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Na verdade a nomenclatura Missão Integral acaba por ser uma redundância. Biblicamente a missão
é integral. Não há fragmentação da vida e muito menos da realidade. A ação de Deus e a sua
manifestação se mostram na totalidade das coisas.
Está em debate a chamada Teologia da Missão Integral. Ora, a missão da igreja nunca
havia sido integral? Somente agora a igreja preocupa-se com a totalidade da vida humana e a
realidade de toda criação? Não. Quem defende isso está cometendo um grande engano. Pensar
desta forma é ignorar toda contribuição que foi legada pelos pais da fé no passado.
Qual é a visão cristocêntrica sobre ser luz deste mundo? É preciso deixar o texto bíblico
nos ensinar. Faz-se necessário conhecer a história do povo de Deus para entendermos que
estamos, infelizmente, distantes da proposta do evangelho. Para tanto, esta linha teológica tem
como objetivo despertar a igreja para aquilo que Jesus nos chama a ser, viver e ver.
As pessoas só começaram a usar este rótulo no século XVI, para designar aqueles que abraçaram
o Evangelho que havia – num sentido bem real – sido recuperado pela Reforma Protestante
O “Evangel”
A Reforma era uma coleção de “solas” – esta é a palavra latina para “somente”.
O principal ponto de “Sola Scriptura” era este: Não deveria ser permitido à Igreja impor
regras ou doutrinas que não estivessem embasadas nas Escrituras. Não existem novas revelações,
nem papas que ouvem diretamente a voz de Deus, e nada que a Bíblia não apresente deveria ser
ordenado aos cristãos. Lutero disse:
Simplesmente ensinei, preguei, escrevi a Palavra de Deus; não fiz mais nada. E
então, enquanto eu dormia, ou bebia cerveja de Wittenberg com meu amigo
Filipe e meu amigo Amsdorf, a Palavra enfraqueceu tão intensamente o papado
que nenhum príncipe ou imperador jamais fez estrago assim. Não fiz nada.
A Palavra fez tudo.
Os reformadores diziam que a graça não é uma substância que Deus nos dá para vivermos
uma vida melhor, mas sim uma atitude em relação a nós, aceitando-nos como justos por causa da
santidade de Cristo, e não nossa.
Considerando que somos salvos somente pela graça, como obtemos essa graça?
Os reformadores insistiam que do início ao fim a “salvação é obra do Senhor” (Jonas 2.9).
“O Espírito dá vida; o homem em nada colabora” (João 6.63). “Não depende da decisão, nem do
Num tempo em que meros seres humanos estão tomando o lugar de Cristo como
Mediador entre Deus e o homem, os reformadores proclamaram juntamente com Paulo: “Há
somente um Deus e um Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem” (1 Timóteo
2.5). Lutero expressou o seguinte:
A primeira coisa que peço é que as pessoas não façam uso do meu nome e não
se chamem luteranas, mas cristãs. Que é Lutero? O ensino não é meu. Nem fui
crucificado por ninguém. Como eu, miserável saco fétido de larvas que sou,
cheguei ao ponto em que as pessoas chamam os filhos de Cristo por meu
perverso nome?
O evangélico está centrado em Deus; é alguém que está convencido de que Deus fez tudo
e que não resta nada que o homem considere seu a não ser seu próprio pecado. Isto não apenas
transformou radicalmente a vida devocional dos crentes, mas também toda a estrutura social.
Numa velha taverna do século XVII em Heidelberg, na Alemanha, lê-se no alto “Soli Deo
Gloria!” Johann Sebastian Bach, o famoso compositor, assinou todas as suas composições com
aquele slogan da Reforma. Do mesmo modo, outro compositor, Handel, declarou:
Que privilégio é ser membro da igreja evangélica, saber que meus pecados estão
perdoados. Se nós fossemos deixados à mercê de nós mesmos, meu Deus, o que
seria de nós? Grandes e nobres vidas requerem grandes e nobres
pensamentos, e a soberania e a graça de Deus são, para o crente, grandes e
nobres pensamentos. Os reformadores disseram a Roma o que J.B. Philipps, o
tradutor inglês da Bíblia, disse à igreja contemporânea: “O Deus de vocês é
muito pequeno”.
Em 1976, o termo – pelo menos na América do Norte – veio a identificar aqueles que salientam
uma determinada posição política, uma abordagem moralista e frequentemente legalista da vida,
e certo tipo de imitação “cafona” de estilo de evangelismo.
O evangelicalismo pode ser considerado como algo extremamente negativo. Ele pode
significar uma postura conservadora e adversária de tudo que cheira liberalismo, modernismo e
ecumenismo. Identifica uma ala muito forte do protestantismo atual e está presente em todas as
denominações, abrangendo, às vezes, denominações inteiras.
Por outro lado, o conceito de fundamentalismo soa para muitos como algo atrasado.
Fundamentalismo é um conceito que sugere falta de esclarecimento, obscurantismo, estreiteza,
intolerância, rigidez nos princípios e fanatismo. Em síntese: Fundamentalismo é “rebelião contra
o moderno”.
Segundo Mendonça, residem nesses dois movimentos os traços que, somados, podem
ajudar a estabelecer o perfil do protestantismo brasileiro. Por um lado, temos princípios oriundos
do movimento avivalista, tais como a conversão e a santificação do pecador; por outro lado, o
princípio da união substancial de todos os protestantes em torno do que era essencial à fé
evangélica. Mendonça conclui que esse movimento de união resultou na formação das Alianças
Evangélicas e que foi uma forma de enfrentar o reavivamento do catolicismo no século XIX.
Sendo assim, ele afirma:
O movimento evangélico traz consigo uma linha teológica e estratégica bem definida.
Como, portanto, identificar todos os protestantes brasileiros como evangélicos? Embora as linhas
do movimento se ajustem bem ao perfil da média dos protestantes brasileiros, existem muitos
que, sendo evangélicos, não são “evangelicais”. Daí a necessidade que os expositores do
protestantismo têm de introduzir “evangelical” para distinguir “evangélicos” de evangélicos.
Aqueles, tipicamente conservadores, denominacionalistas, antiecumênicos e até
fundamentalistas, e estes soltos nas mais variadas correntes. Para concluir poderíamos dizer que
os protestantes brasileiros são evangélicos, mas nem todos são “evangelicais”.
O termo “evangelical” vem sendo usado na língua portuguesa da mesma forma da palavra
inglesa evangelical, cuja tradução poderia ser evangélico ou poderia ser entendido como sinônimo
de protestante.
Um dos problemas mais frequentes e que tem dificultado a compreensão correta do termo
reside exatamente na questão das traduções. Geralmente o termo é traduzido por “evangelista”.
Traduzir a palavra por evangelista confunde muito, uma vez que, na história desse movimento
especifico de evangelização, temos, por exemplo, Billy Graham, o grande evangelista.
Observamos ainda que essa palavra vem sendo usada, tanto na Europa como nos Estados
Unidos, e por decorrência também entre nós, na América Latina, com um conteúdo específico e
variado de época para época. Sendo assim, ela foi assumindo características distintas e não pode
Em 1910, numa assembléia da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, elaborou-se o que
seria a comprovação de uma pessoa ou segmento evangélico no evangelicalismo (evangelicismo):
1) os milagres; 2) nascimento virginal; 3) a morte expiatória; 4) a ressurreição de Cristo; 5)
autoridade da Escritura. Em outro momento, o item milagres foi substituído pela opção à volta
iminente de Cristo.
O movimento evangelical é a conjunção dos esforços de evangelicais para levar adiante suas
propostas. A principal instância de articulação é a Aliança Evangélica Mundial (AEM), fundada
em 1923. Nesse sentido, temos como pano de fundo o Congresso Mundial de Evangelização em
Berlim (Alemanha, 1966), o Congresso Mundial de Evangelização em Lausanne (Suíça, 1974) e
o Congresso Mundial de Evangelização em Manilla (Filipinas, 1989).
2.2 – Contexto
Evangelicais
Fundamentalistas Evangelicais
Faz-se necessário mostrar as diferenças que há entre estas duas correntes teológicas. Existe uma
grande dificuldade no entendimento delas e muitas pessoas tendem igualar estas linhas teológicas.
Para tanto, vamos apresentar de forma panorâmica (conceito e história) as duas teologias
importantes para o contexto latino-americano e brasileiro:
Para facilitar, este tema será dividido em três etapas: 1) Raízes epistemológicas e filosóficas do que
se entende por libertação; 2) Síntese histórica da Teologia da Libertação; 3) Teologia da
Libertação explicada pelo labor teológico de Leonardo Boff.
No pensamento grego em geral, a libertação por mais que fosse desejada, não era
alcançada devido à tríplice corrente: destino, natureza e história, aos quais o homem
permanece sujeito sem qualquer oportunidade ou chance de mudança.
Judaísmo e o cristianismo: trazem uma nova concepção de libertação, que tira a ideia
de destino e centraliza Deus como o libertador da humanidade (em todos os sentidos).
Para Kant, a libertação é uma “república moral”, onde o ser humano supera
interiormente a motivação passional interessada em obedecer à lei, ou o que ele chama
de “dever”, que por sua vez é externo ao homem em seu curso. Segundo o pensador,
este ato de conseguir atuar na própria interioridade do ser, é conhecido também como
“igreja visível”, que é a representação do reino moral de Deus constituído pelos
homens.
TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 10
Para Kierkegaard, libertação é consequência ou “aquisição” da fé, que é obra de Deus
e não do homem.
Desta forma, libertação é uma vocação inerente ao ser humano que é a ação para a
salvação/libertação do próximo, que busca primeiramente a mudança do ser (do pecado à justiça),
e depois a mudança do mundo em que vivemos (da situação de pecado à situação de justiça).
Comblin diz o seguinte acerca dessa nossa vocação:
Sua manifestação se deu principalmente em países da América Latina por volta dos anos
sessenta e setenta, especialmente nos aspectos político-sociais, culturais e religiosos.
No lado católico destaca-se: Gustavo Gutiérrez, Segundo Galilea, Juan Luis Segundo,
Lucio Gera.
No lado Protestante: Emílio Castro, Júlio de Santa Ana, Rubem Alves e José Miguez
Bonino.
Para os “bons” teólogos da Teologia da Libertação a análise marxista era justificada não
para uma ideologia “mundana”, mas como um subsídio (instrumento de análise social) para
substanciar crenças cristãs.
Segundo Leonardo Boff, a libertação tem a dimensão de um processo sócio-histórico que se refere
à libertação social do oprimido, implicando diretamente na superação histórica do sistema
capitalista, visando uma sociedade mais participativa e constituída de estruturas que gerem mais
justiça para todos; e, também, a dimensão de um fenômeno humano carregado de significados
de dignidade e grandeza, que visa à construção de um novo destino coletivo.
Para Boff, essas dimensões celebram a presença vitoriosa da libertação operada pelos
homens na força de Deus, que tudo penetra, e proclama também a plena libertação que já nos
foi galardoada na vida, morte e ressurreição de alguém também oprimido, Jesus Cristo, como
sinal de que nossa luta e esperança por uma total libertação não permanece no mero âmbito da
utopia (BOFF, 1998. p. 82).
Para equilibrar a teoria e prática da Teologia da Libertação, Boff recorre aos princípios
arquitetônicos e hermenêuticos da teologia e da antropologia teológica.
•Para Leonardo Boff, Cristo não veio pregar ele próprio como libertador, mesmo que
entendamos suas ações e práticas como libertadoras, mas veio pregar o Reino de
Deus que implica automaticamente na revolução do modo de ser, pensar e agir
(nova humanidade) frente à realidade deste mundo.
•Nesta perspectiva, Boff diz que esta reviravolta ou revolução (que é a conversão) no
modo de ser, pensar e agir, “quer ser sadia: quer levar o homem para uma crise e a
se decidir pela nova ordem que já está no nosso meio, isto é, Jesus Cristo mesmo”
(BOFF, 1983. p. 77).
Para acompanharmos este processo mais facilmente, ele será dividido em duas etapas: 1) Bases
bíblico-teológicas da Missão Integral (definições primárias); 2) Razões para o desenvolvimento da
missão integral.
Com o passar dos anos, o conceito de Missão foi entendido de diversas formas:
Missão (no singular) designa a Missio Dei (Missão de Deus), ou seja, “a autorrevelação
de Deus como aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com o mundo,
a natureza da atividade de Deus, que compreende tanto a Igreja quanto o mundo, e
das quais a Igreja tem o privilégio de participar”.
A Missão (no singular) inclui a evangelização como uma de suas dimensões, mas não
se resume somente a ela (assim como não se sintetiza em missões transculturais, pois
a essência da missão está em fazê-la onde quer que se esteja).
Evangelizar é anunciar as boas novas de Jesus Cristo por palavras e ações àqueles que não
o conhecem, com a intenção de que, pela obra do Espírito de Deus, as pessoas se convertam a
Jesus Cristo com o propósito de restaurar a sua relação consigo mesmo, com o próximo e com
Deus.
Missão integral pode ser entendida como uma visão não fragmentada do mundo, uma postura
na qual não se considera alguns fatores (como as necessidades “espirituais”, por exemplo) mais
importantes que outros. Implica, porém, que a igreja está interessada em transformar o ser
humano em todas as áreas de sua vida através do evangelho, que também é integral. É o evangelho
integrando pessoas e transformando-as na totalidade de suas vidas.
3.2.4 – Por que nossa missão deve ser desenvolvida de forma integral?
Deus se preocupa com o bem-estar completo dos seres humanos (espiritual e material), assistindo-
os em todas as suas necessidades. Ele exige tanto uma lealdade total a Ele, como também que se
aja com justiça e misericórdia para com o próximo. Em Deus, essas coisas caminham juntas (Cf.
Deuteronômio 10. 12-20; Miquéias 6.8).
O propósito do ministério de Jesus não era apenas salvar pessoas do inferno, mas também de
livrá-las da enfermidade desse mundo presente. A declaração que Jesus fez na sinagoga acerca de
sua missão (uma alusão ao livro de Isaías) é uma prova disso (Lucas 4.18).
Outro exemplo são duas das mais conhecidas parábolas por ele contadas: o Filho Pródigo
(Lucas 15. 11-32), cuja ênfase está na conversão, um retorno à casa do Pai; e o Bom Samaritano
(Lucas 10. 30-37), cuja ênfase está na ação de misericórdia de um pecador para com o outro, em
detrimento da omissão dos “espirituais”.
A ênfase de Jesus estava tanto na salvação como no serviço ao mundo. Ele servia enquanto
salvava e salvava enquanto servia.
Não bastam palavras (de discurso vazio todo mundo está cheio), elas têm que vir acompanhadas
das ações. Como em Jesus, nossas ações legitimam nossas palavras. A palavra de Deus “se fez
carne”, e como resultado nós “vimos sua glória” (João 1.14).
A proclamação do evangelho nasce de uma viva conexão entre as palavras e as ações, entre
um saber profundo das Escrituras Sagradas e atos de misericórdia e justiça às pessoas que nos
rodeiam, a quem Deus ama.
Com frequência, as pessoas entendem que não pode haver uma ação social cristã autêntica
que não seja acompanhada ao mesmo tempo por uma proclamação verbal do evangelismo, da
mesma maneira que não pode haver uma proclamação autêntica que não seja acompanhada ao
mesmo tempo pela ação social. Logo, essa abordagem tende a compreender a Missão Integral
como uma prática holística, uma estratégia ou metodologia para o alcance missionário. Começa,
então, a busca por modelos de tal missão integral. Este fato gera tensão para aqueles que
trabalham em situações de sofrimento humano onde a proclamação aberta do evangelho não é
possível, ou onde o último tem a possibilidade de ser tão mal entendido (talvez pela história de
má conduta de algumas pessoas – as chamadas conversões não éticas) que possa levar à repressão
de todos os trabalhos de compaixão iniciados pelos cristãos.
A missão integral é, então, um modo de chamar a igreja para manter-se unida, em sua
teologia como também em sua prática, o que o Deus Trino da narrativa Bíblica sempre une: ser
e fazer, o espiritual e o físico, o indivíduo e o social, o sagrado e o secular, a justiça e a misericórdia,
o testemunho e a unidade, a pregação da verdade e o praticar a verdade.
1
A Declaração da Rede Miquéias. Missão Integral em Tim Chester. Justiça, Misericórdia e Humildade:
Missão Integral e o Pobre. UK: Paternoster, 2002. p. 19.
TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 17
Para que a Teologia da Missão Integral seja entendida corretamente e a sua prática se
mantenha nos moldes bíblicos, é necessário fazer duas reavaliações: 1. Uma reavaliação do
evangelho; 2. Uma reavaliação da Grande Comissão.
O importante no evangelho não são as necessidades do homem e como Deus pode satisfazê-las.
O importante é o mundo – o que o Deus trino já fez, está fazendo e fará pelo mundo que criou
e ama. O evangelho anuncia a intenção de Deus e a inauguração desta intenção através da
encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo para renovar, recriar e reconciliar o mundo
consigo mesmo.
Desde o século dezoito, muitas igrejas evangélicas e agências paraeclesiásticas de missões vieram
basear a sua teologia de missão para o mundo nas palavras do Senhor Jesus Cristo em Mateus 28.
16-20. Este texto é sempre referido como “A Grande Comissão”.
O primeiro item a ser observado é que este texto inicia-se com a “Grande Afirmação”:
“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (v.18). Esta é outra maneira de dizer que Jesus
é o Senhor (BOSCH, 1998. p. 418). Verdadeiramente, estas são palavras notáveis, uma vez que
se considera que foram proferidas por alguém que havia sido crucificado recentemente como um
criminoso contra o Estado Romano e cujo corpo maltratado havia sido pendurado do lado de
fora dos muros da cidade, em uma esquina remota do Império Romano, como uma dissuasão
para todos aqueles que ousassem subverter a Pax Romana (Paz Romana). A autoridade de Jesus,
a qual recebe do Pai como um presente por meio da obediência na cruz, é a que abraça o céu e a
terra, ou seja, toda a criação. Toda a esfera de atividade, humana ou não-humana, encontra-se
debaixo do seu domínio.
A missão do Deus trino é a fonte e a base para a missão da igreja. De fato, até o século
dezesseis, o termo “missão” era usado exclusivamente para se referir à Trindade – o envio do
Filho pelo Pai e o do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho (como formulado na tradição trina da
igreja ocidental). Os Jesuítas foram os primeiros a usá-lo ao descrever o espalhar da fé cristã entre
os povos (incluindo os Protestantes) que não eram membros da Igreja Católica. Infelizmente, este
uso do termo coincidiu com a expansão colonial dos poderes europeus e resultou em insinuações
com gosto de hegemonia cultural e de conquista agressiva que ainda pairam hoje.
O missio Dei indica o agir de Deus através do Seu amor redentor e reconciliador para com
toda a criação. Não é a Igreja que tem uma missão de salvação para realizar no mundo, é a missão
do Filho e do Espírito Santo através do Pai, que inclui a Igreja, criando uma Igreja à medida que
segue o seu caminho (MOLTMANN, 1977. p. 64).
É importante notar a inclusão: “Foi-me dada toda a autoridade... vão e façam discípulos
de todas as nações... ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei... eu estarei sempre
com vocês, até o fim dos tempos”. A Grande Comissão está baseada na Grande Afirmação e
acompanhada pela Grande Promessa. A promessa da presença de Deus é frequentemente
O homem de hoje está inserido numa cultura em que existem várias leituras da realidade. É uma
busca para oferecer um sentido à vida. O alvo deste pluralismo é buscar uma resposta para explicar
a realidade, a ordem e os dilemas existências. A mistura de tantas ideias contraditórias tem criado
um caos ao invés de uma ordem. Porém, nada disso resolve o problema da situação existencial
que a humanidade enfrenta no século XXI. Será que o pluralismo é adequado para construir e
sustentar uma cultura? Ou para isso é preciso uma visão unificada da realidade?
Vele destacar o contexto atual em comparação com o contexto do primeiro século, que
era um ambiente altamente pluralista. Quando a mensagem de Cristo foi proclamada pelos pais
da igreja havia mais de trezentas seitas e diferentes visões da vida e da realidade. Foi um desafio
que o evangelho de Cristo ofereceu para o povo da época. E tal evangelho legou ao mundo antigo
uma cosmovisão integral e coerente, adequada para lidar com todas as áreas da vida.
O teólogo que prefere trilhar a Teologia da Missão Integral precisa entender que ela traz
uma cosmovisão em particular e para que ela seja completa é necessário lidar com as experiências
da vida. É preciso entender que uma cosmovisão parte do princípio de que algo existe. Isto pode
ser ligado com os fatos que estão diante de uma pessoa. E estes fatos não podem estar
desconectados. Se os dados da vida não fazem parte de um sistema que faça sentido, as pessoas
procuram por outras alternativas.
O cristão que é alheio aos assuntos da sociedade tem uma visão deturpada de uma
espiritualidade vazia e sem impacto.
Quanto mais cresce no Brasil o número de pessoas que frequentam as igrejas evangélicas,
mais intensa fica a pergunta: “Que diferença fazem essas pessoas, uma vez que o império do mal
parece crescer em nosso país e no mundo?” Muitos cristãos têm dificuldade de entender que a
sua missão não é apenas se preparar para aquela vida sem problemas que tem início após a sua
morte. A missão do cristão começa depois de sua conversão. Na verdade, na pátria celeste, se tiver
uma missão, vai recebê-la. Por enquanto, o mundo em que estamos é o nosso mundo. O que ele
é depende de nós. Nossa vida nele depende de nós. Devemos orar pela cidade onde Deus nos
colocou.
É isto o que a Bíblia nos ensina, mas tem sido muito difícil viver esta verdade. Ao
contrário, predomina a ideia de “quanto pior, melhor” ou de que o cristão não se deve interessar
por assuntos erroneamente considerados não espirituais.
Na comunidade em que está inserida, a igreja deve ser um incentivo às pessoas para que
elas realizem seus sonhos; deve criar oportunidades para que estas pessoas façam a diferença e
marquem a história, lutando por uma vida melhor, mas justa e equilibrada.
A dinâmica de Cristo é admirável. Ele sempre foi sábio e inteligente na ação de expressar
seus sentimentos e atos de amor para com as pessoas. É simplesmente fantástica a sua maneira
peculiar de tratar as pessoas (Mateus 14. 13-21). A reação de Jesus diante da presença da multidão
no lugar que ele havia reservado para descansar foi inusitada. Ao invés de zangar-se e de dispensá-
la para poder desfrutar do merecido descanso, Jesus compadece-se dela. A compaixão de Jesus é
ativa, pois o leva a assumir-se como resposta às necessidades da multidão:
Mata a sua fome. É interessante notar que esse milagre aconteceu numa situação de
extremos: de um lado uma enorme multidão (cerca de 5.000 homens, sem contar as
mulheres e crianças), e de outro, a escassez de recursos - apenas 5 pães e dois peixes.
Sem uma dose de sacrifício não conseguiremos cumprir a nossa missão. As pessoas têm o
seu próprio ritmo, quem quiser alcançá-las tem de se adaptar. Não dá para manter nossas
tradições e agenda, é necessário fazer mudanças. É preciso assumir a dinâmica e o movimento da
cidade se quisermos alcançá-la para Jesus.
O dever da Igreja é se envolver com os famintos, com os excluídos da cidade; precisa ver-
se como resposta de Deus para eles. A Igreja que deseja impactar a cidade deve gerar programas
de desenvolvimento comunitário e de assistência aos moradores de rua (inclusive às crianças de
rua). Porém, estes programas não devem ser executados de forma paternalista. A ação social da
Igreja não deve gerar dependência socioeconômica nas pessoas, e sim, sua emancipação.
É de extrema urgência a Igreja se fazer resposta à fé em Deus, com gratidão, lançando mão
de seus recursos, independentemente da quantidade destes, crendo que Deus os aumentará,
tornando-se assim cooperadora de Deus na multiplicação dos recursos necessários.
Algo que a Igreja não pode jamais tornar-se é um movimento de massas, onde pessoas
entram e saem sem serem reconhecidas. O alvo da Igreja é a humanização da cidade. Uma
multidão não precisa ser um ajuntamento amorfo, um empurra-empurra em uma competição
pelo pão. Uma multidão pode ser um ajuntamento de comunidades – de grupos de pessoas que,
juntas, compartilham do pão, isto é, de grupos de companheiros.
A cidade também pode ser assim. Por isso a Igreja deve envolver-se na criação de centros
comunitários; na promoção de eventos que levem gente a conhecer gente. A Igreja precisa ser
agente de humanização da cidade, assim os homens verão as nossas boas obras e glorificarão ao
nosso Pai, que está nos céus (Mateus 5.16).