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REINADO
1. Introdução
Nesta exposição, serão tratados outros temas relacionados aos já citados. Mas antes, será
visto um poema de Álvares de Azevedo que explica muito bem, com algumas licenças enquanto
leitor, o ofício de um historiador. Existe o pensamento de Leopold von Ranke de que o homem
deste ofício deve ser emocionalmente frio, e deve enxergar os fatos e analisá-los dentro de sua
estrutura. Logicamente, quanto maior o afastamento temporal que se tem no que envolve o
objeto analisado, maior é a dificuldade de sua reprodução exata.
Este poema apresenta um pouco, com algumas liberdades de leitura, este ofício de uma
maneira menos positivista, como Ranke definiu, e penetra em uma estrutura mais lírica e
poética, como sendo o historiador aquele que adentra a selva e enfrenta perigos. Isso é feito
quando se analisa toda esse conjunto histórico do Segundo Reinado, seus paradoxos, equívocos
enquanto política, problemas na estrutura social e moral e seu terreno não pacífico.
Quando se estuda um objeto sem ideologia, pode-se perceber que há nele vulnerabilidades.
Porém, no momento em que acontece o contrário, e se busca a partir de sua análise uma resposta
que já estava definida desde o princípio, certamente o pesquisador moldou seu trabalho para a
sua conclusão. O poema, chamado Meu sonho, é o seguinte:
“EU
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?
O FANTASMA
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!…”
O cavaleiro que entra, ainda que com armas escuras, pelas trevas impuras, com uma espada
sangrenta na mão, é o que se pode dizer do desenvolvimento de um historiador. É preciso
estudar com objetividade intelectual pessoas que divergem, divergiram ou apresentaram à
sociedade comportamentos antissociais. E para isso é necessário entender que, muitas vezes
portando armas escuras, o historiador é um cavaleiro que vai pelas trevas impuras.
É preciso, depois de pensar sobre isto, complementar algumas informações já expostas para
que essa introdução ao Segundo Reinado tenha, dentro das possibilidades, uma boa imersão.
A autora tem uma visão antipática e desonesta ao que foi credenciado o desenvolvimento
do Brasil durante este período. Não é alguém como José Murilo de Carvalho, ou ainda João
Camilo de Oliveira Torres, que possuem uma visão mais simpática ao objeto de estudo.
Com esse trecho, ainda assim, há uma síntese de uma complexa forma política que o
Segundo Reinado apresentava. Mas isso não significa uma ausência de personalidades, ou ainda
de heróis da pátria. São pouco conhecidos, mas existiram. O contemporâneo muitas vezes
impossibilita acreditar que pessoas entraram na política buscando fins genuinamente nacionais.
No entanto, neste país isso já aconteceu diversas vezes e elas foram, pode-se dizer, aquelas que
praticaram a política com “p” maiúsculo.
Os verdadeiros pensadores políticos que ele cita são Brás Florentino, Bernardo Pereira de
Vasconcelos, Uruguai, Pimenta Bueno etc. Ainda que a política durante o Segundo Reinado
tenha a sua confusão e sua intencionalidade muitas vezes dúbia – fala-se de identidade partidária
– isso não quer dizer que este país não tivesse verdadeiros idealizadores e construtores: esfinges
dentro de sua medida. Destaca-se o óbvio: não eram pessoas imaculadas. Mas quando se pensa
em alguém como Bernardo Pereira de Vasconcelos e se acompanha a trajetória de suas ações;
ou ainda quando se lê as atas políticas e os debates desses construtores, encontram-se muitos
talentos intelectuais. Eles tinham erudição e conteúdo, e mais do que isso, compreenderam o
Brasil.
Ainda que alguns fossem antipáticos à Igreja, desenvolveram uma Constituição – não os
citados nesta exposição, mas os construtores em suas diferentes temporalidades – que invocava
a Santíssima Trindade, justamente porque tinham a visão de Brasil. E quando se tem algo assim,
o indivíduo coloca-se no âmbito social, e não no individual. Então, quando o assunto é Império
brasileiro, fala-se de homens que tinham essa visão, apesar de muitos terem se equivocado.
Dentro desse princípio de construção de Império, faz-se necessário que, com certa
liberdade, se compreenda o contexto de um país recém independente, com seu imperador já em
Portugal e um menino menor de idade que ficou. E nesta situação, houve a manutenção desse
ideal de Brasil, dessa estrutura monárquica e desse elo de continuidade à herança portuguesa.
Por isso é muito simplismo quando se acusa esses homens de “golpistas”, pois eram
homens que tiveram chances de tornar diferentes províncias, os seus feudos; e não fizeram isso,
ao contrário, pensaram o Brasil enquanto nação. É fantástico perceber, com licenças históricas,
que esses homens estavam em um país que era um embrião político e construíram fundamentos
que deram estabilidade política, ainda que com seus acidentes. Houve diferentes presidentes do
Conselho de Ministros, porém mesmo assim a estrutura de poder foi mantida, ou seja, havia
estabilidade. Esta não se dá pela simples manutenção stricto sensu do poder; ao contrário, se dá
na forma como esse poder consegue se expandir ao longo do tempo de uma maneira que não
seja anacrônica.
Mas para que não haja desonestidade sob o ponto de vista historiográfico, a seguir tem-se
o que João Camilo apresentou como elogios aos liberais e aos conservadores a partir de suas
definições um tanto quanto preambulares:
“Os liberais, mesmo governando pouco, mesmo sem alcançar quase nenhuma vitória
positiva, conseguiram alertar a nação, na pessoa do Imperador e através da opinião
pública, dos perigos inerentes à adoção de maneira irrestrita das doutrinas
conservadoras” TORRES, João Camilo de Oliveira, Os Construtores do Império, pag.
11, Companhia Editorial Nacional, São Paulo, 1968.
“Os conservadores não negavam os direitos do homem, mas dentro da ordem social e
do corpo político. A nação compõe- se de cidadãos, de homens livres, com direitos
naturais, civis e políticos, alguns anteriores (ontológica, se não cronologicamente) ao
corpo político e ao Estado. Mas ela, a nação, existe, com direitos próprios, distintos
de todos os demais e, principalmente, com uma realidade própria” TORRES, João
Camilo de Oliveira, Os Construtores do Império, pag. 12, Companhia Editorial
Nacional, São Paulo, 1968.
Nestes trechos, ele escreveu muito inspirado em São João XXIII e nesta visão, em sua
definição e reconhecimento aos méritos liberais e aos méritos conservadores, percebe que o
Brasil, ainda que amalgamado, foi pensado por homens de significativo respeito.
Nesse ambiente político, dá-se crédito a esse notáveis para que não fique um tanto quanto
rarefeita ou parcial a visão da política do século XIX. Se apenas ficasse a impressão de que não
havia uma identidade total de parte desses homens, poder-se-ia pensar que havia um grande
estamento burocrático durante o Império. Isso é algo que não se aplica a pleno, apenas em
alguns casos. A tese de Raimundo Faoro se aplica melhor ao contemporâneo, ou pelo menos ao
pós Kubitschek do que ao século XIX. Apresentar a grandeza desses homens é dizer que, ainda
que confusa em certos momentos, a ausência de identidade nem sempre significou a ausência
de sentimento com o Brasil.
Ainda que Oliveira Torres tenha citado um positivista, ele não era um e a ideia do progresso
sendo o desenvolvimento da ordem não está errada. Quanto a isso, o que Comte e os positivistas
no Brasil aplicaram é algo ainda a ser discutido. Em suma, o conservador não é um progressista;
acredita que há reformas que podem trazer benefícios – e se não fosse assim, estaria sendo
exposto aqui o que é o reacionarismo –, porém crê que toda transformação deve acompanhar
princípios, como visto no exemplo apresentado, apesar da maneira superficial para melhor
didática.
Por fim, o conservador não é reacionário. Acredita em estabilidade e também em
desenvolvimento, o que não é sinônimo de progressismo quando se fala de desenvolvimento
político.