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No que se refere à qualidade acadêmica, o livro cendência comum – sem esquecer seus desdobramen-
foi organizado por Simone Monteiro & Lívio Sansone, tos posteriores, como a quimera do darwinismo social.
pesquisadores com vasta produção na temática, que Ainda na apresentação, Heloisa Betol Domingues
reuniram 18 colaboradores com formações acadêmi- e Magali Romero Sá alertam para a freqüente confu-
cas diversas e relações também diversas com a pes- são entre darwinismo e evolucionismo, lembrando
quisa sobre etnicidade ou comprometimento político ao leitor que nem todos os partidários do conceito de
com as etnias branca, negra e indígena. A mesclagem evolução concordavam, de fato, com Darwin. Uma
dos colaboradores e suas tendências são, por assim arena particular de embate, salientam as autoras, deu-
dizer, um dos pontos altos desta obra. Quando os or- se no campo das ciências antropológicas, onde estu-
ganizadores se propuseram a estudar a diversidade dos arqueológicos e investigações em antropologia
de etnias nas Américas, trouxeram para o debate o física (especialmente a craniometria) levantaram da-
que há de mais atual e abrangente sobre as diversas dos e argumentos pró ou contra as perspectivas dar-
opiniões e evidências referentes às condições de saú- winianas.
de e direitos reprodutivos dos grupos não-hegemôni- Na introdução, Thomas Glick tece interessante
cos e políticas públicas. paralelo entre as experiências no Brasil de Darwin –
Por fim, diante da escassa produção científica so- no século XIX – e do geneticista Theodosius Dobz-
bre os grupos étnicos e sobre a metodologia para men- hansky – em meados do século XX. Como ponto focal
suração da discriminação racial 2, o livro em questão para ambos, a grande diversidade biológica brasilei-
assume um caráter de obra original e, certamente, se ra. Se no primeiro caso a estada de Darwin destaca
tornará uma referência para a área da saúde, pois internacionalmente o potencial do país para os estu-
ainda são poucas as obras que se comparam. É um li- dos de história natural, no segundo, todo um progra-
vro que eu não hesito em recomendar para estudan- ma de genética de populações passa a ser desenvolvi-
tes, profissionais de saúde e ativistas sociais preocu- do no país.
pados com a inclusão dos grupos não-hegemônicos Na tentativa de avaliar a repercussão do pensa-
na agenda política e a promoção da eqüidade social. mento darwiniano, Glick recorre ao acervo de biblio-
Só há paz (bem-estar/saúde) com justiça. tecas nos principais centros de intelectualidade aca-
dêmica no país, incluindo-se nesta lista não apenas
Isabel Cristina Fonseca da Cruz as instituições voltadas para a história natural, mas
Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra,
também o Instituto Politécnico e algumas faculdades
Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil.
isabelcruz@uol.com.br de direito, onde o darwinismo poderia despertar in-
teresse em discussões relativas a questões sociais. De
fato, obras de Darwin e de darwinistas influentes pu-
1. Barbosa MIS. Racismo e saúde [Tese de Doutora- deram ser encontradas no conjunto destas institui-
do]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1998. ções, indicando, ao menos, que os elementos neces-
2. Cruz ICF. Review of nursing research: theoretical sários para o debate encontravam-se à disposição.
and methodological topics related to race/co- Em um país de forte orientação católica, era es-
lour/ethnicity. Online Brazilian Journal of Nur- perado que esta literatura fosse antes de tudo com-
sing 2001; 2. http://www.uff.br/nepae/objn201- bustível para contestações acaloradas ao darwinis-
icruz.htm (acessado em 31/Ago/2004). mo, todavia, como salienta Glick, a presença de evo-
lucionistas e simpatizantes das idéias de Darwin en-
cabeçando as principais instituições de pesquisa e os
A RECEPÇÃO DO DARWINISMO NO BRASIL. He- anseios intelectuais por teorias que legitimassem as
loisa Maria Bertol Domingues, Magali Romero Sá diferenças raciais, acabou por amenizar a polêmica,
& Thomas Glick (org.). Rio de Janeiro: Editora pelo menos em comparação com outros países lati-
Fiocruz, 2003. 192 pp. nos, onde a reação contrária foi mais intensa.
ISBN 85-7541-032-6 É curioso perceber que os primeiros dados con-
cretos e substanciais a corroborarem a perspectiva
Desde o lançamento de A Origem das Espécies até o darwiniana foram realizados no Brasil, pelo pesqui-
desenvolvimento da síntese neodarwiniana, as idéias sador alemão Fritz Müller. Sua contribuição na con-
de Darwin foram alvo de polêmicas. Seu impacto fi- solidação do darwinismo é o tema do primeiro capí-
losófico pôde ser sentido além dos gabinetes de pes- tulo, onde Nelson Papavero resume a atuação desse
quisa, afetando também a esfera social, onde o dar- pesquisador que se tornou correspondente do pró-
winismo foi aplicado a questões relativas à origem e à prio Darwin e cujas idéias foram utilizadas por Ernest
variabilidade morfológica humana. Haeckel para a formulação de sua Lei Biogenética
Em A Recepção do Darwinismo no Brasil, organi- Fundamental.
zado por Heloisa Bertol Domingues, Magali Romero A presença de cientistas e intelectuais de orienta-
Sá & Thomas Glick, temos a oportunidade de mergu- ção evolucionista no cenário acadêmico brasileiro de
lhar nas principais repercussões das idéias de Darwin certa forma direciona o debate para o nível das parti-
(e de outros evolucionistas como Haeckel e Spencer) cularidades. A evolução não está propriamente em
no meio acadêmico brasileiro; de observar o quanto discussão e sim os mecanismos propostos por Dar-
essas idéias foram assimiladas e quais foram os prin- win. Para entender este contexto, nada melhor do que
cipais pontos de controvérsia. conhecer os pesquisadores e suas produções científi-
O prefácio de Henrique Lins de Barros fornece o cas. Esta foi a perspectiva de Regina Gualtieri, no se-
pano de fundo necessário para as discussões que se gundo capítulo, ao analisar a produção científica do
seguirão. De forma sucinta é reconstruído o contexto Museu Nacional em dois momentos particulares: o pri-
científico pré-Darwin e o impacto causado pelas idéias meiro, sob a administração de Ladislau Netto (1875-
de seleção natural, sobrevivência do mais apto e des- 1893), abrangendo os últimos anos da monarquia e o

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início da república; e o segundo, sob a administração tra a amplitude da penetração das idéias darwinistas
de João Batista de Lacerda (1895-1915). em diferentes centros intelectuais do país.
A busca por modernidade e visibilidade da insti- Em síntese, os trabalhos aqui apresentados cum-
tuição no meio científico pode ser considerada o elo prem, com eficiência, a tarefa de apresentar o mosai-
comum entre esses dois períodos. Não se verificou co complexo da repercussão do darwinismo entre os
uma posição monolítica da instituição em relação ao cientistas e intelectuais brasileiros através de um pe-
darwinismo, mas foi notada sua influência no dire- ríodo de tempo relativamente extenso e marcado por
cionamento das pesquisas, a despeito de não ter sido profundas transformações culturais.
aceito integralmente.
O terceiro capítulo, elaborado por Heloisa Domin- Claudia Rodrigues-Carvalho
Museu Nacional, Universidade Federal
gues & Magali Romero Sá centra-se, como o próprio
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
título indica, nas controvérsias evolucionistas do sé- claudia@mn.ufrj.br
culo XIX, demonstrando a complexidade das opiniões
sobre o tema em questão.
O papel das análises craniométricas e os estudos
de Lacerda e Rodrigues Peixoto são destacados como ANÁLISE ESTRATÉGICA EM SAÚDE E GESTÃO
fortes argumentações antidarwinistas. As autoras PELA ESCUTA. Francisco Javier Uribe Rivera. Rio
ainda se debruçam sobre outros pesquisadores como de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003. 312 pp.
o já citado Ladislau Netto, Miranda Azevedo, Sylvio ISBN: 85-7541-027-X
Romero, entre outros, para a indicar a diversidade de
opiniões sobre o darwinismo e os diferentes graus de O livro Análise Estratégica em Saúde e Gestão pela Es-
assimilação dessas idéias no discurso de cada pesqui- cuta, de autoria de Francisco Javier Uribe Rivera, pro-
sador. fessor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fun-
Como pode ser observado ainda no Capítulo 3, as dação Oswaldo Cruz é uma abordagem do campo de
análises craniométricas de materiais brasileiros não planejamento e gestão de serviços de saúde. Os capí-
foram realizadas apenas em nosso solo. O próprio tulos apresentam diversas ferramentas de análise or-
Imperador Pedro II enviou fósseis a estudiosos como ganizacional e de gestão estratégica, ferramentas que
Quatrefages e Virchow para que tecessem suas consi- visam a ampliar as possibilidades de que os diversos
derações sobre questões relativas à antiguidade e ori- atores participem do processo de gestão e que se ob-
gem dos primeiros americanos. tenha um serviço de saúde de maior qualidade, con-
No Capítulo 4 temos a oportunidade de apreciar tribuindo para a construção do SUS.
mais de perto as contribuições de um desses pesqui- A compreensão destes temas é construída com
sadores, o alemão Rudolf Virchow. Com maestria, profundidade, trata-se de uma leitura estimulante e
Luis de Castro Faria apresenta-nos as investigações que solicita toda atenção do leitor. Aqueles leitores,
desse pesquisador em materiais oriundos de samba- que tenham como objeto de trabalho a gestão de ser-
quis de brasileiros, destacando o interesse exercido viços de saúde e que assumem como desafio profis-
por tal tema e o importante papel desempenhado por sional compreender sua tarefa e seu papel de lideran-
seus colaboradores/coletores na transmissão das in- ça, que buscam implementar estratégias que contri-
formações necessárias às análises. Trava-se contato buam ao pleno desenvolvimento de seu serviço en-
não apenas com o pensamento do cientista, mas com contram neste livro uma leitura fundamental, quer
um modo muito peculiar de fazer ciência, com base seja pela qualidade da reflexão teórica apresentada
em peças selecionadas e relatórios remetidos de lo- como pelos exemplos de sua aplicação. Podem en-
cais distantes, num exemplo claro do imperialismo contrar ainda analisadas situações críticas experi-
científico citado por Glick, ainda na introdução. mentadas no cotidiano dos serviços e da gestão, po-
O quinto capítulo, de Thomas Glick, trata da atua- dendo ver consideradas novas alternativas para uma
ção de Tehodosius Dobzhansky no Brasil, sob o pa- gestão mais eficaz.
trocínio da Fundação Rockfeller, e o desenvolvimento Apresenta uma reflexão teórica que integra a abor-
da genética de populações em nosso país, demons- dagem do Agir Comunicativo de Habermas e o Plane-
trando como a feliz combinação de pessoal qualifica- jamento Estratégico Situacional em saúde, ressaltan-
do, um programa adequado de pesquisas e um am- do em sua análise a perspectiva do planejamento co-
biente favorável aos estudos (fisicamente falando), mo uma ferramenta que a organização lança mão em
pode ser importante para o desenvolvimento de todo seu desenvolvimento para tornar-se uma organiza-
um campo de investigação. ção dialógica ou comunicativa, ou seja, que se incor-
A miscigenação e os desdobramentos da questão pore um conjunto de práticas que permitam uma ges-
racial ganham destaque no sexto capítulo, de autoria tão por compromissos, um modelo de gestão nego-
de Lilia Moritz Schwarcz. Do pessimismo científico ciado, de ajustamento mútuo e comunicativo. Este ti-
às idéias de branqueamento, passando pelas pers- po de abordagem está sendo referendada pela Políti-
pectivas elitizantes das escolas de direito e a questão ca Nacional de Humanização do Ministério da Saúde
da medicina legal, a autora transita pelos meandros (HumanizaSUS), que inclui a gestão participativa co-
dos discursos raciológicos do início do século XX, mo uma das abordagens recomendadas pela política.
deixando claro como idéias evolucionistas foram uti- O modelo analisado por Rivera considera e integra as
lizadas para manter o mito das diferenças raciais. características peculiares dos serviços de saúde como
O último capítulo discute as influências do dar- organizações profissionais.
winismo no positivismo brasileiro. Glick, ao centrar Apresenta e analisa a experiência francesa de ges-
seu olhar sobre o grupo catarinense Idéia Nova – o tão estratégica e de definição do projeto assistencial:
qual teria atuado sobre a clara influência de Fritz a démarche stratégique. Este enfoque pretende auxi-
Müller e posteriormente de Haeckel e Spencer – mos- liar a tarefa gerencial, enfatizando que o serviço de

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