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Participação - Texto de enquadramento

Justificação
Desde tempos imemoriais, o ser humano quando convive e interage com outros,
quer ter nas mãos as rédeas do seu destino. E isso reflecte-se nas sociedades
democráticas que se constroem sobre a decisão colectiva dos cidadãos. No caso da
luta contra a exclusão, e na medida em que esta gravita sobre todos, embora mais
sobre determinados grupos, a participação é, ao mesmo tempo, um valor, forma
parte da estratégia, e pode ser um instrumento. Nas três esferas fica legitimada: na
primeira, toca os direitos humanos de expressar-se, fazer-se ouvir, de organizar-se,
decidir e exigir que os direitos sejam cumpridos. Participar já é uma forma de
combater a exclusão; na segunda, porque são os excluídos os primeiros
interessados em sair dessa situação e, muitas vezes, são os que fazem mais
esforços e são eles que conhecem, melhor que ninguém, as dificuldades, os aliados
e os inimigos; na terceira, porque a intervenção das pessoas e grupos numa
situação de precariedade tem funções motivadoras, pedagógicas, sociais, políticas e
culturais. É até possível referir que, sem esta participação, é difícil avançar de
forma duradoura e, até certo ponto, sustentável na erradicação da exclusão,
especialmente, quando estas tentativas são realizadas à escala local.
Mas não se pode ignorar que existem concepções que se opõem à participação. Não
faltam pessoas que argumentem a favor de uma condução autoritária e até
despótica destas acções, apresentando como argumentos a rapidez das decisões, a
continuidade dos órgãos e das pessoas responsáveis, aludindo à incultura popular
e à sua falta de capacidades para cooperar.

Definição
A palavra participação, que remete para o termo latino "particeps", costuma ser
definida como a acção do que tem, toma ou forma parte de algo e recebe algo em
troca. Participar equivale a partilhar com os outros uma ideia, uma coisa. Na
participação pode-se ficar com a parte melhor ou pior. O termo também pode ser
utilizado no sentido de notificar, informar, convidar.

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Esta breve excursão etimológica leva-nos, por um lado, a distinguir a participação
da parceria, dado que o primeiro termo teria uma maior força em relação à
pertença, à possessão e implicação do que o segundo. Por outro lado, dá-nos alguns
elementos de reflexão para as acções contra a exclusão. De facto, remete-nos para
uma intervenção que embora possa ser particularizada é, necessariamente,
colectiva, que inclui todos os nela colaboram, tanto na sua origem e implementação
como nos seus resultados. Além disso, refere-nos duas condicionantes da
participação: uma é a ideia de partilhar com outros e outra a da informação. Por
fim, indica-nos que neste processo uns podem sair beneficiados e outros
prejudicados.
O conceito de participação, que tem dimensões económicas, financeiras, sociais,
políticas e culturais não é unívoco e está repleto de conotações e sentidos
implícitos. De facto, foi utilizado para designar desde situações de auto-
organização de um grupo, de uma comunidade, até circunstâncias onde se dá
apenas uma informação restrita, passando por designar iniciativas onde se
consultam os membros e outras, onde cada colectivo elege os seus representantes
e estes tomam as decisões de forma paritária.
Em qualquer caso, a participação pode ser um processo através do qual as pessoas,
os grupos e os territórios excluídos se (re)apropriam dos seus recursos, da sua
identidade, intervêm na vida social, política e cultural e fazem ouvir a sua voz com
mais força nas instâncias de decisão.
Nas acções locais contra a exclusão, o objectivo é fazer com que a população e os
excluídos se sintam envolvidos e intervenham nas decisões colectivas, respeitando
sempre a vontade de o não fazerem.

Modalidades de aplicação
Existe um sem número de modalidades participativas e cada actuação que
pretende lutar contra a exclusão deve saber seleccionar a que lhe seja mais
adequada. Em cada lugar e em cada momento ocorrem circunstâncias externas e
internas que aconselham adoptar uma ou outra forma. Existem momentos
eufóricos, nos quais ocorre uma procura massiva da intervenção dos cidadãos e
existem fases onde estes voltam aos seus interesses particulares e se desentendem
da "res pública". Existem áreas territoriais onde é muito difícil organizar

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mecanismos e canais de participação e outras onde existe uma tradição de
cooperação mais extensa entre as pessoas excluídas.
A partir desta perspectiva, é muito importante que, logo na estruturação da acção
(diagnóstico e planificação), se determine a situação inicial da participação tendo
em conta, ao mesmo tempo, as tradições e canais existentes, o clima externo, assim
como as circunstâncias materiais e as dinâmicas internas. Estes factores podem ser
determinantes para seleccionar um ou outro modo de participação. Igualmente,
esta pode ser diferente se a acção surge desde baixo e tem uns incipientes
dispositivos participativos ou se procede desde cima, ou desde fora. No primeiro
caso, trata-se de reforçar e consolidar os esforços anteriores, no segundo, é
necessário destinar tempo e energia para criar as condições que favoreçam a
participação a partir dos interesses e necessidades concretas dos excluídos. No
terceiro caso, quando o impulso participativo vem de fora, ainda é preciso orientar
mais esforços e sensibilidade para tentar vencer as possíveis reticências e
resistências que isso pode provocar. Sabendo, além disso, que a participação para a
inclusão não pode ignorar, porque precisamente se trata de inverter o processo, as
causas e o itinerário que levaram à exclusão.
Convém distinguir a participação individual, que exige esforços pessoais, da
colectiva, que exige uma consciência e um certo grau de identificação com um
projecto comum.
Também é possível diferenciar a participação económica e financeira, da
participação mais ligada aos aspectos sociais (coesão social), ou de outras políticas,
e ainda das de ordem mais cultural. Nenhuma pode ser menosprezada, e embora
não sejam iguais, cada uma tem a sua lógica. A participação global, no conjunto da
acção de luta contra a exclusão, deve saber integrá-las a todas, respeitando o seu
diverso grau de compromisso.
Também existem diferenças entre uma participação contratual e circunstancial,
onde se concorde em realizar tal tipo de função ou actividade, de uma intervenção
continuada e sistemática.
As modalidades que existem, ou que venham a ser adoptadas, dependem do que se
poderia chamar a escada participativa. De facto, existe uma gradação da
participação (Diagrama 1).

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Assim, é possível distinguir os passos prévios do primeiro nível onde o grupo
recebe a informação. Este nível caracteriza-se pela participação informativa. Não
se tomam as decisões mas conhece-se o desenvolvimento da acção. É preciso
considerar que, em todos os níveis participativos, é crucial e é importante que a
informação circule rápido e que seja verdadeira, transparente e completa para dar
a máxima amplitude à participação. É preciso vigiar as barreiras que estrangulam a
informação e a sua possível manipulação, mais ou menos interessada. Quanta
informação e que tipo de informação, através de que canais e meios chega, como é
recebida, como se utiliza e para que serve, são perguntas cuja resposta é vital para
este primeiro nível e para o conjunto da qualidade de participação. Também é
preciso ter em conta que os fluxos informativos podem e devem criar-se para o
resto da sociedade e, mais especialmente, para os cidadãos e actores
socioeconómicos mais próximos da acção. Desta forma, também se contribui para
o seu conhecimento, para o seu possível interesse e para uma participação mais
global.
O segundo nível gira em torno da consulta. Aqui pede-se ou formula-se a opinião,
mas não implica entrar na decisão. No entanto, não podemos menosprezar este
nível. Por vezes, as decisões podem limitar-se e até ficarem neutralizadas através
de vastas e consensuais manifestações de opiniões contra. Noutros casos, podem
ser preparadas, condicionadas ou promovidas através da consulta. A consulta é
utilizada, frequentemente, em funções mais técnicas ou que exigem um elevado
nível de perícia e a que recorrem os dirigentes de uma determinada acção ou de
um projecto pedindo conselhos a agências e/ou pessoas externas. Esta acção pode
ser muito positiva, se os consultados não responderem com o ânimo hegemónico
de "sabichões", ou com uma distância académica, ou se não tentarem introduzir

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lógicas diferentes, ou a partir de ideias pré-concebidas. É preciso saber porquê, o
quê, a quem e como se consulta.
Os métodos de consulta internos são muito variados e vão desde a discussão
individual, os pequenos grupos, as entrevistas qualitativas, até ao inquérito
massivo e a reunião de assembleia. Também não se pode ignorar a fórmula do
referendo, com grande tradição em alguns países, mas também objecto de críticas,
que nos aproxima do terceiro nível, já que, muitas vezes, o que se consulta acaba
por ser uma decisão.
Assim, entrando nos dois últimos níveis, onde a participação se converte numa
dimensão crucial da tomada de decisões, convém distinguir um terceiro nível que
se poderia chamar de co-decisão. Co-decisão porque se entende que vão existir
diferentes actores a participar nela. Em redor de uma acção que quer combater a
exclusão é muito raro que todas as pessoas tenham história, cultura, capacidade,
interesses, valores, estratégias, etc. que sejam iguais ou mesmo parecidas. Logo, é
preciso ter em consideração esta diversidade. Assim, por exemplo, os
financiadores estarão interessados nos resultados e na racionalização do
investimento e dos custos, os políticos querem obter uma legitimação própria sob
a forma de votos, de confiança ou outras, e frequentemente na resolução a curto
prazo dos problemas e de algumas situações vão tentar "puxar a brasa à sua
sardinha". Os profissionais vão aplicar os seus conhecimentos, procurar manter o
seu lugar de trabalho, subir degraus no estatuto profissional, etc. Entre os
cidadãos, a variedade é ainda maior, os impelidos pela solidariedade, os
indiferentes, os incomodados, os que estão a favor, os que estão contra a
experiência. Também as organizações vão ter uma grande heterogeneidade de
posições. Cada uma tem os seus próprios objectivos e não é fácil entrarem numa
óptica de parceria e de participação. E... os excluídos?
Normalmente, o seu primeiro objectivo é sobreviver e sair da exclusão e a isso
dedicam quase todos os esforços. Pedir a sua participação é quase sempre pedir
algo mais . Por esta razão, terá que ser evidente que a sua participação está
relacionada com os seus interesses mais materiais, mais realizáveis a curto prazo
ou com experiências concretas, através das quais foi possível combater ou resolver
algumas das dificuldades sentidas. É preciso saber evidenciar como os seus
próprios mecanismos de auto-ajuda, de reciprocidade, de economia informal, os

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ajudam a constituir circuitos colectivos de suporte para, a partir daí, ir criando
iniciativas específicas e partilhadas e uma consciência de projecto comum, que
proporcione vantagens adicionais. Isso exige tempo e é complexo, porque também
o mundo da exclusão e a situação dos excluídos é heterogénea e pode, até, ser
contraditória. Mesmo quando todos os grupos estão convencidos da utilidade e
conveniência de participar, isso não significa que estejam reunidas as
circunstâncias que o tornam possível. É preciso analisar as condições materiais
(onde, quando, com que frequência, sobre que temas, etc.) das reuniões onde se
vão tomar as decisões e as capacidades necessárias para adoptá-las, o que muitas
vezes exige, não só informações prévias, como também conhecimentos e
competências. Além disso, é evidente, que nem tudo tem de ser decidido por
todas as pessoas. Existem decisões que exigem conhecimentos mais técnicos. E
não se pode ter receio de adoptar aquelas que têm estas características, desde que
não vão contra as linhas estratégicas das acções contra a exclusão.
Outra questão é passar de uma participação das pessoas excluídas, de um pequeno
grupo, mais ou menos informal, para a organização formalizada. Aqui também não
existem receitas mágicas e costuma ser um processo complexo e longo. Se já para o
conjunto da população é difícil encontrar os modos organizativos da participação,
ainda mais difícil é para os excluídos. Passar da luta individual e familiar na
procura da sobrevivência para a organização colectiva dos esforços não é
evidente. Exige consciencialização, energias, capacidades, meios e a convicção de
que, através da organização, vai ser possível resolver os problemas colectivos mas
também os problemas individuais. Para isso é fundamental obter resultados
concretos a curto prazo.
Por fim, neste nível de co-participação, muitas vezes colocam-se as questões da
delegação e da representação. Delegar significa colocar numa ou várias pessoas a
confiança para que intervenham em nome daqueles que os elegeram. Isso exige
uma delineação precisa dos mandatos atribuídos, das margens de manobra e que
os eleitos prestem contas das suas negociações e decisões. Estas indicações, que
têm uma grande influência sobre a qualidade da participação, também servem no
plano da representação, através das associações e outras estruturas intermédias.
Nestes casos, costuma colocar-se a questão da sua legitimidade e
representatividade. As duas andam sempre a par, mas pode ser que uma

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organização esteja muito legitimada pela sua história, pela sua autoridade moral,
mas que seja pouco representativa, enquanto estiver vinculada a interesses
específicos ou a um grupo de pessoas, etc. Desta forma, unir as duas dimensões é
uma boa garantia para a co-participação, já que se trata de implicar organizações
que tenham capacidade reconhecida e que é, através delas, que se expressam as
opiniões, valores, orientações e interesses do maior número possível de cidadãos.
Importa no entanto, não deixar de fazer esforços para que as pequenas iniciativas
encontrem espaços de participação, dado que também podem ter um elevado nível
de legitimidade e podem ser muito representativas de determinados grupos ou de
problemas cruciais para a erradicação da exclusão.
O último e quarto nível é o que se poderia qualificar de participação global,
através do qual o conjunto dos implicados toma as decisões fundamentais. É o
momento em que culmina o processo participativo e é o que permite passar de
uma participação, mais ou menos parcial e formal, para uma real e global. Embora
seja o último nível da escada participativa, nem sempre é o mais conveniente. Na
luta contra a exclusão é preciso fugir de análises puristas e/ou excessivamente
militantes, pois estas apenas falam de participação quando se está neste nível, e
mais ainda, quando é identificado com assembleias sistemáticas. As assembleias,
além do mais, quando são multitudinárias, podem ser facilmente manipuláveis e
estéreis, levar a decisões incoerentes com a acção local e não costumam ser nem
sustentáveis nem duradouras. O que não quer dizer que, se bem preparadas, com
informação prévia, com opções claras e explícitas, dirigidas de forma adequada,
não sejam um valioso elemento de controlo democrático, um indicador da
qualidade participativa e o momento álgido do "empowerment". De qualquer
maneira, constituem um momento onde se coloca à prova a capacidade de
partilhar e distribuir o poder.
Mas o poder nem sempre é visível nem se encontra nas mãos dos que ostentam
cargos, nem nas instituições com mais carga simbólica. E a participação, sobretudo,
quando se alcança este nível, deve ter em conta não cair na tentação dos
mecanismos formais que impedem tomar as decisões mais fundamentais e
estratégicas. Também é preciso assinalar que as acções contra a exclusão devem
produzir resultados a curto prazo e que os processos de auto-responsabilização e

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de decisão colectiva são lentos e onerosos. Sendo assim, é preciso encontrar um
equilíbrio entre democracia e eficácia.
Esta escada participativa não tem um único sentido e pode ser percorrida para
cima, como um processo acumulativo e consecutivo, ou para baixo ou parar num
determinado nível. Cada acção local deve saber seleccionar a modalidade
participativa que é mais coerente com a sua história, com a sua cultura, com a sua
situação, com a relação de forças que está presente e com a estratégia que foi
seleccionada.

Potencialidades e riscos
A participação como orientação estratégica para as acções locais tem
potencialidades e riscos, alguns dos quais foram já referenciados, mas que convém
sistematizar. Das várias potencialidades podemos destacar algumas:
- exercer os direitos de expressão, reunião e associação, muitos deles oprimidos
nas situações de exclusão;
- incluir os excluídos na tomada de decisões;
- possibilitar uma função pedagógica com os excluídos e de consciencialização
sobre as causas e processos da exclusão;
- conhecer melhor as necessidades, exigências e interesses da população e mais
especialmente dos grupos excluídos;
- alargar o compromisso do conjunto dos actores e da comunidade;
- gerar um processo de responsabilização, de assunção e de mobilização colectiva;
- obter um vasto consenso favorável à acção de luta contra a exclusão;
- criar uma dinâmica acumulativa através da qual se vai passando de um primeiro
nível informativo, a outro, de consulta, a um terceiro, de co-decisão e terminando
num nível de participação global;
- promover um sistema de informação interno da acção e outro projectado para o
exterior;
- ampliar os recursos humanos, técnicos, económicos e culturais da acção a
realizar;
- facilitar a aprendizagem democrática;

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- aprender a descobrir, partilhar e distribuir o poder; e
- aplicar em melhores condições de sustentabilidade e durabilidade a acção.

A participação também comporta riscos. Alguns deles são:


- a confusão que se pode dar entre o seu valor intrínseco, o seu carácter estratégico
e a sua função instrumental;
- a não coincidência entre o ritmo que exige a participação e a acção a desenvolver;
- a falta de condições materiais que a facilitem e um voluntarismo que a force;
- a possibilidade de instrumentalização partidária e de manipulação, por parte de
grupos minoritários e excêntricos;
- um travão e até um obstáculo à eficácia da acção;
- a sua não tradução em resultados concretos, gerando uma maior passividade;
- perder-se e ficar neutralizada nos mecanismos formais de representação;
- as dificuldades de inclui-la em determinadas funções cíclicas, e mais
especificamente, na planificação, avaliação e na execução, quando tiverem uma
considerável componente técnica;
- arriscar cair numa postura cândida em que qualquer tipo de participação é boa,
justa e equitativa;
- a contradição entre uma participação formal e a real tomada de decisões;
- a criação de uma variedade de canais e instâncias participativas que se
sobreponham, sem que, no final, ninguém saiba onde e quem toma as decisões;
- a sua finalização com a acção, deixando os habitantes com expectativas que não
podem ser materializadas posteriormente;
- a contradição que pode ocorrer entre um avanço rápido e maduro da
participação, no interior da acção, e um contexto externo que é contrário ou
desfavorável; e
- a heterogeneidade de interesses, capacidades e valores que se expressam através
da participação, chegando a criar mais conflitos do que a resolvê-los.

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Condições para obter a qualidade participativa
Nas acções territoriais de luta contra a exclusão, a participação pode ocupar um
lugar fundamental, conjuntamente com outros princípios estratégicos. O objectivo
é construir um edifício que seja o mais sólido e vasto que possível, onde devem
poder desenvolver-se a maioria das iniciativas que se vão levar a cabo. Mas para
que esta casa seja o mais confortável e habitável possível, é importante reunir um
conjunto de condições.
A primeira é saber para que se quer a casa. Qual vai ser o seu destino e a sua
utilização. Não é a mesma coisa construir uma cabana, um arranha-céus, uma
garagem, uma casa geminada ou uma vivenda para as férias. Ou seja, a participação
deve articular-se profundamente com os objectivos e a estratégia da acção. Estes
elemento não podem desligar-se e avançar paralelamente, já que, na realidade,
alimentam-se mutuamente. As decisões participadas vão implicando pessoas,
grupos e organizaçõese vão impulsionando as intervenções e, estas, obrigam a
adoptar novos acordos que reforçem a participação.
A segunda é o respeito pelo processo e pelo ritmo participativo. Não se pode
começar a casa pelo telhado. As fundações devem estar bem alicerçadas antes de
se construir o primeiro andar. Daí resulta que as várias fases da escada
participativa devem ser respeitadas, não ficando no entanto prisioneiro das
mesmas. É preciso estar consciente que muito dificilmente se pode passar
directamente de um intercâmbio informativo a uma participação global. Ao mesmo
tempo, é preciso evitar o voluntarismo participativo que quer ter a casa toda
construída apenas com as bases em cimento, evitando que tal cuidado não
implique que as pessoas excluídas não possam intervir em todas as etapas
(funções de diagnóstico, planificação). Além do mais, como foi dito, as escadas
permitem subir e descer e às vezes é melhor mobilar bem o primeiro andar do que
precipitar-se e tentar ir viver para o segundo.
A terceira condição indica que é preciso escolher bem o terreno, o lugar, orientado
para o sol e abrigado dos ventos, estudá-lo previamente e conhecer os materiais
existentes, aqueles que podem ajudar (as tradições e cultura de cooperação) e
aqueles que, por serem muito frágeis, não resistem nem ao seu peso nem à
passagem do tempo. Desenhar as plantas da casa não é tarefa fácil e exige tempo e
capacidade para que os arquitectos e futuros habitantes se ponham de acordo. É

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importante que isto se faça no diagnóstico inicial. Frequentemente, os arquitectos
querem impor a sua lógica e os habitantes já têm uma ideia própria mas difícil de
aplicar. Além disso, cada habitante quer o seu quarto à sua maneira e é preciso
encontrar uma certa harmonia entre todos e, sobretudo, definir as os espaços da
casa que serão colectivos. Por vezes, não existem arquitectos e é preciso encontrar
as capacidades no património acumulado da cultura popular. A priori, toda a gente
pode colocar um ladrilho, engessar, fazer uma cofragem, pintar, mas quantas
paredes já não caíram por não se saber utilizar o fio-de-prumo ou quantos tectos
não abateram porque os pesos e os volumes não foram bem calculados!
A quarta é que em muitos países é necessário pedir as autorizações
correspondentes para edificar. Ou seja, não se podem ignorar as regras do jogo
existentes onde se vai desenrolar a acção, nem os poderes constituídos. É preciso
negociar com eles, não para submeter-se nem para rebelar-se directamente, mas
para informá-los, motivá-los , fazê-los compreender que eles também são parte do
projecto e devem ajudar a construir a casa comum.
A quinta indica que se o objectivo é que todos contribuam com o seu saco de areia
é importante que isso seja feito de acordo com as capacidades e possibilidades de
cada um e que os resultados do trabalho sejam visíveis e palpáveis. Um sabe
arrancar as ervas daninhas, outro sabe cavar buracos, outro sabe limpar o terreno
e outro transporta os materiais. Mas nem toda a gente deve fazer tudo e decidir
tudo. É necessário fixar responsabilidades, clarificar funções e actividades e
coordenar o conjunto.
A sexta indica que por cada um ter contribuído para a construção do edifício não
quer dizer que seja o seu proprietário individual e possa dispor deste a bel-prazer.
A construção é o resultado colectivo dos esforços e, como tal, é necessário
preservá-la dos intentos internos e externos de apropriação. É preciso criar uma
consciência colectiva e, além disso, é preciso mantê-la e restaurá-la
periodicamente. É preciso antecipar-se aos terramotos, nevões e dilúvios, portanto
são melhores as medidas participativas preventivas que as paliativas.
A sétima está relacionada com o facto de que a construção da participação dever
alimentar-se constantemente. A casa precisa pelo menos de ser electrificada, ter
aquecimento e água corrente. É preciso criar e reproduzir as energias que a
tornam confortável. E isso significa que um primeiro entusiasmo participativo não

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é suficiente, é necessário renovar e fortalecer as manifestações participativas. Aqui
os "elevadores" desempenham um papel considerável porque descem e sobem a
informação com a maior velocidade e amplitude possível.
Por último, é importante assinalar que outra condição para alcançar a qualidade
participativa é tentar passar da casa para a povoação e daqui para a cidade. De
facto, é difícil pensar num modelo participativo isolado que tenha êxito sem que
seja partilhado, confrontado e apoiado por outros. Esta é também uma condição
para a sua sustentabilidade e duração.
Finalmente, não se pode esquecer, que a melhor maneira de verificar a qualidade
participativa é colocá-la à prova nas decisões estratégicas.

Que sentido tem a participação na luta contra a exclusão?


A exclusão significa, ao mesmo tempo, a falta de direitos ou a sua não
materialização ou a sua desvirtuação, bem como o não acesso às prestações,
serviços e equipamentos. Participar pode levar a reclamar aqueles direitos e a
começar a exercer os mais quotidianos e próximos, como a liberdade de expressão,
de reunião e de associação. Também pode ser um processo, através do qual se
podem auto-criar serviços e equipamentos colectivos e/ou obter uma maior e
melhor utilização dos existentes.
Dado que a exclusão tem uma dimensão económica e política, a participação pode
converter-se numa tomada de consciência da espoliação económica e numa
reapropriação e redistribuição dos recursos existentes, ao mesmo tempo que pode
dar maior protagonismo (empowerment) aos que se encontram afastados e
descriminados pelos centros de controlo .
Nalguns casos, as características da exclusão são o isolamento, a segregação, o
distanciamento inferiorizante e a ruptura da coesão social. Nesta perspectiva, a
participação converte-se numa tentativa de inverter este processo de exclusão,
porque implica aplicar iniciativas em comum, organizar-se colectivamente,
expressar-se paritariamente e reconstituir e/ou potenciar os laços internos das
comunidades e dos territórios. Por fim, pode ser uma forma inovadora de
estabelecer o exercício do poder, abrindo caminho para uma nova cultura política.

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Que significado pode ter a participação para os excluídos?
A participação pode não ter qualquer significado para as pessoas excluídas.
Simplesmente, porque não existe nenhuma tradição ou prática, porque os valores e
formas dominantes são a hierarquia, a autocracia e o despotismo, ou porque se
trata de uma ideia imposta de fora e vinda de cima, ou ainda porque se está num
tal estado que o mais importante é sobreviver individualmente. É preciso ter em
conta que se não se reúnem determinadas condições, a participação pode ser uma
armadilha ou uma forma de desvio e uma máscara para os que têm algum poder,
por mais pequeno que seja. Além disso, participar comporta obstáculos e
dificuldades materiais e simbólicas difíceis de superar. Participar não é um mar de
rosas.
Mas, e apesar disso, participar nos assuntos comuns, que são algo mais que a soma
dos interesses individuais, pode ser uma via de autonomia pessoal e de
emancipação colectiva. São as pessoas excluídas as que costumam fazer mais
esforços e as primeiras interessadas em sair dessa situação. Mas raramente podem
fazê-lo de forma consistente e duradoura se não o fizerem partilhando com outros
estas actividades e interesses. Também são eles que melhor conhecem as suas
necessidades, os seus interesses, as suas exigências, que podem expressar-se e
materializar-se melhor nos processos e canais participativos.
O sentido instrumental da participação encontra-se no ponto em que, através dela,
as pessoas excluídas podem encontrar-se e organizar-se com outras, libertar-se de
estereótipos e estigmatizações, aperceberem-se de que partilham problemas e
dificuldades, crescer na sua própria estima e dignidade, ser mais conscientes da
sua envolvente e das circunstâncias que as rodeiam e as excluem, utilizar melhor
os recursos e começar a encontrar propostas e caminhos de modificação e
transformação. Em resumo, trata-se de que deixem de ser beneficiários,
utilizadores, clientes, para serem cidadãos e pessoas, sujeitos activos do seu
desenvolvimento.
Se as acções de luta contra a pobreza auspiciam, articulam e incorporam estes
processos, não só fazem avançar a participação, como também estabelecem as
condições para serem mais duradouros e, com frequência, mais sustentáveis.
Por último, quando a participação implica, não só as pessoas excluídas, como
também outros actores e outras expressões de cidadania, então convertem-se num

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momento de contraste, de debates e aproximação, de encontro entre os excluídos e
o resto da sociedade, e, portanto, de inclusão. Esta estratégia inclusiva pode ser
mais reprodutora, mais paliativa, mais preventiva ou mais emancipadora. Embora
isso não dependa apenas da participação, é uma das condições substanciais que
contribuem para a erradicação da exclusão.

Deve começar e acabar a participação?


Sim e não. No que se refere ao início, sim deve começar num determinado
momento, porque se não existe é necessário criar as condições para que possa
existir. Sim, porque é conveniente que fique explícito que quando se inicia uma
acção concreta de luta contra a exclusão num território, esse início irá servir-se
também deste princípio estratégico. Sim, porque, no geral, vão ser definidos
objectivos, canais e meios de participação, que não existiam antes e não existiriam
se a acção não fosse realizada. Esta acção vai significar, de certo modo, uma
formalização específica da participação e esta formalização deve ser avaliada.
Não, porque pode ser que já tenham ocorrido no território, nos grupos , formas
incipientes ou avançadas de participação. Neste caso, deve-se saber seleccionar,
compreender e incorporar a participação à acção prevista.
A resposta também é afirmativa e negativa quanto à sua finalização. De facto, é útil
marcar as etapas de desenvolvimento participativo e quando a acção específica
acabe, é necessário efectuar um balanço da participação (avaliação). Sem essa
medida, dificilmente se poderia distinguir este principio estratégico de outros,
conhecer o seu valor adicional, no entanto também se pode converter numa
dimensão onde cabe tudo, cobre tudo, justifica tudo e, no final, ninguém sabe o que
respeitar.
Mas o êxito da participação também se apoia no facto do movimento que foi criado
não parar e continuar quando a acção chega ao fim. É lógico pensar que se o motor
participativo funciona bem e vai acelerado, só uma avaria pode pará-lo. E é preciso
supor que se os resultados são maiores que os inconvenientes, se foi sentido um
vasto consenso, se os canais e as instâncias estão rodados, se a informação circula e
os resultados são positivos, não existe razão para que a viagem participativa pare e
a maioria não queira continuar. O "ideal" participativo, quando entra na cabeça e
no coração das pessoas e na vida social, é difícil de eliminar.

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Quem deve participar?
O modelo mais avançado da participação é aquele que engloba o conjunto dos
excluídos , dos actores e das organizações e dos cidadãos. Mas, muitas vezes, isso
não é possível e até nem chega a ser desejável, sendo antes o próprio resultado da
maturação da acção. É melhor não queimar etapas e ir percorrendo os níveis da
escada participativa.
Talvez uma forma de avançar seja proceder por círculos sucessivos, tentando
incluir primeiro, a partir de iniciativas concretas, os excluídos ou grupos deles.
Quando se notarem resultados, é possível alargar o círculo inicial e ir
comprometendo as organizações que surgiram e as já existentes para
sucessivamente ir abrindo o círculo para os actores mais consolidados e
institucionais, terminando na esfera mais ampla do conjunto da população.
Outra questão é a de saber se já existem canais e instâncias de participação,
organizações que intervêm, etc. Neste caso, a participação é um compromisso
negociado onde não se excluem as decisões estratégicas dos excluídos, as
iniciativas mais pequenas e menos formalizadas.
Outra questão é a da participação de acordo com a função realizada na acção para
erradicar a exclusão, sendo necessário diferenciar os financiadores dos dirigentes,
dos peritos e dos agentes de terreno. Parece evidente que nem todos têm de estar
em todas as decisões. O progresso para a participação global exige a sua presença
nas decisões estratégicas, mas seria absurdo pretender essa situação para a vida
quotidiana da acção e quando se discutam os aspectos mais técnicos que exigem
conhecimentos e perícia. Não se pode ter medo de dar autonomia e
responsabilidades aos diferentes tipos de actores quando os objectivos, a
estratégia e as funções a desenvolver sejam claras, tenham sido perfeitamente
acordadas e existam momentos e modalidades de controlo colectivo.

Como se motiva, como se nutre e como se desenvolve a participação?


É difícil motivar, alimentar, implementar e dar continuidade à participação. É
muito mais fácil deixar-se levar pelo cansaço, pelo cepticismo e até pelo
derrotismo, quando confrontados com dificuldades, armadilhas e obstáculos que
tornam a dinâmica participativa um provável avanço e retrocesso, sem que os

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resultados sejam, muitas vezes, visíveis e tangíveis a curto prazo. É preciso estar,
por isso, muito convencido do valor e utilidade da participação, ser persistente e
hábil, com boas doses de realismo e ter bem patente a estratégia e as tácticas a
seguir. Por outro lado, é preciso respeitar os que não querem penetrar no labirinto
participativo. Certamente, compreender as razões destes é já um primeiro passo
para, invertendo a situação, descobrir as motivações da participação.
Participar significa sempre fazer esforços, maiores ou menores, para ir mais além
da esfera individual. Nas circunstâncias que afectam os excluídos é recomendável,
na maioria dos casos, começar pelas pequenas práticas, circuitos e redes que se
constituem para combater as necessidades mais urgentes e peremptórias (comida,
casa, saúde, trabalho, etc.) e com a ajuda de processos onde se potencia a auto-
estima, a auto-ajuda, o crescimento pessoal, pode-se ir criando uma consciência e
uma prática que liguem as soluções individuais com as colectivas. A
consciencialização e a dimensão cultural e ideológica são importantes, mas onde se
forja o cimento do edifício participativo é na esfera dos interesses materiais,
económicos e sociais. Por isso, dar saída a estes interesses é um requisito
constante para alimentar a dinâmica participativa. Estes interesses costumam ser
heterogéneos, por vezes opacos, outras vezes implícitos, e até contraditórios. Mas é
importante conhecê-los e alcançar com decisões co-participadas resultados
tangíveis e visíveis, seleccionando, de forma colectiva, as prioridades mais comuns,
evitando um tratamento desigual dos que não vão sair beneficiados. São estas
vitórias modestas e parciais que vão engrossando o património colectivo da
participação e vão possibilitando avançar para as etapas seguintes.
Convém assinalar que estes avanços concretos, quando são explicados para o
exterior da acção, podem desfazer as imagens negativas, as estigmatizações que
fortalecem a visão externa excludente.
Em paralelo com estes esforços, é possível começar a estruturar mecanismos
concretos e mais formalizados de participação. Desde iniciativas de bairro, de
localidade, até comités sectoriais que combatem determinadas necessidades e/ou
funções. Não se podem menosprezar as actividades festivas, lúdicas, desportivas,
mais fáceis de organizar e que podem ir constituindo formas de identificação e
símbolos próprios. Detectar os líderes naturais, os grupos mais activos, as redes

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informais, os canais de informação, não só é útil, como necessário. É preciso saber
ouvir e ler a realidade desde este ponto de vista.
A acção de luta contra a exclusão pode ser um catalizador e um impulsor desta
realidade e deve converter-se numa garantia da circulação da informação e destes
reforços. Por vezes, detectar um perigo externo ou uma necessidade muito
enraizada pode converter-se num efeito polarizador da dinâmica participativa e
ajudar a acção colectiva.
A criação de instâncias e canais de participação mais globais é um ponto crítico do
processo. As questões de delegação, representação e legitimidade vão testar a
capacidade e maturação participativas. A designação e selecção dos representantes
costumam ter consequências positivas e negativas. A cooptação tem menos riscos
mas a coerência do processo e os resultados exigem a eleição democrática. E esta
situação não pode ser improvisada.
Mas mesmo quando a acção de luta contra a exclusão tiver instâncias e canais de
participação mais formalizados e globais, ainda não estará tudo ganho, porque é
preciso dar-lhes conteúdo, é preciso legitimá-los, torná-los responsáveis, dar-lhes
meios e controlar as decisões que se tomam. O sangue que motiva e alimenta as
veias da participação pode circular rapidamente e dar vida ao corpo colectivo, mas
também pode ficar estrangulado e contribuir para a degradação da participação.

Qual é a articulação entre a participação e o território?


O território pode ser impeditivo ou facilitador da participação, tanto em termos
materiais como simbólicos.
De facto, um espaço de intervenção muito vasto, com maus acessos, cheio de
obstáculos físicos, com um clima hostil, presta-se menos à circulação da
informação e à reunião de pessoas para que se possam tomar decisões em
conjunto. Se o trabalho é sazonal e intensivo, ainda é mais difícil fazê-lo em
determinadas épocas do ano. Os horários também são importantes.
Também é preciso ter em linha de conta o grau e intensidade da exclusão no
território e do território. Quanto mais as causas e as manifestações da exclusão
sejam opacas, difusas e disseminadas no espaço, mais difícil é estudá-las, fazê-las
aparecer e tomar consciência da sua existência e, portanto, articular a participação
ao seu redor. Esta dificuldade pode aumentar ainda mais se todo o território

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estiver excluído económica, social, política e culturalmente. Assim, o mais provável
é que o impulso inicial da acção venha de fora e seja necessário adicionar e
integrar os esforços exógenos com a dinâmica endógena. Desta integração deve
resultar uma participação negociada.
Por outro lado, se a zona de intervenção é relativamente reduzida, sem grandes
dificuldades, com bons acessos e transportes, com circuitos e núcleos de exclusão
detectáveis e explícitos, é mais fácil combater esta situação. Sobretudo quando a
identidade colectiva e o grau de adesão são fortes. Normalmente, isso provoca uma
reacção nos habitantes, leva a que se juntem e organizem na procura de soluções. A
partir desta perspectiva, é mais simples recorrer ao caminho participativo.
Pode ser que na zona de actuação existam diferentes demarcações e divisões ou
ainda grupos com identidades específicas localizados em territórios distintos.
Logicamente, as instâncias participativas devem tê-los em conta nos canais e
mecanismos de representação e decisão.

É preciso aprender a participar?


Participar é complexo e, qualquer que seja a forma adoptada, exige uma certa
aprendizagem, sobretudo se as pessoas não estiverem habituadas a isso. É preciso
saber ouvir e respeitar as opiniões dos outros. É preciso saber dar um parecer e ter
uma noção clara das opções a tomar. É preciso saber decidir e depois aplicar as
decisões adoptadas. É preciso saber ficar em minoria e não humilhar quando se
tem a maioria. É preciso saber organizar-se, delegar, representar e prestar contas.
Não se nasce a saber tudo isto, por isso é preciso aprender a fazê-lo. Muitas vezes,
as pessoas e os grupos que vivem em situação de exclusão devem redobrar os seus
esforços e abandonar muitas das suas práticas para conseguirem a integração
nestes processos. E a melhor maneira de aprender é fazer. Por isso se diz que a
participação é uma aprendizagem e que é preciso aprender a participar.

Existe apenas uma forma operativa de organizar a participação?


Não. A história e os milhares de experiências que se realizaram em todo o mundo
provam que existe uma grande variedade de formas operativas para organizar a
participação. Não existe apenas uma receita.
Para decidir quais podem ser as mais adequadas, deve ter-se em consideração:

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- a existência ou não de tradição cooperativa, de capacidade associativa e dos
modos informais de resolução das necessidades;
- os valores culturais, políticos e ideológicos dominantes e mais alargados;
- a coerência entre estas formas operativas e as fases do processo (escada)
participativo. Organizar um sistema informativo não é o mesmo que organizar um
sistema de consulta ou outro de co-decisão ou de participação global;
- os vários interesses, lógicas e exigências, de todos os que intervêm na acção e no
seu diferente grau de implicação;
- as características concretas do território e da população que aí vive. Práticas e
hábitos de trabalho, ócio, desporto, cultura, etc.;
- o papel que adoptem ou se pretenda dar aos excluídos;
a referência legal existente;
- o custo, a eficácia e a eficiência dos diversos modos de organização;
- a visibilidade e a transparência dos processos participativos e a importância que
se outorgue à circulação da informação;
- a combinação entre interesses individuais e colectivos;
- a periodicidade e o volume de assistência nas reuniões;
- o maior ou menor grau de formalização que se queira dar ao processo
participativo e à tomada de decisões;
- a não exclusão dos grupos mais pequenos e frágeis;
- como se pretende desenvolver a função pedagógica da participação.

É preciso avaliar a participação?


Sim. Não só é possível, como é necessário e útil avaliar a participação como
princípio estratégico. Sim, dado que, se a participação funciona bem, deve prestar
uma importante mais valia à acção de luta contra a exclusão. É preciso que se
consiga compreender, analisar e mostrar os seus resultados a todos os que
participam. É desta forma que também se acrescenta valor à participação.
É importante que na função de diagnóstico se inclua um estudo da situação da
participação, tanto do contexto onde se inscreve a acção, como internamente.
Quais são as tradições e os valores da comunidade e dos excluídos, como se
organizam colectivamente, que práticas de cooperação existem, como são tomadas
as decisões, quais são os grupos mais legitimados e representativos, quais são os

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obstáculos e dificuldades presumíveis para criar canais e mecanismos
participativos. De acordo com este estudo, é necessário incluir na função de
planificação os objectivos ligados à participação. Uns podem ser genéricos, outros
mais específicos. É útil tentar precisar bem estes últimos e, se possível, quantificar
alguns. Por exemplo, quantos são os potenciais participantes e quantos vão tentar
incluir-se nos primeiros seis meses da acção, quanta informação e que tipo de
documentação vai circular, etc.
Também é conveniente prever as fases e/ou níveis da participação e as
modalidades que vão ser testadas, assim como os meios que vão ser utilizados. Se
tudo isto for realizado, depois será muito mais fácil avaliar a participação, em
termos de contraste entre o previsto e o realizado.
Durante o desenvolvimento da acção, é preciso estar muito sensível para os níveis
e as fases da participação. Sem ficar "amarrado" a estes níveis, vale a pena
estabelecer indicadores que forneçam alertas sobre os momentos de transição
entre as várias fases. Dado que a primeira fase gira à volta da informação, a análise
deste elemento converte-se numa peça chave para a avaliação da mesma, enquanto
que na segunda fase acontece o mesmo com a utilização da consulta, etc. Através
desta metodologia de avaliação é possível, não só descrever e compreender o filme
da participação, como também converter a avaliação num instrumento pedagógico
e político, de clarificação e consciencialização para a acção de luta contra a
exclusão. Neste caso, a restituição dos sucessivos resultados da avaliação da
participação converte-se num elemento estratégico para a própria participação.
É necessário prever, como acontece com qualquer avaliação, um momento forte na
etapa final da acção. Nesse momento, e independentemente de se estar num ou
noutro nível da escada participativa, o fundamental é compreender o porquê e
como isso condicionou e influenciou a implementação da acção, distinguindo entre
aquilo que foi conseguido directamente, através da participação e/ou dos restantes
princípios estratégicos (parceria, territorialidade, etc.).
Por último , é preciso acrescentar que existem muitos métodos para avaliar a
participação Uns mais próximos, outros mais distantes. Mas neste caso, pode ser
recomendável que, ao mesmo tempo que se realiza uma certa externalização da
avaliação, dado que assim se pode ser mais ser mais objectivo, se façam esforços

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periódicos de auto-avaliação e de implicação da avaliação nos processos
participativos. Desta forma, a avaliação pode ser mais útil e integrada.

Quais são as principais armadilhas e desvios da participação?


Existem muitas concepções da participação. Em todas elas, sejam mais económicas,
políticas, sociais ou culturais ou mais tecnocráticas ou mais democráticas, se
encontra a questão do poder, da capacidade que alguns indivíduos, alguns grupos,
algumas instituições têm de decidir o destino de outros. Neste caso, dos excluídos.
Portanto, as armadilhas e as dificuldades podem resultar desta perspectiva, e
também podem ter origem nos componentes da própria acção de luta contra a
exclusão.
Em relação às primeiras, cabe assinalar que, por norma, ninguém quer ser acusado
de provocar a exclusão e que fará todos os esforços, utilizará todos os meios, para
encobrir a sua posição. Como a participação pode contribuir para revelar estes
mecanismos, é lógico supor que se tentará fazer tudo para neutralizar, limitar,
adiar ou colocar esta acção nos caminhos de um formalismo que evite a tomada de
decisões que façam emergir as causas e os processos da exclusão. Por vezes, este
formalismo pode levar à criação de dezenas de comissões e milhares de reuniões
onde se fala muito e parece que se tomam decisões, mas onde as mais
fundamentais não são partilhadas. Outra táctica que provoca desvios é inundar as
pessoas de informação e não fornecer aquilo que é crucial.
Também é preciso tomar precauções em relação aos que vêem a participação como
um remédio universal que resolve todos os problemas e querem aplicar esta
orientação em todas as circunstâncias. Cria-se, assim, uma metafísica participativa
desprovida de qualquer sentido operativo.
Em relação às segundas, é possível estabelecer muitas tipologias. Entre elas,
destacam-se o voluntarismo, o angelicalismo, a militância e a manipulação.
Existem pessoas e grupos que estão tão convencidos dos valores da participação
que, através de um voluntarismo muito determinado tendem a forçar os ritmos, a
não considerar as condições materiais, as dificuldades das pessoas excluídas e
podendo mesmo acabar por queimar o processo participativo. Neste caso, muitas
vezes o processo participativo termina quando se retiram.

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Outro caso, é o dos que acreditam na bondade colectiva e individual e pressupõem,
à partida, uma igualdade de todos os participantes. Ao não assumir a
heterogeneidade de interesses, nem as várias capacidades, nem os poderes
constituídos, isso conduz a um angelicalismo participativo, muitas vezes inútil.
Uma terceira possibilidade é aquela dos que, convencidos de uma determinada
linha de actuação, querem impô-la. Mas se a participação significa a tentativa de
integração de opções, opiniões, atitudes e estratégias, de um conglomerado
necessariamente diverso, então, tal atitude surge como um obstáculo ou um travão
e, frequentemente, os que defendem tal posição convertem-se em detractores da
mesma ou em oposição sistemática e, muitas vezes, destrutiva quando não
conseguem dominar .
Uma quarta opção é a da manipulação da participação. Aqui tenta-se influenciar,
não através do convencimento ou do voto, mas através de meios menos legítimos,
sendo as decisões tomadas em função de interesses pessoais, colectivos ou
partidários.
Nem sempre é fácil detectar estas armadilhas e desvios. Mas existem indicadores
que podem alertar sobre estes problemas. Se o volume de participantes aumenta,
assim como a sua diversidade, se as decisões são tomadas, de forma tranquila e
argumentada, depois de feita a apresentação das diversas opções, se a informação
chega a todas as pessoas, nos devidos prazos e circula de baixo para cima e de cima
para baixo, se a grande maioria se expressa e se mostra satisfeita, se as minorias
são ouvidas e se incluem algumas das suas propostas, se o processo é avaliado e,
sobretudo, se é exercido um controlo democrático do que é acordado e aplicado,
existem razões suficientes para pensar que se estão a ultrapassar os potenciais
desvios e armadilhas e que a participação não é um valor vazio.

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