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Paisagens lumínicas e transfiguração da noite em Sintra –

o Aura Festival (www.aurafestival.pt)


Samuel Roda Fernandes (PhD), Patrícia Freire (MhD)
Laboratório da Luz do Centro de Investigação em Território, Arquitetura e
Design, Universidade Lusíada, Lisboa, Portugal
2015

Abstract

Landscapes result from the act of understanding the urban and rurban
phenomena as built landscapes, from its formation to the palimpsest result that
currently face us. Some ways for their reconfiguration are pointed through a
cross-look that includes all the valences that the active agents in its construction
and rehabilitation can ethically use in order to make real the expectations that
we have. The 24 hours landscape has no physical or temporal barriers to which
we can memory dimension.

Developing procedures and urban renewal, enriched by new disciplinary fields


can ensure a sustainable and cumulative unit of partnerships. We seek to
understand the role of Art and the holding of Cultural Events, in which
multidisciplinary and participation will contribute to achieve the intended urbanity
and identity, bringing to discuss the potential of light festivals as environment
and convivial atmosphere producers, forms of defamiliarization that can analyze
a sense of place. On the other hand, in most of the light festivals, including
AURA FESTIVAL there is a great diversity in the scale, shape and purpose of
the installations.

Keywords: Nightscape, Public art, Light Festivals, Aura Festival, Public


Illumination.

Resumo
As paisagens resultam do ato de compreender os fenómenos urbano e rurbano
como paisagens construídas, desde a sua formação até ao resultado
palimpséstico com que eles se nos deparam atualmente. Apontam-se alguns
caminhos para a sua reconfiguração através de um olhar transversal que inclui
todas as valências, que os agentes ativos na sua construção e reabilitação
podem usar de forma ética de modo a tornar reais as expectativas que
queremos ter deles. A paisagem de 24 horas não tem fronteiras físicas nem
temporais, a que podemos acrescentar a dimensão da memória.
Os procedimentos de desenvolvimento e reabilitação urbana, enriquecidos por
novos campos disciplinares podem propor uma unidade sustentável e
cumulativa feita de parcerias. Procuramos também perceber qual o papel da
Arte e da realização de Eventos Culturais, nos quais a multidisciplinaridade e a
participação poderão contribuir para atingir a urbanidade e identidade
pretendidas, trazendo para a discussão as potencialidades de festivais de luz
como produtores de ambientes e atmosferas de convívio e festa, formas de
desfamiliarização que podem analisar um sentido de lugar. Por outro lado, na
maioria dos festivais de luz, incluindo o AURA FESTIVAL existe uma grande
diversidade na escala, na forma e no objetivo das instalações.

Palavras-chave: Paisagens Noturnas, Arte Pública, Festivais de Luz, Aura


Festival, Iluminação Pública

Uma das nossas preocupações como investigadores das paisagens noturnas é


resultante do ato de compreender os fenómenos urbano e rurbano como
paisagens construídas, desde a sua formação até ao resultado palimpséstico
com que eles se nos deparam atualmente, e de certa forma apontar caminhos
para a sua configuração futura através de um olhar transversal que inclua todas
as valências, que os agentes ativos na sua construção e reabilitação possam
usar de forma ética de modo a tornar reais as expectativas que queremos ter
deles. Trata-se em última análise de um compromisso entre teoria académica, a
experiência diária que temos dos espaços em que nos movimentamos e aquilo
que desejávamos que fossem, em função da sua melhoria e que
metaforicamente é construído, reconstruído e/ou não construído, como uma
partitura musical: composta de sons, silêncios, ritmos, acordes e que tem como
fim último levar-nos a atingir motivadas emoções consoante os fins a que se
destinam ou não. A paisagem de 24 horas não tem fronteiras físicas nem
temporais, obedece a um contínuo físico mais ou menos densificado e a um
contínuo ciclo circadiano a que podemos acrescentar a dimensão da memória.
Outro objetivo deste nosso trabalho de pesquisa é questionar o mainstream
(Remessar, 2006, p. 15), relativamente a procedimentos sobre o
desenvolvimento e reabilitação urbana, onde o enriquecimento de “novos
campos” disciplinares, utilizados a montante do projecto urbano pode propor
uma unidade sustentável e cumulativa – não substitutiva –, feita de parcerias.
Procuramos também perceber qual o papel da Arte e da realização de Eventos
Culturais, nos quais a multidisciplinaridade e a participação poderão contribuir
para atingir essa urbanidade e identidade pretendidas. Fazendo eles próprios
parte da unidade urbana, acabam por a enriquecer ao criar focos de interesse
que acabam por ser uma mais-valia ao fenómeno da cidade, como um espelho
polifacetado de interesses que recebe, reconstitui e reintegra.
Quando se aborda a temática da arte no espaço público urbano, verifica-se que
há uma confusão entre as definições de monumento público e intervenções
urbanas, modelos de exibição da arte e funções dos arquitetos, designers e
paisagistas, ou mais recentemente dos artistas plásticos – enquanto agentes
criadores de cenários urbanos –, um dilema entre os espaços institucionais e os
"novos espaços", a democratização do acesso à cultura e o reconhecimento da
presença de agentes mercantilistas que observam as tendências, a curto prazo,
do mercado.
Trata-se de uma vontade de construir e renovar realidades identitárias e de
subtrair à produção artística uma tendência mercantilista, abrindo-a à
participação coletiva, combatendo os inadmissíveis processos de exclusão em
curso na sociedade contemporânea. É notório um crescente tom de defesa da
interdisciplinaridade entre as esferas estéticas e sociopolíticas, num debate que
envolve artistas e não artistas. Esta nossa reflexão coloca-se de facto numa
condição de working progress: não se pretende esgotar o assunto, mas ao
invés questionar e funcionar como uma alavanca ou uma porta aberta para
todas as ideias, onde o domínio da representação é tão valorizado como o
sentido comum do qual queremos ser parte.
Num passado próximo, eram apenas as unidades industriais que tinham
horários noturnos e esse espaço temporal era meramente utilitário; hoje, quase
todas as atividades os têm. As rádios, as televisões, os transportes, os
serviços, o comércio, os distribuidores automáticos, as lojas de conveniência
implantam-se por todo o lado, funcionam 24h sobre 24h, permitindo o consumo
permanente. Um lugar pode ser eleito como local de férias ou de momentos de
lazer em função da noite e da animação. Criaram-se novas necessidades e a
elas estão associadas novas paisagens, colocam-se assim alguns problemas
sobre a imagem noturna das cidades, ela deixou de ser meramente funcional e
passou a ter um caráter identitário o que levou a que este período passasse a
ser um novo objeto de preocupação do laboratório urbano (Armengoud;
Armengoud; Cianchetta, 2009, p. 13). A cidade noturna é, à partida, a
continuidade das atividades diurnas e as novas paisagens passaram a ser
objeto de atratividade das várias cidades.
O laboratório estendeu as suas paredes até onde o conhecimento humano
pensa ser possível chegar e os seus instrumentos estão por toda a parte:
casas, fábricas, hospitais, GPS e sistemas de monitorização e visualização em
3D; mas a experiência real está a acontecer através da ação de cada um de
nós, e o “assunto político” transformou-se em política exterior, onde os não-
especialistas convivem com os valores humanos, opiniões e paixões, e
simplesmente se evapora diante dos nossos olhos, não têm protocolo e
dissolveu-se o limite entre o interior e o exterior do laboratório. A nítida
diferença, que parecia tão importante entre aqueles que representam coisas e
aqueles que representam pessoas, simplesmente desapareceu. O que
realmente importa é que todos esses porta-vozes estão no mesmo espaço,
envolvidos numa mesma experiência coletiva, numa implicada relação de
pessoas e coisas onde se fundem seres humanos e não humanos, até os
híbridos, para inaugurar o mais rapidamente possível, neste “Parlamento das
coisas” proposto por Bruno Latour (1994, pp. 97-115).
Se ancestralmente a noite era um espaço de refúgio urbano com toda a carga
negativa que lhe estava associada e onde perdurava o recolhimento, aos
poucos acabou por ganhar novas representações, onde cabem preocupações
culturais, socias, económicas e politicas, que se relacionam com aspetos como
a mobilidade, economia, sustentabilidade, liberdade ou criatividade em que a
noite é definida como um tempo escolhido, um tempo de liberdade, enquanto o
dia está associado aos constrangimentos e às obrigações. As novas
necessidades de vida têm de encarar a luz e a iluminação como vetores de
desenvolvimento, como desígnio.
Ao falarmos de paisagens, pensamos, em primeiro lugar, nas paisagens que
podemos observar em virtude da luz natural. As paisagens noturnas só
merecem a nossa atenção quando revelam algo de particular ou de
espetacular, quando acontece algo que contraria a escuridão e cria um
acontecimento com luz.
A paisagem noturna foi vulgarmente associada à ausência de luz, à escuridão,
ao desespero que provocava nos habitantes a visão deficiente do que os
rodeava, porque a luz está associada à ordem e ordenamento de espaços. Mas
e apesar de toda esta carga negativa, da dimensão obscura que continua a
inquietar-nos, a paisagem noturna é por excelência o ambiente perfeito para
criar novas imagens, o espaço privilegiado de criação de paisagens lumínicas.
No entanto a necessidade de iluminar o Espaço Público de modo a torná-lo
utilitário ou a transformá-lo num suporte publicitário, que os diferentes atores
sociais e produtores da cidade materializam de forma parcial e fragmentada
com todas as reconhecidas lógicas, atendendo aos seus interesses: a lógica do
ganho, a lógica da política e a lógica da necessidade, transformaram-na num
espaço desconfortável.
Perto do final do século XX a familiaridade com o espaço iluminado originou
uma quebra na sensação de deslumbramento pela noite urbana. A difusão
generalizada de iluminação utilitária foi duramente criticada por campanhas do
tipo “Dark Sky Associations” que defendem que a particularidade da noite foi
perdida com o excesso de iluminação nas cidades, perdendo-se a sensação de
mistério e a possibilidade de voltar a observar as paisagens astronómicas e o
céu, classificado como património da humanidade. Além disto, muitos designers
de luz manifestam o seu desencanto para com o uso ubíquo de iluminação a
vapor de sódio, e sua monocromática "amarelada", o que confere às pessoas e
à paisagem urbana um tom pálido uniforme (basta observarmos numa
perspetiva bird-view através do Google Earth). A cidade é agora um espaço
produzido e impregnado de um brilho ambiente desprovido de caráter,
minimizador da eficácia de iluminação como elemento transfigurador do espaço
e da noite, e não será por acaso que a visão noturna das cidades surge como
um barómetro do consumo e distribuição da energia a nível mundial. Mas esta
perspetiva bird-view da imagem da noite, embora muito visitada pelos
utilizadores das redes sociais, pouco revela da diversidade de layers que se
podem observar quando nos arriscamos na observação de paisagens noturnas.
Na perspetiva de quem nelas caminha. A luz pode ajudar a dar coerência
territorial a um espaço fragmentado pelo crescimento urbano desordenado. Um
projecto de luz pode contribuir para ajudar a identificar lugares essenciais,
contribuindo para diminuir barreiras topográficas, facilitando a leitura do
território.
A utilização de diferentes tipos de iluminação para prefigurar diferentes tipos de
usos do espaço ajuda a identificar a estrutura urbana e aumenta a rapidez e a
capacidade de dominar e conhecer o território. Mais do que a quantidade de luz
que se coloca no espaço público é a qualidade dessa luz que permite alcançar
objetivos como a segurança e o conforto, que por sua vez estão na base da
vivificação dos espaços públicos. A luz pode dar sentido a um lugar, dar-lhe um
novo valor de uso. A iluminação pública deve ser um espaço de criação e ajuste
da cidade que não dorme.
A cidade noturna, raramente é tema para os políticos, os técnicos de
planeamento das autarquias ou para os investigadores científicos. Nos
documentos de política urbana podem surgir referências genéricas à promoção
da vida noturna em determinados pontos da cidade, aos problemas da
segurança ou do barulho, a planos de iluminação pública, mas uma reflexão
profunda sobre a prospetiva e o ordenamento do território à noite estão quase
sempre ausentes.
A via entre a arte, a luz e a paisagem é complementarmente sociável e não
corporativista, começando por experiências no centro das cidades e
usualmente nos espaços patrimoniais até às paisagens genéricas, passando
pelas vias de comunicação que as ligam. A luz artificial tem a capacidade de
alterar os espaços, de valorizar ou desvalorizar o carácter arquitetónico das
construções, de enaltecer estruturas, de mostrar materiais, de gerar uma
identidade global e simultaneamente estimular a multiplicidade dos espaços,
através da criação de ambiências, pode ajudar a dar coerência territorial a um
espaço fragmentado pelo crescimento urbano desordenado. Para Turner, o
estudo da aparência diurna de um edifício é uma componente relevante para a
compreensão do que deve ser enfatizado durante a noite (Turner, 1998).
A luz artificial pode ser um instrumento de transformação dos territórios:
contribuindo para a revitalização e requalificação dos espaços públicos; criando
ambientes adequados à funcionalidade; invertendo situações negativas;
promovendo planos de iluminação para valorizar espaços; criando sentimentos
de pertença, de conhecimento dos lugares, dando novos sentidos para a
apropriação dos territórios; valorizando o património construído ou o património
natural criando novas perceções.
A noite já não é só o espaço-tempo de vida de grupos de pessoas marginais. E
os políticos já se aperceberam disso. A importância política da noite reflete-se
nas apostas estratégicas da sua vivificação. Podem ser iniciativas de animação
como as festas das cidades, ou programas de regeneração urbana baseados
no estímulo das atividades económicas, essencialmente noturnas. Novos
ritmos, novos valores, novas atitudes trazem à noite novos atores sociais.
As políticas urbanas deveriam incorporar a noção de gestão do tempo a que
seriam associados horários de funcionamento diversificados para que o
sentimento de insegurança diminuísse, para que as paisagens noturnas se
metamorfoseassem e as atividades económicas e sociais se desenvolvessem.
Mais confiantes, as pessoas estariam mais abertas à troca, ao conhecimento
dos outros. A noite é mais propícia ao convívio, aos encontros, as pessoas
estão menos apressadas, têm mais tempo...
A associação da noite a um espaço de magia e encantamento tem origens
culturais e étnicas profundas. A deficiente visão noturna dos humanos
transforma-a no espaço privilegiado da magia, da bruxaria, dos encontros
proibidos entre amantes e sociedades secretas. A ideia do conceito “fora de
horas” revela exatamente esse desajuste entre o que acontece nas horas
solares e o que está fora delas.
O encantamento de multidões através do uso da iluminação é um fenómeno
antigo. Craig Koslofsky discute como, nos séculos XVII e XVIII, monarcas
europeus manifestaram uma "nova vontade de implementar e manipular a
escuridão e a noite" (2011, p. 276), a utilização de deslumbrantes fogos-de-
artifício e iluminações teatrais através de uma arquitetura efémera
demonstravam o seu esplendor e desafiavam o poder da Igreja. Esta
noturnalização do espetáculo pré-configura a implantação moderna da
iluminação artificial nas cidades europeias (Schivelbusch, 1988; Nye, 1992;
Brox, 2010).
Aqui, consideramos os festivais de luz como parte de uma tendência crescente
de transcender estas paisagens noturnas lineares e incaraterísticas,
introduzindo novas formas de iluminação através de projetos que restabelecem
a propensão da luz para produzir fantasia, espanto e intriga. Em todo o mundo
surgem desconcertantes variedades de festivais de luz.
Os festivais quebram as rotinas habituais e os ritmos da vida quotidiana,
marcando um desvio temporário destas práticas, uma suspensão das
convenções comuns, permitindo aos participantes um espaço de liberdade
criativa e de improvisação. Os festivais são eventos lúdicos, ocasiões para
prazer e diversão. Esta capacidade de sedução e foco no carater lúdico prioriza
uma disposição para algo que vai além do que é familiar e instrumental,
fortalecendo um capital afetivo com os lugares. Isto significa que, apesar dos
festivais não serem necessariamente uma experiência passiva não são também
sinónimos de uma oposição romântica à ordem estabelecida. Woodyer afirma
que "a política do jogo está vinculada à experimentação da excitação e não ao
esforço de oposição estratégica" (2012, p. 318).
Alguns críticos consideram que os grandes festivais de luz urbanos produzem
instalações vazias, mercantilizadas e desprovidas de sentido. É verdade que
são festivais com uma organização sofisticada, têm roteiros bem construídos e
muitos deles são desenvolvidos como marcas locais para atração de turistas e
dinamização do comércio e da economia. A criatividade dos arquitetos e dos
artistas pode ser comprometida pela necessidade de atrair grandes multidões.
Esta ênfase na lógica comercial convoca alguns argumentos que insistem na
ideia de que vivemos numa "sociedade do espetáculo", uma sociedade
produtora de imagens, dominada pela publicidade, entretenimento, televisão e
meios de comunicação. Desta forma os espectadores são pensados como
entidades passivas seduzidas pela extravagância do capital e do estado que
colonizou e substituiu a “vida autêntica” (Debord, 1967). Susik vai mais longe e
considera ainda que as obras site-specific apresentadas em vários festivais vão
dramaticamente mesclar o espaço urbano com o espaço da imagem e,
portanto, a realidade com a ilusão convocando uma experiência muito mais
agressiva de "miragem" do mundo real (2012, p. 108). Tais críticos
negligenciam a capacidade dos espetadores de interpretação e recriação das
imagens e representações no espaço urbano. Não são autómatos passivos
obrigados a olhar apenas sob um ponto de vista. Não ignorando estas
possibilidades de análise, interessa-nos pensar como os festivais de luz podem
ser produtores de intencionalidades mais otimistas.
Rasgando com algumas definições pré concebidas sobre a ideia funcional e
meramente utilitária das propostas de iluminação pública nos espaços urbanos,
rurais e monumentais, o Aura Festival – Festival Internacional da Luz – propôs
na vila de Sintra a renovada experimentação da noite através da criação de
paisagens lumínicas que revelaram propostas alternativas de vivência dos
espaços quotidianos noturnos. Tendo como público principal os residentes e
comerciantes da zona da Estefânia, o Aura Festival criou um caminho de luz
entre o Museu das Artes de Sintra e o Palácio Nacional de Sintra. Este percurso
foi pontuado por vários projetos-luz que se enfatizaram através de uma
sinalética baseada na alteração de cor da iluminação pública. Esta alteração,
para além de retirar intensidade à iluminação permanente, revelou uma nova
perceção das ruas, transfigurando a paisagem noturna quotidiana. O festival
acolheu três tipos distintos de intervenções: criações context-site-specific,
criações artísticas em cenários não convencionais e criação de cartografias
emocionais a partir de Percursos Memória que revelaram antigas, ou melhor,
outras ocupações e vivências da problemática Avenida Heliodoro Salgado. A
componente cientifica e de experimentação esteve sempre associada a todos
as atividades desenvolvidas: a colaboração com o Centro Ciência Viva de
Sintra e a realização de cartografias guiadas que acompanham e auxiliam os
“local experts” na redescoberta da sua paisagem quotidiana. O festival
movimentou e confrontou diferentes perspetivas de análise da vila de Sintra:
por um lado revelou a falta de interesse e investimento na classificada
“Paisagem cultural de Sintra” e o desprezo com que é tratada “fora de horas”.
O festival questionou a iluminação pública: a paisagem e os monumentos
classificados, de noite, ou não são visíveis ou estão erradamente iluminados e
a excessiva variedade tipológica e potência das luminárias e reclames prejudica
a eficaz e cuidada proposta de iluminação necessária a uma das vilas históricas
mais visitadas na Europa.
O desafio, por entre o atualizar da energia das histórias e memórias de
encantamento do Monte da Lua e da presença ancestral árabe em Sintra, é o
de qualificar a paisagem existente procurando melhorar a qualidade dos locais
frequentados por novos tipos de hábitos e costumes que vão ocupando a vila,
evitando sempre a criação de uma Disneylândia para adultos que
inevitavelmente vira as costas aos residentes e comerciantes.
O festival Aura, apesar do seu ambiente animado, apresentou-se como mostra
de ideias e tendências no domínio da arte da luz e da iluminação urbana
criativa, numa perspetiva de adequação a aspirações e interesses dos
cidadãos. Numa época caracterizada por novas possibilidades conceptuais e
tecnológicas, a componente artística assegura a comunicação entre os
universos usualmente distantes, da indústria, serviços, população e universo
cultural, com vantagens para o desempenho e a imagem das empresas e
instituições envolvidas. Num desígnio comum, são associados os valores da
qualidade, da criatividade e da excelência. O sublime acontece num quadro de
valorização da vila enquanto epicentro de uma cultura da Luz.
Dedicar uma grande iniciativa urbana ao tema da Luz assenta na ideia de que a
luz e a iluminação são fatores de conhecimento, realização humana e
urbanidade, assim como de qualidade de vida. A Luz adequa-se como metáfora
para a evolução e a positividade: sua aplicação em projecto – nomeadamente
artístico ou arquitetónico – é um campo de criação fundamental na definição da
contemporaneidade.

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