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AULA 7 – UMA LONGA INTRODUÇÃO AO SEGUNDO

REINADO
1. Introdução
Nesta exposição, serão tratados outros temas relacionados aos já citados. Mas antes, será
visto um poema de Álvares de Azevedo que explica muito bem, com algumas licenças enquanto
leitor, o ofício de um historiador. Existe o pensamento de Leopold von Ranke de que o homem
deste ofício deve ser emocionalmente frio, e deve enxergar os fatos e analisá-los dentro de sua
estrutura. Logicamente, quanto maior o afastamento temporal que se tem no que envolve o
objeto analisado, maior é a dificuldade de sua reprodução exata.
Este poema apresenta um pouco, com algumas liberdades de leitura, este ofício de uma
maneira menos positivista, como Ranke definiu, e penetra em uma estrutura mais lírica e
poética, como sendo o historiador aquele que adentra a selva e enfrenta perigos. Isso é feito
quando se analisa toda esse conjunto histórico do Segundo Reinado, seus paradoxos, equívocos
enquanto política, problemas na estrutura social e moral e seu terreno não pacífico.
Quando se estuda um objeto sem ideologia, pode-se perceber que há nele vulnerabilidades.
Porém, no momento em que acontece o contrário, e se busca a partir de sua análise uma resposta
que já estava definida desde o princípio, certamente o pesquisador moldou seu trabalho para a
sua conclusão. O poema, chamado Meu sonho, é o seguinte:
“EU
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? — O remorso?


Do corcel te debruças no dorso…
E galopas do vale através…
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,


Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?…
Tu escutas… Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? que mistério…


Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!…”

O cavaleiro que entra, ainda que com armas escuras, pelas trevas impuras, com uma espada
sangrenta na mão, é o que se pode dizer do desenvolvimento de um historiador. É preciso
estudar com objetividade intelectual pessoas que divergem, divergiram ou apresentaram à
sociedade comportamentos antissociais. E para isso é necessário entender que, muitas vezes
portando armas escuras, o historiador é um cavaleiro que vai pelas trevas impuras.
É preciso, depois de pensar sobre isto, complementar algumas informações já expostas para
que essa introdução ao Segundo Reinado tenha, dentro das possibilidades, uma boa imersão.

2. Retomada dos aspectos políticos dos Partidos Liberal e Conservador


A seguir tem-se uma citação da Lidia Besouchet, que representa a amalgama um tanto
quanto confusa dos Partidos Liberal e Conservador, estes que devem ser analisados a partir de
seus indivíduos. Segundo Besouchet:
“Essas contradições são comuns em nossa história política, dada a formação dos
grupos partidários em torno de um programa abstrato que não correspondia à
realidade. É por isso que vemos Tavares Bastos como secretário da Missão Saraiva, o
ultraconservador Visconde de Condeixa unindo-se a Mauá nas empresas progressistas
nas estradas de ferro, e à Paranhos, em suas reformas administrativas e políticas.
Monarquistas intransigentes como Nabuco e Zacarias recusarem títulos de nobreza, e
liberais avançados como Irineu de Sousa e Paranhos aceitarem brasões”.

A autora tem uma visão antipática e desonesta ao que foi credenciado o desenvolvimento
do Brasil durante este período. Não é alguém como José Murilo de Carvalho, ou ainda João
Camilo de Oliveira Torres, que possuem uma visão mais simpática ao objeto de estudo.
Com esse trecho, ainda assim, há uma síntese de uma complexa forma política que o
Segundo Reinado apresentava. Mas isso não significa uma ausência de personalidades, ou ainda
de heróis da pátria. São pouco conhecidos, mas existiram. O contemporâneo muitas vezes
impossibilita acreditar que pessoas entraram na política buscando fins genuinamente nacionais.
No entanto, neste país isso já aconteceu diversas vezes e elas foram, pode-se dizer, aquelas que
praticaram a política com “p” maiúsculo.

2.1. Grandes homens


Quando se fala de dignidade e de notáveis no ambiente político, é necessário apresentar
para este assunto novamente a obra Construtores do Império, de João Camilo de Oliveira
Torres. Um trecho significativo deste trabalho está logo em seu prefácio, em que o autor
manifesta a sua surpresa em descobrir uma verdadeira contribuição conservadora para a
grandeza do Brasil. Este historiador foi honesto intelectualmente, e ainda que alguém não
concorde com ele, não se pode acusá-lo de desonestidade. Para que fique claro: há uma
diferença quando uma pessoa comete um equívoco de uma maneira deliberada, de outra que o
comete de maneira antônima.
Destaca-se, portanto, alguns pontos deste prefácio para que se entenda como se deu esse
desenvolvimento político durante o Império brasileiro, a partir da independência (os trechos
não estão seguidos um ao outro):
“Comecei liberal; o livro saiu conservador
(...)
eram verdadeiros pensadores políticos.
(...)
êsses homens estranhos, que haviam caído quase no olvido, tinham construído um
Império e, a partir de dados bem frágeis, conseguiram fazer dos antigos domínios
portugueses na América uma Nação
(...)
Encetei a elaboração de A democracia coroada, sob a inspiração das mais vivas
sugestões liberais. Razões pessoais e razões gerais fizeram-me, a princípio, dar este
sentido liberal à obra.
(...)
Não perdí minhas convicções: descobri novas admirações, talvez, e percebi a força da
contribuição conservadora para a grandeza do Brasil.”

Os verdadeiros pensadores políticos que ele cita são Brás Florentino, Bernardo Pereira de
Vasconcelos, Uruguai, Pimenta Bueno etc. Ainda que a política durante o Segundo Reinado
tenha a sua confusão e sua intencionalidade muitas vezes dúbia – fala-se de identidade partidária
– isso não quer dizer que este país não tivesse verdadeiros idealizadores e construtores: esfinges
dentro de sua medida. Destaca-se o óbvio: não eram pessoas imaculadas. Mas quando se pensa
em alguém como Bernardo Pereira de Vasconcelos e se acompanha a trajetória de suas ações;
ou ainda quando se lê as atas políticas e os debates desses construtores, encontram-se muitos
talentos intelectuais. Eles tinham erudição e conteúdo, e mais do que isso, compreenderam o
Brasil.
Ainda que alguns fossem antipáticos à Igreja, desenvolveram uma Constituição – não os
citados nesta exposição, mas os construtores em suas diferentes temporalidades – que invocava
a Santíssima Trindade, justamente porque tinham a visão de Brasil. E quando se tem algo assim,
o indivíduo coloca-se no âmbito social, e não no individual. Então, quando o assunto é Império
brasileiro, fala-se de homens que tinham essa visão, apesar de muitos terem se equivocado.
Dentro desse princípio de construção de Império, faz-se necessário que, com certa
liberdade, se compreenda o contexto de um país recém independente, com seu imperador já em
Portugal e um menino menor de idade que ficou. E nesta situação, houve a manutenção desse
ideal de Brasil, dessa estrutura monárquica e desse elo de continuidade à herança portuguesa.
Por isso é muito simplismo quando se acusa esses homens de “golpistas”, pois eram
homens que tiveram chances de tornar diferentes províncias, os seus feudos; e não fizeram isso,
ao contrário, pensaram o Brasil enquanto nação. É fantástico perceber, com licenças históricas,
que esses homens estavam em um país que era um embrião político e construíram fundamentos
que deram estabilidade política, ainda que com seus acidentes. Houve diferentes presidentes do
Conselho de Ministros, porém mesmo assim a estrutura de poder foi mantida, ou seja, havia
estabilidade. Esta não se dá pela simples manutenção stricto sensu do poder; ao contrário, se dá
na forma como esse poder consegue se expandir ao longo do tempo de uma maneira que não
seja anacrônica.
Mas para que não haja desonestidade sob o ponto de vista historiográfico, a seguir tem-se
o que João Camilo apresentou como elogios aos liberais e aos conservadores a partir de suas
definições um tanto quanto preambulares:
“Os liberais, mesmo governando pouco, mesmo sem alcançar quase nenhuma vitória
positiva, conseguiram alertar a nação, na pessoa do Imperador e através da opinião
pública, dos perigos inerentes à adoção de maneira irrestrita das doutrinas
conservadoras” TORRES, João Camilo de Oliveira, Os Construtores do Império, pag.
11, Companhia Editorial Nacional, São Paulo, 1968.

“Os conservadores não negavam os direitos do homem, mas dentro da ordem social e
do corpo político. A nação compõe- se de cidadãos, de homens livres, com direitos
naturais, civis e políticos, alguns anteriores (ontológica, se não cronologicamente) ao
corpo político e ao Estado. Mas ela, a nação, existe, com direitos próprios, distintos
de todos os demais e, principalmente, com uma realidade própria” TORRES, João
Camilo de Oliveira, Os Construtores do Império, pag. 12, Companhia Editorial
Nacional, São Paulo, 1968.

Nestes trechos, ele escreveu muito inspirado em São João XXIII e nesta visão, em sua
definição e reconhecimento aos méritos liberais e aos méritos conservadores, percebe que o
Brasil, ainda que amalgamado, foi pensado por homens de significativo respeito.
Nesse ambiente político, dá-se crédito a esse notáveis para que não fique um tanto quanto
rarefeita ou parcial a visão da política do século XIX. Se apenas ficasse a impressão de que não
havia uma identidade total de parte desses homens, poder-se-ia pensar que havia um grande
estamento burocrático durante o Império. Isso é algo que não se aplica a pleno, apenas em
alguns casos. A tese de Raimundo Faoro se aplica melhor ao contemporâneo, ou pelo menos ao
pós Kubitschek do que ao século XIX. Apresentar a grandeza desses homens é dizer que, ainda
que confusa em certos momentos, a ausência de identidade nem sempre significou a ausência
de sentimento com o Brasil.

3. Definição do conceito de conservador


Para a definição do conceito de conservador, uma vez que este está vivo no Brasil atual,
faz-se necessário que ele seja entendido dentro de sua definição. Em primeiro lugar, parte-se da
ideia de que, ainda que a pessoa não seja católica, o conservadorismo é. E no caso do Brasil,
isso é muito presente.
Há conservadores que discordam dessa afirmação, mas é verdadeiro de que no caso deste
país, só existe o verdadeiro conservadorismo quando ele está alinhado com o catolicismo, pelo
menos no campo social. E ainda não há conservadorismo que não esteja inspirado direta ou
indiretamente, principalmente nos séculos XIX, XX e XXI, nos trabalhos sociais que Papas
como Pio IX, Leão XIII e Pio XI desenvolveram a partir de suas Encíclicas e homilias.
Leão XIII inspirou muitos brasileiros, tanto é que o próprio Joaquim Nabuco, que se
encontrou com este Papa, antes da abolição da escravatura no Brasil, descreve como este
encontro o ajudou futuramente na sua conversão. Naquele momento, o ainda não convertido
Nabuco, como ele mesmo diz, não tinha percebido o efeito catártico que estava ocorrendo na
sua própria leitura de fé.
Havia um grande envolvimento de Leão XIII com o Brasil e com os notáveis brasileiros,
não só por causa da consequência da Questão Religiosa, mas também pela condecoração da
Princesa Isabel e pelas pautas sociais; pela questão da assimilação do trabalho, além de seus
textos que falam sobre as sociedades pré-industriais, em um contexto que era também do Brasil
etc. Nabuco, que foi ao encontro do Papa pedir auxílio na luta política pela abolição, talvez
tenha sido o suprassumo deste envolvimento afetivo. Junto a isto, percebe-se também o
envolvimento dos políticos com as grandes pautas do tempo.
O conservador, então, acredita em valores estáveis, e os clássicos acreditaram sempre nisto.
O conservadorismo enquanto conceito não procura deter reformas ou impedir transformações;
ele dá o modo moderado e tranquilo a elas e as acomoda dentro dessa estabilidade. Exemplo: o
computador e a internet são valores, e o conservador deve acomodá-los dentro de valores
estáveis. Uma coisa é ter, por exemplo, o acesso a informações do mundo todo, o que é um
benefício que a internet traz; porém, ela também pode ser uma imensa porta para a barbárie, a
promiscuidade, a malícia etc.
Este não é o reacionário, o imóvel, ou ainda um sujeito intransigente. Ele acredita na
estabilidade dos valores, no direito natural, e que há posições inegociáveis, aquelas que afetam
a dignidade da pessoa humana antes de qualquer outra coisa. Por exemplo, o aborto é sempre
um crime, é um assassinato, e isto é uma posição conservadora: o homem pode compreender
diferentes formas de atuação médica, mas a vida humana tem sempre uma concepção anterior
à própria medicina.
Para concluir esta definição de conservadorismo, João Camilo diz que o conservador:
“Não pretende uma política verdadeiramente conservadora senão exigir que a História
seja respeitada; não tomando iniciativa de reformas, a menos que isto seja uma
condição de conservação, uma reforma para evitar uma revolução, o conservador
procura acompanhar as transformações de modo a defender o princípio de que, como
justamente disse Augusto Comte, o progresso seja o desenvolvimento da ordem.”
TORRES, João Camilo de Oliveira, Os Construtores do Império, pag. 7, Companhia
Editorial Nacional, São Paulo, 1968.

Ainda que Oliveira Torres tenha citado um positivista, ele não era um e a ideia do progresso
sendo o desenvolvimento da ordem não está errada. Quanto a isso, o que Comte e os positivistas
no Brasil aplicaram é algo ainda a ser discutido. Em suma, o conservador não é um progressista;
acredita que há reformas que podem trazer benefícios – e se não fosse assim, estaria sendo
exposto aqui o que é o reacionarismo –, porém crê que toda transformação deve acompanhar
princípios, como visto no exemplo apresentado, apesar da maneira superficial para melhor
didática.
Por fim, o conservador não é reacionário. Acredita em estabilidade e também em
desenvolvimento, o que não é sinônimo de progressismo quando se fala de desenvolvimento
político.

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