Você está na página 1de 53

DADOS DE ODINRIGHT

Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e


seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da
obra, com o fim exclusivo de compra futura.

É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda,


aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

Sobre nós:

O eLivros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de


dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a
educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer
pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site:
eLivros.

Como posso contribuir?

Você pode ajudar contribuindo de várias maneiras, enviando


livros para gente postar Envie um livro ;)

Ou ainda podendo ajudar financeiramente a pagar custo de


servidores e obras que compramos para postar, faça uma
doação aqui :)

"Quando o mundo estiver unido na busca do


conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e
poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a
um novo nível."

eLivros .love

Converted by ePubtoPDF
MANIFESTO ALTERNATIVO
por Purushatraya Swami

Dedicado a:
Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada
Acarya-Fundador da ISKCON e BBT
Sumário
Capa
Sumário

Capítulo 1 · Manifesto Alternativo I

Capítulo 2 · Manifesto Alternativo II

Capítulo 3 · Manifesto Alternativo III

Autor
Obras de Sua Santidade
Purushatraya Swami
Sanidade Espiritual - Reflexões do Aqui e do Porvir
O Monge e o Aposentado - Reencontro de Dois Amigos de Infância

Disponíveis em:
sankirtana.com.br
A Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna (ISKCON) convida os
interessados no assunto a se corresponderem ou visitarem um Templo,
Comunidade ou Centro de Estudos.

Acesse:
iskcon.com.br
Belo Horizonte Mandir
Rua Ametista, 212, Bairro Prado
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Fone: +55 (31) 3337-7645
harekrishnabh.com.br

Instituto Jaladuta
Rua Dr. Abdias da Silva Campos, 122, Novo Bodocongó
Campina Grande, Paraíba, Brasil
Fone: +55 (83) 3333-7044
institutojaladuta.com

Goura Vrindávana
Rodovia Rio-Santos, BR 101, KM 562, Graúna
Paraty, Rio de Janeiro, Brasil
goura.com.br
Direitos Autorais 2006
Autor: Purushatraya Swami
Organizador: Sankirtana Dasa

ISBN
Primeira edição e-book: Novembro de 2017
versão 1.3 - 11.11.17
Meus amigos, este artigo é bastante longo. Peço a todos que tenham paciência para poder ir até o fim.
Se não é possível lê-lo de uma vez, vá por partes. Mas procure lê-lo com reflexão. São ideias minhas
que quero reparti-las com todos vocês. Seu “feed back” é fundamental para apurar essas ideias.
Gostaria, também, de sugerir que aqueles que têm sintonia com essas ideias possam divulgar esse
“Manifesto” entre outros devotos que não têm acesso à Internet. A maioria do que será dito são coisas
que todo mundo sabe, mas, muitas vezes, essas ideias ficam embaralhadas e não sabemos por onde
começar a pensar. Este artigo define bem as coisas e dá um referencial para o devoto assumir uma
postura madura diante da vida.
Capítulo 1
MANIFESTO ALTERNATIVO
PRIMEIRA PARTE

O Dilema

Geralmente quando um jovem aceita a consciência de


Krishna e torna-se um devoto, ele depara-se
inevitavelmente com um dilema: como conduzirei minha
vida daqui para frente? Isso é devido ao fato de que a
proposta do processo da consciência de Krishna e a visão de
mundo que essa filosofia oferece, foge, de certa forma, aos
parâmetros normalmente aceitos pela sociedade secular
moderna, o chamado “Sistema”. O estilo de vida adotado
por um devoto já não pode, em muitos casos, ser
considerado “normal”. Normal seria moldar-se e ajustar-se
aos modelos oferecidos pelo Sistema. Deixo claro aqui que
existem devotos que, de uma forma ou outra, conseguem
ajustar-se ao Sistema sem prejuízo de sua prática espiritual.
Em geral, já trouxeram sua bagagem profissional de sua
fase anterior.

Falta de Preparo

Para um grande número de devotos, o estilo de vida


adotado toma, geralmente, um formato mais “alternativo”.
O devoto muitas vezes não se adapta, por várias razões, ao
modelo oficial. Muitos devotos ficam atrapalhados, indecisos
e inoperantes quando são obrigados a decidir o caminho a
seguir para resolver seu lado prático da vida. Temos
observado que um grande número não possui o preparo e
aptidões necessárias para, por si só, estabelecer-se e criar
seu próprio meio de subsistência. Em geral apelam para o
expediente mais simples: comprar alguma bugiganga aqui,
mais barato, e vender ali, mais caro. É o recurso mais
simples de se fazer dinheiro. Esse expediente também é
utilizado por uma massa sempre crescente de
desempregados e pessoas sem qualificação profissional,
que fazem proliferar os “camelódromos” nas concentrações
urbanas e que constituem uma economia alternativa
paralela. Isso pode funcionar na situação de emergência.
Mas, a meu ver, não deveria ser considerada como a única
saída. Existem muitas outras possibilidades, muito mais
adequadas e compatíveis para aqueles que se propõem a
serem bhakti-yogis. Esse artigo destina-se àqueles que
estão indecisos quanto ao que fazer no futuro e querem
conciliar sua atividade profissional com sua vida espiritual.
Também destina-se àqueles que já tem dedicação integral
na missão de Srila Prabhupada e desejam ter um
compromisso vitalício com a missão. Por fim, destina-se
àqueles que aspiram desligar-se do Sistema e dedicar-se
integralmente ao processo da consciência de Krishna, como
seu caminho de autorrealização e opção de vida.

Vida Normal

A trajetória considerada “normal” para uma pessoa urbana,


de classe-média, inclui, basicamente, em finalizar o
segundo grau; escolher uma carreira; preparar-se para o
exame vestibular; graduar-se na universidade; conseguir um
emprego; especializar-se na profissão; ficar apto para
competir em níveis profissionais mais exigentes dentro do
mercado de trabalho; arranjar uma boa esposa ou um bom
marido; constituir família, adquirir uma boa moradia;
possuir um bom veículo; equipar sua casa com modernos
aparelhos domésticos; dar boa educação aos filhos; ter
garantias de seguros, pecúlios e planos de saúde; mostrar-
se socialmente como sendo uma pessoa próspera,
equilibrada, atualizada e feliz; freqüentar ambientes
agradáveis e entretenimentos interessantes; aperfeiçoar o
conforto doméstico; cultivar algum hobby diferenciado;
pagar em dia todos os impostos e taxas; cumprir os 35/40
anos de emprego e aposentar-se; valer-se dos mais
avançados recursos tecnológicos da ciência médica para
contornar os inevitáveis problemas de saúde da terceira
idade; fazer seu testamento e esperar passivamente sua
morte. Esse é o modelo ideal, sonhado por todos, ou quase
todos. Os pais, em geral, sonham ter seus filhos ajustados a
esse modelo. Esse é um modelo em que as aparências
contam muito. Geralmente o sistema urbano de marketing e
propaganda não se cansa de mostrar pessoas felizes,
completamente ajustadas a esse modelo. Criou-se esse
estereotipo de “sucesso na vida”. Esse sucesso baseia-se
principalmente na quantidade de desfrute sensual que a
pessoa é capaz de experimentar. Do ponto de vista
espiritual, esse sucesso é muito questionável, pois não é
levada em consideração aquilo que temos de mais precioso,
a alma. Na hora da morte, todo sucesso material será
descartado e a única coisa que permanecerá será nossa
consciência. Essa vida humana é exatamente a hora de
trabalharmos para expandir e purificar a nossa consciência.
É a hora de fazermos um “upgrade” da consciência, usando-
se linguagem atual da informática.

Vida Moderna

O Sistema atua notadamente no ambiente urbano. A vida


urbana tem certas coisas favoráveis, mas tem também seu
lado altamente perverso. Dentre as facilidades da vida
urbana destacamos: Vida social intensa, muitas
oportunidades de desfrute sensual, variedades de
entretenimentos, hipermercado perto de casa, shoppings
sofisticados no bairro em que se vive, grandes
universidades governamentais e particulares, acesso fácil à
última tecnologia doméstica, Internet banda larga, TV a
cabo, telefonia celular, arquiteturas arrojadas, condomínios
elegantes, etc. Na vida artificial da cidade a pessoa pode
comprar tudo pronto. Nos dias de hoje, muitas pessoas já
perderam totalmente a noção da vida natural. A vida é
totalmente artificial. Consideram, por exemplo, que “vida
simples” é comprar uma lasanha congelada, já pronta, no
freezer do supermercado da esquina, e esquentá-la em três
minutos no forno micro-ondas! Tudo muito “simples”!,
pensam elas. O novo dogma urbano é a “religião do
consumo”. Os shopping centers são os grandes “templos”
dessa religião do consumo. Todos os inconvenientes da vida
são compensados e todo alívio para vida é obtido pela
oportunidade de se vagar livremente pelas aleias
refrigeradas de um super shopping da moda. A informática
mudou radicalmente a cabeça das pessoas. As crianças,
hoje em dia, não são como eram trinta anos atrás. Com a
informática entrou em cena algo que não existia antes: o
mundo da fantasia virtual. A realidade externa desse mundo
é tida como inferior a esse fantástico mundo virtual. Esse
sim é a realidade mais atraente e importante. As crianças e
jovens não têm praticamente nenhum interesse na vida
natural. Os vídeos e vídeo-games são muito mais
interessantes, e horas e horas são desperdiçadas em frente
dos monitores e telões, como que escravizados por um
poder superior. A outra face da moeda são os
inconvenientes e perigos da vida urbana. Entre os maiores
perigos das cidades brasileiras no momento, a violência
urbana e a degradação moral são os campeões. Falaremos
disso mais adiante.

Fatores que Interferem no Sucesso

Descrevemos acima a trajetória da “vida normal” de um


bom cidadão na sociedade. Mas acontece que existem
muitos fatores que interferem na vida e impedem que se
consiga uma vida considerada bem sucedida. Existem
muitos distúrbios e problemas sérios a meio dessa
trajetória, que interferem sobremaneira na vida da pessoa,
trazendo muito sofrimento e toda a espécie de
desequilíbrios psíquicos. O stress é o mais comum deles,
assim como, ansiedades, depressões, surtos psicóticos, etc.
Nesse estado, a pessoa não consegue encontrar um sentido
para sua vida, não consegue suprir as necessidades básicas
de seus dependentes e tornam-se um distúrbio na
sociedade em que vive. São muitos os fatores que afetam
negativamente a vida da pessoa. Enumeramos alguns
desses problemas: o Meio social: pertencer a uma família de
baixa renda; viver num ambiente com sérios problemas
sócioeconômicos e morais; ser carente de boa educação; ter
família caótica; ter má associação na adolescência;
envolver-se com drogas; alcoolismo dentro de casa; ter pais
separados; ter pais despreparados para educar; não ter
bons exemplos dentro de casa; a ormação acadêmica: não
possuir boa base escolar; não conseguir definir a carreira
profissional ou fazer uma escolha errada; ter vida
acadêmica relapsa; não ter o ímpeto de enfrentar os
desafios e obstáculos da formação profissional; a Vida
profissional: falta de especialização; aceitar empregos que
não trazem nenhuma satisfação e realização pessoal;
sujeitar-se a salários baixos; contrair dívidas; desemprego;
eterna competitividade no mercado de trabalho; a Vida
familiar: orçamento doméstico abaixo das necessidades;
não ser feliz na escolha do casamento; não ter dentro de
casa alguém que apóie e ajude; casar movido
exclusivamente pela atração sexual; problemas de
relacionamento dentro de casa; adultério; ciúmes;
alcoolismo; drogas; falta de planejamento em colocar filhos
no mundo; problema com os filhos; drogas nas escolas; a
Vida urbana: Uma vida totalmente artificial; muito tempo
gasto e muitos inconvenientes para ir e vir ao trabalho ou
locomover-se na cidade; superpopulação urbana; favelas;
poluição; engarrafamentos; barulho excessivo; arruaças
públicas; corrupção em todos os níveis; narcotráfico; balas
perdidas; rajadas de metralhadoras; arrastão; roubos e
assaltos; seqüestros; sujeira; falta d’água; degradação
social; os Fatores naturais e ambientais: desastres;
acidentes rodoviários, problemas sérios de saúde; tragédias;
calamidades; instabilidade e distúrbios sociais e políticos;
crises econômicas; a Personalidade: ter uma má orientação
de caráter; imaturidade; sofrer influências malignas; grande
influência de tamas e raja-guna; egocentrismo; tendência a
enganar-se e passar por aquilo que não se é; temperamento
explosivo; apatia; frustração, remorsos, pânicos,
lamentação, dúvidas, etc.; degradação moral; pornografia;
stress; ansiedades; solidão; carência e fraqueza espiritual;
Todas pessoas, sem exceção, sofrem, em maior ou menor
grau, a interferência de algum ou alguns fatores perversos
em suas vidas. Fatores externos, descritos aqui como “Vida
urbana”, são impossíveis de serem evitados para aqueles
que vivem em cidades grandes. Uns são mais afetados e
outros menos. Podemos observar que, hoje em dia, um
número cada vez mais crescente de pessoas estão
sucumbindo sob a pressão desses inconvenientes. Muitos
passam do stress ao desespero total.

Violência Urbana

Nossa lista pode, certamente, tornar-se muito mais longa,


se tratarmos de levantar todos os fatores que contribuem
para o sofrimento e fracasso. Principalmente na vida da
cidade, todas esses fatores antagônicos da vida estão
sempre nos rondando. As cidades vem tornando-se,
gradualmente, um lugar onde se concentram os tipos mais
degradados, corruptos, delinqüentes, viciados, miseráveis e
tudo que existe de pior. Os “monstros de Kali-yuga” estão
convivendo no mesmo espaço físico que pessoas decentes.
Para os bandidos e degenerados, quanto mais agitação e
caos, melhor. Eles não estão nem um pouco preocupados
com melhor qualidade de vida e vida pacífica. Nas cidades
proliferam-se os piores problemas sociais. Os perigos
rondam por todos os lados. Não adiantam sistemas
sofisticados de alarmes, não adianta se esconder em
condomínios super fechados, não adianta dirigir carros
blindados, ter guarda-costas, o que seja. Os seqüestradores
são super equipados. Qualquer pessoa na cidade é uma
presa fácil para os bandidos. Pode ser que ainda não chegou
sua vez. Mas a probabilidade de ser a próxima vítima está
sempre presente. Justo no momento em que escrevia esse
artigo, um brahmacari de nosso ashrama, Ghanashyama
das, sofreu uma tentativa de assalto num ônibus urbano em
pleno centro comercial, na via pública de um bairro de
classe média, em plena luz do dia. O bandido estava
sentado ao seu lado, no mesmo banco e exigiu que ele lhe
passasse a carteira com dinheiro. Ele reagiu levantando-se,
e foi, imediatamente, agredido por um comparsa que estava
no banco de trás. Ele conseguiu escapar e saltou do ônibus
em movimento, pois no momento o trânsito estava
engarrafado. Conseguiu salvar o lakshmi de Krishna e evitou
o inconveniente de ter que tirar, novamente, todos os
documentos. Saiu vivo dessa, mas não pôde evitar os três
pontos no supercílio e um hematoma nos lábios. Deu sorte
de não ser baleado. A violência urbana é diretamente ligada
às drogas. Quase não existe mais a figura do “ladrão de
galinha”, roendo unha de fome, que rouba para comer. A
violência gira principalmente em torno do consumo e venda
das drogas, muitas vezes em conivência com a própria
polícia. O pior é que não dá para confiar na polícia. Muitas
vezes não sabemos quem é pior: os bandidos ou a polícia.
As crianças e adolescentes são presas fáceis para a
delinqüência. Violência, vícios e perversões entram
livremente dentro das casas através das telas de TVs e
monitores dos computadores. O caso das drogas é outro
problema vital. “Adote seu filho, antes que algum traficante
adote-o”, advertia há tempos os outdoors promovidos pela
Secretaria de Bens Estar Social. A droga unifica todo o meio
social: está presente nos meninos de rua cheirando cola e
também nas orgias da elite regadas a cocaína, e outros
estupefacientes. Existem muitas pessoas com bom nível
econômico-social que usam drogas. Elas são os melhores
clientes dos traficantes e estão diretamente implicadas e
coniventes com a violência urbana. Outra praga urbana é a
degradação moral dos adolescentes. Cada vez mais a
pornografia e a atração pela vida degenerada atinge
públicos de menos idade. Nas escolas aprende-se o be-a-ba
junto com as maiores porcarias, que, em geral, tendem a
ficar presas na consciência da pessoa por toda a vida.
Nossas crianças, filhos de devotos, devem ser devidamente
protegidas. Conheço um caso de uma filha de quatorze anos
de um casal devotos sérios do movimento que caiu vítima
do que existe de pior numa cidade. A mocinha começou,
inclusive, a roubar e prostituir-se para ter acesso às drogas.
Sua mente foi completamente arrastada para o mal. Esse é
o tipo de situação que ninguém pode garantir: “Dessa água
não beberei”. Essas forças são praticamente incontroláveis
quando estão em contato e a mente fica tremendamente
atraída pelas coisas mais degradadas. As crianças e
adolescentes são particularmente vulneráveis a todas essas
influências.

Cultura Alternativa

O que queremos aqui mostrar é que existe um estereótipo


de vida dentro do que chamamos de “Sistema”, ou a vida
baseada no modelo social urbano vigente. Nossa intenção
aqui é apresentar uma alternativa, a que chamaremos
“modelo alternativo”. Nos anos setenta até princípios dos
oitenta houve uma verdadeira onda alternativa, que tomou
o lugar do movimento hippie dos anos sessenta. Na era
hippie os jovens manifestaram uma intensa rejeição ao
status quo, ao Sistema. Foi uma época psicodélica, com
muita criatividade, mas, por outro lado, com muito LSD e
marijuana —  um movimento sem consistência ideológica.
Muitos caíram num buraco sem fundo. O movimento
alternativo, que se sucedeu, foi um pouco mais “light” e
mais lúcido. Tinha pessoas de boa cabeça e intenções.
Houve muito êxodo da cidade para o campo. Achava-se,
naquela fase, que o simples fato de sair da cidade e
estabelecer-se numa zona rural ou no meio natural, seria a
solução de todos os problemas e ansiedades. O pessoal
queria fugir dos efeitos perversos do suposto “progresso”:
grandes concentrações urbanas, poluição ambiental, vida
stressada, consumismo, dependência do petróleo, em suma,
vida artificial. Nesse período, foram introduzidas muitas
técnicas naturais, muitas delas provenientes de culturas e
civilizações antigas, e muita coisa veio do Oriente. Terapias
naturais, energias alternativas, agricultura orgânica, ioga,
ecologia, religiões orientais, astrologia, vegetarianismo, são
alguns exemplos dos diferentes aspectos da chamada
cultura alternativa.

Fracasso do Modelo Alternativo

Nos anos setenta e oitenta houve uma febre, principalmente


entre certos segmentos da juventude, em adotar o estilo
alternativo de vida. Muitos se dirigiram para o campo e
tentaram organizarem-se em comunidades. Praticamente
todas essas iniciativas fracassaram. Por que? Primeiro, por
problemas de relacionamentos, os conflitos de egos; e
segundo, por falta de preparo. Poucos estavam preparados
para se estabelecer no campo e desenvolver uma vida
produtiva. A maioria retornou para a cidade e sujeitou-se
novamente ao Sistema. Outros ficaram marginalizados e
tornaram-se “parasitas” do Sistema, caracterizados pela
figura do chamado “bicho-grilo”. Vida alternativa, na
realidade, exige muito preparo. É uma ilusão pensar que o
caminho alternativo é mais fácil e confortável. Levar a vida
só para “curtir” é um ranço hippie, sem futuro. Minha ideia
é que no caminho alternativo a pessoa deve, inclusive, estar
mais preparada do que no próprio Sistema. No Sistema, a
pessoa tem toda uma estrutura amparando sua vida: status
social definido, previdência social, leis trabalhistas, direito
de férias remuneradas, empréstimos bancários, direito a
aposentadoria, curriculum vitae, etc. Por outro lado, no
caminho alternativo, a pessoa depende exclusivamente de
seu próprio esforço e capacidade. Exige muita fé e
confiança em si. Exige paciência e determinação. Muitos
tremem somente em pensar nisso.

Outras Análises da Vida no Sistema

Baseados na realidade prática do país em que vivemos,


constatamos que a vida dentro do Sistema dificilmente
contribui para o crescimento espiritual e expansão da
consciência. Ao contrário disso, esse modelo de vida
contribui mais para a acomodação e afunilamento da
consciência. Primeiro o jovem tem que passar pela peneira
do vestibular. Depois de quatro anos aprendendo um monte
de coisas supérfluas, que na maior parte nunca serão
utilizadas, ele recebe um diploma que, por si só, vale muito
pouco. Para disputar o mercado de trabalho terá que se
especializar. Sem especialização, as possibilidades de bons
empregos são escassas. Às vezes o que acontece é que
certa especialização fica muito popular, como acontece,
hoje em dia, com a informática. Aí então, mesmo bem
preparado, terá que disputar uma vaga entre muitos e, no
final, sujeitar-se a um salário aquém do requerido. Outra
opção que o sistema oferece é ser funcionário do governo,
geralmente numa função burocrática. O emprego público
dá, a princípio, uma sensação de alívio e segurança, mas
quando a pessoa cai na realidade vai entender que foi
condenada por, pelo menos, 35 anos a se ocupar numa
atividade que muitas vezes não lhe dá nenhum prazer e lhe
está sugando a alma. Outros tentam algum
empreendimento comercial. Outra ilusão. Dessa vez,
condenando-se à ansiedade eterna do modo da paixão. A
menos que a pessoa seja realmente de natureza “vaishya” e
tenha recursos de capital, vai coletar somente dívidas e
úlceras. A dura realidade é que apenas uma reduzida
minoria consegue superar todos esses empecilhos:
consegue um trabalho bem remunerado, num bom
ambiente, numa atividade que lhe dá prazer e tem tempo
para cuidar de sua vida espiritual. É importante que fique
claro que existem certas atividades e qualificações que são
bastante úteis para apoiar o movimento da consciência de
Krishna. Constantemente precisamos de advogados,
médicos, engenheiros, arquitetos, políticos, e muitas outras
atividades. Se existirem devotos qualificados para dar esse
suporte ao movimento, isso é altamente louvável. Não
estamos aqui lutando contra o Sistema, mas estamos sim
dando uma opção para aqueles que se sentem inclinados
para o caminho alternativo.

Caminho Alternativo Consciente de Krishna

Vimos que a vida profissional moderna tende a uma


crescente especialização e isso limita a atuação da pessoa
nesse mundo. As universidades, ao invés de ampliarem o
horizonte da pessoa, faz com que a consciência fique cada
vez mais afunilada. Srila Prabhupada chegou a referir-se às
universidades como “matadouros da alma”. Por outro lado,
o caminho alternativo é muito mais holístico e rico em
possibilidades. Nele abre-se um leque de inúmeras
atividades e oportunidades. A pessoa não fica restrita a uma
atividade específica. Ela vai lidar com muitas atividades
distintas. Ela precisa ter conhecimentos de muitos aspectos
da vida prática. Tem que estar muito desperta e atenta a
tudo. Tem que saber administrar, organizar, produzir,
vender, quer dizer, tem que ser “pau para toda obra”. Tem
que ensinar, liderar, cozinhar, plantar, construir, cuidar das
vacas. Tem que conhecer noções de medicina e terapias
naturais, nutrição, agricultura orgânica, energias
alternativas, conhecimento da natureza, etc. Deve conhecer
a flora e fauna. Ter intimidade com os elementos e forças da
Natureza. Ter intimidade com o firmamento. Ter noção das
forças sutis que agem no indivíduo. Em suma, tornar-se uma
pessoa prática para lidar com as coisas desse mundo e, ao
mesmo tempo, cultivar a sensibilidade para também lidar
com as energias mais sutis. A vida, sem dúvida, torna-se
muito mais rica. O individuo fica muito mais completo,
muito mais preparado para enfrentar as agruras e os
desafios da vida. Quando tudo isso é somado a consciência
de Krishna, aí então a vida passa ter um significado
especial. Pode-se apreciar muito mais as energias desse
mundo, todas derivadas de Krishna. Pode-se usar e
manipular essas energias sem nenhum apego, pois “tudo
pertence a Krishna”. O caminho alternativo é, portanto,
totalmente compatível com a consciência de Krishna. É a
vida natural, em contraste com a vida urbana artificial. Isso
tudo requer, no entanto, como já mencionamos, bastante
dedicação e preparo. Como adquirir esse preparo é o X do
problema. Temos que encontrar um ambiente propício e
pessoas preparadas que se disponham a passar suas
experiências para os mais jovens. É necessário um longo
caminho de treinamento e acompanhamento. É necessário
que haja também um grande interesse pessoal, estar
sempre “antenado”, buscando sempre novas fontes de
informação e contatos. Sem essa disposição o candidato
fatalmente irá desistir nos primeiros desafios.

Modelo Alternativo de Srila Prabhupada

Srila Prabhupada era bem alternativo. Ele não queria que


seus discípulos se comprometessem muito com o Sistema.
Ele não via com bons olhos o sistema de educação
ocidental, com bases materialistas e direcionados para o
consumismo. Alias, dentro da atual estrutura econômica
mundial, a educação é direcionada para fazer da pessoa um
“bom consumidor”. O mote “Vida simples e pensamento
elevado”, adotado por Srila Prabhupada, resume bem a
diferença de mentalidade entre a sociedade tecnológica
consumista, egocêntrica e calcada no corpo, que é
complicada e imediatista, em contraste com seu modelo
alternativo de vida simples, baseado nos princípios da vida
espiritual e centrado em Krishna. Srila Prabhupada tomou
uma direção diametralmente oposta da tendência
dominante da sociedade ocidental. Srila Prabhupada foi
realmente revolucionário e os seus discípulos que se
juntaram a sua instituição eram igualmente revolucionários
e idealistas. Ele concebeu a ideia de um movimento
alternativo mundial dedicado ao cultivo de consciência
espiritual. Ele traçou as bases desse movimento:
publicações, gurukula, ashrams, templos, comunidades
rurais, etc. Ele deixou a tarefa de estabelecer o movimento
para nós. É uma tarefa que exige dedicação e sacerdócio.
Para o movimento de Prabhupada estabelecer-se aqui no
Brasil é necessário que haja um grupo de devotos com
dedicação exclusiva para essa missão. Eles devem ter fé
inabalável no processo da consciência de Krishna e nas
instruções dadas pelo acarya-fundador. O grupo,
atualmente, é bastante reduzido e débil. Queremos ver
chegar o dia em que esse grupo chegue a ficar forte e
coeso. Onde estão os candidatos? Não se escondam. Vamos
nos unir! Observamos que muitos já se dispuseram a
dedicar-se a essa missão, mas devido aos problemas
surgidos no caminho, “tiraram o time de campo”. Temos que
entender que problemas sempre existirão. Temos, sim, que
estar dispostos a solucioná-los, um a um. Outros colocam a
culpa de seus problemas na instituição. Mas, a instituição
somos nós! Nós que temos essa missão de nos unir e formar
uma instituição à altura das ideias de Srila Prabhupada.
Outros colocam a culpa na “liderança”, algo abstrato e
generalizado. Esse é outro expediente de eximir-se da
responsabilidade. Não quero aqui afirmar que não existem
problemas de ordem pessoal, como incompetência,
ingratidão, injustiça, irresponsabilidade, etc., mas isso tem
em todo lugar, e temos que lidar com esses problemas com
a convicção de que o bom senso, ao final, vai triunfar. Além
disso o movimento é grande o bastante para se encontrar
sempre um lugar em que possamos viver em harmonia e
desempenhar nosso serviço com eficiência.

Mudança de Mentalidade

É fácil constatarmos que o jovem de hoje tem uma


mentalidade bem diferente em relação ao jovem de vinte ou
trinta anos atrás. Nessa época os jovens estavam ávidos por
algo novo, que fosse diferente do modelo que o Sistema
apresentava. Muitos não hesitaram em largar tudo o que
faziam para se juntar à missão de Srila Prabhupada. Foi uma
fase em que os templos estavam cheios de brahmacaris e
brahmacarinis. Uma falha estratégica foi pensar que isso ia
durar indefinidamente. Não foram tomadas providências
sérias para treinarem os devotos nem ajustar os devotos a
um modelo alternativo maduro. Muitos mudaram de
ashrama, de brahmacari para grhastha, sem estarem
preparados e sentiram na pele muitas dificuldades por
causa disso. Muitas famílias desintegraram-se por falta de
estabilidade doméstica mínima e falta de preparo. De uns
anos para cá, a situação mudou radicalmente. Hoje em dia,
o número de jovens que se juntam ao movimento é muito
menor que antes. Muitos antigos brahmacaris casaram-se e
trataram de resolver suas vidas independentemente,
resultando com isso que os templos ficaram vazios e,
inevitavelmente, sufocados pela pressão financeira. O yatra
brasileiro custou um pouco para entender essa nova
realidade e, por isso, vários projetos ficaram bastante
debilitados. Afinal, estão surgindo várias fórmulas para se
reverter esse quadro. Hoje em dia, a congregação tem
estado muito mais ativa e responsável. Os devotos locais
administram os respectivos projetos; não precisa vir
ninguém de fora. As comunidades rurais estão mobilizando
seus esforços para criarem suas próprias bases econômicas
sustentáveis. A BBT, sem uma distribuição de livros em
massa, está também encontrando seu próprio caminho. A
missão de Srila Prabhupada está tornando-se cada vez mais
madura e organizada. Muita coisa ainda está por fazer, mas
tudo está se encaminhando para formarmos uma
comunidade de devotos que atenda a todas as
necessidades práticas da vida e possibilite o cultivo de um
processo saudável de autorrealização.

O Jovem de Hoje

Depois do advento da informática, a cabeça dos jovens, e


das pessoas em geral, mudou consideravelmente. A atração
por essa maravilha tecnológica é irresistível. As novas
gerações tem profunda intimidade com infinidades de
softwares e hardwares complicadíssimos. Parece que essa
tendência já vem arraigada na consciência desde o
nascimento. A Internet cativa completamente a mente da
pessoa. Os vídeo games fazem com que a pessoa fique
inconsciente do mundo real e entre integralmente num
outro mundo, o mundo da fantasia virtual. Passa-se a
considerar esse mundo mais interessante que o meio
ambiente natural. O jovem de hoje é muito mais
materialista e influenciado pela mentalidade consumista. O
marketing e a propaganda exploram ao máximo o culto da
personalidade externa. Espiritualmente a pessoa fica vazia e
a vida fica desprovida de sentido. Perdeu-se muito do
idealismo e o ímpeto revolucionário de antes. Hoje em dia, a
maioria aspira ajustar-se ao Sistema, pois é a única maneira
de se ganhar dinheiro. Com dinheiro, pode-se comprar
coisas e desfrutar das delicias da vida. Vida natural? Que
coisa mais retrógrada! Coisa do passado. Vida natural
significa “pernilongos e borrachudos”, muitos pensam. Vida
natural é somente para “curtir”, mesmo assim, de vez em
quando. Essa é, mais ou menos, a mentalidade dos jovens
de hoje em dia. O conhecimento sobre os assuntos da
Natureza é mínimo. Restringe-se aos documentários do
Discovery. Não sabem distinguir uma goiabeira de uma
mangueira. Em geral, o jovem de hoje não têm o mínimo
interesse por essas coisas. Perdeu-se completamente a
sintonia e a sensibilidade para se lidar com a Natureza. A
Natureza é considerada algo inferior destinada
exclusivamente para ser explorada para se ganhar dinheiro.
Até mesmo o turismo ecológico, muito em moda hoje em
dia, tem essa conotação. Onde está o idealismo dos jovens?
Só se vê passividade e acomodação. Quando Srila
Prabhupada começou seu movimento, milhares de jovens
aderiram pois tratava-se de uma “revolução da
consciência”. Para adquirir consciência espiritual o jovem
estava pronto para abandonar todos os seus apegos. Por
que é que agora é tão difícil encontrar pessoas com tal
disposição?

Comunidades Rurais

Temos atualmente no Brasil várias comunidades rurais.


Temos Nova Gokula, que tem características muito
especiais: beleza natural, localização excelente, fácil
acesso, relevo tremendamente favorável, e vários outros
atributos. Nova Vrajadhama, em Caruaru, num excelente
micro clima nas montanhas, perto de uma boa cidade e com
várias possibilidades de produção agro-industrial.
Vrajabhumi, em Teresópolis, embora sem a extensão de
terra dos outros projetos citados, tem potencial turístico e é
o local ideal para retiros espirituais e pregação de alto nível.
Goura Vrindávana, em Paraty, situada numa região turística,
tem considerável extensão de terras, um tremendo
potencial de turismo ecológico e está especializando-se em
desenvolver projetos agro-industriais sustentáveis. Temos
noticias que um novo projeto no sul da Bahia está ainda em
embrião mas, a qualquer momento poderá entrar em cena.
Uma das características mais evidentes desses projetos é
que se encontram esvaziados. Onde estão os devotos que
sabem mexer com a terra e com as vacas? Onde estão os
alternativos? Onde estão os idealistas? Onde estão aqueles
que valorizam a vida natural? Será que todo mundo virou
“urbanóide”? Precisamos encher esses projetos com
devotos inteligentes, idealistas e realizadores. Termino aqui
esse manifesto, esperando que ele encontre eco no coração
de muitos devotos. Confio plenamente no potencial dos
devotos e devotas desse movimento. Acontece que, no
momento, as coisas estão um tanto dispersadas. É hora de
acontecer uma revivificação. Todos aqueles que têm boa
vontade devem se unir no esforço para estabelecer, de uma
vez por todas, a missão de Srila Prabhupada em bases
sólidas. Devem, contudo, estar atentos para não se
deixarem afetar por aqueles que carecem de fé e possuem
uma tendência crônica de criticar e ofender. Vamos “vestir a
camisa”, pessoal!
Capítulo 2
MANIFESTO ALTERNATIVO
SEGUNDA PARTE

Engrossando o Leite

No fogo brando, o leite vai gradualmente condensando. Não


se deve parar de mexer. Ele passa, então, a ter uma
consistência cada vez mais pastosa e chega no ponto de
“burfi”. Deve-se ter todo o cuidado para não deixar passar
do ponto, senão desanda...

Com grata surpresa, pude constatar o grande interesse que


o artigo “Manifesto Alternativo” causou entre os devotos.
Fiquei sabendo que houve, em diversas cidades, reuniões de
devotos para discutir o tema. Recebi muitas mensagens de
solidariedade. Vários devotos disseram-me mais ou menos
assim: “A maioria do que foi dito são coisas que todo mundo
sabe, mas, muitas vezes, essas ideias ficam embaralhadas e
não sabemos por onde começar a pensar. Esse artigo define
bem as coisas e dá um referencial para o devoto assumir
uma postura madura diante da vida.” Recebi, também,
várias cartas com algumas dúvidas. Vou aqui comentar
somente uma delas e elaborar um pouco mais sobre o
tema. Convido a todos para divulgarem esse artigo pelos
devotos e pessoas interessadas. é importante também que
haja discussões em fórum para ampliarmos nossa
conscientização sobre esses assuntos. Seu “feed-back” é
importante para “engrossar o leite”.

Precaução por segurança


Acyutananda Prabhu, do Rio de Janeiro, tocou no ponto de
que uma das maiores preocupações do jovem de hoje é sua
segurança no futuro. Essa incerteza quanto ao futuro seria,
então, o fator decisivo para enquadrar-se no sistema. Ele diz
que a opção de vida comunitária é, sem dúvida,
interessante, mas a vida comunitária é, de certa forma,
incerta e insegura. Implica em ficar muito dependente dos
outros membros da comunidade. Como poderemos garantir
que todos tenham o mesmo entusiasmo e dedicação? Ele
diz que a opção pelo sistema seria, na verdade, uma reação
à falta de fé no sistema comunitário. Isso, em última
análise, justificaria o que todo mundo quer, ou seja, ter
menos ansiedade quanto ao futuro. Os pontos apresentados
por Acyutananda são dúvidas razoáveis, que qualquer
pessoa sensata tem. Certamente, a segurança no futuro é
uma precaução normal e natural, e isso deve ser levado em
consideração. No entanto, o que pode ocorrer é que tal
precaução pela segurança, quando excessiva, pode levar à
acomodação. É o que se chama de “imobilismo pela
perfeição”, ou seja, só tomarei minha decisão quando
estiver cem por cento seguro. O fato é que, na verdade,
nunca poderemos ter cem por cento de segurança em nada.
Por exemplo, ao trazer uma criança a este mundo ninguém
tem nenhuma garantia que ela será boazinha. Ao comprar
um apartamento na planta não sabemos se a construtora
vai falir ou não. Certa dose de risco está sempre presente
em tudo nessa vida. A única coisa absolutamente certa
nesse mundo é que vamos morrer. Sem uma dose de
coragem e confiança, a pessoa perde o ímpeto para
qualquer mudança na vida. Ela cai inevitavelmente numa
“vidinha” medíocre. O sistema nos dá uma falsa sensação
de segurança e estabilidade. Afinal de contas, o sistema
depende da lealdade dos cidadãos, pois é importante que
sejamos “fiéis pagadores de impostos”, até o final da vida.
Fora uma pequena minoria que consegue fazer um “pé-de-
meia” e trata de curtir a vida, a grande maioria são pessoas
acomodadas, contentando-se com as migalhas conseguidas
da previdência social. Mas, tanto os abastados quanto os
remediados são vítimas de uma doença generalizada
chamada por alguns psicoterapeutas, de “normose”. São
pessoas “normais”. Uma pessoa acometida de “normose”
aceita, na maioria das vezes, sem contestar, o status quo
imposto pelo sistema. Pode espernear de vez em quando,
pode fazer greve de protesto, passeatas, votar em branco,
ou tentar burlar o fisco, mas, no final das contas, terá que
dançar na música tocada pelo sistema.

Atração Urbana

A vida urbana em cidades grandes oferece muitas


facilidades e atrativos. A pessoa acostuma-se àquelas
condições e fica completamente apegada. Ela não consegue
ver-se em outra situação a não ser aquela. Torna-se então
um condicionamento muito forte. Geralmente, o argumento
mais forte contra a vida no campo é os mosquitos. Quando
se fala em vida no campo, imediatamente ouvimos essa
pergunta: “Tem mosquitos lá?” Parece que os pobres dos
maruins, borrachudos e pernilongos são o que existe de pior
nesse mundo. Qualquer problema e inconveniente urbano,
ou mesmo todos os problemas urbanos juntos, são
preferíveis a uma picada de mosquito. Poluição, ar
irrespirável, perigo constante de assaltos, seqüestros, roubo
de carros, engarrafamentos, tempo perdido no trânsito,
miséria, pedintes, meninos de rua, impostos e taxas
altíssimas de condomínio, falta d’água, racionamentos,
cheiro de bife do apartamento do lado, vizinhança baixo
nível, narcotráfico, drogas nas escolas, pornografia explícita,
degradação moral, luxúria, prostitutas e travestis,
prostituição infantil, gerações perdidas, calor, multidões,
filas, barulho, ônibus cheio, metrô lotado, rush, blitz,
policiais corruptos, balas perdidas, multas de trânsito,
seguro do carro, xingamentos, alcoolismo, tabagismo,
sujeira, lixo, esgotos abertos, falta de espaço, aluguéis
caríssimos, preço absurdo por metro quadrado em zonas
chiques, competição selvagem no mercado de trabalho,
desemprego, inflação, alto custo de vida, pouco tempo para
dedicar-se à família, noites mal dormidas, dependência de
psicotrópicos, síndrome de pânico, propagandas enganosas
e sensuais, corrupção política, demagogia política, greves,
camelôs, enchentes, blackouts, sirenes, programação de TV
de baixo nível, vício de vídeo game, super heróis, realidade
virtual, brinquedos e distrações infantis baseados em
violência, techno music, funk, gangs, educação particular
cara, educação pública deficiente, pedofilia, loterias e
bingos, consciência corpórea extrema, futilidades, tudo isso
e muito mais é encontrado em grande escala no ambiente
urbano. Esse é sem sombra de dúvida o pior ambiente para
educar as crianças. Crianças nascidas e criadas no
ambiente poluído ficarão tão condicionadas a essas
condições de vida que não se adaptarão mais em viver em
ambientes puros. Podemos observar que uma grande parte
da população urbana, muitos devotos incluídos, estão
condicionados a essa condição lastimável de vida. Eu já vi
pessoas, mesmo jovens, que depois de um dia no campo
estavam ansiosos por voltar ao inferno urbano. Não podiam
agüentar muito tempo a pureza do ar, o espaço, a calma e a
natureza como ela é. O silêncio, então, é um dos maiores
suplícios. Para eles, vida tem que ser artificial. Tudo tem que
ser de plástico, informatizado, congelado e ter algum
zumbido. O pior de tudo é que os pobres dos mosquitos são
os que levam a culpa por terem que viver nesse caos
urbano.

Um Modelo Não Sustentável

Outro fato que os devotos devem entender com visão


filosófica e profundidade é que esse modelo sócio-político-
econômico oficial vigente não merece ser apoiado e seguido
pois não é absolutamente sustentável. Sustentabilidade
significa a capacidade que uma coisa tem de se renovar
pelo seus próprios recursos. Isso significa que, as coisas
estão gradual e irremediavelmente piorando e dirigindo-se
ao ponto de colapso. Existem dois paradigmas para se lidar
com esse mundo: a mentalidade materialista de exploração
e a consciência espiritual, em que se considera que tudo é
energia de Deus e, dessa forma, deve ser respeitada e bem
usada. A mentalidade prevalecente é de exploração. É um
estado de irresponsabilidade absurda para com a própria
pessoa, com o planeta e com as gerações futuras. O que a
natureza gastou milhões de anos para se formar é muitas
vezes destruído em questão de minutos. A ideia central de
nosso Manifesto Alternativo é de que os devotos devem
fazer todos os arranjos e moldarem suas vidas de tal
maneira que fiquem, o mais possível, à parte dessa
mentalidade perversa. Ao mesmo tempo, devem tratar de
desenvolver, de forma madura, a genuína mentalidade
consciente de Krishna. De um modo geral, as pessoas,
movidas pela ganância e pelos apetites, querem vantagens
e desfrutes imediatos, sem se importar com as
conseqüências. Essa mentalidade é encontrada nos altos
escalões do governo, nos ricos e também no povão. Os
inúmeros problemas que afligem a sociedade
contemporânea são conseqüências diretas dessa
mentalidade centrada na exploração, no consumismo, no
oportunismo e na busca irrestrita de prazer sensual. Um dos
mais graves problemas no planeta são os problemas
ambientais (poluição atmosférica, contaminação do solo e
da água, diminuição da água potável, mudanças de clima,
desmatamentos, desertificação, radiações nocivas, extinção
de espécies, reações a alterações genéticas provocadas, e
por aí vai). A maioria desses problemas já se tornaram
irreversíveis. Na lista de problemas crônicos encontramos
também: distribuição injusta de renda e propriedade,
exploração econômica dos poderosos, trabalho escravo,
miséria, superpopulação, racismo, fanatismo religioso,
degradação moral, violência urbana, terrorismo, drogas,
aborto, novas doenças, desagregação da instituição
familiar, relativismo dos valores éticos e espirituais, etc.
Que devoto, em sã consciência, quer persistir mantendo-se
conivente com esse karma coletivo tão degradante e
autodestrutivo? Temos que adotar um outro paradigma de
vida, que seja em sintonia com os valores espirituais
eternos. Em minha opinião, um devoto, sabedor dessas
coisas, deve tomar uma atitude bem radical em sua vida.
Deve fazer isso de forma consciente, sem tratar de peitar o
sistema ou virar uma pessoa revoltada e ranzinza. Temos
que abrir nossos olhos e não se deixar atrair pelo engodo do
sistema, que está sempre propalando que “as coisas vão
melhorar”. Não vão melhorar não, vão piorar mais e mais.
De fato, estão piorando gradualmente. Só que as coisas
acontecem bem devagarzinho e, normalmente, não nos
damos conta. Dessa forma, as pessoas vão,
sucessivamente, acostumando-se com cada fase da
degradação, e sem se dar conta da gravidade da situação.
Ainda por cima, sempre vai existir um monte de distrações
e entretenimentos para desviar nossa atenção dos
problemas reais. Sempre vai aparecer um novo shopping
elegante, muito atrativo, para alimentar a ilusão de que a
vida nas cidades grandes é a ideal. A pessoa fica assim
presa a este engodo sem fim. (Srila Prabhupada disse que a
única vantagem que as cidades grandes têm é o campo de
pregação. Lá estão concentradas as pessoas que mais
precisam ouvir sobre a consciência de Krishna). Temos,
portanto, que mudar o paradigma de nossas vidas. Estamos
firmemente convencidos de que vale a pena arriscar adotar
um outro modelo de vida mais natural, saudável e que
valorize realmente a condição humana. Isso é o melhor que
podemos oferecer para nós e para nossos filhos.

Arriscando com Confiança


Um devoto deve ter uma alta dose de confiança pessoal e
até ousadia. Como diz o ditado: “Quem não arrisca, não
petisca”. Em tudo que façamos, sempre teremos algum
risco. Isso é inevitável. Um devoto não deve ser uma pessoa
acomodada; não deve parar no tempo e perder o pique. Não
deve aceitar passivamente esse estado de coisas. Não deve
ficar conivente com esse sistema materialista. Deve
desconfiar de suas ofertas. Deve usar somente as coisas
básicas do sistema, pois é um fato de que não podemos
ficar totalmente alheio a ele. Um verdadeiro devoto deve
estar sempre disposto a assumir algum risco por Krishna e,
de certa forma, renunciar, integralmente ou em parte, a
segurança e conforto de seu mundinho pessoal. Excesso de
cautela pode virar uma mera desculpa para o comodismo.
Não podemos perder o entusiasmo, pois uma vez perdido,
dificilmente conseguiremos restabelecê-lo na consciência.
Esse entusiasmo é o que podemos chamar, propriamente,
de vida. Vida é aquilo que está sempre se renovando. Para
estabelecermos sólida e definitivamente a missão de Srila
Prabhupada em nosso país, precisaremos ter espírito
revolucionário. Obviamente essa não é uma revolução
movida pelo ódio e poder, mas pela boa vontade e
compaixão. Uma revolução no modo da bondade. Aqueles
que nutrem o desejo de contribuir para que a missão de
Srila Prabhupada estabeleça-se de forma digna e
consistente no seio de nossa sociedade, devem interiorizar
a fé nas palavras do Senhor Krishna, no Bhagavad-gita: “Eu
garanto, meu devoto nunca perece”, “Eu provejo o que lhes
falta...”, “...por minha graça, todos os obstáculos da vida
são superados”, etc. É preciso, sem dúvida, ter uma certa
dose de coragem e autoconfiança. Temos, contudo, que
procurar agir com inteligência. Mero entusiasmo sem
preparo e visão clara das coisas não dá bons resultados e
termina, na maioria das vezes, em derrota e lamentações.

Vida Comunitária: Possível ou Impossível?


Convívio em harmonia é algo raro nesse mundo, mesmo
dentro da célula mater da sociedade, a família, que,
teoricamente, deveria ser um refúgio de paz e segurança.
Nos relacionamentos quase sempre ocorre algum tipo de
choque de egos. Às vezes, coisas insignificantes redundam
em desavenças irreversíveis. Assim sendo, vida comunitária
é, realmente, um grande desafio para nós. Aqui no Brasil,
ainda temos um outro fator que é difícil de ser dominado: a
questão econômica. Essa questão é muito complicada. Um
chefe de família deve estar, teoricamente, capacitado para
sustentar sua família, sem causar ansiedades e insegurança
aos seus dependentes. Regras básicas de administração
doméstica e profissional devem ser aprendidas, pois até
mesmo o trabalho individual deve ser bem administrado
para ser produtivo e eficaz. Em minhas andanças pelo
Brasil, volta e meia encontro com devotos que lembram um
artigo que escrevi, alguns anos atrás: “A cruzada contra
penúria”. Nesse artigo, dizia que as comunidades devem
dar uma atenção especial para sua base econômica. Isso
deve ser uma preocupação preliminar. Primeiro deve-se
estabelecer as atividades produtivas e comerciais que vão
manter o projeto. Se ao invés de organizarmos um
mecanismo econômico, concentramos em atividades que
não têm um resultado financeiro, somente despesas, o
projeto vai sucumbir. Foi o que aconteceu em alguns de
nossos projetos. Na índia ou em países onde existe um
grande número de indianos, o primeiro passo para se
estabelecer uma comunidade rural é construir o templo e
instalar as deidades. Quando isso está assim estabelecido, o
lakshmi, em forma de doações, não vai faltar. Doação às
deidades faz parte da cultura indiana. Ninguém visita um
templo sem dar sua doação. Isso é parte da vida religiosa
de um grhastha. Aqui no Brasil, todo mundo sabe, é bem
diferente. (Sem cofrinhos e cotas mensais de
responsabilidade nenhum projeto urbano sobrevive). No
caso das comunidades rurais, não podemos nos dar ao luxo
de começar a construir o projeto pela parte brahminica, a
saber, templos, instalação de deidades, gurukula, institutos,
etc. Temos que pensar primeiro na parte vaishya, na base
econômica. Infelizmente essa é nossa realidade, e temos
que nos conformar com isso. Todas as tentativas feitas para
copiar os modelos indiano, europeu e estadosunidense
redundaram em fracassos, vide Nova Gokula e Nova
Vrajadhama. Bem, pelo menos já tivemos essas
experiências, e esperamos que não vamos repetir os
mesmos erros daqui para frente... Estabelecer comunidades
rurais é indubitavelmente uma tarefa de grandes desafios.
Temos experiência de que não basta reunir devotos que têm
Krishna como o centro da vida e grande amor por Srila
Prabhupada. Definitivamente, essas duas coisas são
condições sine qua non para participação na comunidade.
Mas, à parte a isso, todos os requisitos necessários para
uma boa convivência e relacionamentos são essenciais. Os
componente de uma comunidade devem ser pessoas bem
educadas e de bom caráter. “Maçãs podres” não devem ser
permitidas se infiltrarem no grupo. Os membros da
comunidade devem ter bastante afinidade entre si. Deve
ser como uma grande família unida. Se existirem grupinhos
e partidos, críticas e políticas, tudo será arruinado. A
responsabilidade de definir os critérios para residir numa
comunidade deve ser de um conselho de moradores. O
candidato deve provar que possui os requisitos e sua
aprovação ou não é dada pelo conselho dos membros.

Renovação

A missão de Srila Prabhupada aqui no Brasil está


seguramente numa fase bem favorável para um
crescimento saudável. Por todo lado vemos sinais de que as
coisas estão se encaixando e os resultados estão
aparecendo. Nada muito espetacular como há duas ou três
décadas quando houve um verdadeiro “boom”. Por outro
lado, hoje em dia o movimento está mais maduro e
preocupa-se mais com a estruturação do que uma expansão
descontrolada. Nos dias de hoje, não temos a quantidade de
voluntários em tempo integral que tínhamos antes. Os
jovens estão mais arredios que antes à disciplina monástica.
Mesmo assim, sempre aparece uma alma rara que toma
refugio integral em Krishna. Srila Prabhupada sempre dizia
que quem se rende a Krishna deve ser bem protegido para
não se frustrar, pois isso é muito raro no mundo de hoje.
Temos que organizar muito bem nossas comunidades, tanto
urbanas quanto rurais. Todos os devotos, com dedicação
integral ou parcial ao movimento, estão convocados para
esse esforço de renovação. Srila Prabhupada ao partir desse
mundo enfatizou: “Pelo menos mantenham o que já temos.”
Isso deve ser uma questão de honra. Não devemos permitir
que as coisas regridam. O crescimento deve ser orgânico,
passo a passo. Não devemos nunca assumir compromissos
que não poderemos cumprir. Cada nova conquista deve ser
cuidadosamente conservada. Hoje em dia, mais do que em
tempos passados, a participação na condução do
movimento é muito mais ampla. Antes tudo ficava sob o
controle de uns poucos abnegados e sobrecarregados de
responsabilidades. Hoje existe muito mais abertura.

Confiança

Vou aqui dar alguns exemplos do que vem acontecendo em


nosso yatra brasileiro. Em Nova Gokula, um grupo de
devotos tomaram as rédeas do projeto. Eles estão muito
desejosos de fazer Nova Gokula um projeto exemplar e
estão investindo seus próprios recursos financeiros dentro
do movimento. Isso é um sintoma de confiança. O projeto
inclui uma clínica ayurvedica, pousadas e restaurante. Isso
dará a Nova Gokula uma base econômica sólida. Outro
exemplo digno de louvor acontece em Nova Vrajadhama,
em Caruaru. Por falta de estrutura econômica, o projeto
ficou quase que praticamente desativado. Aproveitando-se
disso, um vizinho que explora a água mineral em suas
terras, entrou com um pedido no ministério de Minas e
Energia para explorar a água mineral na terra da
comunidade. Por lei isso é possível pois o sub-solo pertence
ao governo e este pode autorizar a exploração, mesmo em
terras alheias. Quando Jagad-vicitra Prabhu, o pioneiro da
pregação no Nordeste e administrador da fazenda, soube,
tratou imediatamente de agir, devido à gravidade e
urgência da situação. Aí então ele, por sua vez, tratou de
fazer a solicitação da licença de exploração da mina de
água dentro da fazenda e assim conseguiu impedir a
pretensão do vizinho esperto. Talvez a maioria não possa
imaginar o que isso realmente representa. Os estudos e
pesquisas para a autorização junto ao governo são
complicadíssimos. Requer o trabalho de engenheiros e
técnicos especializados. Muito lakshmi é preciso só para as
pesquisas de campo e cálculos. Bem, finalmente a
autorização foi conseguida. A partir daí, começaram a fase
das obras. Para financiar esse projeto, juntou-se a Jagad-
vicitra, seu irmão Dhanvantari Maharaj e mais uma irmã dos
dois. Usaram todo o lakshmi de suas partes de herança. A
primeira fase, o poço de extração, já foi concluída. A
segunda, que inclui a extração (bomba e encanamentos
caríssimos), armazenamento, envasamento e distribuição, e
que será preciso algumas centenas de milhares de reais,
terá início na seqüência e será financiada por um banco de
investimentos. Assim que for tudo instalado e estiver
funcionando, será um negócio garantido para o resto da
vida. A comunidade, então, vai soerguer-se a partir daí. Os
devotos residentes terão oportunidades de trabalho dentro
da comunidade. Esse é outro exemplo de confiança na
missão de Srila Prabhupada, no modelo alternativo e na vida
comunitária. Em Vrajabhumi, em Teresópolis, Candra Mukha
Maharaj , junto com Lilaraja Prabhu, assumiram as rédeas
do projeto e estão desenvolvendo um projeto profissional de
hotelaria, aproveitando muito bem as características
ambientais e turísticas do local. Também está em
andamento um curso de formação de professores de yoga,
em parceria com a academia Ananda Candra, de Mandakini
Mataji, de Juiz de Fora. Desejamos sucesso nesses
empreendimentos. Em 1985, dois irmãos engenheiros,
Arcana-marga e Setukara Prabhus, compraram umas terras
nas montanhas de Paraty. No princípio, não havia nem
estrada de acesso. Só uma picada. Pouco depois resolveram
fazer dessa terra um projeto de comunidade rural da
ISKCON. Os dois irmãos são devotos do movimento em
tempo integral. (Arcana-marga mora atualmente em Nova
Gokula e é um dos sete membros do comitê executivo da
comunidade). Setukara Prabhu, atual presidente da
comunidade, era engenheiro com especialidade de energia
nuclear. Ele desligou-se voluntariamente de uma carreira
estável na Nuclebrás para optar pelo estilo de vida
alternativa e tocar um projeto da missão de Srila
Prabhupada. Depois de anos de trabalho intenso, o projeto
está chegando ao ponto de estabilidade econômica,
baseado em atividades agro-industriais (fabricação de
banana passa e melado). Existe, também, oportunidades
muito favoráveis para hotelaria e turismo ecológico no
projeto. Já existe um devoto interessado em investir nessa
área, Giriraja Prabhu, de Campos (RJ). Outras parcerias irão
reforçar o projeto e são bem vindas. Esse é um rápido
retrospecto da situação de alguns projetos rurais no Brasil.
Queremos aqui manifestar nosso apreço a todos os devotos
que estão firmes em sua confiança na missão de Srila
Prabhupada. O que esses devotos estão fazendo são
exemplos dignos de serem seguidos. Queremos que mais e
mais devotos entrem nessa sintonia. Srila Prabhupada
certamente está radiante e todos serão abençoados. O que
é preciso agora é uma nova onda de confiança entre os
devotos para que todos esses, e mais outros tantos projetos
se desenvolvam. Esse desenvolvimento tem que ser com o
“pé no chão”. Devemos fazer tudo de acordo com as
normas, a saber: estatutos e regulamentos internos, apoio
legal, contratos, relatórios financeiros, assembléia de
membros, diretoria atuante, prestações de contas, etc.
Alguém pode argumentar: Quer dizer que tudo tem que ser
igualzinho ao padrão do sistema? Sim, mas com a diferença
fundamental de que tudo isso é para construirmos uma
condição ideal para qualquer pessoa tornar-se um devoto
puro de Krishna e desapegar-se do mundo.
Capítulo 3
MANIFESTO ALTERNATIVO
ÚLTIMA PARTE

Universidade — Templo do Saber ou Matadouro da


Alma?

Uma das cartas que recebi, comentando sobre o


“Manifesto”, foi de Alexandra, que é professora
especializada em língua inglesa, e esposa do Cristiano,
ambos freqüentadores do templo do Rio. Ela afirma que sem
dúvida apóia as ideias alternativas do artigo, mas acha que
fui muito duro nas considerações sobre o ensino
universitário. “Não concordo quando o senhor diz que o que
se aprende em uma universidade seja supérfluo”, “Não vejo
a universidade como uma grande ‘vilã’ do sistema”, “Não
acho que universidades sejam matadouros de almas”,
escreveu ela. Cita também o depoimento de um jovem que
estava presente numa reunião de nama-hatta onde foi
discutido o “Manifesto Alternativo”. O jovem lamentava-se
dizendo que estudava psicologia quando conheceu o
movimento, mas largou, pois algum devoto disse que o
curso era ‘maya’. Alexandra, então, afirma que acredita que
“cursar ou não cursar uma universidade deve ser uma
decisão pessoal”, o que, penso, ninguém vai discordar.

Parece-me que no caso do jovem arrependido houve uma


certa precipitação por parte dele. Se ele ficasse convencido
de que o caminho que estava seguindo era maya e se
tivesse tornado um monge, isso seria perfeito. Ele poderia
estar agora bem situado e não teria nenhum prejuízo.
Haveria, inclusive, um “up-grade” em sua vida. Mas, se
simplesmente largou a faculdade e agora se lamenta, isso é
um sinal de que não estava muito bem convicto e inspirado
pelo curso. Nesse caso, ele poderá tentar outra vez, se é
que agora está mais convencido. Por outro lado, o devoto
que o aconselhou a desligar-se da faculdade, pode estar
incluído numa dessas três hipóteses: a) teve uma
experiência pessoal anterior que o levou à conclusão de que
“universidade é maya”; b) não teve tal experiência, mas
possuía argumentos sólidos sobre o assunto; ou c) tinha
somente argumentos superficiais sobre o assunto. Se ele é
identificado ao terceiro caso, não deveria abrir a boca, dar
palpites e muito menos aconselhar. No caso de ser
identificado em um dos dois primeiros casos, ele deveria ter
dado muitos argumentos convincentes para não deixar
margem a dúvidas. De qualquer forma, aconselha-se que
uma decisão dessa natureza não deve ser tomada sem a
consulta de outras pessoas qualificadas. A meu ver esse é
um exemplo de uma decisão tomada emocionalmente. A
chance de dar tudo certo fica muito reduzida. Diante desse
quadro, o que posso dizer é que o lado positivo disso tudo é
que esse fato pode servir de lição para esse jovem e para
todos nós, pois sempre teremos que tomar muitas decisões
ao longo da vida e essas decisões devem ser tomadas com
convicção.

Quanto à questão de que universidade é maya ou não, isso


vai depender, principalmente, da intenção e do foco da
parte do estudante. Tratando o tema filosoficamente, se a
pessoa identifica-se com a profissão que exerce e o status
social que ela representa, em suma, se a alma passa a
identificar-se com um atributo corpóreo, isso é,
definitivamente, a própria essência de maya. Se o
estudante vai simplesmente ser treinado para ganhar
dinheiro com sua profissão e desfrutar do prestígio de ter
essa qualificação profissional, isso certamente é maya. Se
um psicólogo, por exemplo, for treinado a orientar seus
pacientes para livrarem-se de qualquer sentimento de culpa
que restrinja o desfrute sensual, isso também é maya. Se a
universidade tem uma orientação materialista, oportunista,
consumista e hedonista, como normalmente vemos, ela
será certamente um matadouro da alma. Pode ser bem
sofisticada, atualizada e de alto nível, mas se obscurece a
condição espiritual original da pessoa e enfatiza a condição
corpórea, fica caracterizada como tal. “Matadouro da alma”
é certamente um termo forte, mas é uma maneira para
abrir os olhos daqueles que aspiram fortalecer, e não
debilitar, sua própria alma.

Tomemos o caso das faculdades de psicologia. Salvo raras e


louváveis exceções, a maioria delas tem como base de seu
curso o ensino das técnicas da psicanálise. A psicanálise é,
hoje em dia, um modelo considerado ultrapassado por
muitos pensadores competentes, mas ainda tem um público
fiel e conserva a fama e o mito. Freud, o idealizador da
psicanálise, foi sem dúvida um gênio, pois foi o pioneiro no
Ocidente da exploração do inconsciente e abriu o caminho
para todos os cientistas da psique que se seguiram.
Contudo, seu sistema, baseado principalmente na teoria da
libido, no complexo de édipo, no inconsciente instintivo, na
rigidez da trama ‘ego-id-superego’, é construído dentro do
paradigma mecanicista, reducionista, determinista e é,
sobretudo, totalmente materialista e ateísta, que deve ser
peremptoriamente rejeitado. Ele não leva em consideração
as potencialidades da alma individual. Qualquer
manifestação de espiritualidade é totalmente rechaçada.
“Religião é um estado de neurose”, dizia ele. Portanto, uma
faculdade que ensina esses princípios materialistas, que
nega a alma, não pode ser considerada de outra forma a
não ser um “matadouro da alma”.

Um devoto que estuda filosofia na USP, Universidade de São


Paulo, estava descrevendo-me a situação de seu
departamento. A USP tem a fama de ser a universidade
“top” no Brasil. Especialmente, o departamento de filosofia
é tido por muitos como o “templo do saber”. Muitos
“medalhões” da intelligentzia brasileira circulam em seus
corredores. No entanto, a orientação do departamento de
filosofia é totalmente materialista e ateística. A pregação
contra a espiritualidade é ostensiva. Os poucos professores
que são religiosos são vistos com desdém. Os alunos são
totalmente influenciados por essa mentalidade. (Hadai
Pandita Prabhu que fez o mestrado no departamento de
sânscrito e agora prepara-se para o doutorado, é obrigado a
ocultar sua condição de devoto, pois seria inevitavelmente
boicotado). É sabido que esse departamento de filosofia
tem sido, por varias décadas, totalmente controlado pela
orientação marxista, que, advoga, entre outras coisas, o uso
de qualquer método amoral ou imoral para a conquista do
poder. A práxis socialista é a “religião que deve matar o
cristianismo”, dizia Gramsci, o militante italiano que morreu
na prisão facista e “profeta” da teoria de que “os fins
justificam os meios”. Ele é um dos preferidos teóricos
marxistas da intelectualidade brasileira. É parte da
estratégia da ação revolucionária influenciar a classe
intelectual. Várias gerações de intelectuais já foram
contaminadas com essas doutrinas ateísticas, materialistas
e de ética duvidosa. Com esse quadro, podemos ou não
podemos considerar essa faculdade como “matadouro de
almas”?

Existe, contudo, muitos cursos universitários que podemos


considerar como “light”, como por exemplo, serviço social,
letras, línguas antigas, pedagogia, turismo, geografia,
matemática, química, farmácia, fisioterapia, arquitetura,
desenho industrial, etc. Mas, outros, apesar de fornecer
conhecimento secular útil, podem sutilmente influenciar a
consciência do estudante e devem ser considerados
altamente perniciosos. É um fato que grande número dos
médicos são ateus. Por quê? Certamente existem razões
para isso. Ficam tão concentrados na carne que
negligenciam o espírito. O médico tem, geralmente, a
mentalidade de controlar a natureza, e por isso, sente-se,
de certa forma, superior aos outros humanos. Eles podem
ser doutores em doenças, mas geralmente não o são em
saúde. é muito comum ver médicos que não conseguem
gerenciar adequadamente nem a sua própria saúde. São
também vítimas de um sistema doente. Desde que a teoria
da evolução de Darwin foi adotada oficialmente pelos meios
acadêmicos, a mentalidade da classe científica, e em
extensão, da sociedade humana em geral, é fundamentada
na exploração e manipulação da natureza. (A teoria da
evolução das espécies de Darwin é um blefe que passou a
ser considerado “científico” por falta de algo que a
substitua. Ela é muito bem aceita no meio científico porque
descarta o papel de Deus, dando, assim, luz verde para a
exploração irrestrita da natureza pelo “ser superior”, o
homem).

A agronomia convencional, baseada na prática da


monocultura, está fundamentada na mentalidade de
exploração e transformação da natureza, tendo como meta
o aumento da produção agrícola. Para isso, usa técnicas
antinaturais de manejo do solo, insumos e pesticidas
químicos, agrotóxicos, sementes híbridas, transgênicos, etc.
A glória desse sistema é um aumento imediato de
produtividade agrícola, mas o preço que é pago por isso é
bastante alto: desequilíbrios ecológicos, pragas,
desertificação, desmatamentos, envenenamentos e
contaminações ambientais irreversíveis. E o pior é que não
conseguem extinguir a fome do mundo e a pobreza
continua aumentando.

O ensino de economia adota modelos em que o lucro é


praticamente o único parâmetro. A ideia subjacente é da
prevalência do mais forte sobre o mais fraco. Isso cada vez
mais acentua a diferença entre ricos e pobres e está
empobrecendo a raça humana, com o privilégio de poucos.
Hoje em dia, todos os governos, sem exceção, consideram a
economia com a maior prioridade, acima do bem estar dos
cidadãos. Os números passam a ter mais importância que
os seres vivos.

A biologia quer manipular as energias dos seres vivos. Para


conseguir isso, não hesita em alienar-se dos princípios
éticos e espirituais. Anos atrás, tive a oportunidade de
participar do congresso da síntese de ciência e religião,
promovido pelo Instituto Bhaktivedanta, em Calcutá. Nessa
ocasião, um importante cientista G.A. Bendford, que teve a
oportunidade de dialogar-se com Srila Prabhupada, alertava
sobre os perigos da engenharia genética. Ele afirmava que a
religião deveria ficar muito alerta para coibir os abusos de
biólogos amorais e irresponsáveis que fazem experiências
genéticas com seres humanos, sem nenhuma noção de
suas conseqüências.

Nossa lista pode ir longe. O que dizer daqueles que estudam


e estudam para tornarem-se cientistas e trabalharem para a
indústria bélica? (Quase a metade da classe científica está
envolvida nisso). E aqueles que pesquisam a inteligência
artificial, como os cientistas do famoso MIT de Boston?..

Um estudante espiritualista, com sólida base filosófica, deve


ter elementos para separar o “joio do trigo”. (Imagem
bíblica: Joio é uma erva daninha que cresce na plantação
junto com o trigo). Ele deve detectar o que é conhecimento
válido e o que é o engodo do sistema. Deve estar bem claro
em sua mente que, de maneira geral, o sistema educacional
está a serviço do paradigma da mentalidade materialista,
oportunista, consumista, exploradora e hedonista. Um
devoto não deve aceitar passiva e inocentemente essa
mentalidade, que é introduzida na consciência, não de
forma grosseira, mas subliminarmente. Os próprios
professores são vítimas desse sistema educacional. Fora
suas especialidades técnicas, eles não têm, em geral, nada
mais construtivo para ensinar. Podem ser muito qualificados
em suas áreas de conhecimento secular, mas em questões
espirituais e éticas são, na maioria dos casos, exemplos
negativos. Um estudante devoto deve, portanto, ter olhos
bem abertos e intelecto bem aguçado para detectar a
presença, mesmo em forma sutil, da mentalidade
antagônica à consciência de Krishna, e assim não se deixar
contaminar.

Outro problema que encontramos em muitas universidades


é o fato de que é um terreno fértil para a degradação. Um
jovem estava comentando comigo que vários de seus
colegas do segundo grau, que eram rapazes e moças
comportados e ajuizados, assim que entraram para a
faculdade tornaram-se pessoas degradadas, com trânsito
livre entre drogas e sexo. Esse comportamento, geralmente,
não é explicito. Pode, inclusive, passar despercebido por
quem não está ligado na coisa. Outras vezes é acintoso e
evidente. Isso constitui também uma ameaça para um
estudante devoto.

O caso do jovem ex-futuro-psicólogo, comentado no inicio


desse artigo, é bem sintomático entre jovens. Muitas vezes
o jovem está cursando uma universidade mas não está
empenhado ou mesmo não está convencido de que esta
poderá ser sua carreira para toda a vida. Muitas vezes, ele
cursa por cursar. Só para dar satisfação para os pais. Nesse
caso, ele deveria considerar as outras alternativas. Isso é
exatamente o que nós queremos propor.

A questão da idade também não é um empecilho para a


formação profissional. Lokasakshi Prabhu, por exemplo, que
é um dos pioneiros do movimento no Brasil, acabou de
terminar o curso de filosofia na Universidade Federal de Juiz
de Fora e agora está no caminho do mestrado. Com mais de
cinqüenta anos de idade, ele diz que cursar a universidade
agora é muito mais proveitoso. A pessoa sabe exatamente o
que quer da vida. Advaya Prabhu, também, aos cinqüenta
anos está começando seu curso de Direito. Ele já está a
meio caminho andado, pois já tem larga vivência em
assuntos jurídicos e sabe exatamente a especialização que
vai se dedicar. Portanto, a menos que não haja dúvidas
quanto ao caminho profissional que vai seguir, nossa
sugestão é que o jovem adote um caminho espiritual,
holístico e alternativo para formar uma sólida base de
caráter e compreensão espiritual da própria pessoa e do
mundo.

Depois de tudo isso que foi dito, queremos deixar claro que
não é nossa intenção desestabilizar a vida dos devotos que
estão cursando cursos universitários. Queremos, sim, alertar
quanto ao perigo da influência constante da mentalidade
materialista, consumista e hedonista, que impera no
sistema em geral e, particularmente, na universidade. Essa
mentalidade pode matar nossa alma. Se isso ocorrer, nossa
vida está desperdiçada.

Sempre que somos consultados por jovens que precisam de


conselhos para decidir o que poderia ser o melhor no
momento para as suas vidas, procuramos julgar a situação
particular do caso. Cada caso é um caso. Algumas vezes
consideramos que o caminho universitário é apropriado. Em
outras, fica evidente que o melhor é o caminho alternativo
monástico.

Estamos, no momento, empenhados em desenvolver um


programa de treinamento e acompanhamento de jovens
com a vocação alternativa. Queremos prestar esse serviço à
comunidade Vaishnava. Estamos seriamente preparando a
comunidade Goura Vrindávana, de Paraty, para sediar esse
tipo de iniciativa. Os interessados devem manifestar-se, a
fim de discutirmos os passos a serem dados.

Recebi outras cartas comentando o artigo “Manifesto


Alternativo”, como uma de Govardhana-dhari, do Rio de
janeiro. Basicamente, sua argumentação já foi respondida
na segunda parte do Manifesto, “Engrossando o Leite” e
também nesse artigo. Ele afirma que ainda existe idealismo
entre os jovens de hoje. Queremos, portanto, encontrar
esses jovens. Onde estão eles? Por favor, apareçam. Não se
escondam. Tomem coragem! Apresentem-se! Vamos juntos
resistir à influência das forças materialistas perversas que
estão transformando esse mundo num inferno. Não vamos
desperdiçar nossas vidas. Vamos nos unir para construir um
modelo digno de ser vivido por aqueles que ainda não
perderam a sensibilidade, a sanidade espiritual e a
esperança. Temos que encontrar essas pessoas.

Srila Prabhupada ki jay!


Autor

Sua Santidade Purushatraya Swami é um dos principais


líderes mundiais da Sociedade Internacional para a
Consciência de Krishna (ISKCON). Na vida monástica desde
1976 e sannyasi (ordem de vida renunciada) desde 1985, o
Swami coordena atualmente o bem-sucedido projeto da
Comunidade Auto-sustentável de Goura Vrindavana
(www.goura.com.br), no meio da Mata Atlântica, em Parati
(RJ), após ter ficado cerca de 8 anos na Índia, ministrando
aulas de filosofia em diversas instituições no país.
Paralelamente, estudou piano na juventude e gravou dois
CDs de mantras com diversas participações especiais, e
viaja ao redor do mundo dando palestras sobre a Filosofia
Védica.

Você também pode gostar