- tem de coelo’; as suas paredes – con- fica às margens de Lambrate. Uma
cípio em grande crescimento, logo tinua o Apocalipse – eram de cris- igreja extremamente simples, encai-
ao norte de Milão, uma outra dupla tal”. Mas Montini vai além, e defen- xada entre os novos edifícios, com
de arquitetos famosos, Angelo Man- de o critério que levou a encomen- pouquíssimo espaço ao redor. Por
giarotti e Bruno Morassutti, apoia- dar a arquitetos de vanguarda a nova isso, Ponti decidiu elevá-la em al-
dos na experiência de um grande en- paróquia dedicada a Nossa Senhora guns metros em relação ao nível da
genheiro estruturalista, Alvo Favini, da Misericórdia: “A Igreja represen- rua e projetou uma fachada cônca-
projetaram uma “igreja de vidro”. ta ainda uma novidade, e a novidade va, protegida por um grande alpen-
Quatro pilares ligeiros sustentam um pertence ao conjunto das coisas sa- dre, que dá a ideia de uma grande ca-
grande teto plano pré-fabricado, que gradas: a religião, quando é viva, bana aberta para a cidade. A facha-
parece leve e suspenso. Ao redor, as não só não exclui a novidade, mas a da é coberta por lajes em grés cerâ-
paredes são superfícies ininterruptas quer, a exige, a busca, sabe extraí-la mico, elemento pobre valorizado
de vidros recobertos por folhas bran- da alma. ‘Cantate Domino canticum simplesmente pela forma de dia-
quíssimas de isopor. “É possível que novum’, diz a Escritura. E eu estou mante desenhada por Ponti. O inte-
o seu bispo abençoe uma igreja co- aqui para estender os braços a todas rior é belíssimo e iluminado, com
mo esta?”, disse Montini durante a as novidades que a arte me dá. Não uma ampla parede de fundo pintada
pregação da missa pela consagração tenho nenhuma prevenção contra com faixas brancas e azuis, como a
da igreja, em 1957. “É possível, por- as novidades, desde que a novidade evocar a memória do românico lom-
que eu percebo na nova construção não seja um capricho”. bardo. Alguns anos depois, Ponti foi
um profundo simbolismo, que cha- Não há apenas arquitetos racio- chamado para as obras de uma pa-
ma a atenção para a essência da ca- nalistas no time chamado ao traba- róquia, que era a sua paróquia, situa-
sa do Senhor, lugar de reunião onde lho por Montini. Há também os de da numa região mais central, Ma-
os homens elevam a sua mente a cultura novecentista, com uma vo- genta: São Francisco de Fopponino
Deus e se encontram como irmãos. cação monumental mais forte. Com é um projeto mais ambicioso, com
Esta igreja de vidro tem de fato uma Montini, porém, eles aceitam ater- medidas mais amplas, particular-
linguagem sua, que pode ser extraí- se a uma necessária simplicidade. mente na altura da nave. O moti- ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 53


Arte cristã

Duas imagens da igreja paroquial


de Nossa Senhora da Misericórdia,
em Baranzate, Milão, chamada também
de “a igreja de vidro”, construída
em 1957, com projeto dos arquitetos
Angelo Mangiarotti e Bruno Morassutti
e do engenheiro Aldo Favini

vo do diamante renova-se por toda portas de Milão, o quartel-general da a Mattei. Como verdadeira igreja de
parte, desde as pequenas chapas la- empresa petrolífera ENI. Quando aldeia, Gardella concebeu um edifí-
jotas até as grandes janelas (algumas Mattei morreu em 1962, em cir- cio de uma humildade extrema, com
abertas simplesmente para o céu) e cunstâncias trágicas e ainda miste- nave única e em forma de grande ca-
o portal. Mas tudo sempre mantido riosas, Montini assumiu a presidên- bana protegida por um teto baixo e
nos trilhos de uma sobriedade fran- cia do Comitê e chamou Ignazio muito prolongado. As paredes de ci-
ciscana. Foi uma obra que Montini Gardella, outro grande nome da ar- mento armado são ornadas por um
estimou muitíssimo e que visitou três quitetura milanesa, para projetar a simples motivo decorativo linear de
vezes, a partir da cerimônia de depo- igreja “da aldeia” de San Donato. Ao pedras brancas, que percorre a igreja
sição da pedra fundamental, em 4 dedicar a igreja a Santo Henrique, em todo o seu perímetro, por dentro
de maio de 1961 (“Para que aqui rei- Montini quis fazer uma homenagem e por fora. E por dentro a luz chove
ne a verdadeira fé, o temor do alto de duas janelas con-
de Deus e o amor aos ir- tíguas, que garantem har-
mãos”, mandou escrever monia, ritmo e leveza.
no pergaminho que foi in- Em 23 de maio de
serido na cavidade dessa 1963, Montini estava pre-
pedra). Gio Ponti, em se- sente em mais uma das
guida, construirá outra be- muitas cerimônias de de-
líssima igreja, a do hospital posição da pedra funda-
São Carlos, dedicada a mental de uma nova igre-
Santa Maria Anunciata: ja, a de São Gregório Bar-
um edifício sugestivo, com barigo, em Barona. Seria a
o estilo longo e inclinado última, pois dali a poucas
próprio de um navio. semanas, em 21 de junho,
No grande esforço para era eleito papa. Estamos
dotar Milão das igrejas de aqui, disse, “comovidos
que precisava, Montini deu pela sorte que nos é dada
uma tarefa estratégica ao de presentear a nossa ci-
Comitê das Novas Igrejas, dade com um templo no-
para cuja presidência cha- O cardeal Montini, arcebispo de Milão, vo, de criar em seu seio,
mou Enrico Mattei, que na- com Enrico Mattei, chamado pelo próprio Montini dentro de seus limites,
queles anos estava cons- a presidir o Comitê das novas igrejas uma família espiritual de
truindo em San Donato, às um povo bom”. q

54 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Liturgia

O altar
El transparente (1730),
obra do escultor
Narciso Tomé,
na Catedral de Toledo

Moçárabe, ou seja,
“entre os árabes”
Entrevista com dom Juan Miguel Ferrer Grenesche, subsecretário
da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
sobre o rito litúrgico que nasceu no século IV na península ibérica,
particularmente na região do antigo reino visigodo de Toledo.
O rito não apenas preservou a fé do povo, defendendo-a do arianismo,
mas foi praticado também durante os séculos de dominação árabe.
Tendo chegado até o nosso tempo, com seu riquíssimo patrimônio
de orações para a celebração da missa, sua história é também uma aula
de inculturação da fé numa área geográfica específica
56 30DIAS Nº 1/2 - 2011
História e valor do antigo rito hispano-moçárabe

de Roberto Rotondo

odos os dias, na Catedral de para a celebração da missa, sua his-

T Toledo, na Espanha, é cele-


brada a missa e são rezadas as
laudes de acordo com o antiquíssi-
tória é também uma aula de incultu-
ração da fé numa área geográfica
específica, a ponto de, na opinião
mo rito hispano-moçárabe. É uma de muitos, não ser possível enten-
liturgia da Igreja Católica que nas- der as raízes espirituais da Espa-
ceu no século IV, na península ibé- nha, sobretudo da devoção maria-
rica – mais precisamente nas re- na espanhola, sem levar em consi-
giões pertencentes ao antigo reino deração esse rito antiquíssimo.
visigodo de Toledo – que não só Pedimos a dom Juan Miguel
preservou a fé do povo, defenden- Ferrer Grenesche, doutor em Li- A igreja visigoda de São Pedro da Barca,
do-a do arianismo, mas foi pratica- turgia, subsecretário da Congrega- na localidade de Campillo,
da também durante os séculos de ção para o Culto Divino e a Disci- a 19 quilômetros de Zamora: construída
dominação árabe (moçárabe signi- plina dos Sacramentos, maior es- em 680, representa o ponto mais alto
fica “entre os árabes”). Tendo che- pecialista em rito moçárabe, que da arte visigoda na Espanha. A igreja foi
gado até o nosso tempo, com seu nos desse as coordenadas desse te- reconstruída em 1930 para evitar que
riquíssimo patrimônio de orações souro litúrgico. Dom Juan Miguel, ficasse submersa depois da formação
de uma barragem

nascido em Madri em 1961 e or-


denado sacerdote em Toledo em
1986, antes da nomeação para a
Cúria Romana foi vigário-geral da
Arquidiocese de Toledo.

Dom Juan Miguel, por que o


rito moçárabe é tão precioso?
JUAN MIGUEL FERRER GRE-
NESCHE: Pelas características dis-
tintivas da liturgia eucarística, que
são a tendência à conservação das
formas antigas, a simplicidade dos
ritos iniciais, a abundância de “an-
tífonas e cantos fixos” ou quase fi-
xos, como, por exemplo, o canto
da paz, o canto “ad accedentes”
para a comunhão, a antífona para
a oração depois da comunhão, a
bênção em preparação para a co-
munhão, o calendário fortemente
cristocêntrico e com grande pre-
ponderância das celebrações dos
mártires.
Fala-se frequentemente da
grande variedade eucológica
do rito moçárabe, ou seja, do
grande número de orações eu-
carísticas...
Se em Roma algumas partes da
oração eucarística são variáveis,
na Espanha essa é a característica
de toda a oração eucarística, das
orações e das exortações do Ordo
Missae. Mas um outro elemento é
o caráter iniciático-participativo.
O povo participa constantemente,
sobretudo ouvindo as orações
A Anunciação, miniatura moçárabe. Tratado de Santo Ildefonso sobre a virgindade (normalmente longas, mas seguin-
de Maria, fol. 66 do estruturalmente regras de re- ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 57


Liturgia

“Será entre 589, data em que é celebrado o Concílio de Toledo III,


e 711 que se dará a época de ouro do rito já então conhecido como
‘hispano’. Efetivamente, entre 589 e meados do século VII temos
o período da grande composição dos textos e da codificação em livros,
de modo que, já depois do Concílio de Toledo IV (633),
podemos falar de uma definição solene e completa do rito”
tórica precisas, para chegar, não grande número de tratados (entre ria; o valor e a grandeza da vida
apenas a Deus, mas também ao os quais os de Isidoro de Sevilha, monástica sem desprezo pelo ma-
povo), mas também com aclama- Paciano de Barcelona, Ildefonso e trimônio; a clara presença do Espí-
ções e cantos (especialmente com Julián de Toledo), terem preferido rito Santo na vida e no culto da
o Amém, pronunciado 33 vezes concentrar seu ensino não em Igreja. Entre os mestres que mais
em cada missa, e com o Aleluia). obras teológicas, que naquela épo- influenciaram seu pensamento de-
Nesse mesmo sentido deve ser ca teriam sido usadas por poucos, vem ser citados São Jerônimo,
entendida a forma solene da fração mas na liturgia, da qual todo o po- São Leão Magno, Santo Ambró-
do pão – na qual a sacra espécie é vo se beneficiaria. É daí que vem a sio, Santo Agostinho e São Gregó-
subdividida em nove partes, que redação de um patrimônio eucoló- rio Magno.
são depositadas em forma de cruz gico de valor teológico e espiritual Quais foram as etapas his-
na patena, ao mesmo tempo em
que são retomados os principais
momentos do mistério de Cristo –
ou a forma da recitação cadencia-
da do Pai Nosso feita pelo sacerdo-
te, com sucessivos Amém do povo
depois de cada frase.
Um último elemento distintivo
do rito moçárabe é a integração de
elementos de outras tradições li-
túrgicas. O gosto pela conserva-
ção de suas formas antigas não
impediu ao rito que acolhesse, ao
longo dos séculos, contribuições
de diferentes partes do mundo
cristão, sem perder de vista, toda-
via, os seus elementos originais: a
influência, muito provável, do
canto e do cerimonial bizantino –
amplamente testemunhada numa Acima, monges beneditinos cantam usando o rito moçárabe no coro do mosteiro
extensa região da península, de de Sahagún, perto de León
Múrcia a Málaga, entre o fim do
século VI e o fim do século VII – ou extraordinário e que dificilmente tóricas fundamentais no de-
a acolhida de elementos litúrgicos será superado. Os grandes eixos senvolvimento do rito moçá-
alexandrinos – entre os quais a teológico-espirituais de suas obras rabe?
oração eucarística –, que prova- litúrgicas são a vitória sobre o pa- O período de ouro se dá entre
velmente vieram de Roma e de Mi- ganismo e a superioridade da ver- os séculos VI e VIII, mas eu parti-
lão nos tempos de Santo Ambró- dade e do culto cristãos; a vida co- ria do início do século IV, com
sio e de São Leão Magno; a aco- mo “sequela Christi”, segundo o dois episódios que para mim são
lhida de algumas romanizações exemplo dos mártires; o equilíbrio de máxima relevância, pelo que
progressivas, sobretudo a partir entre ascese e amor pela criação, concerne ao processo de cristia-
do século XI, como o Glória, a ante as afirmações priscilianistas; nização dos povos hispânicos: o
oratio post Gloriam, a Comple- a afirmação indiscutível da divinda- primeiro é o Concílio de Elvira
turia e as sucessivas assimilações de e da humanidade de Cristo, (306), perto da atual Granada,
das rubricas e da arte litúrgica. contra o arianismo e as reminis- que reuniu muitos bispos da re-
A que se deve essa riqueza? cências docetistas, além de uma gião, mas também de dentro da
Ao fato de os Padres da Igreja fortíssima piedade mariana centra- península, como Melâncio, bispo
hispânica, mesmo escrevendo da na maternidade virginal de Ma- de Toledo, a antiga capital da Car-

58 30DIAS Nº 1/2 - 2011


À esquerda, a Natividade, antifonário
moçárabe da Catedral de León

da conversão dos reis visigodos ao


catolicismo, começaram a com-
por textos litúrgicos justamente
para que a passagem do povo do
arianismo para o catolicismo fos-
se uma conversão real e a verda-
deira fé pertencesse a todos, visi-
godos e hispano-romanos. Foi es-
se o gatilho que fez desencadear o
processo de formação do rito, e
neste ponto é preciso falar sobre-
tudo de Ildefonso de Toledo, que
compôs muitas missas e celebra-
ções para a Liturgia das Horas,
mas desenvolveu também toda
uma pietas em torno de Maria
petana, onde a fé já estava arrai- de e alguns livros litúrgicos pró- Virgem e Mãe – Virgem porque
gada e a estrutura eclesial estabe- prios, dando lugar a uma fase de mãe de Deus e mãe porque mãe
lecida em todos os seus elemen- desenvolvimento em que conver- de Cristo Jesus. Isso também con-
tos. O segundo: a comemoração gem todos os elementos de um au- tra a heresia ariana, que negava a
dos mártires. Como em outras têntico processo de inculturação divindade de Jesus.
partes do Império, sob Dioclecia- da fé nos diferentes contextos do Mas será entre 589, data em
no as comunidades cristãs já con- mundo antigo. Assim aconteceu que é celebrado o Concílio de Tole-
solidadas se encheram de mártires também na Hispania romana. do III, e 711 que se dará a época de
e superaram essa forte provação O que mudou com as inva- ouro do rito já então conhecido co-
dando testemunho de constância sões bárbaras? mo “hispano”. Efetivamente, en-
e firmeza na fé, pouco antes de As invasões bárbaras, ou me- tre 589 e meados do século VII te-
obter a “tolerância” e, dentro de lhor, a gradual passagem do poder mos o período da grande composi-
pouco tempo, a “oficialidade”. político e social no Império Roma- ção dos textos e da codificação em
O século IV é importante por- no do Ocidente para as mãos dos livros, de modo que, já depois do
que é o século do nascimento das novos povos, interrompeu ou Concílio de Toledo IV (633), pode-
“escolas exegético-teológicas”, e freou esse processo nas diferentes mos falar de uma definição solene
será também o das grandes con- regiões geográficas. Mas o proble- e completa do rito, num processo
trovérsias doutrinais e dos estatu- ma não foi tanto o fato de os bár- que se prolonga até a sua supres-
tos conciliares, que antecipam o baros destruírem tudo, e sim o de são, no Concílio de Burgos do ano
nascimento, no século seguinte, terem reaberto a questão ariana. de 1080.
das liturgias escritas e mais adiante Além disso, fragmentando a unida- É um período histórico qua-
ainda dos livros litúrgicos propria- de política do velho Império, pro- se todo marcado pela domina-
mente ditos. De fato, o século V vocaram migrações de povos que ção árabe. Como o rito moçá-
será o da literatura teológica e pas- levaram a uma decadência econô- rabe pôde sobreviver e desen-
toral, das grandes codificações mica, com repercussões sobre as volver-se?
conciliares e do nascimento dos forças intelectuais e artísticas, que É difícil dar uma resposta ge-
“ritos” como expressões globais freou a publicação de livros e a ral, pois a situação não foi a mes-
da fé, com uma tradição exegético- construção de igrejas. ma em cada ponto da Espanha.
teológica, um ordenamento canô- A questão ariana, no início, pôs Além disso, falamos de um perío-
nico-disciplinar, uma espiritualida- os bispos católicos hispânicos em do de tempo longuíssimo: os mu-
forte dificuldade, pois os reis visi- çulmanos chegaram no início do
godos a que estavam submetidos século VIII e deixaram Granada
davam cada vez mais espaço e na época da descoberta da Améri-
proteção aos bispos arianos, que ca. Podemos dizer, porém, que no
dividiam as comunidades e po- início eles não puderam influen-
diam levar o povo a perder a ver- ciar muito os costumes e as cren-
dadeira fé. Esse, porém, foi tam- ças, pois eram uma minoria mili-
bém um momento de reflexão pa- tar e política e se limitavam a
ra os bispos católicos, que, depois manter a situação sob controle.
Os problemas começaram, na
A igreja visigoda de Santa María verdade, com alguns cristãos de ori-
de Quintanilla de las Viñas, gem visigótica, que não eram real-
Burgos, Espanha mente convertidos ao catolicismo ¬

30DIAS Nº 1/2 - 2011 59


Liturgia
e que, graças à presença dos ára- ver. Isso até o já citado Concílio de po também a dignidade do velho
bes, pensaram em voltar ao seu Burgos, de 1080, em que, sob a di- rito, permitindo a sua celebração
arianismo fazendo-se muçulmanos. reção da coroa de Castela, o rito em alguns outros lugares signifi-
Esse fenômeno gerou um período romano torna-se o oficial. A partir cativos, como a sede universitária
difícil para o catolicismo. Os bispos daquele momento, à medida que de Salamanca. Os livros de Cisne-
procuraram explicar aos muçulma- Aragão e Castela retomavam terri- ros (missal e breviário) permitirão
nos em que consistia a verdadeira fé tórios dos árabes, esses territórios a conservação da eucologia, das
católica, repelindo as acusações de eram restituídos ao rito romano e leituras próprias e das estruturas
politeísmo e idolatria, mas essa polí- os bispos eram nomeados entre os rituais de uma parte da tradição
tica de diálogo não teve um grande monges franceses de rito romano. hispânica (que logo tomará o no-
resultado, pois os muçulmanos se Assim, o rito romano voltou a ser me de tradição “baética” ou anda-
enrijeceram em suas posições e al- predominante na Espanha e, no fi- luz, para conservar-se nos livros
guns moçárabe-cristãos acabaram nal, apenas Toledo conservou o de Cisneros sob a denominação
por abraçar teses erradas, como as privilégio de poder celebrar a litur- de versão “impressa”) para a mis-
de Elipando de Toledo. gia moçárabe em torno das seis sa e a Liturgia das Horas. Esses li-
Houve também tentativas de paróquias que havia na cidade vros consagram ainda a integra-
converter os muçulmanos ao cris- quando Afonso VI, em 1085, a ção, que se ia realizando, de al-
tianismo, como a centralizada em conquistou, expulsando os árabes. guns elementos romano-toleda-
nos, sobretudo nas rubricas, no
calendário, no espaço para a cele-
A igreja de São Miguel de Escalada, bração e nos objetos para o culto.
a trinta quilômetros de León, Na Era Moderna, quais fo-
foi fundada em 913 por monges em ram os momentos mais impor-
fuga de Córdoba. Os arcos mourescos tantes?
do pórtico em forma de ferradura são Com o fim do século XVIII, o
típicos da arquitetura moçárabe espírito erudito pós-tridentino e a
genialidade do “século das Luzes”
convergem para uma nova edição
do missal e do breviário desejada
pelo cardeal Francisco Antonio
de Lorenzana (1772-1800). Essa
será a versão universalmente di-
fundida graças à sua publicação
dentro da coleção de Migne (Pa-
trologia Latina 85 e 86). No sé-
culo XIX, o interesse dos estudio-
sos pela questão “moçárabe” cul-

Córdoba, e isso provocou a perse- E depois?


guição: foi a época dos mártires A sobrevivência do rito hispa-
cordobenses, que foram para o no-moçárabe, limitadamente às
martírio em toda a Andaluzia. antigas paróquias de Toledo, teve
Foi a reforma gregoriana momentos de maior ou menor fe-
que marcou o fim do rito moçá- licidade no reinado dos reis católi-
rabe como rito de toda a Espa- cos e no episcopado do cardeal
nha, em favor do rito romano? Francisco Jiménez de Cisneros
Não, foi um processo muito mais (1495-1517). Quando este assu-
longo e elaborado. Já antes da refor- miu o projeto de reeditar os livros
ma gregoriana havia começado, em litúrgicos, a antiga liturgia encon-
nível político, um processo de apro- trava-se certamente numa situa-
ximação dos reinos católicos do nor- ção crítica de decadência dos ele-
te da Espanha com a Europa. Era mentos materiais, de falta de ade-
uma Europa pós-carolíngia e clunia- quada formação do clero e de dis-
cense e os reis de Aragão e de Caste- persão dos fiéis. A obra de Cisne-
la pensavam que a adoção do rito ro- ros garantiu a sobrevivência do ri-
mano ajudaria seus projetos de inte- to e o vinculou particularmente à
gração ao resto da Europa. catedral primacial, com a criação
Os monges de rito romano co- da capela moçárabe do Corpus
meçaram, assim, a estabelecer-se Christi; garantiu ao mesmo tem-
na Espanha sob a proteção dos
reis, e por isso os dois ritos, roma- El Greco, Santo Ildefonso,
no e moçárabe, passaram a convi- Igreja da Caridade, Illescas, Espanha

60 30DIAS Nº 1/2 - 2011


À esquerda, a Sagrada Família; à direita, a Adoração dos Magos, miniaturas extraídas do antifonário moçárabe da Catedral de León

“Já antes da reforma gregoriana havia começado, em nível político,


um processo de aproximação dos reinos católicos do norte da Espanha
com a Europa. Era uma Europa pós-carolíngea e cluniacense e os reis
de Aragão e de Castela pensavam que a adoção do rito romano ajudaria
seus projetos de integração ao resto da Europa”

minará com as edições do benedi- as tradições, impressa e manus- melo Borobia Isasa, em Québec,
tino francês Férotin, que traz à luz crita, recorrendo à proposta de no Canadá, por ocasião do Con-
a riqueza dos manuscritos moçá- dois ciclos celebrativos quando gresso Eucarístico Internacional
rabes da Castela Setentrional, necessário. do ano de 2008.
dando espaço à descoberta de E hoje? O rito, então, não ficou
uma outra tradição hispânica (a Podemos dizer que, desde o sé- apenas como um tesouro para
que tomará o nome de “manuscri- culo VIII, a riqueza do patrimônio estudiosos e eruditos...
ta”). Tamanho foi o fervor que es- eucológico do rito hispano-moçá- De fato, é um rito para uma mi-
sas descobertas suscitaram, que rabe nunca foi tão acessível quanto noria. Mas depois do Concílio che-
despertaram suspeitas acerca da hoje. De fato, isso é demonstrado gou a haver um desejo de abrir as
“autenticidade” da tradição pre- pelas muitas teses de doutorado portas desse tesouro para outros
sente nos livros impressos em sua publicadas nas últimas décadas a católicos espanhóis e do mundo
época por Cisneros, que foi de- respeito da matéria, ao lado de di- todo, com uma ampla possibilida-
pois recuperando crédito graças versas celebrações ocasionais do de de celebrar essas missas ou a Li-
aos estudos realizados após o rito em todas as regiões da Espa- turgia das Horas com o rito moçá-
Concílio Vaticano II pelo grande nha e em lugares e circunstâncias rabe, com permissão prévia do bis-
especialista em rito padre Jordi de ressonância universal: basta ci- po, mesmo em lugares onde não
Pinell e por seus alunos de Santo tar, entre outras, a celebração pre- há comunidades moçárabes.
Anselmo, em Roma, e por outros sidida pelo papa João Paulo II na É claro que continua a ser uma
professores na Espanha. Basílica Vaticana (1992), a presidi- liturgia que não é celebrada com
Dessa forma, no atual missal da pelo arcebispo-primaz de Tole- um grande número de fiéis, mas as
hispano-moçárabe, publicado se- do, o cardeal Francisco Álvarez portas estão abertas, de modo que
gundo os princípios da constitui- Martínez, também na Basílica de as pessoas que gostam de se apro-
ção Sacrosanctum Concilium e São Pedro, por ocasião do Grande ximar do mistério não apenas pelo
sob a direção e o patrocínio do Jubileu do ano 2000, a convite do estudo teórico, mas numa expe-
cardeal arcebispo de Toledo Mar- próprio comitê organizador, ou, riência como a da celebração, pos-
celo González Martín, puderam enfim, a presidida pelo bispo auxi- sam encontrar essa riqueza no rito
ser reunidas as riquezas de ambas liar de Toledo, dom Joaquín Car- moçárabe. q

30DIAS Nº 1/2 - 2011 61


EXEGESE

A mulher
do Apocalipse
e o anticristo
Repropomos, pela sua surpreendente atualidade,
um artigo de Ignace de la Potterie publicado
no número 10 de 1995, de 30Dias

de Ignace de la Potterie

ois pontos nos estimulam a tismo, as visões narradas no Apo- ca com o Império Romano e, mais

D continuar a reflexão sobre


o Apocalipse iniciada no
mês passado 1 . O décimo nono
calipse representam a terrível e
real batalha que ocorre na história
entre o Redentor e seu inimigo es-
em geral, com as potências mun-
danas que perseguem a Igreja.
Com o passar dos séculos fo-
centenário da composição do últi- catológico. Os dois exegetas con- ram muitos os que recorreram a
mo livro da Bíblia, celebrado na sideram o anticristo como um ator uma leitura política do Apocalip-
ilha grega de Patmos por iniciativa do Apocalipse, representado nos se, dentro e fora da Igreja. Todos
do Patriarcado Ecumênico de símbolos do dragão e das duas os perseguidores e todos os pro-
Constantinopla; e principalmente bestas. Peterson em um estudo de tagonistas trágicos e negativos da
o fato de o Apocalipse estar ao 1938 sobre o Apocalipse, falando história, mesmo Hitler e Stálin,
centro das atenções de dois gran- da besta que vem da terra a identi- foram identificados com o anti-
des exegetas deixados um pouco fica com “o falso profeta que tam- cristo. Lutero atribuiu característi-
de lado por parte do establis- bém pode-se chamar o teólogo do cas do anticristo até ao papa de
hment acadêmico e que 3ODias anticristo”. Vinte anos mais tarde Roma.
justamente repropôs aos seus lei- Schlier escreveu um artigo sobre o Esta inflação de anticristos cor-
tores nos últimos números: Erik anticristo, concentrando-se unica- re o risco de criar equívocos. Por
Peterson (1890-1960) 2 e Hein- mente no capítulo XIII do Apoca- isso parece oportuno rever o que
rich Schlier (1900-1978)3. lipse, no qual ele descobre toda a é verdadeiramente o anticristo
Para os dois teólogos alemães, simbologia do culto imperial. O para João, que foi o discípulo que
ambos convertidos do protestan- anticristo na sua leitura se identifi- falou dele. ¬

Mas se queremos saber o que é o anticristo para João,


antes de procurar no Apocalipse devemos olhar às suas primeiras duas
cartas. E aqui que o termo anti-cristo criado por João aparece pela
primeira vez; e significa: 'aquele que se opõe a Cristo' ou seja "aquele
que nega que Jesus é o Cristo" (1Jo 2, 22).

62 30DIAS Nº 1/2 - 2011


Nova et
Arquivos de 30Dias – Outubro de 1995
vetera
A besta religiosa é perigosa na condição de instrumento do maligno
assim como também são os grandes poderes mundanos [...].
Eis, portanto, a primeira característica do advento do anticristo: trata-se
de um evento eclesial, mais do que político

A besta que sai do mar,


uma das cenas do Apocalipse,
afresco de Giusto de' Menabuoi
na abside do Batistério de Pádua
EXEGESE

A mulher vestida de sol e o dragão que tenta devorar seu filho, uma das cenas do Apocalipse, afresco de Giusto de' Menabuoi na abside
do Batistério de Pádua

Inicialmente há uma observa- casta sacerdotal judaica (a prosti- meira vez; e significa: ‘aquele que
ção a ser feita. Mesmo se muitos tuta), como deixou bem claro Eu- se opõe a Cristo’ ou seja “aquele
comentários colocam em relação genio Corsini no seu livro Apoca- que nega que Jesus é o Cristo”
o anticristo com o Apocalipse, a lisse prima e dopo (edições Sei, (1Jo 2, 22). O trecho fundamen-
expressão anticristo não aparece Turim, 1980). A besta religiosa é tal é um pouco antes: “Filhinhos,
nem uma vez explicitamente no perigosa na condição de instru- é chegada a última hora. Ouvistes
livro escrito por João em Patmos. mento do maligno assim como dizer que o anticristo deve vir; e já
Existem, é verdade, as duas terrí- também são os grandes poderes vieram muitos anticristos: daí re-
veis figuras das bestas e do dra- mundanos. conhecemos que é chegada a últi-
gão. Mas também aqui, se por um Mas se queremos saber o que é ma hora. Eles saíram de entre
lado a besta que vem do mar se o anticristo para João, antes de nós, mas não eram dos nossos. Se
identifica com Roma e os reina- procurar no Apocalipse devemos tivessem sido dos nossos, teriam
dos mundanos, a outra besta, a olhar às suas primeiras duas car- permanecido conosco. Mas era
que vem da terra, representa o tas. E aqui que o termo anti-cristo preciso que se manifestasse que
poder religioso encar nado na criado por João aparece pela pri- nem todos eram dos nossos” (1Jo

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Nova et
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vetera
2, 18-19). Eis, portanto, a primei- isto é Satanás, revela a sua di- da mulher do Apocalipse à mu-
ra característica do advento do mensão essencial, escatológica, lher concreta da qual fala o Evan-
anticristo: trata-se de um evento que nos reconduz ao Apocalipse. gelho, a mãe de Jesus, que ele
eclesial, mais do que político. O O evento eclesial do cisma por mesmo chama de “mulher” antes,
anticristo como figura misteriosa, heresia é revelado na sua drama- nas núpcias de Caná (Jo 2, 4) e
ainda não detalhada, cuja vinda ticidade de evento escatológico: depois quando ela está embaixo
também é descrita por Paulo por trás do delito dos anticristos da Cruz junto com João (“Mulher,
(2Tess 2, 7-8) como um dos sinais há a ação do maligno na sua luta eis o teu filho... Eis a tua mãe” Jo
dos últimos tempos, assume nas contra o reino messiânico. Uma 19, 26-27). Podem ser feitas vá-
cartas de João conotações históri- oposição destinada à derrota por- rias considerações que confir-
cas bem determinadas. Coincide que o maligno sabe que o Senhor mam a legitimidade da dupla leitu-
com a manifestação da primeira já venceu. Mas justamente a ra. A mulher está vestida de sol
dolorosa fratura no seio da comu- aproximação da revelação defini- com a lua sob os seus pés. Grita
nidade cristã. Os anticristos são tiva da vitória faz com que o diabo pelas dores do parto e o filho ho-
os primeiros hereges, como os se torne mais enfurecido na per- mem que nasce logo é insidiado
gnósticos, isto é aqueles que rom- seguição dos discípulos de Jesus como ela pelo dragão. Todos são
peram a unidade da comunidade ao longo da história: “Por isso, símbolos e imagens atribuíveis
em torno de Cristo. O delito deles alegrai-vos, ó céu, e vós que o ha- tanto a Maria como à Igreja. Por
é o mais grave, aquele que João bitais! Ai da terra e do mar, por- exemplo, o parto doloroso, que
chama o “pecado de iniquidade”: que o Diabo desceu para junto de não pode ser um referimento à
ser contra Jesus Cristo. Não reco- vós cheio de grande furor, saben- natividade de Jesus de Maria (pois
nhecer Jesus vindo na carne, e, do que lhe resta pouco tempo” o parto foi virginal e sem dor: a
como explica também a segunda (Ap 12,12). encíclica de Pio XII Mediator Dei,
carta, querer ir além disso: “Todo Toda a segunda parte do Apo- resumindo toda a tradição o defi-
aquele que avança e não perma- calipse (capítulos 12 - 22) está ne um “parto feliz”), mas simboli-
nece na doutrina de Cristo não consagrada ao destino de perse- za o evento pascal, com o nasci-
possui a Deus” (2Jo 9). guição da Igreja com o passar dos mento da Igreja. Evento que
Na primeira carta, a figura do tempos até a vitória final na nova aconteceu aos pés da cruz: Maria
anticristo é mencionada junto Jerusalém que desce do céu. No e João aos pés do Redentor cruci-
com os outros dois antagonistas início desta sessão a Igreja perse- ficado são a Igreja nascente. E foi
dos cristãos: o maligno (“Eu vos guida está descrita pelo símbolo ali que a mãe de Jesus se tornou a
escrevo, jovens, porque vences- da luta entre a mulher e o dragão. mãe de todos os discípulos. Aque-
tes o maligno”, 1Jo 2, 13), e o Justamente pela figura da mulher, les discípulos, como diz ainda o
mundo (“Não ameis o mundo e além da interpretação dos Padres Apocalipse, sobre os quais cairá
nem o que há no mundo”, 1Jo 2, que já viam nela a imagem da toda a cólera do dragão: “Enfure-
15). Há uma íntima ligação entre Igreja, a partir da Idade Média foi cido por causa da mulher, o dra-
estes três sujeitos: as pessoas, de- proposta uma leitura caracteristi- gão foi então guerrear contra o
finidas anticristos, que renegando camente mariana, influenciando resto dos seus descendentes, os
Jesus Cristo provocaram a divi- muito a tradição iconográfica e li- que observam os mandamentos
são da comunidade, representam túrgica. Com efeito, os primeiros de Deus e mantêm o testemunho
um poder coletivo, o mundo, que cristãos, particularmente a comu- de Jesus” (Ap 12,17).
se fechou ao amor do Pai mas nidade joanina, considerando a Portanto se é lícita a leitura ma-
que está inspirado pelo poder do relação filial de João com Maria riana da mulher do Apocalipse, in-
maligno. Neste sentido o anticris- iniciada no Calvário, não pode- teressa-nos particularmente en-
to, sendo inspirado pelo maligno, riam deixar de referir a imagem tender o sentido da luta entre a ¬

Há uma bela antífona, que se usava nas festas marianas do passado


e que a reforma litúrgica eliminou tanto do breviário como do missal:
"Gaude, Maria Virgo, cunctas haereses tu sola interemisti in universo
mundo" (Alegra-te, Virgem Maria, sozinha destruíste todas as heresias
do mundo inteiro) [...]. O cardeal Ratzinger no seu livro-entrevista com
Vittorio Messori evidencia que "Maria triunfa sobre todas as heresias"

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EXEGESE

O anjo que destrói a besta com uma


pedra semelhante a uma grande mó,
uma das cenas do Apocalipse,
afresco de Giusto de' Menabuoi na
abside do Batistério de Pádua

mulher Maria e o dragão. Ou seja,


a contraposição entre Maria e
aquele símbolo do mal escatológi-
co que como vimos para João
emerge historicamente com a saí-
da da Igreja dos primeiros here-
ges. Há uma bela antífona, que se
usava nas festas marianas do pas-
sado e que a reforma litúrgica eli-
minou tanto do breviário como do
missal: “Gaude, Maria Vir go,
cunctas haereses tu sola interemis-
ti in universo mundo” (Alegra-te,
Virgem Maria, sozinha destruíste-
todas as heresias do mundo intei-
ro). Não é que Maria durante a sua
vida tenha feito alguma coisa con-
tra as heresias. Mas certamente o
reconhecimento de Maria nos
dogmas marianos é sintoma e ba-
luarte da solidez da fé. O cardeal
Ratzinger no seu livro-entrevista
com Vittorio Messori 4 evidencia
que “Maria triunfa sobre todas as
heresias”: se é dado a Maria o lu-
gar que lhe convém na tradição e
no dogma, nos encontramos ver-
dadeiramente no centro da cristo-
logia da Igreja. Os primeiros dog-
mas, que se referem à virgindade
perpétua e à maternidade divina,
mas também os últimos (imacula-
da conceição e assunção corporal
na glória celeste) são a base sólida
para a fé cristã na encarnação do
Filho de Deus. Mas também a fé
no Deus vivo, que pode intervir no mundo material) está implicita- novo, talvez na Comemoração da
mundo e na matéria, assim como mente confessada no reconheci- Assunção corporal da Virgem Ma-
a fé em relação às realidades últi- mento dos dogmas marianos. Este ria ao céu, em 15 de agosto, a bela
mas (ressurreição na carne e por- é mais um dos motivos pelo qual antífona deixada de lado pela re-
tanto transfiguração do próprio se espera que seja introduzida de forma litúrgica. q

Notas
ros entre lobos, organizado por L. 3
Cfr. L. Cappelletti, Apocalipse,
1
Cfr. I. de la Potterie, O Apocalip- Cappelletti, ibid., pp. 55-57; I. de la uma história atual, e 30Dias, n. 6, ju-
se já aconteceu, em 30Dias, n. 9, se- Potterie, O Israel de Deus, em nho de 1995, pp. 62-64; Christus vin-
tembro de 1995, pp. 60-61. 30Dias, n. 11, novembro de 1995, pp. cit, organizado por L. Cappelletti,
2
Cfr. L. Cappelletti, Teólogo sem 24-27; A eleição continua sempre ibid., pp. 65-68.
pátria, em 30Dias, n. 7/8, julho/agos- uma graça, organizado por G.Valen- 4
V. Messori – J. Ratzinger, Infor-
to de 1995, pp. 51-54; Como cordei- te, ibid., pp. 28-32. me sobre a fé, Edições BAC, 1985.

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Estou muito contente, portanto, com o fato de 30Giorni fazer uma nova edição deste
pequeno livro que contém as orações fundamentais dos cristãos, amadurecidas ao longo
dos séculos. Elas nos acompanham durante todas as vicissitudes da nossa vida e nos aju-
dam a celebrar a liturgia da Igreja rezando. Faço votos de que este pequeno livro possa se
tornar um companheiro de viagem para muitos cristãos.
da apresentação do cardeal Joseph Ratzinger
(eleito Papa em 19 de abril de 2005 com o nome de Bento XVI)

QUEM REZA SE SALVA


O livrinho Quem reza se salva
que 30Dias já distribuiu
centenas de milhares de exemplares,
contém as orações mais simples
da vida cristã como as da manhã
e da noite, e tudo o que ajuda
para uma boa confissão.

CUSTA APENAS 1€
o exemplar mais despesas
de expedição.

AS OUTRAS EDIÇÕES
EM LÍNGUA ITALIANA, FRANCESA,
ESPANHOLA, INGLESA,
ALEMÃ E CINESA

É possível solicitar
exemplares de todas as edições
(a edição italiana apresenta-se
em dois formatos, grande e pequeno),
escrevendo a 30GIORNI via Vincenzo Manzini,45 - 00173 Roma
Ou ao endereço e-mail: abbonati30g@30giorni.it

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