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TEOLOGIA BÍBLICA

TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL


FLAM – FACULDADE LATINO-AMERICANA
www.flam.org.br
Diretora Acadêmica: Ivone Lima Botelho

Disciplina: Teologia da Missão Integral


Professor Conteudista: Prof. Christopher Marques
Revisão: Profª. Adriana Torquato Resende
Editoração: Prof. Enilson Elias de Castro Monteiro
I - INTRODUÇÃO

Na verdade a nomenclatura Missão Integral acaba por ser uma redundância. Biblicamente a missão
é integral. Não há fragmentação da vida e muito menos da realidade. A ação de Deus e a sua
manifestação se mostram na totalidade das coisas.

Ao ler os jornais e revistas e fácil perceber a variação de modas e estilos de vida. As


propostas variam de acordo com o gosto do freguês. Algumas modas vão e vêm. Outras passam
rapidamente e são esquecidas. Usando sua criatividade, os estilistas tentam reinventar algo do
passado modificando alguns aspectos para ter uma aparência mais moderna.

Está em debate a chamada Teologia da Missão Integral. Ora, a missão da igreja nunca
havia sido integral? Somente agora a igreja preocupa-se com a totalidade da vida humana e a
realidade de toda criação? Não. Quem defende isso está cometendo um grande engano. Pensar
desta forma é ignorar toda contribuição que foi legada pelos pais da fé no passado.

Este discurso da Missão Integral que se tornou um modismo da teologia contemporânea


faz surgir uma indagação – a roda foi inventada agora? Hegel (1770-1831), notável filósofo
alemão, chegou a afirmar que o que aprendemos da história é que não aprendemos nada com a
história. Isto é um fato. O que se tem feito é um abandono histórico e teológico desta prática tão
presente no desenvolvimento da igreja ao longo destes anos.

O que se encontra no arcabouço da Teologia da Missão Integral é o que tem sido


sustentado por anos como a espinha dorsal da ortodoxia: a proclamação do evangelho tem
consequências sociais; o amor e o arrependimento produzem transformações profundas em todas
as áreas da vida. Se ignorarmos o mundo, traímos a Palavra de Deus que nos envia para servir às
pessoas. Se ignorarmos a Palavra de Deus, não teremos nada para levar ao mundo. A justiça e a
justificação pela fé, o louvor e as ações políticas, a transformação no âmbito espiritual, material e
pessoal, e as mudanças estruturais devem caminhar juntos.

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A Palavra de Deus afirma que a quebra da comunhão do homem com o seu criador gerou
consequências em todos os âmbitos. Se os seus olhos se voltarem para o texto sagrado você
compreenderá que a pobreza é o resultado de um legado social e estrutural de relacionamentos
rompidos com Deus, de uma compreensão equivocada de si mesmo e do outro, de injustiças
entre as pessoas e de relações com o meio ambiente caracterizadas pela exploração. É o resultado
da alienação do homem para com o Deus que o chama para a vida. A missão da igreja tem como
objetivo ajudar na restauração desses relacionamentos rompidos.

Qual é a visão cristocêntrica sobre ser luz deste mundo? É preciso deixar o texto bíblico
nos ensinar. Faz-se necessário conhecer a história do povo de Deus para entendermos que
estamos, infelizmente, distantes da proposta do evangelho. Para tanto, esta linha teológica tem
como objetivo despertar a igreja para aquilo que Jesus nos chama a ser, viver e ver.

O objetivo deste estudo é despertá-lo para o entendimento de que a sua espiritualidade


não pode estar restringida à devoção diária. É preciso mostrar esta fé para uma sociedade
chafurdada no caos.

O conceito de Teologia da Missão Integral foi difundido mais efetivamente depois do


grande congresso que acorreu na Suíça em 1974, quando foi elaborado um documento
conhecido como o Pacto de Lausanne. A partir daí esta corrente teológica passou a ser anunciada
em vários países por seus representantes acadêmicos, eclesiásticos e lideranças evangélicas. Neste
encontro estavam mais de 150 nações representadas. Apesar de ser um número bastante
considerável, ainda sim, há pouco conhecimento da prática desta teologia.

1 – Definição dos Conceitos Históricos e Hermenêuticos: Evangélico versus


Fundamentalista

1.1 – O Significado do Termo “Evangélico”

As pessoas só começaram a usar este rótulo no século XVI, para designar aqueles que abraçaram
o Evangelho que havia – num sentido bem real – sido recuperado pela Reforma Protestante

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naquele século. “Evangélico” vem de “evangel”, que é o termo grego para “evangelho”. Deste
modo, os “evangélicos” eram luteranos e calvinistas que queriam recuperar o evangel e proclamá-
lo dos altos dos telhados.

O “Evangel”

A Reforma era uma coleção de “solas” – esta é a palavra latina para “somente”.

Sola Scriptura – Somente as Escrituras

O principal ponto de “Sola Scriptura” era este: Não deveria ser permitido à Igreja impor
regras ou doutrinas que não estivessem embasadas nas Escrituras. Não existem novas revelações,
nem papas que ouvem diretamente a voz de Deus, e nada que a Bíblia não apresente deveria ser
ordenado aos cristãos. Lutero disse:

Simplesmente ensinei, preguei, escrevi a Palavra de Deus; não fiz mais nada. E
então, enquanto eu dormia, ou bebia cerveja de Wittenberg com meu amigo
Filipe e meu amigo Amsdorf, a Palavra enfraqueceu tão intensamente o papado
que nenhum príncipe ou imperador jamais fez estrago assim. Não fiz nada.
A Palavra fez tudo.

Sola Gracia – Somente a Graça

Os reformadores diziam que a graça não é uma substância que Deus nos dá para vivermos
uma vida melhor, mas sim uma atitude em relação a nós, aceitando-nos como justos por causa da
santidade de Cristo, e não nossa.

Sola Fide – Somente a Fé

Considerando que somos salvos somente pela graça, como obtemos essa graça?

Os reformadores insistiam que do início ao fim a “salvação é obra do Senhor” (Jonas 2.9).
“O Espírito dá vida; o homem em nada colabora” (João 6.63). “Não depende da decisão, nem do

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esforço do homem, mas da misericórdia de Deus” (Romanos 9.16). Assim a fé em si mesma é um
dom da graça de Deus e não se pode dizer dela que seja “a coisa” que nós fazemos na salvação:
“Pois nós não somos nascidos da vontade da carne ou da vontade do homem, mas de Deus” (João
1.13).

Solus Christus – Somente Cristo

Num tempo em que meros seres humanos estão tomando o lugar de Cristo como
Mediador entre Deus e o homem, os reformadores proclamaram juntamente com Paulo: “Há
somente um Deus e um Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem” (1 Timóteo
2.5). Lutero expressou o seguinte:

A primeira coisa que peço é que as pessoas não façam uso do meu nome e não
se chamem luteranas, mas cristãs. Que é Lutero? O ensino não é meu. Nem fui
crucificado por ninguém. Como eu, miserável saco fétido de larvas que sou,
cheguei ao ponto em que as pessoas chamam os filhos de Cristo por meu
perverso nome?

Soli Deo Gloria – Somente a Deus seja a Glória

O evangélico está centrado em Deus; é alguém que está convencido de que Deus fez tudo
e que não resta nada que o homem considere seu a não ser seu próprio pecado. Isto não apenas
transformou radicalmente a vida devocional dos crentes, mas também toda a estrutura social.

Numa velha taverna do século XVII em Heidelberg, na Alemanha, lê-se no alto “Soli Deo
Gloria!” Johann Sebastian Bach, o famoso compositor, assinou todas as suas composições com
aquele slogan da Reforma. Do mesmo modo, outro compositor, Handel, declarou:

Que privilégio é ser membro da igreja evangélica, saber que meus pecados estão
perdoados. Se nós fossemos deixados à mercê de nós mesmos, meu Deus, o que
seria de nós? Grandes e nobres vidas requerem grandes e nobres
pensamentos, e a soberania e a graça de Deus são, para o crente, grandes e
nobres pensamentos. Os reformadores disseram a Roma o que J.B. Philipps, o
tradutor inglês da Bíblia, disse à igreja contemporânea: “O Deus de vocês é
muito pequeno”.

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1.2 – O Problema do Evangelicalismo ou Evangelicismo

Em 1976, o termo – pelo menos na América do Norte – veio a identificar aqueles que salientam
uma determinada posição política, uma abordagem moralista e frequentemente legalista da vida,
e certo tipo de imitação “cafona” de estilo de evangelismo.

Para alguns, o termo compreende o emocionalismo que eles veem em programas de TV


religiosos. Para outros, hipocrisia e justiça própria. Aqui reside a memória que muitos de nós,
que fomos criados como evangélicos, ainda temos: ambientes familiares fortes e cuidadosos; um
senso de pertencer a um mesmo lugar, com os amigos que gostam de conversar sobre as “coisas
do Senhor”.

O evangelicalismo pode ser considerado como algo extremamente negativo. Ele pode
significar uma postura conservadora e adversária de tudo que cheira liberalismo, modernismo e
ecumenismo. Identifica uma ala muito forte do protestantismo atual e está presente em todas as
denominações, abrangendo, às vezes, denominações inteiras.

Por outro lado, o conceito de fundamentalismo soa para muitos como algo atrasado.
Fundamentalismo é um conceito que sugere falta de esclarecimento, obscurantismo, estreiteza,
intolerância, rigidez nos princípios e fanatismo. Em síntese: Fundamentalismo é “rebelião contra
o moderno”.

Antonio Gouvêa Mendonça destaca as raízes do evangelicalismo nos grandes movimentos


de avivamento ocorridos na Inglaterra e nos Estados Unidos na última metade do século XVIII
e na primeira do século XIX. Isso contribuiu para a fundação da Aliança Evangélica em Londres
(1846), nos Estados Unidos (1867) e no Brasil (1903).

Segundo Mendonça, residem nesses dois movimentos os traços que, somados, podem
ajudar a estabelecer o perfil do protestantismo brasileiro. Por um lado, temos princípios oriundos
do movimento avivalista, tais como a conversão e a santificação do pecador; por outro lado, o
princípio da união substancial de todos os protestantes em torno do que era essencial à fé
evangélica. Mendonça conclui que esse movimento de união resultou na formação das Alianças
Evangélicas e que foi uma forma de enfrentar o reavivamento do catolicismo no século XIX.
Sendo assim, ele afirma:

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A combinação dos elementos acima permite traçar o perfil do protestantismo
que se introduziu no Brasil no século XIX: um protestantismo ‘evangélico’
sob o ponto de vista da teologia e anticatólico sob o aspecto da estratégia. Por
isso, é compreensível a evolução desse protestantismo para o fundamentalismo
mais radical, denominacionalista e antiecumênico.

Os termos para designar os protestantes brasileiros sofreram uma evolução histórica, o


que tem dificultado ainda mais o entendimento do que vem ser evangélico ou evangelical em
nosso país. No início os missionários usaram a expressão “os crentes”, hoje descartada, uma vez
que ficou restrita aos pentecostais. O termo “protestante” tornou-se técnico, apenas usado por
cientistas sociais, historiadores descomprometidos e eventualmente por teólogos.

O movimento evangélico traz consigo uma linha teológica e estratégica bem definida.
Como, portanto, identificar todos os protestantes brasileiros como evangélicos? Embora as linhas
do movimento se ajustem bem ao perfil da média dos protestantes brasileiros, existem muitos
que, sendo evangélicos, não são “evangelicais”. Daí a necessidade que os expositores do
protestantismo têm de introduzir “evangelical” para distinguir “evangélicos” de evangélicos.
Aqueles, tipicamente conservadores, denominacionalistas, antiecumênicos e até
fundamentalistas, e estes soltos nas mais variadas correntes. Para concluir poderíamos dizer que
os protestantes brasileiros são evangélicos, mas nem todos são “evangelicais”.

O termo “evangelical” vem sendo usado na língua portuguesa da mesma forma da palavra
inglesa evangelical, cuja tradução poderia ser evangélico ou poderia ser entendido como sinônimo
de protestante.

Um dos problemas mais frequentes e que tem dificultado a compreensão correta do termo
reside exatamente na questão das traduções. Geralmente o termo é traduzido por “evangelista”.
Traduzir a palavra por evangelista confunde muito, uma vez que, na história desse movimento
especifico de evangelização, temos, por exemplo, Billy Graham, o grande evangelista.

Observamos ainda que essa palavra vem sendo usada, tanto na Europa como nos Estados
Unidos, e por decorrência também entre nós, na América Latina, com um conteúdo específico e
variado de época para época. Sendo assim, ela foi assumindo características distintas e não pode

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ser mais simplesmente traduzida como “evangélico” ou usada em sua forma original
inglesa para identificar uma parte da cristandade que professa a fé evangélica ou protestante e
não a fé católica. No entanto, utilização do termo deveria servir para identificar a totalidade dos
cristãos que concordam com a Reforma Protestante do século XVI. Nesse sentido, algumas igrejas
protestantes em várias partes do mundo, por motivos históricos, acrescentam ao seu nome o
adjetivo “evangélico”.

Em 1910, numa assembléia da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, elaborou-se o que
seria a comprovação de uma pessoa ou segmento evangélico no evangelicalismo (evangelicismo):
1) os milagres; 2) nascimento virginal; 3) a morte expiatória; 4) a ressurreição de Cristo; 5)
autoridade da Escritura. Em outro momento, o item milagres foi substituído pela opção à volta
iminente de Cristo.

George M. Marsden, estudioso do fundamentalismo norte-americano, define assim a


crença:

O credo essencial do evangelical inclui: 1) a doutrina reformada da autoridade


final da Bíblia; 2) o verdadeiro caráter histórico do plano da salvação de Deus
relembrado na Escritura; 3) a salvação para a vida eterna baseada na obra
redentora de Cristo; 4) a importância de evangelismo e missões; 5) a
importância de uma vida espiritualmente transformada.

Samuel Escobar, um líder evangelical latino-americano e um dos primeiros a fazer a


diferença entre evangelicais, ecumênicos e fundamentalistas desde o início da década de 1970,
fez uma classificação, em 1982, na qual destacou os seguintes elementos:

a) A herança teológica da Reforma: somente a fé, somente a Escritura,


somente a graça e somente Cristo;
b) A paixão evangelística, oriunda dos grandes reavivamentos do século
XVIII, sobretudo o de Wesley;
c) A piedade pessoal, característica do despertamento no luteranismo alemão
do fim do século XVII que conhecemos como pietismo: a ênfase na
decisão pessoal e na experiência de uma relação com Deus, seguida por
uma vida de oração e piedade associada a uma intensa vocação
missionária;
d) A postura anabatista de separação entre Igreja e Estado;

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e) A ética puritana: uma vida distinta e consagrada a Deus, com altos níveis
de conduta;
f) A dimensão social do evangelho: um claro sentido de serviço, de obrigação
social e de postura profética perante os males da sociedade.

1.3 – O Movimento Evangelical

O movimento evangelical é a conjunção dos esforços de evangelicais para levar adiante suas
propostas. A principal instância de articulação é a Aliança Evangélica Mundial (AEM), fundada
em 1923. Nesse sentido, temos como pano de fundo o Congresso Mundial de Evangelização em
Berlim (Alemanha, 1966), o Congresso Mundial de Evangelização em Lausanne (Suíça, 1974) e
o Congresso Mundial de Evangelização em Manilla (Filipinas, 1989).

A partir do Congresso de Lausanne, forjou-se uma nova nomenclatura para identificar o


movimento evangelical em boa parte dele. Foi aprovado um pacto que ficou conhecido como
Pacto de Lausanne, hoje transformado no mais importante documento missiológico-pastoral do
movimento evangelical. Fala-se, então, no movimento de Lausanne ou no espírito de Lausanne.

A partir da década 1980, o movimento evangelical iniciou um processo de ressurgimento


no Brasil, até mesmo como fruto de um movimento que acontecia também no exterior,
impulsionado por organismos paraeclesiásticos, como a Aliança Bíblica Universitária (ABU),
Visão Mundial, Visão Nacional de Evangelização (Vinde), etc.

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2 – Missão Integral

2.1 – Personagens Importantes

Samuel Escobar Orlando Costas René Padilha

2.2 – Contexto

Catolicismo Romano Reforma Protestante

Evangelicais

Fundamentalistas Evangelicais

Teologia da Libertação Missão Integral

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3 – Teologia da Libertação e Teologia da Missão Integral

Faz-se necessário mostrar as diferenças que há entre estas duas correntes teológicas. Existe uma
grande dificuldade no entendimento delas e muitas pessoas tendem igualar estas linhas teológicas.
Para tanto, vamos apresentar de forma panorâmica (conceito e história) as duas teologias
importantes para o contexto latino-americano e brasileiro:

3.1 – Teologia da Libertação

Para facilitar, este tema será dividido em três etapas: 1) Raízes epistemológicas e filosóficas do que
se entende por libertação; 2) Síntese histórica da Teologia da Libertação; 3) Teologia da
Libertação explicada pelo labor teológico de Leonardo Boff.

3.1.1 – Raízes epistemológicas e filosóficas do que se entende por libertação

No pensamento grego em geral, a libertação por mais que fosse desejada, não era
alcançada devido à tríplice corrente: destino, natureza e história, aos quais o homem
permanece sujeito sem qualquer oportunidade ou chance de mudança.

Judaísmo e o cristianismo: trazem uma nova concepção de libertação, que tira a ideia
de destino e centraliza Deus como o libertador da humanidade (em todos os sentidos).

Para Hegel, a libertação é obra do espírito absoluto (iluminismo/modernidade), e este


“espírito” é o próprio homem que não depende de recursos, ou seja, não existem
“barreiras” ou perigos que o ameacem, pois esta liberdade já está sendo manifestada
no mundo de hoje e no seu mover na história.

Para Kant, a libertação é uma “república moral”, onde o ser humano supera
interiormente a motivação passional interessada em obedecer à lei, ou o que ele chama
de “dever”, que por sua vez é externo ao homem em seu curso. Segundo o pensador,
este ato de conseguir atuar na própria interioridade do ser, é conhecido também como
“igreja visível”, que é a representação do reino moral de Deus constituído pelos
homens.
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Para Kierkegaard, libertação é consequência ou “aquisição” da fé, que é obra de Deus
e não do homem.

Desta forma, libertação é uma vocação inerente ao ser humano que é a ação para a
salvação/libertação do próximo, que busca primeiramente a mudança do ser (do pecado à justiça),
e depois a mudança do mundo em que vivemos (da situação de pecado à situação de justiça).
Comblin diz o seguinte acerca dessa nossa vocação:

Se a liberdade é agir, não é qualquer agir. A mensagem cristã é muito clara. O


que desperta o ser humano como pessoa, por conseguinte como liberdade,
é o outro. O outro, sobretudo o Outro diferente, por exemplo, o pobre, o
estrangeiro, o pecador, o escravo e, sobretudo, a mulher para o homem e o
homem para a mulher. O outro questiona, obriga a fazer alguma coisa
(COMBLIN, 1998, p. 243).

3.1.2 – Síntese histórica da Teologia da Libertação

Historicamente, a Teologia da Libertação é um movimento de cunho teológico que desejou


mostrar aos cristãos que a sua fé deve ser vivida numa práxis libertadora. Alguns inspiradores
dessa práxis merecem destaque: Bartolomeu de Las Casas e Antonio de Montesinos.

Sua manifestação se deu principalmente em países da América Latina por volta dos anos
sessenta e setenta, especialmente nos aspectos político-sociais, culturais e religiosos.

A efervescência eclesiástica e teológica também perfez a Teologia da Libertação. Devemos


destacar o Concílio Vaticano II (1962-1965) que de certa forma proporcionou aos teólogos
católicos e também aos protestantes a oportunidade de refletirem teologicamente acerca da ação
pastoral no continente.

No lado católico destaca-se: Gustavo Gutiérrez, Segundo Galilea, Juan Luis Segundo,
Lucio Gera.

No lado Protestante: Emílio Castro, Júlio de Santa Ana, Rubem Alves e José Miguez
Bonino.

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Segundo Leonardo Boff (um dos pais da Teologia da Libertação), em 1964 o teólogo
Peruano Gustavo Gutiérrez, apresentou o conceito básico dessa nova teologia, que era uma
teologia como reflexão crítica sobre a práxis.

Em 1968, a partir de Medellín (Colômbia), essa teologia incorporou ao seu conceito


teológico a opção preferencial pelos pobres ou a solidariedade para com os pobres.

Em dezembro de 1971 Gustavo Gutiérrez lançou seu livro – Teologia da Libertação:


perspectivas e Leonardo Boff publicou, em forma de artigo, “Jesus Cristo Libertador”.

Assim, a Teologia da Libertação começava a trilhar o seu caminho a partir da periferia da


América Latina. Para uns, essa teologia era anátema, devido ao seu discurso marxista, mas para
outros era uma teologia com particularidades dinâmicas.

Para os “bons” teólogos da Teologia da Libertação a análise marxista era justificada não
para uma ideologia “mundana”, mas como um subsídio (instrumento de análise social) para
substanciar crenças cristãs.

3.1.3 – Teologia da Libertação explicada pelo labor teológico de Leonardo Boff

Segundo Leonardo Boff, a libertação tem a dimensão de um processo sócio-histórico que se refere
à libertação social do oprimido, implicando diretamente na superação histórica do sistema
capitalista, visando uma sociedade mais participativa e constituída de estruturas que gerem mais
justiça para todos; e, também, a dimensão de um fenômeno humano carregado de significados
de dignidade e grandeza, que visa à construção de um novo destino coletivo.

Para Boff, essas dimensões celebram a presença vitoriosa da libertação operada pelos
homens na força de Deus, que tudo penetra, e proclama também a plena libertação que já nos
foi galardoada na vida, morte e ressurreição de alguém também oprimido, Jesus Cristo, como
sinal de que nossa luta e esperança por uma total libertação não permanece no mero âmbito da
utopia (BOFF, 1998. p. 82).

Diante dessas dimensões, a Teologia da Libertação caiu em algumas tentações (ou


problemáticas) que foram:

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O descuido das raízes místicas;

Inflação do aspecto político e subordinação do discurso da fé ao discurso da sociedade.

Para equilibrar a teoria e prática da Teologia da Libertação, Boff recorre aos princípios
arquitetônicos e hermenêuticos da teologia e da antropologia teológica.

Princípio Arquitetônico: Jesus Cristo

•Para Leonardo Boff, Cristo não veio pregar ele próprio como libertador, mesmo que
entendamos suas ações e práticas como libertadoras, mas veio pregar o Reino de
Deus que implica automaticamente na revolução do modo de ser, pensar e agir
(nova humanidade) frente à realidade deste mundo.
•Nesta perspectiva, Boff diz que esta reviravolta ou revolução (que é a conversão) no
modo de ser, pensar e agir, “quer ser sadia: quer levar o homem para uma crise e a
se decidir pela nova ordem que já está no nosso meio, isto é, Jesus Cristo mesmo”
(BOFF, 1983. p. 77).

Princípio Hermenêutico: Cristologia

•Para Boff, essa nova leitura, cristológica, proporciona a aquisição de um novo


horizonte a partir do qual se podem visualizar realidades novas em outros campos
diversos daquele da política e da sociologia, como na concepção da própria história,
nas demais ciências humanas, na interpretação do fenômeno da secularização e na
própria teologia (BOFF, 1998. p. 22).

Para uma aprofundar a análise acerca da Teologia da Libertação, recomendamos


o capítulo 10 – Práxis Libertadora: Gustavo Gutiérrez, da obra: MILLER, Ed. L.;
GRENZ, Stangley J. Teologias Contemporâneas. Tradução: Antivan G. Mendes. São
Paulo: Vida Nova, 2011.

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3.2 – Teologia da Missão Integral

Para acompanharmos este processo mais facilmente, ele será dividido em duas etapas: 1) Bases
bíblico-teológicas da Missão Integral (definições primárias); 2) Razões para o desenvolvimento da
missão integral.

3.2.1 – O que é Missão?

Com o passar dos anos, o conceito de Missão foi entendido de diversas formas:

a) Envio de missionários a um território específico;

b) Atividades empreendidas por tais missionários;

c) Área geográfica em que os missionários atuavam;

d) A agência (ou “missão”) que enviava os missionários;

e) O mundo não-cristão ou o “campo de missão”;

f) O centro a partir do qual os missionários atuavam no “campo”;

g) Uma congregação local sem pastor residente;

h) Serviços especiais destinados a propagar e difundir a fé cristã num ambiente


nominalmente cristão (re-evangelização como serviço missionário).

3.2.2 – Missão mais amplamente definida

Missão (no singular) designa a Missio Dei (Missão de Deus), ou seja, “a autorrevelação
de Deus como aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com o mundo,
a natureza da atividade de Deus, que compreende tanto a Igreja quanto o mundo, e
das quais a Igreja tem o privilégio de participar”.

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Missões (no plural) Missões designa os empreendimentos missionários da Igreja, isto
é, “formas particulares, relacionadas com tempos, lugares ou necessidades específicos,
de participação na Missio Dei”.

A Missão (no singular) inclui a evangelização como uma de suas dimensões, mas não
se resume somente a ela (assim como não se sintetiza em missões transculturais, pois
a essência da missão está em fazê-la onde quer que se esteja).

Evangelizar é anunciar as boas novas de Jesus Cristo por palavras e ações àqueles que não
o conhecem, com a intenção de que, pela obra do Espírito de Deus, as pessoas se convertam a
Jesus Cristo com o propósito de restaurar a sua relação consigo mesmo, com o próximo e com
Deus.

3.2.3 – Definição da Teologia da Missão Integral

Missão integral pode ser entendida como uma visão não fragmentada do mundo, uma postura
na qual não se considera alguns fatores (como as necessidades “espirituais”, por exemplo) mais
importantes que outros. Implica, porém, que a igreja está interessada em transformar o ser
humano em todas as áreas de sua vida através do evangelho, que também é integral. É o evangelho
integrando pessoas e transformando-as na totalidade de suas vidas.

3.2.4 – Por que nossa missão deve ser desenvolvida de forma integral?

1º) O caráter de Deus

Deus se preocupa com o bem-estar completo dos seres humanos (espiritual e material), assistindo-
os em todas as suas necessidades. Ele exige tanto uma lealdade total a Ele, como também que se
aja com justiça e misericórdia para com o próximo. Em Deus, essas coisas caminham juntas (Cf.
Deuteronômio 10. 12-20; Miquéias 6.8).

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Como ele se importa com os pobres e com os famintos, também espera que seu povo seja
voz dos que “não têm voz” e seja defensor dos impotentes. O jejum que Deus quer de nós,
porventura, não é esse: “que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão,
deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo?” (Isaías 58.6). Tiago deixa bem claro o tipo de
religião que Deus espera que cultivemos (Tiago 1.27).

2º) O ministério e o ensinamento de Jesus

O propósito do ministério de Jesus não era apenas salvar pessoas do inferno, mas também de
livrá-las da enfermidade desse mundo presente. A declaração que Jesus fez na sinagoga acerca de
sua missão (uma alusão ao livro de Isaías) é uma prova disso (Lucas 4.18).

Outro exemplo são duas das mais conhecidas parábolas por ele contadas: o Filho Pródigo
(Lucas 15. 11-32), cuja ênfase está na conversão, um retorno à casa do Pai; e o Bom Samaritano
(Lucas 10. 30-37), cuja ênfase está na ação de misericórdia de um pecador para com o outro, em
detrimento da omissão dos “espirituais”.

A ênfase de Jesus estava tanto na salvação como no serviço ao mundo. Ele servia enquanto
salvava e salvava enquanto servia.

3º) A comunicação do Evangelho

Não bastam palavras (de discurso vazio todo mundo está cheio), elas têm que vir acompanhadas
das ações. Como em Jesus, nossas ações legitimam nossas palavras. A palavra de Deus “se fez
carne”, e como resultado nós “vimos sua glória” (João 1.14).

A proclamação do evangelho nasce de uma viva conexão entre as palavras e as ações, entre
um saber profundo das Escrituras Sagradas e atos de misericórdia e justiça às pessoas que nos
rodeiam, a quem Deus ama.

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II - APROFUNDANDO O CONCEITO DA MISSÃO INTEGRAL

A expressão Missão Integral pode ser acompanhada da seguinte declaração:

A missão integral, ou transformação holística, é a proclamação e a


demonstração do Evangelho. Não é, simplesmente, que a evangelização e o
compromisso social tenham que ser levados à termo juntos. Pelo contrário.
Na missão integral, nossa proclamação tem consequências sociais quando
convocamos as pessoas ao arrependimento e ao amor em todas as áreas da vida.
E o nosso compromisso social tem consequências para a evangelização quando
damos testemunho da graça transformadora de Jesus Cristo. Se assumimos
uma postura de omissão diante do mundo, traímos a Palavra de Deus, a
qual requer de nós que sirvamos ao mundo. 1

Com frequência, as pessoas entendem que não pode haver uma ação social cristã autêntica
que não seja acompanhada ao mesmo tempo por uma proclamação verbal do evangelismo, da
mesma maneira que não pode haver uma proclamação autêntica que não seja acompanhada ao
mesmo tempo pela ação social. Logo, essa abordagem tende a compreender a Missão Integral
como uma prática holística, uma estratégia ou metodologia para o alcance missionário. Começa,
então, a busca por modelos de tal missão integral. Este fato gera tensão para aqueles que
trabalham em situações de sofrimento humano onde a proclamação aberta do evangelho não é
possível, ou onde o último tem a possibilidade de ser tão mal entendido (talvez pela história de
má conduta de algumas pessoas – as chamadas conversões não éticas) que possa levar à repressão
de todos os trabalhos de compaixão iniciados pelos cristãos.

A missão integral é, então, um modo de chamar a igreja para manter-se unida, em sua
teologia como também em sua prática, o que o Deus Trino da narrativa Bíblica sempre une: ser
e fazer, o espiritual e o físico, o indivíduo e o social, o sagrado e o secular, a justiça e a misericórdia,
o testemunho e a unidade, a pregação da verdade e o praticar a verdade.

1
A Declaração da Rede Miquéias. Missão Integral em Tim Chester. Justiça, Misericórdia e Humildade:
Missão Integral e o Pobre. UK: Paternoster, 2002. p. 19.
TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 17
Para que a Teologia da Missão Integral seja entendida corretamente e a sua prática se
mantenha nos moldes bíblicos, é necessário fazer duas reavaliações: 1. Uma reavaliação do
evangelho; 2. Uma reavaliação da Grande Comissão.

1 – Uma Reavaliação do Evangelho

O importante no evangelho não são as necessidades do homem e como Deus pode satisfazê-las.
O importante é o mundo – o que o Deus trino já fez, está fazendo e fará pelo mundo que criou
e ama. O evangelho anuncia a intenção de Deus e a inauguração desta intenção através da
encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo para renovar, recriar e reconciliar o mundo
consigo mesmo.

No Novo Testamento, a Igreja se encontra no âmago do contexto do evangelho – a Igreja


não como outra instituição religiosa, dispensando serviços religiosos para o fiel, mas como uma
nova comunidade daqueles que experimentaram os poderes da era vindoura e vivem como sinais
daquele reino “de ponta cabeça”. A Igreja é o lugar onde as barreiras sociais e econômicas estão
sendo postas abaixo como demonstração do poder reconciliador do evangelho. É por isso que a
desunião da igreja pode trazer julgamento divino, visto que é uma negação do evangelho e da
graça de Deus. Uma igreja fragmentada e dividida não tem como oferecer uma mensagem para
um mundo fragmentado e dividido. Talvez este seja o maior “ponto-cego” de toda a Igreja global.

Quando nós privatizamos e individualizamos o evangelho (reduzindo-o a uma mensagem


apenas sobre as nossas necessidades e o nosso futuro), nós traímos o evangelho. Quando a Igreja
perde de vista o seu chamado de ser a portadora do evangelho para o mundo, ela vira um clube
religioso como outro qualquer, simplesmente cuidando das necessidades e dos interesses dos seus
membros. Quando a Igreja deixa de pregar as boas-novas da graça, ela transforma a sua mensagem
em uma religião de obrigações, um legalismo moralizante define o cristão apenas como uma
pessoa de classe média que pratica atos de respeito e caridade para com o próximo. Quando a
Igreja se esquece da mensagem de esperança, ela acaba sancionando o status quo, em vez de
subvertê-lo. Em vez de viver o hoje à luz do que está por vir, ela idolatra o presente, até mesmo
identificando cada sistema opressor não apenas como necessário, mas como enviado por Deus.

TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 18


2 – Uma Reavaliação da Grande Comissão

Desde o século dezoito, muitas igrejas evangélicas e agências paraeclesiásticas de missões vieram
basear a sua teologia de missão para o mundo nas palavras do Senhor Jesus Cristo em Mateus 28.
16-20. Este texto é sempre referido como “A Grande Comissão”.

O primeiro item a ser observado é que este texto inicia-se com a “Grande Afirmação”:
“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (v.18). Esta é outra maneira de dizer que Jesus
é o Senhor (BOSCH, 1998. p. 418). Verdadeiramente, estas são palavras notáveis, uma vez que
se considera que foram proferidas por alguém que havia sido crucificado recentemente como um
criminoso contra o Estado Romano e cujo corpo maltratado havia sido pendurado do lado de
fora dos muros da cidade, em uma esquina remota do Império Romano, como uma dissuasão
para todos aqueles que ousassem subverter a Pax Romana (Paz Romana). A autoridade de Jesus,
a qual recebe do Pai como um presente por meio da obediência na cruz, é a que abraça o céu e a
terra, ou seja, toda a criação. Toda a esfera de atividade, humana ou não-humana, encontra-se
debaixo do seu domínio.

A missão do Deus trino é a fonte e a base para a missão da igreja. De fato, até o século
dezesseis, o termo “missão” era usado exclusivamente para se referir à Trindade – o envio do
Filho pelo Pai e o do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho (como formulado na tradição trina da
igreja ocidental). Os Jesuítas foram os primeiros a usá-lo ao descrever o espalhar da fé cristã entre
os povos (incluindo os Protestantes) que não eram membros da Igreja Católica. Infelizmente, este
uso do termo coincidiu com a expansão colonial dos poderes europeus e resultou em insinuações
com gosto de hegemonia cultural e de conquista agressiva que ainda pairam hoje.

O missio Dei indica o agir de Deus através do Seu amor redentor e reconciliador para com
toda a criação. Não é a Igreja que tem uma missão de salvação para realizar no mundo, é a missão
do Filho e do Espírito Santo através do Pai, que inclui a Igreja, criando uma Igreja à medida que
segue o seu caminho (MOLTMANN, 1977. p. 64).

É importante notar a inclusão: “Foi-me dada toda a autoridade... vão e façam discípulos
de todas as nações... ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei... eu estarei sempre
com vocês, até o fim dos tempos”. A Grande Comissão está baseada na Grande Afirmação e
acompanhada pela Grande Promessa. A promessa da presença de Deus é frequentemente

TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 19


acompanhada pelo seu chamado para o serviço no Antigo Testamento (Êxodo 3.12; Josué 1.5);
não é nem tanto um resseguro confortável, mas um equipamento necessário para a missão. A
promessa da presença permanente e habilitante do Cristo Ressurreto somente é dada a uma Igreja
que o segue pelo mundo, dando testemunho da Grande Afirmação em todas as áreas da vida.

TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 20


III - MISSÃO INTEGRAL - HISTÓRIA E PRÁTICA

O homem de hoje está inserido numa cultura em que existem várias leituras da realidade. É uma
busca para oferecer um sentido à vida. O alvo deste pluralismo é buscar uma resposta para explicar
a realidade, a ordem e os dilemas existências. A mistura de tantas ideias contraditórias tem criado
um caos ao invés de uma ordem. Porém, nada disso resolve o problema da situação existencial
que a humanidade enfrenta no século XXI. Será que o pluralismo é adequado para construir e
sustentar uma cultura? Ou para isso é preciso uma visão unificada da realidade?

Vele destacar o contexto atual em comparação com o contexto do primeiro século, que
era um ambiente altamente pluralista. Quando a mensagem de Cristo foi proclamada pelos pais
da igreja havia mais de trezentas seitas e diferentes visões da vida e da realidade. Foi um desafio
que o evangelho de Cristo ofereceu para o povo da época. E tal evangelho legou ao mundo antigo
uma cosmovisão integral e coerente, adequada para lidar com todas as áreas da vida.

O teólogo que prefere trilhar a Teologia da Missão Integral precisa entender que ela traz
uma cosmovisão em particular e para que ela seja completa é necessário lidar com as experiências
da vida. É preciso entender que uma cosmovisão parte do princípio de que algo existe. Isto pode
ser ligado com os fatos que estão diante de uma pessoa. E estes fatos não podem estar
desconectados. Se os dados da vida não fazem parte de um sistema que faça sentido, as pessoas
procuram por outras alternativas.

Uma cosmovisão é composta de conclusões. É a maneira que as pessoas interpretam a


realidade do mundo. E o interessante das conclusões é que elas são abrangentes. Todas as áreas
da vida humana são tocadas. As experiências são valorizadas. Esta compreensão parte do
pressuposto de que a pessoa não é fragmentada, pois tudo o que acontece com o ser humano faz
parte da sua vida e está de acordo com uma determinada cosmovisão. É preciso olhar para a
pessoa como um ser completo, complexo e cheio de potencialidades. Este conceito se torna ainda
mais evidente quando se percebe que a pessoa passa por diversas experiências num mar povoado
pelo desconhecido. Aqui é refletido o mistério tanto da vida quanto do mundo. A beleza disto
está na função da cosmovisão, ela coloca tudo numa perspectiva através da qual a pessoa pode

TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 21


construir a sua vida com um sentido de segurança e paz. Por isso, todo teólogo deve elaborar seu
pensamento a partir de uma visão cosmológica da vida integral.

Não podemos limitar a expressão da nossa espiritualidade à devoção diária. A obra de


Cristo pode restaurar a sociedade falida, desorganizada e perdida. Precisamos mostrar a nossa fé
para esta sociedade.

O desinteresse do cristão em relação aos problemas da humanidade demonstra a sua


negligência. Quando o cristão se omite em opinar ou até mesmo em contribuir para a formação
de uma sociedade melhor, ele está indo contra o seu próprio chamado.

O cristão que é alheio aos assuntos da sociedade tem uma visão deturpada de uma
espiritualidade vazia e sem impacto.

Quanto mais cresce no Brasil o número de pessoas que frequentam as igrejas evangélicas,
mais intensa fica a pergunta: “Que diferença fazem essas pessoas, uma vez que o império do mal
parece crescer em nosso país e no mundo?” Muitos cristãos têm dificuldade de entender que a
sua missão não é apenas se preparar para aquela vida sem problemas que tem início após a sua
morte. A missão do cristão começa depois de sua conversão. Na verdade, na pátria celeste, se tiver
uma missão, vai recebê-la. Por enquanto, o mundo em que estamos é o nosso mundo. O que ele
é depende de nós. Nossa vida nele depende de nós. Devemos orar pela cidade onde Deus nos
colocou.

É isto o que a Bíblia nos ensina, mas tem sido muito difícil viver esta verdade. Ao
contrário, predomina a ideia de “quanto pior, melhor” ou de que o cristão não se deve interessar
por assuntos erroneamente considerados não espirituais.

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IV - MISSÃO E RESPONSABILIDADE: A IGREJA CIDADÃ

Na comunidade em que está inserida, a igreja deve ser um incentivo às pessoas para que
elas realizem seus sonhos; deve criar oportunidades para que estas pessoas façam a diferença e
marquem a história, lutando por uma vida melhor, mas justa e equilibrada.

A dinâmica de Cristo é admirável. Ele sempre foi sábio e inteligente na ação de expressar
seus sentimentos e atos de amor para com as pessoas. É simplesmente fantástica a sua maneira
peculiar de tratar as pessoas (Mateus 14. 13-21). A reação de Jesus diante da presença da multidão
no lugar que ele havia reservado para descansar foi inusitada. Ao invés de zangar-se e de dispensá-
la para poder desfrutar do merecido descanso, Jesus compadece-se dela. A compaixão de Jesus é
ativa, pois o leva a assumir-se como resposta às necessidades da multidão:

Cura todos os enfermos (Mateus 14.14);

Ministra-lhes o ensino com suas palavras de esperança (Marcos 6.34);

Mata a sua fome. É interessante notar que esse milagre aconteceu numa situação de
extremos: de um lado uma enorme multidão (cerca de 5.000 homens, sem contar as
mulheres e crianças), e de outro, a escassez de recursos - apenas 5 pães e dois peixes.

Sem uma dose de sacrifício não conseguiremos cumprir a nossa missão. As pessoas têm o
seu próprio ritmo, quem quiser alcançá-las tem de se adaptar. Não dá para manter nossas
tradições e agenda, é necessário fazer mudanças. É preciso assumir a dinâmica e o movimento da
cidade se quisermos alcançá-la para Jesus.

Devemos entender o processo de fome que marca o relacionamento da cidade com os


seus habitantes: gente que veio para a cidade em busca de alimento; de espaço social; de realização
dos sonhos mais secretos. Gente que, hoje, além da fome que não foi mitigada, sofre da neurose
da solidão, da competição, da falta de identidade e do medo.

Portanto, a Igreja, precisa tornar-se um lugar de refúgio para o morador da cidade. Um


lugar onde ele encontre comunidade, cooperação, identidade e segurança.
TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 23
A Igreja precisa ver-se como fonte de cura. Isso implica desenvolver uma comunidade
terapêutica: ter a possibilidade de exercer o poder curador e sobrenatural do Espírito Santo e
criar programas de assistência na área de saúde, usando bem os seus médicos, dentistas e
enfermeiros.

O dever da Igreja é se envolver com os famintos, com os excluídos da cidade; precisa ver-
se como resposta de Deus para eles. A Igreja que deseja impactar a cidade deve gerar programas
de desenvolvimento comunitário e de assistência aos moradores de rua (inclusive às crianças de
rua). Porém, estes programas não devem ser executados de forma paternalista. A ação social da
Igreja não deve gerar dependência socioeconômica nas pessoas, e sim, sua emancipação.

É de extrema urgência a Igreja se fazer resposta à fé em Deus, com gratidão, lançando mão
de seus recursos, independentemente da quantidade destes, crendo que Deus os aumentará,
tornando-se assim cooperadora de Deus na multiplicação dos recursos necessários.

Algo que a Igreja não pode jamais tornar-se é um movimento de massas, onde pessoas
entram e saem sem serem reconhecidas. O alvo da Igreja é a humanização da cidade. Uma
multidão não precisa ser um ajuntamento amorfo, um empurra-empurra em uma competição
pelo pão. Uma multidão pode ser um ajuntamento de comunidades – de grupos de pessoas que,
juntas, compartilham do pão, isto é, de grupos de companheiros.

A cidade também pode ser assim. Por isso a Igreja deve envolver-se na criação de centros
comunitários; na promoção de eventos que levem gente a conhecer gente. A Igreja precisa ser
agente de humanização da cidade, assim os homens verão as nossas boas obras e glorificarão ao
nosso Pai, que está nos céus (Mateus 5.16).

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