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A Saude e o Preço da Desigualdade

Article · June 2012

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Andre Cezar Medici


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DOMINGO, JUNHO 17, 2012

A Saúde e o Preço da Desigualdade

André Medici

Introdução

No último dia 13 de junho, o prêmio nóbel de economia, Joseph Stiglitz, deu uma
conferência em Washington no Auditório do International Finance Corporation – IFC
(o braço do Banco Mundial dedicado a apoiar o setor privado) sobre o Preço da
Desigualdade. Stiglitz mostrou como aumentou a desigualdade nos últimos anos, não
apenas nos Estados Unidos, mas ao nível mundial. Ele mencionou que nos Estados
Unidos, o percentual mais rico da população detém 40% de toda a riqueza nacional e
que o salário médio atual de um homem com emprego de tempo integral é menor do
que era em 1968 em termos reais. Um em cada sete norte-americanos recebe o benefício
público de alimentação (food stamps) e a maior parcela do crescimento da renda nos
últimos anos tem sido absorvida pelo percentual mais rico da população. Para ele, a
desigualdade da riqueza nos Estados Unidos atingiu níveis nunca antes vistos desde a
Grande Depressão de 1929 e o país é o mais desigual entre as economias desenvolvidas
nos dias de hoje.

Para Stiglitz, somente uma melhor distribuição da riqueza poderia ajudar o país a sair
mais rapidamente da crise econômica que se iniciou em 2008. A legislação existente
permite maior remuneração e menor tributação para o capital especulativo, inibindo
iniciativas para o capital produtivo. Com isso, investimentos em áreas como pesquisa,
educação e saúde, que durante muito tempo foram a chave da inovação e do crescimento
econômico, passaram indiretamente a ser desestimuladas.

Desta forma reduziu a geração de empregos de melhor qualidade em áreas que


poderiam representar novos horizontes para a economia norte-americana. O sonho da
mobilidade social, que durante décadas foi a matriz de uma longa fase de progresso da
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economia norte-americana, parece ter sido relegado a um plano inferior. Stiglitz citou o
Brasil como um país que desde a metade dos anos noventa, tem gerado políticas sociais
inclusivas e permitido algum progresso na distribuição de renda facilitando a
mobilidade social e o crescimento econômico.

Saúde e Desigualdade

A literatura sobre desigualdade e saúde é bastante controversial e pouco conclusiva. No


entanto, existem algumas evidencias que mostram que, se o aumento da desigualdade
pode levar ao aumento da pobreza, ele também aumenta o risco de mortalidade
prematura dos grupos mais pobres.

O aumento da desigualdade nos Estados Unidos tem sido certamente um dos fatores
que fazem com que o país tenha uma das menores expectativas de vida entre os países
da OECD ao gerar resultados assimétricos no estado de saúde das populações ricas e
pobres. Independentemente dos programas que atuam para proteger riscos catastróficos
para os idosos (MEDICARE) ou mecanismos de proteção social em saúde para os mais
pobres (MEDICAID), uma parcela crescente da população, especialmente durante a
crise, tem enfrentado grandes dificuldades para manter sua saúde em bom estado entre
o conjunto da população norte-americana. Atualmente, mais de 50 milhões de norte-
americanos declaram não ter cobertura de saúde.

Condições precárias de saúde poderiam levar ao aumento da pobreza por reduzirem a


produtividade do trabalho, gerando uma espécie de círculo vicioso (1). Esta relação
viciosa entre condições de pobreza e de saúde, já havia sido explorada teoricamente pelo
economista desenvolvimentista Gunnar Myrdall no final dos anos 1950. Myrdal era um
sueco que também ganhou o prêmio Nóbel (dividindo-o com Frederick Hayek) em 1974
e concentrou a maioria dos seus estudos em teoria do desenvolvimento lançando a
conhecida idéia dos fatores que levavam ao ciclo vicioso da pobreza e a importância de
trazer o tema da equidade para a teoria econômica.
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Em sociedades onde a parcela de gastos em saúde que provém diretamente das familias
é alta (como a brasileira), o efeito da desigualdade sobre a saúde pode ser ainda pior,
dado que a forma gasto direto domiciliar não é a forma mais eficiente de gastar em
saúde. As estratégias que permitem risk-pooling em saúde (como os seguros privados ou
mesmo seguros públicos) levam a uma melhor eficiência do gasto e permitem amplificar
os efeitos positivos do gasto em saúde sobre as famílias, ao mesmo tempo em que
servem de colchão amortecedor aos efeitos catastróficos da saúde sobre a renda das
famílias, nos momentos de crise.

Os economistas de saúde dizem, no entanto, que o efeito da renda sobre a saúde é


positivo mas decrescente na medida em que aumenta a renda individual (2). Em outras
palavras, cada unidade monetária adicional na renda de um indivíduo, melhora sua
saúde média em uma razão decrescente segundo sua renda, fazendo com que a curva
que correlaciona renda com saúde seja côncava em relação ao eixo horizontal. A
melhoria marginal da saúde é decrescente segundo a renda. Portanto, uma melhor
distribuição de renda traria efeitos positivos sobre a saúde média da população. Cada
dolar de renda transferido de um rico para um pobre melhoraria a saúde desse pobre
sem ter efeitos na piora da saúde deste rico, mesmo numa sociedade onde a totalidade
do gasto de saúde seja feita diretamente pelas famílias.

Mas além dos efeitos positivos de uma melhor distribuição da renda pessoal sobre a
saúde individual, alguns economistas afirmam que do ponto de vista macroeconômico, a
saúde da população tende a ser pior em sociedades que são mais desiguais, em função
de efeitos negativos da desigualdade que se propagam coletivamente, tais como doenças
transmissíveis, violência, ambientes insalubres, stress e outras mazelas associadas à
pobreza e a concentração de renda. Assim, a desigualdade de renda per se pode ser
prejudicial para a saúde pública, acentuando ainda mais a concavidade da curva renda
/saúde.
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Saúde e Desigualdade no Brasil

Embora sejam necessárias mais evidências para demonstrar o efeito concavidade na


correlação entre renda e estado de saúde da população no Brasil, procuramos fazer uma
simples inferência sobre esta relação utilizando os dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008. Para tal, utilizamos cinco classes de
rendimento médio familiar em salários mínimos (até 1, de 1 a 2, de 2 a 3, de 3 a 5 e 5 ou
mais), a renda média de cada uma dessas classes de renda e a proporção de pessoas que
se declarou com estado de saúde bom ou muito bom sobre o total de pessoas associada a
cada uma destas classes de renda (3).

Os dados, expressos no gráfico acima, mostram (apesar de poucos pontos que a


conformam) a concavidade na curva de ajustamento do nivel de renda e estado de
saúde. Assim, é possível que a redução da desigualdade de renda possa trazer mais
benefícios na melhoria no estado de saúde dos mais pobres no Brasil, melhorando sua
percepção sobre seu estado de saúde em proporção maior do que ocorreria com os ricos.

O fato da correlação ser positiva reflete algumas interpretações óbvias. Em primeiro


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lugar, uma renda melhor distribuida leva os mais pobres a gastarem mais com saúde.
Em segundo lugar, aumetna seu acesso aos planos e outros meios de proteção à sua
saúde. Em terceiro lugar, mesmo quando utilizam o setor público (SUS), uma melhor
distribuição de renda traz melhores informações aos mais pobres sobre que serviços
buscar, que medicamentos adquirir e que meios procurar no caso de seu acesso ser
dificultado ou negado.

Mas o fato da correlação positiva ser decrescente, mostra que existem limites de
melhoria de saúde em função da renda, e que gastar mais, a partir de um determinado
ponto, não levaria a melhorias no estado de saúde. Mas o que se deve ressaltar é que, de
um lado, uma melhor distribuição de renda traz maiores benefícios para a saúde dos
pobres e de outro, que os mais ricos também não perderiam tanto em suas condições de
saúde se a renda fosse melhor distribuida.

Notas

(1) Ver Subramanian, S. V. & Kawashi, I. Income inequality and Health: What we have
learned so far? In Epidemiological Review, 2004; 26:78-91, Ed. Johns Hopkins
Bloomberg School of Public Health, Baltimore (MD), USA.

(2) De acordo com Subranian e Kawashi, a relação entre distribuição de renda e saúde
geraria o chamado efeito concavidade, numa alusão à curva que surge do cruzamento
entre renda média e condição de saúde. Se a relação entre renda média e saúde fosse
linear (não concava) a melhoria da distribuição de renda não levaria a melhoria do
estado de saúde, dado que ganhos na saúde dos mais pobres seriam compensados por
perdas na saúde dos mais ricos. Mas, como a existe a concavidade, se poderia dizer,
desta forma, que a correlação entre renda percapita e condições de saúde poderia
assumir a tendência de um modêlo genérico, onde Yi = Axi + B, onde Yi e Xi são a renda
percapita e o estado de saúde do individuo i; A é a relação (não linear) que representaria
a concavidade da relação entre Yi e Xi e B seria a um termo de disturbância
querepresentaria as variações não explicadas pela renda per-capita na melhoria da
saúde de uma dada população.
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(3) Para as pessoas com idade inferior a 10 anos foi considerada a avaliação de saúde
dada pela mãe ou responsável.

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