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A Bela e a Fera – a moral dos contos de

fada
 3 abril, 2017  Dani Marino a bela e a fera, Bruno Bettelheim, cinema, contos de fada, ficção, Maria
Tatar, Moral, Perrault,valoresEditar
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Tendo arrecadado quase 700 milhões de dólares nos primeiros 10 dias de sua exibição, A
Bela e a Fera é um dos contos de fadas mais populares do mundo de acordo com
especialista de Harvard, Maria Tatar. Tatar afirma a que muito se perde ao atribuir à Disney
a origem de histórias seculares, já que com a adaptação para diversas mídias, a mensagem
principal de uma fábula tende a desaparecer.
A utilização de animais em histórias com fundo moral, ou seja, as fábulas, eram
transmitidas oralmente desde que o homem começou a se comunicar. Exemplos como
a Lebre e a Tartaruga, A Raposa e as uvas, datam de séculos antes de Cristo e nunca
deixaram de ser atuais, pois as fábulas tratam, acima de tudo, de nossos conflitos.
No entanto, a pesquisadora de literatura clássica Maria Tatar, destaca que A Bela e a
Fera integra uma coleção de histórias sobre relacionamentos entre pessoas e animais que
eram bem populares na idade média, antes mesmo dos irmãos Grimm se tornarem a
principal referência do gênero. Antes ainda, a lenda de Cupido e Psiquê, teria inspirado esse
tipo de narrativa.
O senso comum nos diz que Bela e a Fera é sobre não se ater apenas às aparências, afinal, o
que importa é a beleza interior, no entanto, quem estuda literatura clássica, sabe que a moral
dos contos medievais nada tem de romântica. Uma busca rápida em sites especializados
mostrará que grande parte delas têm origens extremamente sombrias: É sabido que ao longo
dos séculos as histórias infantis sempre tiveram a intenção de transmitir valores de cada
época e com o passar dos anos, é natural que as histórias se adaptem, no entanto, os valores
estão lá. Quem acredita que as histórias de hoje deturpam os bons e tradicionais valores
morais, ficaria chocado ao saber que as versões mais antigas das histórias que conhecemos
eram na verdade, muito mais sombrias e serviam de pano de fundo para encobrir temas
tabus, como estupro, incesto, assassinatos e traziam normas de condutas para que problemas
como os citados fossem evitados.
O primeiro registro que se tem de A Bela e a Fera é de 1740, quando Gabrielle- Suzanne
Barbot a publicou em uma coletânea ricamente ilustrada chamada The Young American
Girl and the Sea Tales (Garotas americanas e os contos do mar). De acordo com o
psicanalista, e também especialista em contos de fadas, Bruno Bettelheim, a síndrome de
Estocolmo é na verdade um problema sutil frente ao que realmente se objetivava com essa
narrativa: acalmar as moças virgens diante da ideia do sexo no casamento, ainda mais
quando estas eram obrigadas a se casar com aristocratas muito mais velhos que elas.
A versão mais conhecida do conto foi levada ao conhecimento do público americano e
inglês através da versão de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, uma francesa que
trabalhava como governanta na Inglaterra.  Ela escrevia as histórias para as meninas
inglesas que aprendiam francês, no intuito de ensiná-las sobre a moral de algumas fábulas.
Em sua versão, a Fera pedia que Bela se deitasse com ele inúmeras vezes e a menina tinha
sonhos eróticos com um príncipe encantado, porém, toda vez que se sentia impelida a fugir
e ser livre, percebia que precisava retornar à “sua pobre fera”, afinal, estaria sendo uma
pessoa horrível se deixasse alguém que fez tanto por ela, alguém que, apesar de muito feio,
era gentil.
Tatar afirma A Bela e a Fera não é simplesmente uma história de cortejo e casamento e
sobre o poder transformador do amor, mas também sobre nossa relação com a alteridade e
monstruosidade. Uma narrativa sobre animais e feras, natureza e cultura, nós e os outros,
crueldade e compaixão.
Na versão de Perrault do conto da Chapeuzinho Vermelho, o lobo mau engole a vovó e em
seguida o conto é encerrado com o lobo devorando a Chapeuzinho, sem caçador, sem final
feliz e com uma rima de moral onde fica implícito que o lobo da história é uma metáfora
para qualquer jovem sedutor que se encontra à espreita, à espera de moças ingênuas que se
arriscam sozinhas pelas ruas.
“É comum que os livros escritos com o intuito de serem comprados para crianças estejam
repleto de “morais”, como se a função da literatura fosse essencialmente pedagógica. O
fato é que necessariamente não é a ‘moral da história’ o aspecto do texto que irá chamar a
atenção do jovem leitor, já que outros aspectos (algo divertido ou assustador, por exemplo)
da narrativa poderão se sobrepor a esse.” (Reflexões sobre Literatura e infância em
Desventuras em Série – Leonardo Silva)
Valores morais podem ser apresentados em contos de fadas e estes podem ter como
propósito a boa formação de nossos jovens, só que uma personalidade depende de muitos
outros fatores para se formar. Contos de fadas também podem servir de críticas às
instituições e à sociedade, mesmo assim, uma rebelião é formada por muitos outros
componentes além de palavras em um livro, ou seja, se os livros citados são realmente
contos de fadas ou simples artifícios de rebelião contra às instituições, o fato é que sua
contribuição para a formação da personalidade de jovens é indiscutível, ainda mais se
considerarmos um país como o Brasil, onde a maior formadora de opinião ainda é a novela.

Portanto, independentemente do que se propõe uma narrativa, não faltam estudos indicando
que histórias ficcionais, sejam elas fábulas, distopias, romances, impactam nosso sistema
cognitivo de forma mais significativa que livros teóricos, pois é por meio da ficção que
realizamos conexões que nos ajudam a lidar com problemas e conflitos reais. Fábulas
tratam, acima de tudo sobre nós e nossa relação com o mundo, por isso, consumir uma
ampla variedade delas só nos favorece enquanto indivíduos.
Assim, ainda que muitas dessas histórias tenham em seu cerne uma mensagem moral que
não se adeque mais aos valores culturais e sociais vigentes, é possível que por meio de sua
análise e crítica possamos refletir justamente sobre o tipo de ser humano que não queremos
nos tornar. Histórias podem sim influenciar pessoas, seja de forma positiva ou negativa,
mas essa decisão não cabe a um filme ou a um livro não é mesmo? O que fazemos com as
informações que recebemos é de nossa responsabilidade, por isso, construir um repertório
diversificado é tão importante para que possamos refletir de forma crítica sobre o que nos é
apresentado.

Moral de Perault em Chapeuzinho Vermelho:

Little girls, this seems to say,               Garotinhas, prestem atenção

Never stop upon your way.                  Nunca parem quando estiverem em uma direção

Never trust a stranger-friend;              Não confiem em um suposto amigo

No one knows how it will end.            Pois ninguém desconfia do perigo


As you’re pretty, so be wise;                Sejam tão espertas quanto são belas em sua essência

Wolves may lurk in every guise.         Lobos sabem disfarçar sua aparência

Handsome they may be, and kind,    Lindos, gentis

Gay, or charming never mind!             e charmosos eles são, estejam avisadas

Now, as then, ‘tis simple truth—          Que a verdade é simples:

Sweetest tongue has sharpest tooth! Linguas doces são as que têm as presas mais afiadas.

Para saber mais (Referências) :

A Psicanálise dos Contos de Fadas, Bruno Bettelheim, ed. Paz e Terra,  1978

http://pictorial.jezebel.com/beauty-and-the-beast-comes-from-a-long-line-of-stories-
1793675825
https://www.psychologytoday.com/blog/the-athletes-way/201401/reading-fiction-improves-
brain-connectivity-and-function
http://www.maltatoday.com.mt/comment/letters/73491/the_importance_of_reading_fiction#
.WNvGWTvyvIU
http://brasilescola.uol.com.br/mitologia/cupido-psique.htm
http://wstale.com/tv-movies/beauty-beast-undefeated-power-rangers-box-office/
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