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pARCERIA ENTRE Caps E PSF PDF
pARCERIA ENTRE Caps E PSF PDF
ARTIGO ARTICLE
Partnership between Psychosocial Care Center and Family Health
Program: the challenge of a new knowledge construction
Abstract The objective of the article is to report an Resumo O artigo tem como objetivo relatar uma
experience of partnership between a Psychosocial experiência de parceria entre um Centro de Aten-
Care Center and three teams of the Family Health ção Psicossocial e três equipes do Programa Saúde
Program in the central region of São Paulo city. the- da Família na região central de São Paulo. Concei-
oretical concepts like territory, subject, subjectivity/ tos teóricos de território, sujeito, subjetividade/co-
collective, receptiveness, bond, co-responsibility as letivo, acolhimento, vínculo e co-responsabiliza-
well as the psychiatric and sanitary reform princi- ção, além dos pressupostos da reforma psiquiátrica e
ples are the base and guide of this work. The part- sanitária, embasam e norteiam o trabalho. A par-
nership aims the promotion of mental health care ceria visa à promoção de cuidados em saúde mental
based on articulated actions from different services. a partir de ações articuladas com diferentes servi-
This way, the PSF´s and mental health´s workers ços. Assim, tanto as equipes de Saúde da Família
are responsible for the demands of a territory. The como a equipe de saúde mental são responsáveis pe-
strategies used in this partnership were meetings las demandas de um território. As estratégias utili-
with both teams with training, case discussion about zadas são reuniões de equipe, nas quais há capacita-
the families assisted, support to workers’ difficulties ção, discussão de casos, acolhimento e elaboração de
and elaboration of therapeutical projects, and joint projetos terapêuticos, e visitas domiciliares conjun-
domiciliary visits. Some difficulties had been found tas. Ao longo do trabalho, algumas dificuldades fo-
during the research: great demand for health servic- ram encontradas: grande demanda por serviços de
es and lack of institutional guidelines to guarantee saúde e falta de diretrizes institucionais para a efe-
the effectiveness of the partnership. The look direct- tivação da parceria. Em relação às pessoas atendi-
ed to the family and the social context presents pos- das, o olhar voltado à família e ao contexto social
itive results compared to the look directed only to aponta resultados positivos em relação aqueles cujo
1
Laboratório de Saúde
the illness. The partnership enriches the practice olhar é voltado somente à doença. O trabalho con-
Mental Coletiva,
Departamento de Saúde and a larger network of care in the territory be- junto enriquece ainda mais a prática e possibilita
Materno-infantil, comes possible. It is necessary to bring up new pro- uma rede maior de cuidados no território. É neces-
Faculdade de Saúde
posals and innovative enterprises. sário, portanto, criar novas propostas e iniciativas
Pública, USP. Av. Dr.
Arnaldo 715/2º andar, Key words Family Health, Mental health, Primary inovadoras.
Cerqueira César. health care, Partnership Palavras-chave Saúde da Família, Saúde mental,
01246-904 São Paulo SP.
patriciadelfini@usp.br
CAPS, Atenção básica, Parceria
2
Núcleo de Ações
Territoriais.
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Delfini PSS et al.
o levantamento dos recursos e equipamentos exis- coisa, ainda não simbolizada, sendo pura pulsão.
tentes, das áreas de maior vulnerabilidade, dos O lapso, o chiste e o sonho são produções de uma
dados epidemiológicos e socioeconômicos, das li- linguagem inconsciente, que alienam o sujeito a
deranças locais e, ainda, do conhecimento da or- essas produções; já a alucinação é aquilo que ainda
ganização da vida dos moradores, bem como dos não se tornou linguagem, que está fora da lingua-
saberes e das culturas locais20. gem, fora da subjetividade. Com o que foi dito até
Para Silvio Yasui, o território é um norteador agora, é possível afirmar que nem toda produção
das estratégias de ações de cuidados dos serviços do sujeito, a chamada produção subjetiva indivi-
de saúde mental. O autor discute o conceito com dual, é totalmente subjetiva.
base em outros teóricos, definindo-o como “mo- Para continuar essa discussão, outro conceito
dos de construção do espaço, de produção de sen- de subjetividade precisa ser abordado, a designada
tidos ao lugar que se habita, ao qual se pertence subjetividade coletiva, que precede o sujeito, é pro-
por meio das práticas cotidianas3”. duzida pela injunção dos fatos da história contem-
Assim, circulam, moram, conversam, relacio- porânea, pela produção da mídia e pela cultura glo-
nam-se nos vários cenários: na casa, família, vizi- balizada. Também a subjetividade coletiva, como
nhança, trabalho, comunidade, festas, momentos na chamada subjetividade individual, não contém
de ajuda e de solidariedade. O território vai se com- em seu produto apenas elementos subjetivos, mas
pondo pelas características das pessoas, que tam- também elementos objetivos, como signos univer-
bém sofrem as ações desse território, em proces- sais, leis físicas, elementos matemáticos e a própria
sos contínuos de transformação. É ainda no terri- estrutura de linguagem. Para poder falar desse con-
tório que as pessoas adoecem; portanto, é nele que junto de palavras e coisas, nomes da história, ma-
o cuidado se faz. lha urbana e encontro pessoais, preferimos o ter-
Para falar de subjetividade, antes temos de es- mo coletivo, que contempla melhor esse conjunto.
clarecer a diferença conceitual com o termo sujeito. Nele coexistem as idéias de massa e de singularida-
Queremos primeiramente ressaltar que não usa- des, que se alternam entre si, dependendo das ações
mos sujeito como sinônimo de indivíduo, como coletivas ou individuais que são demandadas desse
alguns autores, porque não se trata de uma unida- coletivo. E, em relação ao desejo, a denominada
de sintética da subjetividade, uma vez que o sujeito subjetividade coletiva muito pouco se relaciona com
não é uma unidade. Segundo o conceito da psica- o desejo do sujeito, que não fala, mas é falado por
nálise lacaniana21, o sujeito é dividido por seu pró- esse produto coletivo. Sendo assim, a natureza des-
prio discurso, diferentemente de indivíduo, que sig- se discurso coletivo produz no sujeito uma relação
nifica indivisível. Ao levarmos em conta o fato da de alteridade e não de subjetividade. Com base nes-
divisão do sujeito, pressupomos um saber além da ses conceitos “ o de território, o de sujeito, e de
consciência, o saber inconsciente, que surge como coletivo “, poderemos pensar, conjuntamente com
surpresa para o falante ao perceber seu lapso. Em as equipes de saúde da família, em dispositivos clí-
nossa prática, esse momento é a brecha para a in- nicos para intervir nas diversas situações críticas
tervenção, pontuando o engano e transformando- diante das quais as famílias de nossa responsabili-
o em certeza. Acreditamos que é somente por esse dade se encontram expostas23.
caminho, o de desfazer o mal-entendido, que po-
demos levar o sujeito do engano ao sujeito da certe-
za e, consequentemente, à sua autonomia. Acolhimento, vínculo e co-responsabilização
Para sermos mais claros, basta nos lembrar-
mos do exemplo de lapso de linguagem do cobra- No Núcleo de Ações Territoriais, trabalhamos com
dor de impostos, que Sigmund Freud22 nos conta o conceito de acolhimento e não de triagem, por-
em O chiste e sua relação com o inconsciente, em que todos que chegam serão atendidos, sendo o
que, ao falar de sua relação íntima com sua cliente- PSF a porta de entrada das UBS. Gastão Wagner
la rica e famosa, cometeu um lapso, dizendo “fa- Campos24 defende o “vínculo de acolhida” e o ato
milionário”, em vez de familiar, revelando assim de “responsabilizar-se a equipe” como diretrizes que
sua verdadeira intenção, isto é, seu interesse pelo deveriam sobredeterminar todo o desenho do mo-
dinheiro de seu cliente. Outro exemplo é a alucina- delo assistencial. Ressalta que o termo “acolhida”
ção, que se origina do real, e não da subjetividade. deve ser compreendido em um sentido mais amplo
A alucinação não está do lado do sujeito, como as do que aquele empregado na prática tradicional,
significações, muito menos é um significante. A alu- referindo-se tanto a uma abertura de serviços pú-
cinação provém de uma intensa excitação, não da blicos para a demanda, como para a responsabili-
realidade, mas de fora da linguagem, em estado de zação dos problemas de saúde de uma região.
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de social, ou quando a equipe sente-se insegura rio. A formalização das parcerias, o conhecimento
para lidar com tais situações. do projeto pelos profissionais dos serviços e o fato
Novamente enfatizando a capacitação, as visi- de ser uma atividade importante para o Programa
tas domiciliares, com sua riqueza de material clíni- de Aprimoramento no CAPS foram fatores decisi-
co de dados dos familiares e de todo o contexto, vos para o sucesso do trabalho.
servem também para a reflexão. Enfatizamos que Ao longo do trabalho, esta situação sofreu algu-
as visitas são apenas uma parte do processo no mas modificações. Reuniões internas no CAPS le-
atendimento às famílias, e não o objetivo final. vantaram interesse de outros profissionais a partici-
Assim, sempre após a visita, há uma discussão com par do projeto. Havia, inicialmente, a necessidade
a equipe, pois nossa preocupação é discutir cada de se constituir a equipe, detectar necessidades, orga-
estratégia pensada para cada projeto terapêutico. nizar todo o planejamento e lógica do trabalho terri-
Antes da visita, pensamos nela como uma das es- torial, fortalecer as equipes de PSF e o próprio Nú-
tratégias adotadas para o caso e, depois, refleti- cleo de Ações Territoriais. O desafio colocado é sem-
mos sobre o ocorrido. pre duplo, pois é necessário encontrar maneiras de
Além disso, é através da visita domiciliar que superar essas dificuldades e, ao mesmo tempo, cui-
são realizados atendimentos conjuntos, para que dar das pessoas, acolher seus sofrimentos, ajudar
ambas as equipes entendam a complexidade de as famílias, articular recursos, produzir saúde.
cada grupo familiar e possam adentrar em seus Em relação ao tratamento, não há resultados
territórios subjetivos. Ouvir a história de cada imediatos. A loucura de um membro da família
membro, conhecer a dinâmica das relações esta- tende a circular entre todos os outros e a precarie-
belecidas naquela residência ou comunidade, per- dade da situação de vida de grande parte das pes-
ceber as dificuldades e potencialidades de cada um soas contribui para o adoecimento. No entanto,
enriquece a prática, ajuda a identificar possibilida- nota-se que o olhar voltado ao grupo familiar e ao
des, agenciar recursos e serviços. Dessa forma, or- contexto social têm resultados mais positivos do
ganizar um mutirão de limpeza com técnicos, agen- que aquele que reduz o sujeito à sua doença. O
tes e uma paciente, articular usuários do PSF que trabalho conjunto (e principalmente com o agente
necessitavam de cuidados intensivos ao CAPS e comunitário) enriquece a prática, desmistifica pre-
orientar familiares de usuários de álcool e drogas conceitos, aproxima e modifica territórios. É pos-
foram ações estabelecidas com base no que foi sen- sível e necessário que a atenção básica encarregue-
do percebido como possibilidades de cuidados para se da saúde mental.
aqueles casos durante as visitas. Compreender o território onde as pessoas vi-
Esses são alguns relatos que esse trabalho tem se vem requer mudanças de olhares, ações, investi-
proposto a construir com os agentes, médicos, en- mentos. O agente comunitário tem papel funda-
fermeiros, usuários e familiares, dentro da comple- mental nas equipes e no trabalho territorial con-
xidade e do desafio que é de estar no território, de junto com a saúde mental, pois tem poder de en-
cuidar das pessoas e de produzir uma nova forma trada e vínculo, contribui para a elaboração de pro-
de lidar com a loucura e o sofrimento humano20. jetos terapêuticos pautados na cidadania, no local
de adoecimento e sofrimento das pessoas, na bus-
ca de novos caminhos, descentralizando o foco na
Conclusão doença no saber médico e na instituição. Transitar
pelo território subjetivo das pessoas e modificá-lo
A equipe de apoio matricial é pequena diante da é também formar relações de confiança e vínculo,
grande demanda existente na região, os serviços cuidado, disponibilidade, afetividade.
encontram-se dispersos e isolados, dificultando a Esta experiência é apenas uma das iniciativas
criação de uma rede articulada. Além disso, o PSF propostas para um cuidado integral da população
encontra-se muito tímido no centro de São Paulo, que vive na região central da cidade de São Paulo.
onde uma pequena parcela da população é atendi- Muitos outros movimentos acontecem e devem ser
da. Há uma necessidade clara de aumento da co- ampliados neste sentido. Sabe-se que muito ainda
bertura e expansão. falta para caminhar, mas este estudo pretende ser
No início do projeto, as articulações muitas uma provocação e um incentivo quanto à possibi-
vezes ficavam enfraquecidas sem o respaldo de di- lidade de um atendimento mais digno, respeitoso
retrizes institucionais, dificultando o trabalho e o e, principalmente, resolutivo às pessoas que neces-
reconhecimento da importância deste no territó- sitam de uma rede de cuidados.
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PSS Delfini, MT Sato, PP Antoneli e POS Guima- 1. Saraceno B. Reabilitação Psicossocial: uma estratégia
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Delfini PSS et al.