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ATSUSHI MIYAJIMA

EDUCAÇÃO CRISTÃ CONTEXTUAL HOJE: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA


PARA A IGREJA METODISTA LIVRE – CONCÍLIO NIKKEI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada em


cumprimento às exigências do curso de Doutorado em
Ministério da Faculdade Teológica Sul Americana.

Londrina
2006
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RESUMO

MIYAJIMA, Atsushi. Educação cristã contextual hoje: uma proposta pedagógica para a
Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei. Londrina, 2006, 142 p. (Trabalho de Conclusão de
Curso de Doutorado em Ministério - Faculdade Teológica Sul Americana).

Este trabalho tem como objetivo elaborar uma proposta pedagógica para a Igreja Metodista
Livre – Concílio Nikkei, uma igreja étnica de origem japonesa fundada em 1936 no bairro da
Liberdade, São Paulo. Apesar de seus 70 anos de existência, apresenta um problema
sintomático em relação ao crescimento espiritual de seus membros. Parte-se do pressuposto
de que a falta de um projeto de educação cristã contextualizada tem sido um dos fatores
limitantes no processo da sua formação cristã (em termos de conhecimento e sabedoria) e
conseqüentemente baixo índice de crescimento quantitativo. Com o intuito de se obter um
referencial teórico para a educação cristã, iniciamos com uma pesquisa sobre a pedagogia de
Jesus e da igreja primitiva. Depois prosseguimos para o diálogo e a confrontação dos
elementos da educação cristã com os pensamentos da contemporaneidade a partir de vários
autores. Focalizamos as questões da imigração japonesa e o processo de nacionalização
ocorridos tanto no Japão como no Brasil, assim fazendo uma revisão política,
sócio-econômico e educacional da sociedade nikkei no Brasil, enfatizando que esse foi o
contexto em que surgiu a Igreja Metodista Livre no Brasil, a qual, por esta razão leva consigo
as marcas e feridas desse processo histórico. A revisão sobre Parâmetros Curriculares
Nacionais (Ensino Religioso) serviu como referência básica para estabelecer os critérios de
avaliação da nossa prática educacional. Para concluir, destacamos os treze itens que
direcionarão a nossa proposta pedagógica que estaremos apresentando à igreja local.
Finalmente, fazemos algumas recomendações para a introdução de uma política educacional
para que a presente proposta pedagógica seja colocada na prática educacional, assim causando,
de fato, uma transformação efetiva e profunda nas nossas igrejas.

273 palavras

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .........................................................................................................................4

CAPÍTULO I: A PEDAGOGIA DE JESUS COMO PONTO DE PARTIDA PARA A


EDUCAÇÃO CRISTÃ ....................................................................................................12

CAPÍTULO II: A HERMENÊUTICA DA IGREJA PRIMITIVA E SUA IMPLICAÇÃO NA


EDUCAÇÃO CRISTÃ ....................................................................................................37

CAPÍTULO III: A EDUCAÇÃO CRISTÃ E O PENSAMENTO DA


CONTEMPORANEIDADE ............................................................................................63

CAPÍTULO IV: IDENTIDADE CRISTÃ E IDENTIDADE NIKKEI:


A QUESTÃO DA IDENTIDADE CULTURAL ............................................................79

CAPÍTULO V: DESAFIO EDUCACIONAL PARA A IGREJA METODISTA LIVRE –


CONCÍLIO NIKKEI ......................................................................................................102

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES..............................................................................126

ANEXO ..................................................................................................................................134

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................136

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INTRODUÇÃO

“No mundo existem muitos ensinamentos. Por que tem que ser o Cristão?”

perguntou um budista japonês. Diante desta pergunta gostaríamos de refletir sobre outra

questão muito pertinente: “Qual é a marca distintiva da Educação Cristã?”

Um chinês explicou ao seu amigo, a diferença entre Buda, Confúcio e Jesus,

utilizando a seguinte ilustração:

Uma pessoa caiu num poço. Três pessoas se aproximaram.

“Esta é a retribuição dos males cometidos em sua vida anterior, resigne-se (morra)”,

falou Buda.

“Avalie-se a si mesmo e tenha cuidado para não cair outra vez” admoestou

Confúcio.

Mas ainda outro, que se identificou como Jesus, desceu até ao fundo do poço e

resgatou esta pessoa tirando-a de lá.

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Buda, Confúcio e Jesus 1 . A ilustração acima parece caracterizar a proposta

educacional de cada tradição religiosa. No entanto, qual é a marca distintiva da Educação

Cristã? De acordo com Sherron George (1993, p. 14), entende-se Educação Cristã “como um

processo deliberado e intencional pelo qual Cristo é formado nas pessoas, visando

transformação, formação e crescimento da pessoa toda e da igreja toda em todo o tempo”. A

idéia é a formação de pessoas com uma educação integral que visa todas as dimensões do ser

humano (intelectual, emocional, espiritual e comportamental), dentro de um contexto de

comunidade de fé, por meio de relacionamentos mútuos entre educador e educando, durante

todas as fases da vida do indivíduo (do nascimento até a morte). Ao mesmo tempo, a

Educação Cristã deve ser contextual, no sentido de que ela se desenvolve dentro do

compromisso com a Palavra e o Espírito Santo, com a Igreja e com a sociedade. Deve haver

uma interação e dialética entre as três partes (George, p. 141). É a partir desse contexto de

interação sociocultural que se torna possível a reflexão e a problematização da Educação

Cristã.

De acordo com Padilla (2005, p. 96), Deus se contextualizou em Jesus Cristo, pois

nele a Palavra de Deus se fez homem, ou seja aculturou-se, já que o homem é um ser cultural.

E no caso do presente trabalho, referimo-nos a uma cultura específica. Estaremos tratando do

contexto de uma igreja étnica japonesa: a Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei. Para tanto,

consideramos que seria a via mais apropriada, é iniciar analisando e sintetizando a “pedagogia

1 É interessante mencionar aqui a avaliação desses três personagens sob a perspectiva de um filósofo e educador
francês Georges Gusdorf. Seguem as citações extraídas da sua obra intitulada “Professores para quê?”:
“Buda, Confúcio e Jesus afirmam-se nos limites da condição humana, mais exatamente além mesmo desses
limites. Personagens históricos cujo estatuto continua impreciso, encarnam através de milênios o sentido mais
elevada da maestria: a sua afirmação basta para invalidar todos os mestres humanos.” (...) “Confúcio, arquétipo
da sabedoria chinesa, pôde ser reconhecido como mestre para dez mil gerações. Buda e Jesus representam para
os seus fiéis o Santo por excelência, e a via de santidade resume-se na imitação de Jesus ou de Buda.” (Gusdorf,
2003, p. 85-86)

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de Jesus” com o objetivo de apreendermos a noção de um educar teologicamente

contextualizado. A Educação Cristã contém a idéia da encarnação do educador no conteúdo

que ele traz consigo, assim como Jesus comunicou no evangelho encarnando uma existência

corporal no mundo.

A finalidade da Educação Cristã é equipar seus membros para enviá-los com

propósitos ministeriais específicos. Nesse sentido, cremos que o diferencial está no elemento

missão (de Jesus, descendo ao fundo do poço) de salvar as pessoas. Dessa forma, seguindo o

paradigma de Jesus, a missão cristã é um ato educativo e ao mesmo tempo um ato solidário. O

fator preponderante é a sua corporeidade: estar presente no drama e na realidade do educando,

que aprende a ser discípulo de Cristo na vivência comunitária no campo da missão.

Por fim, o termo “hoje”, do título do nosso trabalho, contém a idéia de uma tentativa

de atualizar a questão da Educação Cristã em relação aos temas da nossa contemporaneidade.

Sou filho de imigrante japonês. A minha família chegou no Brasil no início da

década de 70. Nós nos estabelecemos no interior do Estado do Pará, região norte do país. A

primeira geração dos imigrantes na sua grande maioria não pôde freqüentar a escola. Neste

sentido, fui muito privilegiado por poder receber instrução escolar e chegar a concluir o curso

de nível superior em Agronomia.

Atualmente, sou pastor da Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei2, uma igreja de

origem étnica japonesa em um dos bairros da grande cidade de São Paulo. A membresia conta

2 O termo nikkei está sendo utilizado desde a Convenção Panamericana Nikkei realizada em 1985, em São
Paulo, que adotou a terminologia para todos os descendentes de japoneses nas Américas. Em termos mais
recentes, são (...) pessoas de origem japonesa e seus descendentes, que tenham emigrado para outros países e
criado comunidades e estilos de vida com características únicas dentro do contexto cultural das sociedades em
que vivem. São também considerados nikkeis aqueles que voltaram ao Japão, onde passaram a constituir
identidades distintas da população japonesa. (definição de identidade nikkei extraído do site do Projeto
Internacional de Pesquisa sobre os Nikkeis)

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com pouco mais de 100 pessoas. A congregação é composta de três grupos: (1) os japoneses,

(2) os nikkeis (os descendentes de segunda e terceira geração) e (3) os brasileiros, em sua

maioria casados com os nikkeis, na proporção de um terço para cada grupo. O ministério

atribuído a mim é especificamente com as pessoas de fala japonesa (primeira e segunda

geração com idade média de 73 anos). Fui designado como pastor em 1998. No entanto, só

nestes últimos anos, comecei a perceber de fato, a dificuldade e a limitação na comunicação e

no entendimento da língua japonesa por parte dos membros da igreja. Foi constatado que esta

dificuldade existe em decorrência da defasagem cultural e intelectual das pessoas pois, a

maioria dos imigrantes e sua segunda geração de japoneses mal tiveram acesso à suficiente

instrução escolar, nem aqui nem no Japão.

Ao longo dos sete anos, à medida em que fui conhecendo as pessoas da comunidade,

tenho me esforçado para simplificar o conteúdo das mensagens e dos estudos bíblicos.

Contudo, não tenho tido um resultado satisfatório. Na maior parte das vezes, a reação delas é

de que as mensagens ou o conteúdo dos estudos são de difícil compreensão. Argumentaram

que o pastor (agora eu) deveria falar de modo mais simples para facilitar-lhes a compreensão.

Muitos japoneses da primeira e segunda geração que não tiveram acesso à instrução

escolar, sentem que é complicado entender certos conceitos ou princípios bíblicos. Em vista

disso, preciso adequar a linguagem para que eles possam captar os conteúdos. Preciso ter

certos cuidados tais como: usar a linguagem de nível escolar primário; evitar termos

técnico-científicos; não posso trabalhar no referencial histórico, nem da história do Japão,

nem do Brasil (e talvez nem da história bíblica), pois eles não se identificam nem com uma,

nem com outra. A “história” para eles é no máximo, a sua experiência pessoal de vida e da

sua família, que foi o “drama” dos imigrantes. Portanto sua aprendizagem acontece a partir do

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seu próprio contexto de vida, da sua própria história.

Em novembro de 2004, junto com um grupo de alfabetizandos do curso patrocinado

pela igreja, participei de uma palestra sobre a metodologia do Paulo Freire na Universidade de

São Paulo. A partir daquele momento comecei a me convencer de que os alfabetizandos e os

imigrantes tinham algo em comum: é necessário aprender a leitura do mundo antes da letra!

Nos termos do Paulo Freire, a leitura do mundo implica em compreender a realidade, e este

ato antecede a leitura do texto. O que devemos aprender a fazer é a leitura da realidade que

nos cerca antes de ler a Palavra de Deus. O que significa isto? Partindo do pressuposto de que

a Palavra de Deus é a verdade espiritual, e todos nós temos experiências no mundo que

vivemos. Ao compreender criticamente a realidade representada pelo mundo da experiência

(o ato de “ler o mundo”) proporcionaria uma possibilidade de releitura do texto (da Palavra de

Deus) que agora estaria em uma relação dinâmica com o contexto. Desse modo, o

reconhecimento e a constatação da experiência com Deus que antecede à leitura contribuiria

na compreensão da verdade. Proporcionando a integração entre a leitura e a vida, entre a

intelectualização e a experiência, ao invés da dicotomia entre elas. Nesse sentido, surgiu a

possibilidade da pedagogia freireana como ferramenta para o desafio ministerial que eu estava

enfrentando. Aliás, esta é a questão epistemológica, um problema de todos, sendo a diferença

entre cada um de nós apenas a questão de ter maior ou menor grau de dificuldade. A partir

daquele dia, abriu-se para mim uma nova perspectiva para estar buscando respostas para

questões ministeriais no campo da pedagogia.

Esta é a nossa justificativa para a elaboração do presente trabalho. Temos tido uma

crise ministerial por não perceber sinais de crescimento espiritual nos membros da igreja.

Suspeita-se que a possível causa está na dificuldade de comunicação e de apreensão da

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verdade, ou seja, na falta de uma filosofia educacional consistente. Esta dificuldade em menor

ou maior grau pode ser um problema de todos nós que fomos instruídos na educação

tradicional brasileira. É necessário, então, elaborar uma proposta educacional para promover o

ministério da educação cristã e eclesial mais eficaz para a formação humana.

Assim, as perguntas da nossa pesquisa são as seguintes: Até que ponto é possível

articular de forma mais coerente possível a pedagogia freireana com as Escrituras para a

missão cristã? O diálogo entre a pedagogia de Jesus e a pedagogia contemporânea pode

resultar em uma proposta pedagógica para a educação permanente mais viável? Quais são os

pontos fortes desse diálogo? Quais são suas restrições ou limites? Quais as diferenças e

semelhanças da leitura da pedagogia freireana entre os autores cristãos e os não cristãos?

A nossa tese é que a pedagogia de Jesus (e por extensão, da igreja primitiva) poderia

resultar numa nova proposta, adaptada à realidade atual, tendo a missiologia cristã como

agente catalisador e articulador, principalmente enquanto esta pedagogia estiver em contínuo

diálogo e confrontação com os pensamentos da contemporaneidade.

A partir dessa perspectiva teórica, desenvolvemos o presente trabalho nos seguintes

termos:

No capítulo um -“A pedagogia de Jesus como ponto de partida para a educação

cristã”- pretendemos analisar os contornos da Pedagogia de Jesus tendo como agente

catalisador e norteador, a missiologia cristã por meio de pesquisas bibliográficas;

destacando-se a questão da autocompreensão de Jesus como mestre e educador e a implicação

da mesma para o posterior desenvolvimento da educação cristã.

No capítulo dois -“A hermenêutica da igreja primitiva e sua implicação na educação

cristã”- pretendemos analisar a hermenêutica da igreja primitiva, ou seja, como ela interpretou

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o ato pedagógico de Jesus, considerando o contexto judaico do seu tempo, citando

principalmente as tradições rabínicas, através do confronto e do diálogo. Procuramos também

identificar os principais elementos da filosofia da educação cristã a partir do contexto judaico

medieval.

No capítulo três -“A educação cristã e o pensamento da contemporaneidade”-

pretendemos analisar alguns elementos da contemporaneidade como a questão do

Personalismo, da Intuição, da Universalidade, da Autonomia do Sujeito e da Corporeidade em

diálogo e confrontação com a educação cristã, verificando a sua relevância sob a perspectiva

pedagógica.

No capítulo quatro -“Identidade cristã e identidade nikkei: a questão da identidade

cultural”- pretendemos analisar a questão da identidade cultural sob a perspectiva da educação

cristã. É a continuidade do capítulo anterior. A identidade cultural é um dos elementos da

contemporaneidade que merece um tratamento especial, pois trata do problema da crise de

identidade inclusive no campo educacional. No mundo globalizado, a busca de identidade

própria torna-se um fator primordial para a sobrevivência cultural daquela minoria étnica.

Assim sendo, é necessário desenvolver uma proposta educacional que contemple um contexto

específico e que proporcione as respostas bíblicas que sejam significativas e relevantes para

aquele grupo.

No capítulo cinco -“Desafio educacional para a Igreja Metodista Livre – Concílio

Nikkei”- pretende-se analisar a história da Igreja Metodista Livre do Brasil e o contexto

sócio-econômico e educacional dos imigrantes japoneses no Brasil, já que a problemática

nasce dentro deste ambiente étnico-cultural. Enfim, tendo como base os Parâmetros

Curriculares Nacionais (Ensino Religioso) como critério de avaliação, formulamos uma

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proposta pedagógica para a Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei, para em seguida, expôr

às considerações finais e às recomendações, com vistas ao desenvolvimento de uma proposta

freireana, revista à luz das Escrituras, para a igreja local.

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CAPÍTULO I
A PEDAGOGIA DE JESUS COMO PONTO DE PARTIDA PARA A EDUCAÇÃO
CRISTÃ

Neste capítulo pretendemos analisar a Pedagogia de Jesus sob a perspectiva da


missiologia cristã a partir de pesquisas bibliográficas, tendo em foco a questão da
auto-compreensão de Jesus como mestre e educador e a implicação da mesma para a
educação cristã.

1. Missão da Igreja e a Pedagogia de Jesus

Esta primeira parte pretende ser uma revisão bibliográfica preliminar sobre a

contribuição da pedagogia de Jesus no contexto missiológico e eclesial com o intuito de

refletir sobre o mundo pós-moderno na perspectiva pedagógica.

Inicialmente, estaremos abordando a questão da Missão da Igreja (de acordo com a

tese de David J. Bosch) porque cremos que a educação e a pedagogia têm uma relação

intrínseca com a dimensão da missão cristã de “...ensinando-os a guardar todas as coisas que

vos tenho ordenado” (Mt 28:20). Segundo Orlando Costas, a educação é uma dimensão da

missão, pois esta pode e deve orientar a educação teológica. Nesse sentido, a missiologia pode

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servir de agente catalisador no desenvolvimento da agenda da educação teológica (Costas in

Padilla, 1985, p. 14).

Tendo em vista as proposições e os insights de Bosch (2002) estaremos

desenvolvendo esse trabalho, investigando sobre a pessoa de Jesus e a sua auto-compreensão,

especificamente como mestre e educador. Tentamos aqui identificar as marcas distintivas da

sua pedagogia e da sua filosofia de educação. (A auto-compreensão ou autodefinição são os

termos que os teólogos como Bultmann, Goppelt e Bosch, usam para designar a compreensão

de si próprio, nesse caso de Jesus. Detalhes da auto-compreensão de Jesus, argumentaremos

adiante)

Em seguida procuraremos fazer uma transposição ou aplicação ao nosso contexto

pós-moderno, entendido como período histórico posterior ao que chamamos de

“modernidade”, ou seja contemporâneo, delineando a proposta pedagógica de Jesus e a sua

importância para a missão da igreja.

1.1. Missão da Igreja

No livro “Missão Transformadora”, David J. Bosch desenvolve a idéia de que a

missão é aquela que através da sua atividade transforma a realidade, mas ao mesmo tempo a

própria missão se envolve num processo dinâmico e constante de transformação (Bosch, 2002,

p. 11). Neste aspecto, a crise de um paradigma missionário, é, ao mesmo tempo, uma

oportunidade. É a oportunidade para estarmos renovando e redefinindo a nossa própria missão

para que se torne mais relevante para o nosso tempo (Bosch, 2002, p. 21).

Portanto, segundo Bosch, o que nós devemos que observar é que não podemos

definir a nossa prática missionária por meio da aplicação direta da Escritura. Compreender

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a missão de Jesus e a igreja primitiva e o que nós devemos pensar sobre a missão em nossa

própria situação concreta e atual é muito diferente. (...) Nesse sentido, a autodefinição ou

auto-compreensão torna-se um conceito chave para o nosso assunto em questão. Uma

alternativa importante para a teologia cristã explorar sua relevância para o presente está em

esquadrinhar seu próprio passado permitindo que suas “autodefinições” sejam questionadas

pelas “autodefinições” dos primeiros cristãos (Bosch, 2002, p. 230). O mundo

contemporâneo nos desafia a praticar uma “hermenêutica transformacional”, uma resposta

teológica que nos transforme antes que empreendamos a missão no mundo (Bosch, 2002, p.

237). Tendo idéia da sua auto-compreensão pode-se perceber melhor o ambiente no qual se

encontra inserido e preparar-se para cumprir a missão de maneira mais relevante.

Conforme proposições acima, tentaremos identificar as “autodefinições” de Jesus e

consequentemente da igreja primitiva, através do estudo dos ditos sobre Jesus, tendo

principalmente o foco na perspectiva educacional.

1.2. A contribuição do Cristianismo primitivo para a pedagogia

O advento do Cristianismo operou uma profunda revolução cultural no mundo

antigo, talvez a mais profunda que o mundo ocidental tenha conhecido na sua história. O

Cristianismo proporcionou a agregação de novos valores à cultura greco-romana vigente na

época. Esta “contra-cultura” cristã é decorrente do ensino e da vida (a pessoa e a obra) do

próprio personagem, Jesus de Nazaré.

2. Jesus de Nazaré: a pessoa

Jesus de Nazaré, judeu nascido na Palestina, possivelmente cerca de 6 a 4 a.C.

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morreu e foi ressuscitado no ano 30 d.C. Teve sua formação dentro da tradição

judaico-israelita do primeiro século. Nesta época a educação familiar exercia grande

influência na formação da pessoa. Não temos nenhuma evidência bíblica de que Jesus tenha

obtido alguma instrução formal. Este privilégio era reservado para as poucas pessoas da elite,

principalmente às da cidade de Jerusalém.

No judaísmo, apesar do surgimento das sinagogas no período inter-bíblico, somente

200 anos depois da época de Jesus, o Talmud estabeleceu as normas para a educação da

camada mais pobre da população. Segundo Crossan (1995, p. 41-42), entre 95 a 97% da

população judaica na época de Jesus eram analfabetos.

2.1. Auto-compreensão de Jesus

Auto-compreensão é o termo utilizado no campo da psicologia e da psicanálise e,

muitas vezes, tende a ser compreendido como sinônimo de “autoconsciência”. No entanto,

nossa sugestão é evitar a terminologia “autoconsciência” porque esta poderia ser

mal-interpretada reportando-se a uma visão romântica da vida e do personagem de Jesus, o

que pode produzir uma biografia, cujo resultado muitas vezes, é um produto de idealização, o

que não é o nosso objetivo.

Portanto, devemos elucidar o nosso propósito de abordagem quanto ao conceito da

auto-compreensão. Assim sendo, a terminologia adequada deve refletir uma consciência da

autocompreensão do próprio Jesus e não uma luta para encontrá-la ou pressupô-la

(Charlesworth, 1992, p. 146).

Então, por “auto-compreensão” podemos entender o objetivo de Jesus ou a sua

intenção e a sua concomitante auto-compreensão. Jesus deve ter tido alguma

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auto-compreensão e isto deve ter se refletido na proclamação do reinado de Deus3, a vinda do

reinado de Deus em sua presença e através das parábolas e dos milagres. Nesse aspecto, Jesus

tinha a consciência de uma missão, a de ser um proclamador, o que precisa ser distinto do ato

da proclamação do reino de Deus, pois Jesus está afirmando que tem seu papel no reino.

Dentre os títulos concedidos, destacamos sua identificação como: o rabi, o profeta, o filho de

Davi, o Messias, etc. Assim sendo, Jesus o mestre, é um dos papéis que envolve o ato de

ensinar e ao mesmo tempo viver e compartilhar uma vida abundante.

Segundo Goppelt (1976, p. 182), Jesus aceita a designação de rabi (em hebraico,

‘meu mestre’) e atua a princípio da mesma forma como os escribas. No entanto, na “prática de

Jesus” ele acrescenta um novo conteúdo. Em Mt 23:8, Jesus disse: “Vós não sereis chamados

de rabi, porque um só é o vosso mestre!” Em seguida, nos dois incidentes em Mt 26:18 e Jo

13:13-14, ele reivindica ser mestre deles. O discípulo de Jesus jamais será um rabi. Deste fato

podemos deduzir que Jesus não pretendia constituir o modelo de rabinado no qual os seus

discípulos pudessem mais tarde tornar-se rabi como ele. No entanto, Jesus quer permanecer

sendo o único mestre em seu círculo de discípulos. Os “mestres”, que mais tarde surgiram no

cristianismo, não têm uma função que possa ser comparada ao rabinado (Goppelt, 1976,

p.182). Pelo fato de Jesus ter ensinado com autoridade e realizado milagres foi muitas vezes

considerado um profeta, que é também uma figura de educador no antigo Israel.

Segundo Theissen e Merz, o mistério da ética de Jesus está na justaposição das

tendências de intensificação e abrandamento da Torá (Theissen, 2002, p. 397). No todo, a

intensificação da norma refere-se em Jesus a mandamentos éticos no sentido restrito (p. ex. a

3 Preferimos distinguir o uso do termo o reinado de Deus do reino de Deus. O reinado de Deus como dimensão
dinâmica da expansão do reino de Deus no mundo e o reino de Deus como manifestação escatológica do
governo de Deus na sua plenitude. Cf. cap. IV, p. 91.

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lei do divórcio), e o abrandamento das normas cultuais e rituais (p. ex. a lei do sábado)

(Theissen, 2002, p. 398). Sua ética de intensificação e abrandamento da lei de Moisés é um

programa que objetiva a restauração social. Ela pretende conservar a identidade de Israel em

relação ao ambiente pagão e possibilitar internamente a integração de grupos de pessoas

marginalizadas pela sociedade (Theissen, 2002, p. 399). Em suma, Jesus atuava na direção da

liberdade interna em relação à Torá. Conforme ele havia dito: “...e conhecereis a verdade e a

verdade vos libertará.” (Jo 8.32) Para Jesus, a Torá pode ser relativizada e transcendida à luz

das tradições sapienciais e escatológicas, que são as bases espirituais da liberdade de Jesus.

Aqui Jesus toma o lugar da Torá.

3. O Contexto de Jesus: O tempo

3.1. Judaísmo: o pano de fundo

Na época das sociedades tribais o saber era difuso, informal e acessível a todos. A

educação se dava dentro da própria família. Desde os tempos remotos, a família é a base da

educação do povo judeu. Nesse período inicial, o povo não conhecia o conceito de ensino

formal, ou seja, a escola.

Na Bíblia, a missão de educar tem origem nos profetas desde o período do Israel

antigo. Por sua vez, os profetas são substituídos pelos rabinos na missão de educar o povo no

período talmúdico (Pinto, 2003, p. 18). Contudo, sempre com o objetivo de garantir e

fortalecer a identidade judaica e o cumprimentos dos deveres religiosos.

Segundo Samuel Glick, durante o período do Segundo Grande Templo em

Jerusalém, ocorre uma grande mudança: a extensão da responsabilidade educacional infantil

passa do núcleo familiar para as mãos da comunidade. E ainda, a educação judaica tem início

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como uma reação ao helenismo, reação aos estabelecimentos de ensino que foram construídos

nas cidades gregas em Israel (Glick apud Pinto, p. 20). Esses fatos ocorreram no período de

Estado independente de Hasmoneus, no fim do segundo século a.C..

A característica da educação do Israel antigo é a tradição que evoca a imagem-ideal

do passado, seja idealizada ou corretiva. A narrativa da Bíblia Hebraica relata a história do

povo, da vida dos patriarcas, profetas, reis e outros personagens, homens e mulheres que

serviram de exemplo, tanto como modelo a serem seguidos bem como de disciplina a serem

aplicadas na perspectiva pedagógica.

Durante o Exílio da Babilônia, os personagens bíblicos como José do Egito, Moisés,

Josué e o rei Davi foram se tornando uma imagem do ideal para os judeus. Os respectivos

escritos, denominados de Profetas anteriores (do Livro de Josué ao Livro dos Reis), foram

elaborados como um modelo para a restauração após o exílio. Por outro lado, o profeta Balaão,

Acã, o rei Jeroboão e Manassés tornaram-se como exemplos corretivos ou disciplinares para o

povo de Israel.

Após o retorno do Exílio da Babilônia, no século 5 a.C., a questão teológica do

momento foi a de detectar a causa do Exílio. Concluíram que a sua causa era a infração da lei

de Moisés. Assim sendo, Esdras reuniu os escribas que tinham retornado da Babilônia a

Jerusalém e fundou a escola de Sofrim (Sophia) com a finalidade de estudar exaustivamente a

lei de Moisés e ensinar ao povo a aplicação da lei na vida cotidiana. A partir daí começa a

surgir o problema da interpretação da lei que fora dada mil anos atrás. Esdras, o escriba, foi

um dos principais personagens que consolidou a educação nacional judaica no início do

segundo templo. Ele é considerado o Segundo Moisés e fundador do Judaísmo.

O desenvolvimento do Judaísmo se deu em três fases:

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(1) Período de Sofrim (século 5º a.C. a ano 30 a.C.)

(2) Período de Tanaim (ano 30 a.C. a ano 220 d.C.)

(3) Período de Amoraim (ano 220 a 500 d.C)

3.2. Desenvolvimento do Judaísmo no período interbíblico

Para os judeus, a “Torá” ou “Lei” (no cânon cristão, Pentateuco) é considerada a

parte mais sagrada da Bíblia Hebraica. Na época de Esdras já existia a idéia de que na Lei de

Moisés existem 613 preceitos. Sendo 603 preceitos escritos pelas mãos de Moisés e os demais

dez preceitos, escritos pelo próprio dedo de Deus. Cabe aqui apresentar uma transcrição

extraída do prefácio do livro “Maimônides: Os 613 Mandamentos”4 de Giuseppe Nahaïssi.

Escrita sobre pergaminho dividido em cinco capítulos ou livros, (Gênesis,


Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) contém 613 artigos de lei
mais conhecidos como os 613 preceitos ou mandamentos. Estes preceitos
são divididos em duas grandes seções: os preceitos positivos ou “Farás” e
os negativos “Não farás”. São 248 os preceitos positivos e 365 os
negativos, usando as 248 partes que compõem o corpo (judeus entendiam
como número de ossos do ser humano) para cumprir os seus deveres para
com Deus e seu próximo e se recusará a fazer o mal os 365 dias do ano.
Os dez mandamentos se resumem em 613 preceitos (Nahaïssi, 1991, p.
11).

A partir desses 613 preceitos, as escolas dos escribas elaboraram as normas

rabínicas de como praticar essas leis no dia-a-dia.

Primeira fase: Período de Sofrim (Sofia)

Sofrim significa escribas, proveniente do termo “escriba” do livro de

Esdras-Neemias. Esta escola existiu desde o século 5 a.C. até o ano 30 a.C. Ao iniciar as suas

4
Moisés Maimônides (1135-1204) conhecido como o Rambam, foi médico, filósofo e teólogo judeu, nasceu em
Córdoba, e atuou como médico da corte no Cairo. Sua obra mais conhecida foi o Guia dos perplexos (Moré
Nevuchim), Mishné Torá.

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atividades de interpretação da Lei de Moisés na época de Esdras, eles determinaram a

seguinte regra: Entre os escribas pode-se discutir ou debater, mas não se pode discutir nem

debater a lei de Moisés.

Para evitar qualquer contestação contra a lei de Moisés, a segunda geração de

Sofrim começou a levantar uma “cerca de proteção” ao redor dessas leis. Seriam as novas

normas formuladas a partir da lei de Moisés. Essas novas normas são chamadas de Lei

rabínica. A teoria usada pelos rabinos é Pilpul, o princípio de “levantar uma cerca em torno da

lei” com a finalidade de evitar sua transgressão. A teoria se evoluía com o passar do tempo. A

cada item da lei de Moisés, multiplicaram-se as leis rabínicas.

Segunda fase: Período de Tanaim ou Tanaítas (Tana)

Tanaim significa mestres. Atuaram no período entre 30 a.C. à 220 d.C. Estes

mestres foram os Fariseus da época de Jesus. Eles determinaram uma nova regra: Entre os

Tanaim pode-se discutir ou debater, mas não se pode discutir ou debater a lei de Sofrim.

Dessa forma, para Tanaim, a lei de Moisés e escritos de Sofrim começam ter o mesmo grau de

autoridade, por vezes mais do que a própria Torá. Para sustentar essa teoria diziam que Javé

dera a Moisés dois tipos de leis, a saber, (1) as leis escritas (Pentateuco de Moisés) e (2) as

leis de tradição oral (tradição de Sofrim) Esta tradição oral não tomou a forma escrita desde

400 a.C. ao ano 220 d.C.

Terceira fase: Período de Amoraim ou Amoraítas (Amora)

Amoraim se refere a professores, do termo hebraico more. Atuaram desde o ano 220

d.C. até 500 d.C. Seguindo a tradição anterior de Tanaim, para os Amoraim, os escritos de

Tanaim tinha o mesmo grau de autoridade da Lei de Moisés. Eles juntaram os escritos de

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Sofrim e Tanaim e elaboraram uma obra denominada Mishná5 que no hebraico tem 1500

páginas. Jesus se referiu a esta tradição chamando-a de “o que foi dito aos antepassados”, isto

é, a tradição oral. A partir da Mishná foram escritos os comentários denominados de

Guemará6 em vinte volumes. O conjunto formado pela Mishná mais o Guemará é o Talmud

(ou Talmude)7.

Desse modo, à medida que se desenvolvia o Judaísmo começavam a surgir os

problemas de interpretação da lei. Sob a alegação de que estava contextualizando a lei de

Moisés para o período pós-exílico, os preceitos doutrinários tornavam-se cada vez mais

complexos e minuciosos. Isto por causa do método Pilpul (idéia de se levantar as cercas de

proteção ao redor das leis de Moisés). Por exemplo, de cada preceito criaram de cem a mil

novos preceitos. Por este método rabínico, cada vez mais se acrescentavam preceitos humanos.

Na época de Jesus estes adendos ainda se encontravam na forma de tradição oral (mais tarde

tomam a forma escrita e é denominado Mishná). Quando Jesus disse “ouviste o que foi dito

aos antigos...” no sermão do monte, estava se referindo à tradição oral da Mishná. Na época

de Jesus, o judaísmo se apresentava como um sistema demasiadamente rígido e opressor.

No entanto, a herança judaico-israelita identificada na Bíblia Hebraica (AT) nos

deixou um legado muito importante. Os hebreus, que mais conservaram informações

registraram a ação de Deus na história, através da qual Deus se revela ao ser humano, não

5
Mishná significa “ensino por meio da repetição”. São as pesquisas de referencial jurídico da lei de Moisés.
(aramaico) (200 d.C.) É a coleção geral da interpretação da lei e lei oral durante o período de 5 a.C. até 2 d.C.
Baseado principalmente na interpretação dos Tanaim do primeiro século: pelos Hilel e Shammai. Compilado por
Juda Ha Nashi no segundo século d.C.
6
Guemará é o comentário sobre Mishná. Significa “completo” em aramaico. Guemará palestiniano foi
compilado na Tibéria no ano 390 e Guemará babiloniano foi compilado no ano 500 por Rabi Ash e seu discípulo
Rabi Jossef.
7
Talmud é a coleção geral da interpretação da lei que foram discutidos durante 1200 anos desde 5 a.C. Mishná é
a base de tudo. Acrescentado por Guemará e os comentários rabínicos da Idade Média e posterior. Existem
Talmud de Jerusalém (5º séc.) e Talmud de Babilônia (6º séc.). Este está escrito em aramaico e hebraico e tem
um volume de 3 vezes mais que aquele. Normalmente, o Talmud se refere a este Talmud Babilônico.

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somente através do conhecimento, mas sobretudo pelos acontecimentos ou fatos históricos.

Nesta mesma linha segue a “prática de Jesus”, que nas últimas décadas passou a ocupar o

centro da reflexão teológica contemporânea.

4. A Estratégia de Jesus: O espaço

4.1. Galiléia

A questão do espaço nos evangelhos sinóticos é muito importante. Dentre as várias

localidades que aparecem nos evangelhos, a importância da Galiléia no ministério de Jesus é

reconhecida por muitos estudiosos da Bíblia. Sean Freyne escreve no epílogo do seu livro:

Para Marcos, a Galiléia é o lugar da manifestação / eclosão do significado


de Jesus como agente da salvação de Deus. Mateus se esforça por mostrar
que a região pode receber uma visitação messiânica e que a montanha
santa da esperança escatológica de Deus pode estar ali. Lucas a representa
como lugar do início, com alguns de seus habitantes sendo privilegiados
para serem testemunhos da visitação divina que acontece em Jesus e
destinados subseqüentemente a iniciar a missão até os confins da terra.
Os galiléus de João estão entre os que recebem Jesus, distintos dos judeus
que o rejeitaram, e daí a sua narrativa também terminar com uma cena
final de missão na Galiléia (Freyne,1996, p.229).

Por exemplo, no evangelho de Marcos, a geografia é utilizada pelo autor como a

chave hermenêutica do próprio livro. Ched Myers (1992, p. 149-158) identifica a estrutura do

evangelho de Marcos em dois livros: Livro I (1:1-8:21) e Livro II (8:27-16:8), nos quais os

movimentos de Jesus são delimitados: no primeiro, em torno da Galiléia e no segundo, rumo a

Jerusalém. A narração de Marcos começa no rio Jordão, onde Jesus é batizado, depois ele

segue para a Galiléia, região de Tiro-Sidom, sempre rumo ao norte e alcança Cesaréia de

Filipe (o ponto mais alto da narrativa: o centro do livro), e a partir desse ponto de retorno

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toma o rumo sul indo para Jericó, Jerusalém e seus arredores, completando a idéia de se fazer

uma caminhada junto com Jesus (Carlos Mesters, 1997). É interessante que, no final do

evangelho de Marcos (16:7) aparece pela última vez, a referência ao nome Galiléia como

lugar de encontro dos discípulos com Jesus. Um outro aspecto no evangelho de Marcos, é a

utilização da topografia. Sempre que Jesus ministrava à multidão ele o fazia na beira do mar

da Galiléia (Cf. Mc 3:7-12; Mc 6:34-44). Porém, quando Jesus queria passar um tempo com

os seus discípulos ele subia para o monte (Cf. Mc 3:13-15; Mc 9:2-8). Portanto, podemos

deduzir que Jesus escolhia intencionalmente as características de cada local e o convertia em

seu espaço didático.

As narrativas dos evangelhos usam a Galiléia como símbolo da periferia, da

margem da sociedade judaica da época de Jesus. No entanto, as várias idéias estereotipadas

sobre a Galiléia, tais como: o foco do zelotismo, uma província efervescente com distúrbios

sociais e econômicos devidos à exploração, os galiléus relaxados na observância da Torá e

adeptos de uma visão apocalíptica, em suma, da “Galiléia revolucionária”, precisam ser

corrigidas e reavaliadas (Freyne, 1996, p. 15). O que pode ter acontecido são os conflitos de

civilização entre a cosmovisão grega e hebraica, devido a ameaça da helenização sobre os

camponeses conservadores, os guardiões dos valores judaicos. Por sua vez, os da Galiléia são

desprezados pelos fariseus de Jerusalém por serem de uma região distante do centro judaico

(Templo) e também sob o forte influência do helenismo da época (Freyne, 1996, p. 222; Cf.

Jo 7:45-52).

Para efeito de estratégia, o passo seguinte de Jesus foi escolher o local para fixar a

base para a sua atividade. E Jesus não escolheu as cidades como Séforis ou Tiberíades, ambas

as póleis helenísticas construídas por Herodes Antipas para ser a sede do seu governo, mas

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sim, a cidade de Cafarnaum.

4.2. Cafarnaum

O nome hebraico kephar nahum significa “cidade de Naum”, localizada na margem

ocidental do mar da Galiléia. Na época de Jesus, presume-se, pelo tamanho da localidade que

deveria ser uma “vila”. No entanto, a designação de “cidade” (polis) era devido à importância

estratégica de sua localização. Era um entroncamento de caminho do mar (via maris) que

servia como corredor que liga os continentes asiático e africano. Possuía sua Sinagoga própria,

a qual foi construída por um centurião romano (Lc 7:1; Mt 8:8). Havia também um posto

alfandegário (Mt 9:9; Lc 5:7), lugar onde Jesus residia como a ‘sua’ cidade (Mt 9:1) e onde

existia a ‘sua’ casa (Mt 9:7). Ainda que Jesus tenha sido criado em Nazaré, a partir da fase

inicial da sua atividade, escolheu conscientemente Cafarnaum como a sua base para o

ministério público na região da Galiléia. Foi o local onde Mateus, o Levi, foi comissionado

como um dos discípulos (Mt 9:9) e possivelmente outros discípulos como Pedro e André (Mc

1:16,17). A casa de Pedro ficava nas proximidades da Sinagoga, onde ocorreu a cura da sua

sogra (Mt 8:14). Foi um lugar freqüentemente mencionado em conexão com a vida de Jesus

como: o ensino na Sinagoga, a restauração do paralítico, o exorcismo. Todas as obras de Jesus

em Cafarnaum eram rapidamente difundidas e tornavam-se conhecidas pelas populações de

outras localidades devido ao fluxo intenso de pessoas por esta cidade. Desta forma, podemos

observar que Jesus tinha uma visão estratégica para ser a luz do mundo a partir de Cafarnaum

(Is 9:1,2; Mt 4:15,16). Nesse sentido, Cafarnaum é o próprio cerne da ordem provincial. Isto

demonstra o compromisso com o mundo e não de fuga do mundo. A missão de Jesus era vir

primeiramente para Israel porém ele possivelmente já estava projetando a missão cristã como

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um todo, de alcance mundial. Nesse aspecto, a escolha do espaço da educação é de extrema

importância para o educador. Cafarnaum fora escolhida para ser o centro da atividade pública

de Jesus.

4.2. A prática pedagógica de Jesus

Segundo Mayer (1973, p. 171) Jesus é um idealista porque acredita que o homem é

filho de Deus e tem dentro de si uma riqueza de possibilidades ilimitadas. Acreditamos que

esta concepção acerca do ser humano possibilitou o surgimento da idéia da educação popular

e a democratização do saber, posteriormente, na história do Cristianismo.

Do ponto de vista de Mayer, Jesus era guiado pelo conhecimento intuitivo e não

pelo conhecimento analítico. Ao contrário da análise, o caminho de Jesus segue no sentido da

sabedoria (da intuição). Tal sabedoria vai ao âmago das coisas, à essência, estabelece

harmonia e uma sensação de contentamento. Afasta-nos do conhecimento de fatos,

levando-nos à compreensão e à compaixão (Mayer, 1973, p. 172).

Os ideais educacionais de Jesus baseiam-se em seus insights morais e relacionais, a

saber, o nosso relacionamento correto (1) com as pessoas, (2) com o mundo material e (3)

com Deus. No relacionamento com as pessoas, o fator essencial é a nossa motivação, a pureza

do coração, enquanto que no relacionamento com o mundo material seria imprescindível o ato

de confiar na providência divina e compartilhar os bens, a fama e a honra uns com os outros.

No relacionamento com Deus, o conhecimento e a experiência espiritual proporcionarão a

formação da personalidade total e integral do ser humano.

Em linhas gerais, podemos dizer que Jesus adotava a pedagogia rabínica daquele

tempo. No entanto, na dimensão da prática, percebe-se que apresenta suas semelhanças e

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também as distinções. Dentre os inúmeros itens, queremos destacar algumas das

características que consideramos as mais importantes no método pedagógico de Jesus, tais

como: (1) o uso de perguntas, (2) o uso das parábolas (3) exemplo de vida e discipulado.

4.2.1 O uso de Perguntas

O uso de perguntas é um dos métodos mais antigos e mais empregados. Serve para

chamar e prender a atenção, bem como para provocar pensamentos. Sócrates sistematizou o

método de buscar a verdade através de perguntas. Nos quatro evangelhos encontramos mais

de cem perguntas diferentes de Jesus. Nesse sentido, Jesus está seguindo a tradição do método

pedagógico dos rabinos.

Dentre as perguntas de Jesus, citemos a mais representativa: “Quem o povo diz que

eu sou?” (Mc 8:27) Os discípulos responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros,

Elias; e ainda outros, um dos profetas”. O motivo de Jesus perguntar aos seus discípulos não

foi porque ele estivesse preocupado com a opinião pública a seu respeito. O objetivo

verdadeiro estava na próxima pergunta: “E vocês? Quem vocês dizem que eu sou?” (Mc 8:29)

Agora Jesus surpreende os discípulos pedindo a opinião deles. Ao invés de declarar

“Eu sou o Messias”, ele pergunta: “O que vocês acham?” Esta era a forma para os discípulos

chegarem à resposta correta por eles mesmos. Jesus dialogava tanto com os seus discípulos

como também com os seus oponentes, fazendo perguntas como forma de conduzir as pessoas

para a verdade. Posteriormente, este método pedagógico foi desenvolvido na igreja primitiva

e denominado catequese. Catequese (kateecheo) significa instruir por meio de perguntas e

respostas. Nesse sentido, catecismo (kateechismo) significa compêndio de alguma ciência,

especialmente de doutrina religiosa (Larroyo, 1974, p. 262).

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4.2.2 O uso das Parábolas

As parábolas de Jesus, em sentido lato, assemelham-se ao mashal do Antigo

Testamento e do rabinismo. Segundo Joachim Jeremias (1986, p. 13) a idéia de parábola

“mashal” (parabole nos sinóticos e paroimia no evangelho de João) abrange uma ampla gama

de categorias literárias como metáfora, comparação, semelhança, alegoria, exemplos e outras.

Ou melhor, à parábola, no sentido mais amplo, pertencia toda sorte de linguagem figurada8.

Jesus utilizava os temas já conhecidos do povo como por exemplo rei, servo, vinha, figo e

outros. No entanto, ele nunca tomou as parábolas emprestados dos rabinos (Kinoshita, 1971, p.

889). A maioria das que contou provinha de sua própria experiência de vida. Portanto, as suas

parábolas refletem a dinâmica da sociedade palestinense do seu tempo. Muitas das parábolas

de Jesus têm como tema o reinado de Deus (ou o império de Deus) que confronta o sistema

dominante da época ou seja, o império romano. A Galiléia foi considerada como região de

rebelião popular principalmente dos camponeses. Assim sendo desde o início, o ensino de

Jesus tratava-se de uma educação realizada a partir das margens da sociedade. O ensino com a

temática do império de Deus neste contexto, tornou-se ameaça para o sistema vigente da

época. Como expressa Danilo Streck: Na simplicidade das parábolas está contida a

radicalidade e a profundidade da proposta pedagógica de Jesus (Streck in Aquino, 1999, p.

254).

Segundo a interpretação do judeu messiânico Fruchtenbaum (2000)9, no evangelho

de Mateus, o método do ensino de Jesus muda radicalmente entre a primeira parte (capítulos 1

8
Para discussão detalhada sobre parábola de Jesus vide artigo de Gabriele Greggersen “A prática pedagógica do
educador cristão: reflexões a partir da parábola do semeador” Fides Reformata v.7, nº1, p. 105-123.
9
Arnold G. Fruchtenbaum. Fundador de Ariel Ministries (Tustin, CA), é judeu messiânico (aceitou a Jesus
como Messias), estudou Hebraico e Antigo Testamento em Dallas Theological Seminary e obteve seu doutorado
em New York University (1989).

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a 12) e a segunda parte (capítulos 13 a 28) tendo como divisor de águas uma palavra chave

“naquele mesmo dia” (Mt 13:1). Que dia é esse? Fruchtenbaum observa e responde a essa

pergunta: foi exatamente o dia em que os judeus como nação rejeitou a Jesus como Messias.

Até aquele momento Jesus ensinava falando claramente à multidão. A partir daquele incidente,

passou a falar com a multidão apenas por parábolas e as explicava somente para os discípulos

(Mt 13:34).

Portanto, a parábola tem estas duas dimensões: para os discípulos ilustra a verdade

porém, para a multidão, acoberta a verdade. “Pois ao que tem se lhe dará, e terá em

abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.” (Mt 13:12)

4.2.1 Exemplo de vida e Discipulado

Jesus ensinava através do exemplo. Disse ele: “Aprendei de mim” (Mt 11:29).

Assim sendo, sua tarefa não consistia apenas em comunicar conhecimento (informação) mas

criar padrões de comportamento (formação). Sua lição começa a partir do referencial ético (da

ação) do próprio educando, conforme a frase: “como quereis que os homens vos façam, assim

fazei-o vós também a eles.” (Lc 6:31) A lição educacional de Jesus indica que o educador

deve trabalhar e investir na pessoa a partir do seu contexto de vida. No contexto eclesiástico,

o ensino através do modelo de vida foi sistematizado como diversos e variados métodos de

discipulado cristão.

A educação real é existencial. Requer um encontro vivo e convivência entre mestre

e discípulo. É somente nesta dimensão relacional que se torna possível cultivar no indivíduo a

capacidade de dar seguimento aos passos do discipulador de acordo com o exemplo de sua

vida.

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29

Quanto ao discipulado de Jesus, podemos destacar as seguintes características: o

treinamento e o envio, a delegação de autoridade e a polêmica de Jesus com os fariseus.

No evangelho de Marcos, os discípulos são chamados ao discipulado “para estarem

com ele (...)” (Mc 3:14). A idéia do chamado se distingue do discipulado dos rabinos da época

de Jesus no qual, o talmid (discípulo) tinha a prerrogativa de escolher seu próprio mestre e

ligar-se a ele (Bosch, 2002, p. 59). No entanto, na ordem de Jesus “segue-me” denota-se que a

escolha é Jesus quem faz, não os discípulos. Esta parte inicial do discipulado consiste no

treinamento dos seus discípulos:

Isso significa que os discípulos caminham com ele, comem e bebem com
ele, ouvem o que ele diz e vêem o que ele faz, são convidados junto com
ele a entrarem em casas e choupanas, ou são rejeitados junto com ele. Não
são chamados para as grandes realizações, religiosas ou de outra natureza.
Como companheiros, são convidados a partilhar do que ocorre em torno
de Jesus. São, portanto, chamados a não atribuir muita importância a si
mesmos e ao que realizam ou deixam de realizar, mas a atribuir grande
importância ao que ocorre através de Jesus e com ele. São convidados a
delegar suas preocupações e ansiedades (Schweizer, 1971, p.41 apud
Bosch).

A parte seguinte do discipulado é o envio, pois Jesus os designa “para os enviar a

pregar (...)” O chamamento para o discipulado não é um fim em si mesmo; ele arregimenta os

discípulos para o serviço do reinado de Deus. Portanto, seguir a Jesus não significa passar

adiante seus ensinamentos ou tornar-se depositários fieis de suas percepções, mas ser suas

“testemunhas” (Bosch, 2002, p. 60-61). Nesse sentido, na escola de Jesus, a preocupação

primordial não é formar discípulos que se tornem mantenedores da sua tradição, mas de

formar pessoas capazes de implantar e desenvolver os valores do reinado de Deus sendo

participantes da obra de Jesus. Jesus disse que “aquele que crê em mim fará também as obras

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que eu faço e outras maiores fará (...)” (Jo 14:12). Assim sendo, podemos deduzir que para

Jesus, a reprodução da tradição pelos seus seguidores não é o bastante, porém o que importa é

a extensão criativa e contextualizada da obra de Jesus que seja relevante e significativa para

cada geração.

A terceira parte do discipulado é a delegação de autoridade, “e a exercer a

autoridade de expelir demônios.” Mateus elucida um pouco mais descrevendo: “(...) deu-lhes

Jesus autoridade sobre os espíritos imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças

e enfermidades” (Mt 10:1) Segundo a perspectiva de Bosch, o que podemos perceber a partir

dessas comissões é que Jesus confere autoridade aos seus discípulos para fazer a sua obra. Os

discípulos de Jesus são aquelas pessoas que estão sendo treinadas para viver na dimensão do

reinado de Deus, isto é, sempre conscientes do revestimento desta autoridade lembrando em

todo o tempo das palavras de Jesus que disse: “toda a autoridade me foi dada no céu e na

terra”.

A última parte do discipulado é a polêmica de Jesus que consiste na discussão e

confrontação com os fariseus e os escribas.

Segundo Fruchtenbaum (2000)10, os relatos nos evangelhos sobre a polêmica de

Jesus com os fariseus, seguem as etapas do método de investigação que fora adotado pelas

autoridades judaicas para identificar um suposto Messias. Para isto, o Sinédrio enviava uma

equipe de representantes formada pelos escribas e fariseus designados e escolhidos dentre

todo o Israel, de acordo com o texto de Lucas 5:17 “(...) fariseus e mestres da lei, vindos de

todas as aldeias da Galiléia, da Judéia e de Jerusalém”. A primeira etapa era a de observação

(Mc 2:1-12; Mt 9:1-8; Lc 5:17-26) na qual os escribas e fariseus não podiam refutar, mas

10 Cf. supra

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apenas observar os atos e as palavras de Jesus. Terminada a primeira etapa, a representação

retorna ao Sinédrio a fim de prestar um relatório. Se os membros do Sinédrio considerarem

que a investigação é significativa, ela poderá prosseguir. Do contrário, dá-se como caso

encerrado. A etapa do interrogatório que vem logo em seguida é a segunda fase (Mc 2:13-17;

Mt 9:9-13; Lc 5:27-32) na qual os fariseus começam a fazer perguntas e contradizer os

discípulos de Jesus. A terceira etapa é a que inicia a discussão propriamente dita, sobre a lei

oral, sobre a interpretação da lei de Moisés e sobre a lei do Sábado. Na etapa seguinte começa

a acusação da parte dos fariseus, aparecendo também os escribas que vieram de Jerusalém

(Mc 3:22). A etapa final é a do julgamento do acusado diante do Sinédrio (Mc 14:53-65; Mt

26:57-68; Lc 22:54-65; Jo 18:24). Podemos perceber que a investigação se intensifica a cada

etapa culminando no julgamento em Jerusalém.

Considerando que as palavras de Jesus nos evangelhos são os ditos de Jesus e os

escritos dos evangelhos surgiam do contexto no qual o judaísmo estava se tornando cada vez

mais hostil e resistente à igreja cristã, é de se esperar que os autores dos evangelhos

descrevam um Jesus polêmico em relação ao judaísmo do final do século primeiro. No

entanto, analisando a argumentação de Jesus, na evidência interna dos evangelhos, podemos

observar que as discussões com os fariseus ou escribas tem profunda relação com a

interpretação da lei de Moisés e a práxis religiosa desenvolvida a partir dessas interpretações.

Jesus fora muito contundente em criticar as atitudes desses líderes do povo proferindo o

julgamento mais severo da parte de Deus sobre eles. Não é por acaso que o povo tinha a

imagem de Jesus como de um dos profetas do antigo Israel como Elias, Jeremias e outros,

pois esses foram os que protestaram perante as autoridades e os poderosos sobre a questão da

justiça social para defender os mais fracos e pobres da sociedade. Quanto aos detalhes sobre a

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divergência da interpretação da lei, abordaremos na discussão de Jesus com a lei oral no

próximo capítulo.

4.3. A prática pedagógica da igreja primitiva

De que forma a igreja primitiva deu prosseguimento à lógica do ministério de

Jesus? A seguir vamos delinear resumidamente o desenvolvimento da educação cristã na

igreja primitiva e analisar a mudança do paradigma pedagógico no final desta fase do

Cristianismo.

Segundo Larroyo (1970, p. 255), os tempos apostólicos constituíram uma das

épocas mais importantes da história do Cristianismo pois foi o período em que a doutrina de

Jesus se expandiu em sua pureza original e em que surgiram as primeiras comunidades

cristãs.

No campo da educação, transformaram-se as agências educativas como a família e a

Igreja. Toda a sociedade quando religiosamente orientada torna-se educadora. Com o

Cristianismo reinventa-se a família, lança-se um novo olhar para o mundo do trabalho

(dignidade do trabalho) e na política, o desafio passa a ser uma sociedade baseada em relações

de igualdade, fraternidade e civilidade. O evangelho foi a semente que mais tarde provocou

uma renovação na vida social.

A igreja, como comunidade, torna-se um lugar de formação do cristão que vive com

os outros, amando e servindo. O amor é a chave mestra de toda a educação cristã, o amor a

Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O amor ágape, como unidade

convival e espírito de dedicação, ultrapassa nitidamente as duas concepções clássicas do amor,

eros e filia (Cambi, 1999, p. 124).

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Na igreja primitiva, a educação tinha caráter doméstico. Acontecia por meio de

narrações das Escrituras, contando-se histórias de personagens bíblicos. Mais tarde, à medida

que os filhos cresciam, exercitavam-se as recitações de passagens selecionadas das Escrituras

relativas às doutrinas e deveres religiosos.11 Nos primórdios, os cultos cristãos aconteciam

nas próprias casas.

O método didático que começaram a pôr em prática foi a catequese, isto é, ensino

face à face mediante perguntas e respostas. Posteriormente, começam a surgir os textos

escritos como o Novo Testamento, o Credo e a Didaquê.

O paradigma pedagógico da educação cristã ditava a idéia de que “o crente deve

moldar-se”. O apóstolo Paulo usa a expressão: “...até ser Cristo formado em vós...” (Gl 4:19),

aqui a idéia é exatamente o crescimento e a “formação” do cristão à imagem de Cristo. Neste

sentido a formação do homem, a morphosis, a idéia-chave na educação helênica, se constitui

numa metamorphosis, numa radical mudança interior do homem caído, cada vez mais

conforme o modelo divino ou “...à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4:13). A

idéia de morphosis da educação cristã completa-se com a de graça divina (De Barros, 1975).

Trata-se de um processo educativo que tem por finalidade a imitação do próprio

Cristo. O apóstolo Pedro propõe a imitação de Cristo que corresponde, de algum modo, ao

seguimento “deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (2 Pe 2:21). A imitação é

que leva o educando a se aproximar da perfeição divina. O ideal do AT no enunciado “sede

santos como eu sou santo” (Lv 11:44,45) é herdado nos escritos de Paulo: “sede, pois,

imitadores de Deus...” (Ef 5:1). Da mesma forma, Jesus propõe o Pai como exemplo (Mt

5:44,45). Esta imagem-ideal da tradição judaico-cristã passa a influenciar boa parte das idéias

11 Sobre a educação no lar na igreja primitiva: Green, M. Evangelização na Igreja Primitiva 1989, p. 263-264.

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pedagógicas que surgirão posteriormente na história.

A característica da idéia pedagógica do Cristianismo primitivo é, sobretudo: a

centralidade da imitação da figura de Cristo. Tratava-se de fixar a figura de Cristo e definir a

doutrina e depois moldar o cristão segundo aquele modelo, indicando-lhe recursos éticos e

práticas religiosas capazes de levá-lo até aquele objetivo. Dessa maneira, a partir da época

patrística, no Cristianismo histórico, a filosofia ou cultura grega teve um papel de mediação

no processo educativo.

Nesse sentido, segundo Werner Jaeger citado por Gilda de Barros, Gregório de Nisa

traduziu a educação cristã numa deificatio (a idéia de participação do homem na natureza

divina), num processo de elevação espiritual que reintegra no divino o homem da queda,

criado à imagem e semelhança de Deus. A partir dali os pais da igreja grega desenvolvem a

teoria mística de theognosis ou conhecimento de Deus. Houve então uma tradução da idéia

paidêutica grega para o Cristianismo.

Bosch observou bem este fenômeno da mudança do paradigma missionário devido

a helenização da igreja cristã com a adoção da filosofia grega como sistema de pensamento.

Para os gregos o conceito chave era o conhecimento (gnosis ou sophia). Em grande parte da

teologia cristã essa noção substitui aos poucos a de acontecimento.

Aqui podemos verificar que a igreja cristã, a herdeira da fé histórica do AT, ao

tentar contextualizar sua mensagem com o objetivo de dialogar com o mundo pagão, acabou

reinterpretando sua teologia nos moldes da filosofia grega. Assim sendo, a ontologia (o ser de

Deus) tornou-se mais importante que a história (as ações de Deus). (Bosch, 2002, p.243) Esse

tipo de desvio tem acontecido freqüentemente na história da igreja. Nesse sentido, vale a pena

ressaltar as recomendações de que a igreja esteja sempre atenta à sua “autodefinição” ou à

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35

sua “auto-compreensão” para prosseguir na sua missão.

Conforme observamos, a lógica do ministério de Jesus e da igreja primitiva é

idêntica no seu conteúdo pois o Jesus dos evangelhos adveio das interpretações feitas pela

própria igreja primitiva. E esta lógica é prolongada e mantida até antes da época da igreja

patrística quando houve a mudança do paradigma missionário.

5. Conclusão

Jesus de Nazaré e a igreja primitiva, sem dúvida, nos deixaram uma grande

contribuição na história da educação com suas propostas pedagógicas revolucionárias para a

época. É impossível pensar no desenvolvimento do pensamento educacional sem a

participação e a presença do iniciador da igreja cristã e da sua missão de alcance mundial.

Principalmente no que concerne à educação popular, à democratização do saber para todas as

classes sociais, difundidas através dos diversos movimentos educacionais ao redor do mundo.

No entanto, durante muito tempo, a maioria das igrejas cristãs parece que não tem

acompanhado e nem participado deste desenvolvimento educacional do mundo “lá fora”. De

acordo com o missiólogo David Bosch, por causa da crise identitária da igreja, nos

encontramos no momento, em meio a uma das mais importantes mudanças na compreensão e

prática da missão cristã.

A relação entre a missão da igreja e a educação são inseparáveis. Podemos dizer

muito mais na tradição protestante, que adotou o lema da missão baseado em Mt 28:18-20 no

qual se encontra o enunciado: “ensinando-os a guardar todas as coisas”. Certamente isto

implica no ato de educar, no contexto do evangelismo e discipulado cristão. Educar envolve

muito mais do que uma comunicação verbal do evangelho, ou seja a de informação. Do ponto

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de vista da filosofia da educação existe a idéia de formação do ser humano conforme uma

imagem-ideal de acordo com a filosofia dominante na época. E no nosso caso, o modelo de

humanidade ideal é buscada seguindo-se a ética de Jesus de Nazaré.

Diante de tão grande desafio da pós-modernidade, damo-nos conta de que é tempo

de revisar e redescobrir a nossa imagem-ideal em Jesus, nos seus métodos pedagógicos e na

sua ética. E assim, cremos que, de forma criativa e responsável, podemos prolongar a lógica

do ministério do ensino de Jesus e da igreja primitiva para o nosso próprio tempo e contexto.

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CAPÍTULO II
A HERMENÊUTICA DA IGREJA PRIMITIVA E SUA IMPLICAÇÃO NA
EDUCAÇÃO CRISTÃ

Neste capítulo pretendemos analisar a hermenêutica da igreja primitiva, a partir da


perspectiva judaica principalmente no que diz respeito a Mishná12 e Midrash13, trabalhando
numa relação de confrontação e diálogo. Em seguida, procuramos identificar os principais
elementos da filosofia da educação cristã a partir do contexto judaico medieval e da
pedagogia contemporânea.

1. Discussões de Jesus em relação a Mishná14

Abordaremos sobre as discussões de Jesus em relação a Mishná, ou mais

precisamente, a lei oral que nessa época (de Jesus) ainda se encontrava em forma de tradição

12 Mishná significa “ensino por meio da repetição”. São as pesquisas de referencial jurídico da lei de Moisés.
(aramaico) (200 d.C.) É a coleção geral da interpretação da lei e lei oral durante o período de 5 a.C. até 2 d.C.
Baseado principalmente na interpretação dos Tanaim do primeiro século: por Hilel e Shammai. Compilado por
Juda Ha Nashi no segundo século d.C.
13 Midrash, significa pesquisa, é ao mesmo tempo, um método de interpretação das Escrituras e uma coletânea

de escritos de conteúdo legal (Midrash Halachá) e não legal (Midrash Hagadá). O Midrash Halachá consiste nos
comentários exegéticos de conteúdo legal, presentes no Êxodo (Mechilta), Levítico (Sifra), Números (Sifri) e
Deuteronômio (Sifri). O Midrash Hagádico originou-se das explicações dadas às porções da Torá lidas nas
sinagogas semanalmente (Giglio, 2000, p. 84).
14
Em meus estudos sobre a Mishná tenho privilegiado as palestras do Dr. Arnold G. Fruchtenbaum. Fundador
de Ariel Ministries (Tustin, CA), é judeu messiânico (aceitou a Jesus como Messias), estudou Hebraico e Antigo
Testamento em Dallas Theological Seminary e obteve seu doutorado em New York University (1989).

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oral. A sua compilação só se completou no 2º século da era cristã, passando a ser denominada

Mishná. Conforme referido anteriormente, a lei oral nos textos dos evangelhos é indicada com

a expressão “o dito aos antigos”, principalmente na discussão sobre a lei oral na qual

constatamos os pontos divergentes entre Jesus e os fariseus. Podemos observar nos incidentes

das discussões relatados nos evangelhos que as autoridades judaicas se escandalizaram não

somente rejeitando a Jesus como Messias, mas também forjando os motivos que o levaram à

condenação. Como não existe nenhuma prova contra Jesus de ter participado da revolução

judaica contra o Império Romano, podemos deduzir que a rejeição como Messias da parte dos

fariseus teve como motivo o fato de que Jesus não estava de acordo com os preceitos da lei

oral. Segundo a doutrina dos fariseus, o Messias tinha que ser obediente à lei de Moisés e aos

preceitos da lei oral, o que contribuiu para levantar ainda mais a cerca de proteção ao redor

da lei de Moisés. No entanto, ao contrário da expectativa das autoridades judaicas, Jesus se

dedicava a mostrar a interpretação correta da lei de Moisés confrontando a tradição oral.

Abaixo são os casos nos evangelhos em que Jesus entrou em discussão com a lei oral:

Sobre a tradição do Jejum (Mc 2:18-22; Mt 9:14-17; Lc 5:33-39)

Sobre a lei do sábado (Mc 2:23-28; Mt 12:1-8; Lc 6:1-5)

Sobre a interpretação da Lei de Moisés (Mt 5:17-48; Mt 7:24-8.1)

Sobre o lavar das mãos antes da refeição (Mc 7:1-23; Mt 15:1-20; Jo 7:1)

1.1 Sobre a tradição do Jejum (Mc 2:18-22; Mt 9:14-17; Lc 5:33-39)

Os fariseus, seguindo a tradição oral, praticavam o jejum duas vezes por semana nas

segundas e quintas-feiras. Há indicações de que os discípulos de João Batista também

observavam este preceito pelo que houve acusação da parte dos fariseus. Podemos deduzir

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39

que a prática do jejum no círculo de Jesus e dos seus discípulos não eram bem evidentes.

Contra esta acusação Jesus apresentou as seguintes refutações: (1) Enfatizou a idéia da

presença do noivo no casamento (Lc 5:34, 35). Segundo os relatos dos evangelhos, depois de

ter iniciado o ministério público, Jesus não menciona nenhuma vez que praticara jejum. (2)

Acrescentou a idéia de não colocar o remendo de pano novo em uma veste velha (Lc 5:36). O

novo ensino de Jesus não tinha a intenção de tapar os buracos da cerca de proteção da lei,

conforme a preocupação dos fariseus. (3) Paralela à anterior, a idéia de não colocar vinho

novo em odres velhos (Lc 5:37, 38). O novo ensino de Jesus não tem como ser enquadrado no

velho sistema dos fariseus. (4) Também pode ser atribuído como uma profecia de Jesus sobre

os fariseus, a idéia de que os fariseus que preferem o vinho velho não degustarão o vinho

novo de Jesus (Lc 5:39).

1.2 Sobre a lei do Sábado (Mc 2:23-28; Mt 12:1-8; Lc 6:1-5)

Dentre os vários preceitos, o mais polêmico foi a discussão sobre o sábado. O fato

de se ter multiplicado os preceitos sobre a lei do sábado pode estar demonstrando a

importância da lei do Sábado no Judaísmo. No judaísmo, a lei do sábado foi personificada a

ponto de chamá-la de “a rainha de Deus” ou “a noiva de Israel”. Segundo a interpretação

enfática ou hiperbólica dos fariseus, no relato de Lc 6:6-11, os discípulos de Jesus ao

comerem as espigas, estavam infringindo os quatro preceitos negativos do sábado, a saber:

colher, trilhar, limpar e armazenar.

Contra esta acusação dos fariseus, Jesus citou um incidente que aconteceu com

Davi, escrito no livro de Samuel (I Sm 21:1-6). A doutrina dos fariseus tinha acrescentado

preceitos que nem estavam previstos na lei de Moisés. A lei de Moisés não proíbe aos levitas

dar o pão da consagração às pessoas que não são levitas. De acordo com Fruchtenbaum, a

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doutrina dos fariseus dizia que era proibido aos levitas dar de comer do pão aos não levitas.

São quatro as respostas de Jesus aos fariseus (Mt 12:1-8) (1) Assim como os fariseus nunca

acusaram a Davi como infrator da lei, Jesus que veio como filho de Davi não devia acusá-los

(Mt 12:3,4). (2) A lei do sábado não é aplicada a todas as pessoas. Não é aplicada aos

sacerdotes que trabalhavam no Templo, pois eles tinham que trabalhar duas vezes mais do

que nos outros dias. Assim sendo, não poderiam usar de generalização quanto à lei do sábado

(Mt 12:5). (3) O ensinamento de que o Messias era maior que a lei do sábado e tinha a

autoridade para dar a sua interpretação (Mt 12:6-8). (4) A doutrina dos fariseus dizia que

Deus criou Israel para o Sábado. Mas, na realidade, era exatamente o contrário. O sábado foi

estabelecido por causa do homem (Mc 2:27).

1.3 Sobre a interpretação da Lei de Moisés (Mt 5:17-48; Mt 7:24-8.1)

Desde a época da Antiga Aliança, para que o reino messiânico se tornasse uma

realidade, os judeus tinham que viver uma vida justa. Assim sendo, o judaísmo sempre

proporcionava um caminho largo para entrar no reino. Bastava nascer judeu para fazer parte

do “ser justo”. No entanto, a proposta de Jesus é que seria necessário entrar pela porta estreita,

pelo caminho apertado.

A questão primordial, para os judeus daquela época, era se Jesus tinha consideração

ou não pelo caminho de justiça dos fariseus. No Sermão do Monte, Jesus declara que não

aceita a justiça dos escribas e dos fariseus por dois motivos (Mt 5:20): (1) A justiça dos

fariseus não era suficiente para entrar no reinado de Deus. 15 (2) O farisaísmo estava

15 Sobre o uso do termo reinado de Deus. Cf. cap. IV, p. 91.

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equivocado quanto a interpretação da lei de Moisés.

O episódio do Sermão do Monte ocorre logo após a discussão sobre a lei oral,

também logo após a declaração da sua messianidade e a escolha dos Doze discípulos.

Segundo Fruchtenbaum, o Sermão do Monte como um todo (1) não é a constituição legal do

reino messiânico, (2) também não é o método que proporciona a salvação. Então, o que é o

Sermão do Monte na sua íntegra? É a interpretação da lei de Moisés pelo Messias.

O tempo da lei encerrou-se quando aconteceu a morte do Messias e não na ocasião

do seu nascimento. Somente Jesus conseguiu cumprir todos os 613 preceitos da lei de Moisés,

e carregou sobre si a maldição da lei, anulando a exigência da lei sobre toda a humanidade.

No Sermão do Monte, por seis vezes introduz um novo tópico com esta antítese:

“Ouvistes que foi dito aos antigos... Eu porém vos digo...” (Mt 5:21; 27; 31; 33, 38; 43).

Nesses textos, Jesus explica a interpretação messiânica da lei, confrontando a interpretação da

lei oral. A expressão “ouvistes que foi dito aos antigos...” refere-se a tradição oral. Pois se

estivesse se referindo a lei de Moisés, o texto utilizaria a expressão “está escrito...”. “Eu

porém vos digo...” por esta forma Jesus vai apresentar a sua interpretação, ou seja, a maneira

como deveria ser feita a hermenêutica sobre a Torá. Relacionamos abaixo os textos

conhecidos como antíteses de Jesus:

Sobre o homicídio (Mt 5:21-26)

Sobre o adultério (Mt 5:27-30)

Sobre o divórcio (Mt 5:21-32)

Sobre os juramentos (Mt 5:33-37)

Sobre a retaliação (Mt 5:38-42)

Sobre o amor aos inimigos (Mt 5:43-48)

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Os preceitos negativos de “não matarás” e “não adulterarás” se concretizam na

prática do ato da infração. No entanto, o ensinamento de Jesus já aponta para a intenção do

coração, isto é, desde o momento em que a mesma se aloja no pensamento e antes mesmo de

ser praticada, advertindo da nossa potencialidade para cometer pecados, assim, a obediência

perfeita não é puramente exterior mas sim a prática da lei por aqueles que vivem uma nova

realidade espiritual.

De acordo com Fruchtenbaum, a metáfora sobre os dois fundamentos em Mt

7:24-27, ilustra os dois tipos de interpretação: a interpretação rabínica e a interpretação de

Jesus. A característica da interpretação rabínica é a seqüência da citação de um rabi para outro

rabi (comparado como aquele que constrói em cima da areia). Jesus, entretanto, interpretava

diretamente da lei sem mediação de outros recursos ou argumentações, o que demonstrava a

sua autoridade sem paralelo. Este é o significado da rocha. É necessário construir sobre a

interpretação correta da lei.

1.4 Sobre o lavar das mãos antes das refeições (Mc 7:1-23; Mt 15:1-20; Jo 7:1)

Desde a época de Jesus, a tradição oral já estava sendo mais enfatizada do que a da

própria Torá. A expressão “a tradição dos anciãos” em Mt 15:2 se refere a lei oral.

Segundo Fruchtenbaum, em relação a questão da purificação das mãos antes das

refeições na época posterior a Mishná, delineia as seguintes quatro advertências: (1) É melhor

caminhar sete kilômetros do que pecar, comendo sem lavar as mãos. (2) Aquele que não lava

as mãos antes das refeições é semelhante ao que comete o pecado do homicídio. (3) Também

é semelhante a cometer o pecado da prostituição. (4) Quem não quiser morrer pobre deve

lavar as mãos.

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Os discípulos de Jesus foram acusados pelos fariseus de não estarem lavando as

mãos antes da refeição. São três as contestações de Jesus: (1) Os fariseus estão preocupados

pela hipocrisia da formalidade religiosa (Mc 7:6,7) (2) Entre o preceito humano e o preceito

divino a qual devemos dar prioridade? A preferência de um pode desprezar o outro entrando

em contradição. (Mc 7:8), (3) Os fariseus estavam invalidando o mandamento de Deus (Mc

7:9).

Jesus acrescenta uma interpretação sobre os fariseus. Estes são arrancados por não

terem sido plantados por Deus, são os guias cegos que cairão no barranco junto com os seus

conduzidos (Mt 15:14,15). A impureza que contamina não vem de fora mas de dentro do ser

humano. Este incidente demonstra que a lei oral já se tornara mais importante do que a

própria Escritura. O lavar das mãos ordenado na Torá refere-se a um ato cerimonial no

ambiente cúltico e nunca ao lavar das mãos antes das refeições.

2. O Método Midráshico e a Pedagogia de Jesus

Midrash (ou Midraxe)16 é a interpretação feita pelos rabinos e judeus eruditos

(Tanaim) sobre os escritos do AT (100a.C.-200 d.C.). Na tradição paralela a Mishná, existem

dois tipos de Midrash: Halachá e Hagadá. O Midrash Halachá são prescrições legais para

serem compreendidas e colocadas em prática (217 itens). O Midrash Hagadá são constituídas

principalmente das narrativas do episódio das festas de Israel (65 itens). Hagadá é todo

material presente no Talmud e fora dele, portanto os textos agáticos são encontrados também

nas diversas coleções do Midrash.

16
Midrash, significa pesquisa, é ao mesmo tempo, um método de interpretação das Escrituras e uma coletânea
de escritos de conteúdo legal (Midrash Halachá) e não legal (Midrash Hagadá). O Midrash Halachá consiste nos
comentários exegéticos de conteúdo legal, presentes no Êxodo (Mechilta), Levítico (Sifra), Números (Sifri) e
Deuteronômio (Sifri). O Midrash Hagádico originou-se das explicações dadas às porções da Torá lida nas
sinagogas semanalmente (Giglio, 2000, p. 84).

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44

Como mencionado anteriormente os Tanaítas eram os Fariseus da época de Jesus. O

período dos Tanaítas se iniciou com os rabinos Hilel e Shamai (30 a.C.-20 d.C.). Continuando

com Gamliel (II) Ha-Zaken (20-40 d.C.) sucessor de Hilel que era, possivelmente, mestre de

Paulo de Tarso (Bruce, 2003 p. 44). Mais tarde com o rabino Akiva (110-135 d.C.) iniciou-se

o processo de organização e classificação do material que compõe a tradição oral. Judá

Ha-Nassi (170-200 d.C.) realizou a redação final do material que resultou na Mishná.

Considerando que o ministério de Jesus se desenvolveu dentro deste contexto, não

podemos subestimar a influência desta escola no campo do método da interpretação da

Escritura. Os Midrashes da época dos Tanaím são os que contém principalmente o Halachá,

que são comentários sobre o livro de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. O Midrash é

a forma menos literal de interpretação das Escrituras. A característica do Midrash é “aberto”,

no sentido de incluir múltiplas interpretações desse mesmo texto. Baseado no texto da Torá a

ser comentado, os Midrashim (plural de Midrash) homiléticos (Midrash Hagadá) eram

interpretações que visavam aprimorar o caráter da congregação, estimulando seus membros a

adotar uma conduta pessoal mais próxima do ideal judaico que consiste no cumprimento dos

mandamentos (Giglio, 2003, p. 58). Nesse sentido, o método Midráshico é a chave para se

entender a pedagogia judaica da época de Jesus.

Podemos observar que os autores do Novo Testamento adotam o método

Midráshico. Ketterer e Remaud (1996, p. 115-117) exemplificam os textos de Mateus, Lucas

e Paulo. Para os cristãos da igreja primitiva, a Escritura vinha esclarecer o evento que tinham

vivenciado e continuavam a vivenciar. Este mesmo evento dava-lhes da Escritura uma

renovada compreensão (Ketterer, p. 116). Assim, pensamos que seu traço essencial é o

processo de atualização (...) da mesma maneira como sempre foi compreendido em Israel e,

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em seguida, na Igreja (Bloch apud Ketterer, p. 116). Partindo do pressuposto de que a

comunidade do Novo Testamento esteja dando prosseguimento ao paradigma da missão de

Jesus, então ele próprio já havia adotado na sua pedagogia o que Ketterer chama de Midrash

cristão.

Segundo Theissen, Jesus permite reconhecer em sua interpretação da Escritura

familiaridade com princípios hermenêuticos de sua época, que foram mais tarde

sistematizados por rabinos (no assim chamado Midót) (Theissen, 2002, p. 384). De fato, o

rabino Hilel elaborou sete regras de interpretação (ou derivação) conhecidas também por sete

Midót que compõe a literatura midráshica jurídica, conhecida como Midrash Halachá. Nesse

sentido, existe compatibilidade e coerência entre o Midrash e o paradigma transformador da

missão cristã. No final do seu livro, Ketterer conclui: “Assim, pois, deve ela (Palavra)

permanecer indefinidamente aberta a todo desenvolvimento da compreensão da mensagem, a

todas as adaptações legítimas, a todas as situações novas. Tais são o fundamento e a razão de

ser do midrash”.

Mencionamos anteriormente que o método Midráshico é a chave para entender a

pedagogia judaica do tempo de Jesus. Entendendo a pedagogia judaica podemos analisar com

mais profundidade a pedagogia de Jesus. Este é o momento em que pretendemos trabalhar no

assunto da convergência entre o método de interpretação judaica e a pedagogia de Jesus.17

O Método Midráshico é o método da derivação. No Judaísmo através de regras

específicas estabelecidas pelos sábios, a Torá pode ser interpretada também com o intuito de

dela se derivarem novas leis. Tais métodos permitem abstrair, portanto, do próprio texto da

17 Quanto a comparação entre os ditos de rabinos e os de Jesus vide na obra intitulada Jesus, de Bultmann (2005,
p. 71-72), na qual alista dez textos dos rabinos que tem relação de semelhança com os ditos de Jesus nos
evangelhos de Mateus e Lucas.

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Torá uma série de novos elementos com conteúdo legal. E este constitui o Midrash Halachá

(Giglio, 2000, p. 57).

O cuidado para se encontrar uma interpretação que harmonize os elementos da

Escritura é característico da época dos Tanaím (Ketterer. 1996, p.21), os fariseus da época de

Jesus.

2.1. Métodos e Procedimentos do ensino Midráshico

2.1.1. A abertura. Ο termo “abrir” é a palavra-chave. Para iniciar, o rabino abre a

Escritura: trata-se de abrir a liturgia da Palavra ou abrir o espírito dos ouvintes, abrir o sentido

do texto. (cf. Jesus, abrindo as Escrituras, διηνοιγεν em Lc 24:32) “Então, lhes abriu o

entendimento para compreenderem as Escrituras.” (Lc 24:45 διηνοξεν) É um dos atos de

preparar os ouvintes para escutá-la.

2.1.2. O “colar”. O rabino, ao explanar a respeito de um assunto, fazia a

composição de um colar de textos, passando do Pentateuco (Torá) aos Profetas (Neviím) e

destes aos Escritos (Ketuvim). Consiste em resgatar a unidade e a coerência das Escrituras. É

exatamente o que Jesus fez em Lc 24:27. “E, começando por Moisés, discorrendo por todos

os profetas, expunha-lhes (διηρµηνευσεν) o que a respeito constava em todas as Escrituras.”

2.1.3. A Escritura explica a Escritura. Existem sete regras básicas de

interpretação do texto bíblico cuja autoria se atribui ao Rabi Hilel. Na seqüência, Rabi

Ishmael, contemporâneo de Rabi Akiva (primeira metade do século 2º d.C.), propôs 13 regras

hermenêuticas. E mais tarde, rabino Eliezer ben Iossi, o Galileu, apresentou como sua

proposta um conjunto de 32 regras (Midót). Neste trabalho nos detemos apenas em identificar

as regras (Midót) possivelmente mais utilizadas por Jesus nos evangelhos.

a) Do menor para o maior (Cal Vachômer). A primeira regra Midráshica dos

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rabinos é Cal Vachômer: a inferência do menor (Cal) para o maior (Chômer) em importância,

e vice-versa. Esta regra é usada por Jesus no seu ensinamento: “se o próprio Deus nutre os

pássaros, os discípulos realmente não precisam se preocupar” (Mt 6:26; Lc 12:24).

b) Construção de analogia (Guezerá Shavá). A idéia da Guezerá Shavá ou

“raciocínio por analogia” é a uma das práticas mais usadas no Midrash, em outros termos é a

idéia de que “a Escritura explica a Escritura”. Consiste em aproximar os textos que

apresentam pontos comuns no seu conteúdo e a partir dali fazer surgir novos significados.

(Ketterer, 1996, 53) A expressão utilizada por Jesus no contexto de julgamento: “com a

medida com que medirdes, sereis medidos” (Cf. Mt 7:2; Mc 4:24; Lc 6:38), o adágio “medida

por medida” significa, primeiramente, que Deus concede ou retribui a cada um, segundo as

suas obras.

A expressão “com mais razão ainda” freqüentemente utilizada nos raciocínios

rabínicos e também adotada por Jesus: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas

aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas cousas aos que lhe

pedirem?” (Mt 7:11)

c) Exegese das Palavras. A convicção dos rabinos é que nenhum termo da

Escritura pode ser destituída de sentido. Assim, através dos séculos vem sendo exploradas

todas as possibilidades de interpretação da Escritura pelos autores do Midrash. Os textos e as

partículas de difícil compreensão são vistas pelos rabinos como objeto ou até mesmo como

oportunidades para tecer comentários (que muitas vezes vão além da sua função gramatical).

Até quando o texto se cala (o silêncio) era objeto da exegese. Em geral, no Midrash a exegese

do texto servia para resolução de uma aparente contradição entre determinados dados da

Escritura. Nesse sentido, para os rabinos, o método Midráshico tem sido uma oportunidade

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para se fazer uma nova interpretação, ou um caminho que conduz para um novo sentido do

texto.

2.2. O Midrash do Evangelho

Nos evangelhos sinóticos existem alguns textos que podem ser descritos como

Midrash, ou seja, a interpretação de um texto bíblico com a ajuda de outro ou a exegese de

uma passagem em combinação com um princípio geral. Ambos os procedimentos são

habitualmente correntes em escritos rabínicos (Vermes, 1995, p. 66).

O primeiro caso, encontra-se no texto de Marcos (7:9-13) e também em Mateus

(15:3-6), no qual os discípulos de Jesus eram acusados pelos fariseus porque comiam com as

mãos impuras, isto é, por não observar o ritual de purificação das mãos segundo a tradição

dos anciãos (lei oral). No contexto da controvérsia, Jesus confronta demonstrando a

contradição entre um dos mandamentos do Decálogo, “Honra a teu pai e a tua mãe” com uma

interpretação da lei oral que diz respeito a um voto pelo qual uma soma de dinheiro é

dedicada ao uso do Templo, prática conhecida como corban (oferenda sagrada).

Vós, porém, dizeis: Se um homem disser a seu pai ou a sua mãe: Aquilo
que poderias aproveitar de mim é corban, isto é, oferta para o Senhor,
então dispensais de fazer qualquer coisa em favor de seu pai ou sua mãe,
invalidando a palavra de Deus pela própria tradição, que vós mesmos
transmitistes; e fazeis muitas outras cousas semelhantes. (Mc 7:11-13)

Em seguida, Jesus retorna para o assunto da purificação e contaminação, falando à

multidão, utilizando-se de uma parábola: “Nada há fora do homem que, entrando nele, o

possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina.” Concluindo o seu

ensinamento, explica o significado da parábola aos seus discípulos.

O segundo caso, encontra-se em Mc 10:2-9 (e Mt 19: 3-8), a reinterpretação da lei

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do divórcio de Dt 24, colocando-o contra Gn 1:27; 2:24. Nesse incidente, os fariseus vieram

para Jesus perguntando se é lícito a um marido despedir sua mulher escrevendo uma carta de

divórcio. A permissão de escrever um documento mediante o qual um casamento é dissolvido

resulta de uma tolerância divina (ou mosaica), que não seria ou não deveria ser um ideal

divino, mas uma exceção nos casos extremos a fim de se evitar um mal maior. O ideal divino

é o que está escrito em Gênesis 1:

Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher. Por


isso, deixará o homem a seu pai e sua mãe e unir-se-á a sua mulher, e com
sua mulher, serão os dois uma só carne. De modo que já não são dois,
mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.”
(Mc 10:6-9)

O terceiro caso, encontra-se nos evangelhos sinóticos (Mc 12:18-27; Mt 22:23-32;

Lc 20:27-38), o questionamento dos Saduceus sobre a doutrina da ressurreição. Os Saduceus

que não acreditavam na vida após a morte, vieram a Jesus trazendo o caso de uma família em

que houve uma sucessão de falecimentos dos irmãos que se casaram com uma mulher,

cumprindo a lei do levirato de Israel. A pergunta era nos seguintes termos: “Na ressurreição,

quando eles ressuscitarem, de qual deles será ela esposa? Porque os sete a desposaram.”

Jesus responde, citando o texto de Êxodo 3:6, “Quanto à ressurreição dos mortos,

não tendes lido no livro de Moisés, no trecho referente à sarça, como Deus lhe falou: Eu sou o

Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ora, ele não é Deus de mortos, e sim de

vivos. Laborais em grande erro.”

Assim, considerando esses casos, podemos deduzir que Jesus desenvolvia seu

ensinamento utilizando-se dos próprios elementos culturais da sua época, tendo criatividade

na escolha dos argumentos bíblicos dentro do contexto social no qual ele estava inserido.

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2.3. Midrash e Jesus: ação para o cumprimento da lei

O termo Midrash deriva do radical ‫(דרש‬buscar) que aparece 164 vezes nas

Escrituras. A forma no substantivo aparece somente duas vezes (2 Cr 13:22; 24:27) e com

sentido provavelmente de pregação, comentário da Escritura. Na literatura rabínica se firmou

como “a busca amorosa do Senhor, do sentido de Sua Palavra, para colocá-la em prática”

(Cipriani, 2003, p. 333). Esta dimensão da prática é a característica primordial do Midrash.

Segundo o rabino Samy Pinto, o estudo da Torá tem como objetivo principal não o

saber por saber, mas sobretudo, o saber para fazer. Shimon, filho de Gamliel disse: “Não é a

teoria o principal mas a prática”. Rabi Ishmael também disse: “aquele que estuda visando a

ensinar, ser-lhe-á dado aprender e ensinar, e aquele que estuda visando o praticar, ser-lhe-á

dado aprender e ensinar, observar e praticar”. (Pinto, p. 25) Como diz o salmista: “O temor

do Senhor é o princípio da sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam”. (Sl

111:10)

Esta é a diferença entre a visão judaica e a visão grega no que tange à sabedoria.

Para Aristóteles, a função do ser humano, sua virtude mais elevada e seu propósito final, é a

vida contemplativa e o exercício do seu raciocínio. Para os Sábios do Talmud, a sabedoria e o

conhecimento são apenas os meios para se atingir um fim (Pinto, p. 25).

Em Mt 5:17, Jesus disse “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim

para revogar, vim para cumprir”. É interessante observar que o termo ‫ לקים‬cumprir é o

elemento central na linguagem do Midrash.

A literatura rabínica, já desde antes do final do primeiro século, no que se refere à

Escritura, emprega esse verbo em três níveis:

(1) Cumprir no sentido de dar sentido. No primeiro nível, o Midrash descobre, na Escritura,

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qual deve ser nossa a fé (teologia) em vista da nossa ação (prática). É o chamado

“cumprimento exegético”.

(2) Cumprir no sentido de agir. No segundo nível, o Midrash apresenta alguém que age

conforme o sentido descoberto no primeiro nível.

(3) Cumprir no sentido de realização das promessas. Cabe agora a YHWH cumprir as

promessas da Torá e dos profetas (Cipriani, 2003, p. 334, 335).

Quanto a importância de resgatar o método hermenêutico do Midrash para o nosso

contexto, Cipriani conclui o seu artigo com a seguinte citação de A. A. Pérez (1985)18:

“Por tudo isso, não nos deve surpreender que estejamos assistindo a uma

revalorização do Midrash, compreendido, já não como sinônimo de fábula, lenda ou narrativa

lendária, algum fruto da capacidade imaginativa, definitivamente não histórico, mas como a

mentalidade hermenêutica com a qual o Judaísmo antigo (e o Cristianismo primitivo)

atualizava(m) o texto bíblico, considerando-o como tradição viva, iluminadora da realidade

presente e futura” (Pérez apud Cipriani, 2003, p. 336).

3. A Filosofia da Educação Cristã

Depois que analisamos as divergências e convergências da pedagogia de Jesus em

relação à pedagogia judaica, cabe agora delinear mais objetivamente as filosofias e idéias

pedagógicas cristãs. Quanto à sua importância e relevância para a atualidade, Moacir Gadotti

destaca em relação às idéias pedagógicas: “A história das idéias é descontínua. Não existe

propriamente um aperfeiçoamento crescente que faz com que as idéias filosóficas

educacionais antigas deixem de ser válidas e sejam superadas pelas modernas. As idéias dos

18
PÉREZ, A. A. El método midrásico y la exégesis del Nuevo Testamento. Valencia: Institución S. Jerônimo
para la Investigación Bíblica, 1985. pp. 31-79.

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clássicos da filosofia continuam atuais (Gadotti, 2001, p. 17)”.

A proposta é, portanto, continuar trabalhando na relação do diálogo com a

pedagogia judaica. Com a finalidade de tecer um diálogo com a educação cristã, escolhi a

figura de Maimônides19, o rabi Moisés, filho de Maimon, talmudista, codificador das leis

judaicas, filósofo, matemático, médico e escritor do século XII. No presente trabalho,

portanto a pedagogia judaica é representada na filosofia educacional de Maimônides.

Analisamos o pensamento de Jesus segundo as propostas da Filosofia educacional

identificados pelo rabino Samy Pinto (2003), por sua vez inspirados na obra intitulada

Filosofia de Educação de Aranha (1996)20 abordando os seguintes tópicos:

(1) Que gênero de homem se pretende formar

(2) Sujeitos do processo educativo: o educador e o educando

(3) Definição dos objetivos educacionais

(4) Conhecimento e conteúdos curriculares

(5) Filosofia da educação;

(1) Que gênero de homem se pretende formar

Tomando a pessoa de Jesus como padrão referencial, verificamos que o mesmo é

descrito no evangelho de Lucas (2:52) como uma pessoa que se desenvolveu no aspecto

mental, físico e social. “E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos

homens”, Esta idéia contrapõe-se à mentalidade medieval na qual a dimensão da corporeidade

é bastante reprimida e até considerada algo pecaminoso, sob a influência do dualismo grego.

Segundo a visão maimonidiana, “o homem precisa subordinar todos os poderes de

19
Cf. capítulo um, supra.
20
Cf. ARANHA, M. L. A. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna. 1996.

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sua alma ao pensamento, tendo em vista uma única finalidade - a percepção de Deus, seja Ele

exaltado, quero dizer, conhecê-lo na medida em que isto se encontre dentro das possibilidades

do homem”. (Pinto, 2003, p. 58) Segundo os ditos de Jesus, conhecer a verdade implica em

um ato libertador do ser humano (Jo 8:32).

“O princípio básico de todos os princípios (...) é conscientizar-se de que há um Ser

primeiro que originou a existência de tudo” (Pinto, 2003, p. 58). Na visão antropológica de

Jesus, o ser humano é a criatura de Deus.

A imagem-ideal da Europa medieval é a formação do homem de fé. Trata-se de um

processo educativo que tem por finalidade a imitação do próprio Cristo, imitação que leva o

educando a se aproximar da perfeição divina (Giles, 1983, p. 69). No entanto essa perspectiva

é demais ocidentalizada porque tem o seu foco predominante na sua individualidade e não

necessariamente no âmbito da coletividade. Assim sendo, nos termos da visão bíblica, a

imagem-ideal, na proposta educacional de Jesus, é a capacitação de todo membro do Corpo de

Cristo para o serviço e a formação de um cidadão do reino de Deus.

Este homem de fé tem como objetivo principal de sua vida, cumprir o duplo

mandamento do amor, que é a essência da Torá (instrução):

Ouve, pois, ó Israel, nosso Deus é o único Senhor.


Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua
alma e de toda a tua força. (Dt 6:4,5)

E o segundo mandamento, “amarás o teu próximo como a ti mesmo.” (Lv 19:18) é

considerado o resumo da lei ou, como diz Paulo, “o amor representa o cumprimento da lei”,

(Rm 13:8-10). Aprender a amar como ensina Jesus, é tornar-se verdadeiramente educado. No

entanto, o amar a Deus e o amar ao próximo são coisas distintas, pois o amar ao próximo não

substitui o amar a Deus. Mas entre eles, há uma relação de centro-periferia. De prioridade e

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essencialidade no cumprimento do primeiro. Inicialmente, amar a Deus para depois, poder se

amar de fato, o próximo.

No entanto, não se diz exatamente o que é preciso fazer (no sentido concreto) para

se amar o próximo e, do mesmo modo, para se amar o inimigo. Porém, há um pensamento

que resume a norma de conduta para todas as situações. A chave do entendimento deve estar

no texto de Mateus 7:12. Comparemos os dois textos seguintes e verifiquemos a semelhança

nos ensinos de Hilel e de Jesus. Um está em forma de preceito negativo e o outro em preceito

positivo.

O que não queres que os outros façam a ti não faças aos outros. (Hilel,
30 a.C. a 20 d.C. extraído do livro: Pirke Avot – Ética dos Pais)21
Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós
também a eles; porque esta é a lei e os profetas (Mt 7:12).

Quanto à virtude da busca de simplicidade na vida, segundo o pensamento rabínico,

diz se que, se o homem colocar o princípio do conhecimento de Deus como sua meta principal,

não perderá tempo com coisas supérfluas. (Pinto, 2003, p. 60) Para Jesus, o homem tem

necessidade de poucos bens para ser feliz e encontrar um significado na vida (Mayer, 1973, p.

172).

(2) Sujeitos do processo educativo: o educador e o educando

a) O educador

Segundo Maimônides, em relação a escolha do professor, não é adequado nomear

qualquer um como professor (...) é preciso que se tenha comprometimento ideológico e

político com o que se faz (Pinto, 2003, p. 60). Assim sendo, a escolha do educador deve ser

21 Cf. Schlesinger, H., Os Evangelhos e os Judeus,1985, p. 56.

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criteriosa, levando-se em consideração o aspecto do seu caráter, da índole moral e do

comprometimento com a ideologia do reinado de Deus.

O professor precisa ter competência no campo teórico do conhecimento e uma

personalidade compatível para o cargo. Dentre outros, a persistência e a paciência são

algumas das características mais importantes da sua personalidade (Pinto, 2003, p. 61).

A boa relação pessoal com quem aprende é fundamental para a pessoa do educador.

Jesus é o exemplo de como relacionar-se com o Deus Pai. A comunicação entre eles era de tal

nível que as suas palavras não eram propriamente suas mas tinham origem divina: “As

palavras que eu digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as

suas obras.” (Jo 14:10b)

A relação professor / alunos ou discípulos deve estar fundamentada no amor,

respeito e amizade. Esta é a característica imprescindível da relação entre educador e

educando (Pinto, 2003, p. 62).

b) O educando

Antes de entrar no assunto do educando, convém fazer um reconhecimento da

relação entre docente e discente no ensino tradicional:

a educação tradicional é magistrocêntrica, isto é, centrada no professor e


na transmissão dos conhecimentos. O mestre detém o saber e a autoridade,
dirige o processo de aprendizagem e se apresenta ainda como um modelo
a ser seguido (...). Essa relação vertical (...) tem como conseqüência, nos
casos extremos, a passividade do aluno, reduzido a simples receptor da
tradição cultural (Aranha, 1996, p. 158).

O critério da escolha dos alunos também era questão de preocupação na pedagogia

judaica. Segundo Maimônides: “A Torá deve ser ensinada a um aluno digno, cuja conduta

seja agradável no meio social …” (MT IV:1; Pinto, 2003, p. 64). Caso a conduta do aluno não

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convenha, este é retirado para fim disciplinar e depois reconduzido a receber instrução.

Esta medida foi observada na igreja primitiva, pois implicava na continuidade do

discipulado, comprometendo posteriormente a sua qualidade. Dessa forma o apóstolo Paulo

orienta a seu discípulo Timóteo: “E o que de minha parte ouviste através de muitas

testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e idôneos para instruir a outros.” (2 Tm

2:2) Em Jesus, a escolha dos doze discípulos, que são também designados apóstolos,

demonstra quão importante é o papel do educando no processo educativo.

Na pedagogia judaica, o aluno tem direito de não entender e prosseguir perguntando.

E os professores devem ter paciência e persistência para esclarecer a dúvida dos alunos.

É digno de nota que na filosofia educacional de Maimônides está previsto o erro e o

equívoco do professor. No contexto do ensinamento da Torá, caso um equívoco da parte do

professor seja percebido, o aluno deverá lhe dizer com todo o respeito: “nosso mestre, tu nos

ensinaste assim e assim” (Pinto, 2003, p. 65).

A pedagogia de Maimônides ensina que todos os agentes do processo pedagógico

aprendem uns com os outros. (Pinto, 2003, p. 64) Esta é a marca da pedagogia judaica de

humildade, na qual o professor aprende com seu colega, o aluno com seu colega, e ainda o

discípulo ensina ao mestre.

(3) Definição dos objetivos educacionais

Educar, na esfera de valores morais, é levar em consideração que o homem não é

apenas razão. Para definir os objetivos educacionais deve se privilegiar a dimensão moral

mais do que a dimensão intelectual.

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De acordo com Lauand, na concepção de Tomás de Aquino, a moral é o ser do

homem (Cf. p. ex. o Prólogo da parte II da Suma Teológica), doutrina sobre o que o homem é

e está chamado a ser. E ainda, para Aquino a moral é entendida como um "processo de

auto-realização" do homem; um processo levado a cabo livre e responsavelmente e que incide

sobre o nível mais fundamental, o do ser-homem: "Quando porém se trata da moral, a ação

humana é vista como afetando, não um aspecto particular, mas a totalidade do ser do homem;

ela diz respeito ao que se é enquanto homem" (op. cit. I-II,21,2 ad 2).

Quando Jesus disse: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai

celeste.” (Mt 5:48) estava se referindo a nossa meta educacional enquanto ser humano na sua

totalidade. No entanto, em que aspecto podemos alcançar a perfeição? De acordo com D.

Rafel há uma diferença entre educar a pessoa para os valores morais e transmitir à pessoa os

conhecimentos e as habilidades. Em relação a primeira, (...) qualquer pessoa pode

potencialmente alcançar a perfeição moral. No entanto, não ocorre do mesmo modo no campo

intelectual, no qual cada um atinge o que está ao seu alcance (Rafel, 1998, p. 38 apud Pinto,

p.66).

Portanto, podemos dizer que muitos nunca chegam a alcançar um nível de

conhecimento e inteligência de Moisés, mas ainda assim, “...todo ser humano pode se tornar

virtuoso como Moisés nosso mestre ou mal como Jeroboão (...)” (MT cap. V, apud Pinto, p.

66). Maimônides quer nos ensinar que toda ação pedagógica pode conduzir o aluno a

tornar-se um Moisés sob os aspectos morais e éticos, apesar de, nunca sob aspectos

cognitivos.

Outro aspecto importante na educação moral de acordo com Maimônides é o

princípio do livre-arbítrio. O verdadeiro homem moral, é aquele que aceita as regras ou as

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recusa, livre e conscientemente. O homem não nasce moral, mas torna-se moral (Pinto, 2003,

p. 67). Na pedagogia judaica a conduta certa é o meio-termo e a marca das boas ações é o

equilíbrio, seguindo o conselho de Salomão, “Não sejas demasiadamente justo, nem

exageradamente sábio; porque te destruirias a ti mesmo?” (Ec 7:16)

Devido a secularização do ensino, a educação moral foi substituída pela idéia de

socialização (Pinto, 2003. p. 68) Segundo os secularistas, a moral tem sua origem em usos e

costumes de uma comunidade. No pensamento judaico, o regulador da lei moral não deve ser

o homem mas Deus (Pinto, 2003, p. 68).

As regras de comportamento são extraídas das fontes bíblicas. Segundo

Maimônides, o conceito de educação é conduzir as crianças à prática de condutas judaicas

religiosas e morais, para que quando adultas, já tenham dentro de si todos os mandamentos e

valores que compõem esse universo (Pinto, 203, p. 69).

Em relação a constituição humana, dentre as várias concepções como Tricotomismo,

Dicotomismo e Monismo, o teólogo Millard J. Erickson propõe o pensamento denominado

unidade condicional como modelo alternativo. Segundo esta concepção, no Antigo

Testamento, o indivíduo humano é visto como uma unidade. No Novo Testamento aparece a

terminologia “corpo / alma”, mas ela não pode ser associada à idéia de existência encarnada e

desencarnada. A idéia bíblica de constituição humana é a da unidade condicional (...) e uma

vez que somos seres unitários, nossa condição espiritual não pode ser tratada

independentemente de nossa condição física e psicológica e vice-versa (Erickson, 1997, p.

231-232).

Na visão monista, os termos alma e espírito são usados indistintamente na Escritura.

A afirmação de Jesus em Mt 10:28 “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a

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alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno, tanto a alma como o corpo”, o

conceito de corpo e alma não está distinto de maneira clara. No entanto, no evangelho de

Marcos, a cura física e a salvação (da alma) pertencem ao mesmo campo semântico da

palavra soteria. Para Jesus, o indivíduo humano é um ser unitário. Portanto, as faculdades do

ser humano ligadas à educação seriam não somente parte da alma, mas também parte do

corpo. Nesse sentido, o corpo juntamente com a alma são entendidos como espaço da

educação. Na agenda do objetivo educacional de Jesus, a perfeição ou integridade do caráter

deve envolver tanto a alma como o corpo, objetivando essencialmente a formação de pessoas,

lideranças e comunidades eclesiais cristãs.

(4) Conhecimento e conteúdos curriculares

Segundo o rabino Samy Pinto, Maimônides quer formar um homem com

capacidade de conhecer e entender a existência de Deus. Foi então, relacionada uma série de

matérias, como a Bíblia, a Mishná, a Guemará, a metafísica, a lógica, a matemática e as

disciplinas de ciências naturais. Em relação aos objetivos morais, é o conteúdo dos

mandamentos que leva à prática, de acordo com a tradição da Halachá. Para Maimônides, os

modelos máximos alcançáveis são Moisés e Jeroboão. Porém, ressalva que cada professor é

modelo de seu aluno. Ainda dentro da educação moral, existe o modelo inatingível, colocado

como parâmetro comportamental que é o de assemelhar-se a Deus (Pinto, 2003, p. 71).

Jesus quer formar um ser humano irrepreensível, íntegro, capaz de amar a Deus

sobre todas as coisas e amar ao seu semelhante. Ele adotava um método simples, as matérias

não apresentavam uma organização nos moldes do paradigma científico da idade média como

o de Maimônides. Na época de Jesus ainda funcionava o paradigma da teologia habitual, ou

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seja, um habitus de vida e estudo, concebida como conhecimento de Deus, construída por

meio das disciplinas da oração, estudo e participação litúrgica (Zabatiero, 2005a, p. 20). Eram

teologias habituais provenientes das interpretações de Moisés (Torá), dos profetas (Neviím) e

dos Salmos (Ketuvim) (Lc 24.44). Os ensinamentos foram inspirados pelos fenômenos da

vida diária, da sociedade do seu tempo e eram contados pelas inúmeras parábolas.

Utilizava-se de objetos ou coisas que estavam em sua volta (ex. as aves do céu e os lírios do

campo). Usou de metáforas (objetos simbólicos como pão e vinho) e de situações reais. O seu

ambiente didático acontecia nas casas, nos espaços públicos, nos trajetos e nos circuitos da

vida cotidiana. A educação se realizava nos eventos concretos da vida e não numa teoria

especulativa.

(5) Filosofia da Educação

É função da filosofia da educação refletir sobre os currículos, as técnicas e os

métodos, oferecendo elementos e bases para a avaliação bem como se os mesmos são

adequados ou não aos fins propostos.

Segundo Luckesi (1994, p. 152) existem três tipos de métodos: (1) Método

expositivo, mais comum na educação tradicional, a idéia de expor os assuntos para que os

alunos possam assimilar o conteúdo da matéria. (2) Método reprodutivo, aprender exercitando

o conhecimento adquirido, de modo que se desenvolvam as suas habilidades. (3) Método da

solução de problemas determinados que consiste em aplicar os conhecimentos, transferindo

habilidades, adaptando-os a situações diversas. Seguindo o modelo de Jesus necessitamos

passar por todos esses métodos para que o nosso aprendizado na vida e no ministério cristão

se torne mais eficaz.

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No método clássico, Aristóteles desenvolveu o seu conceito de educação partindo

da idéia de imitação. A criança se educa à medida que imita a forma de vida dos adultos

(Pinto, 2003, p. 72). Jesus disse: “Aprendei de mim”. E posteriormente Paulo escreve: “sede

imitadores meus, e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós” (Fp 3:17).

Esse trecho mostra a importância da filosofia de educação de Jesus, da imitação ou de se

seguir um modelo.

Segundo Maimônides, um homem deve ensinar a seus discípulos sempre com frases

curtas. Ou seja, deve falar poucas palavras a fins de manter a objetividade e a clareza no seu

ensino. Jesus era capaz de exprimir em poucas palavras aquilo que os filósofos diriam em

muitas palavras. Quanto mais exemplos de vida o educador puder oferecer ao seu aluno,

menos palavras serão necessárias ao aprendizado. Essa, parece ser a estratégia pedagógica de

Jesus.

O termo método é proveniente de duas palavras gregas, meta (para) e odos

(caminho). Jesus disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por

mim” (Jo 14.6). No entanto, o caminho não é o fim, mas sim o meio. O método seria o

“caminho para” se chegar a um determinado fim.

Apesar de Jesus se auto-identificar: “eu sou o caminho”, este “caminho” não se

refere a Deus. O caminho tem ainda um conceito relativo. O meio não é o fim. O nosso papel

como seguidores de Jesus é o de discernir o caminho de Deus e obedecê-lo.

O que nos interessa aqui é a dimensão do caminho como método. O caminho para

se chegar a um fim que é o Pai. A palavra caminho (método), no contexto do evangelho de

João, tem a idéia de “conduzir para” a verdade e sobretudo à vida. Dos três termos com os

quais se identifica Jesus, o único conceito absoluto é a vida. A meta do caminho é chegar à

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vida, o que também deveria ser o objetivo final da educação. Na perspectiva bíblica, isto

significa que nós alcançaremos a vida não pelos nossos métodos humanos, mas quando nós

obedecermos o método de Deus. Nesse sentido, Jesus é o próprio método. O método em

pessoa, cujo conteúdo são o corpo e a identidade própria.

4. Conclusão

Analisamos a hermenêutica da igreja primitiva a partir do contexto judaico,

dialogando e confrontando com uma parte da lei oral principalmente no que concerne ao

assunto da interpretação da Torá (posteriormente, à época de Jesus, tomou a forma escrita

denominada de Mishná).

Em seguida verificamos que nos ditos de Jesus dos evangelhos se dá a perceber a

presença do método de derivação ou da busca do conhecimento proveniente da própria cultura

da época. Método este que tornou-se conhecido no círculo judaico pelo nome de Midrash

(buscar).

Com estas considerações, procuramos identificar os principais elementos da

filosofia da educação cristã. Em nosso estudo escolhemos o pensamento de Maimônides com

a finalidade de dialogar com a pedagogia judaica. Enfim, concluímos que na perspectiva da

pedagogia de Jesus, baseado na auto-identificação do “eu sou o caminho”(odos), o próprio

Jesus é o método. O método em pessoa na qual se encerra a dimensão da identidade e da

corporeidade.

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CAPÍTULO III
A EDUCAÇÃO CRISTÃ E O PENSAMENTO DA CONTEMPORANEIDADE

Neste capítulo pretendemos analisar alguns elementos da contemporaneidade tais


como a questão do Personalismo, da Intuição, da Universalidade, da Autonomia do Sujeito e
da Corporeidade, em diálogo e confrontação com a educação cristã verificando a sua
relevância sob a perspectiva pedagógica.

1. Diálogo e Confrontação entre a Educação Cristã e a Pedagogia Contemporânea

Depois de ter dedicado nosso estudo à fundamentação do paradigma da pedagogia

cristã, passaremos para o momento de diálogo e confrontação com os conceitos constitutivos

da nossa contemporaneidade. O nosso desafio a partir de agora é como transferir e

contextualizar os insights pedagógicos de Jesus à era pós-moderna.

A questão do Personalismo

A questão da Intuição

A questão da Universalidade

A questão da Autonomia do Sujeito

A questão da Corporeidade

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1.1. A questão do Personalismo (Exigência e Obediência)

Na contemporaneidade percebe-se a “crise de identidade” e o deslocamento da

“posição do sujeito”. Nesse contexto, o homem e a mulher pós-modernos, que sentem suas

próprias identidades ameaçadas, parecem não sentir afeição ou simpatia por indivíduos que

apresentem um certo senso de personalismo. Diante dessa realidade trataremos a questão da

exigência e da obediência: o personalismo (de Jesus) no contexto da educação cristã.

A ética judaica é a interpretação da vontade de Deus. Consiste na obediência à lei

de Moisés. Para Jesus, a autoridade da Escritura era óbvia assim como era para os rabinos.

Jesus não atacou a lei. A sua atividade consistia em explicar a Escritura ensinando a

interpretação correta da lei. No entanto, há distinção fundamental entre a piedade judaica e a

de Jesus. Para elucidar essa distinção, abordaremos a questão do personalismo na pedagogia

de Jesus.

A piedade judaica insistia no apego à lei, na sua obediência em relação a autoridade

formal da lei e conseqüentemente se caracterizava pela obediência externa. De acordo com

Bultmann (2005, p. 95), a diferença de Jesus em relação ao judaísmo consiste em que o

último concebe a idéia de obediência do modo mais radical possível, não a eliminando.

Bultmann (2005, p. 89) expressa bem essa idéia no seguinte trecho:

A obediência radical só existe quando o ser humano concorda por si


mesmo com aquilo que é exigido dele, quando o que está sendo ordenado
é compreendido como exigência de Deus; quando o ser humano afirmar
inteiramente aquilo que está fazendo; melhor ainda: quando o ser humano
estiver totalmente no que está fazendo, isto é, quando não fizer algo de
modo obediente, mas quando seu ser for obediente.

E ainda, (...) a obediência é concebida de modo radical e abrange a essência do ser

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humano. (...) significa que o ser humano se encontra inteiro diante da decisão; como não há

neutralidade, ele tem de decidir-se entre as duas únicas possibilidades que são oferecidas ao

seu ser, ou seja, entre o bem e o mal (Bultmann, 2005, p. 90).

Assim, a exigência de Jesus caracteriza-se na responsabilidade da própria pessoa de

quem age. Nesse sentido podemos dizer que a pedagogia de Jesus ensina as pessoas a se

colocarem na situação de decisão, mais precisamente da decisão entre o bem e o mal, como a

decisão em favor da vontade de Deus ou em favor da sua própria vontade (Bultmann, 2005).

Na pedagogia de Jesus, o nosso aprendizado é constante porque cada momento de

decisão é essencialmente novo. Nesta perspectiva, para Jesus, o ser humano é visualizado no

momento absoluto da decisão porque para ele, os conceitos “bem” e “mal” são orientados

pela vontade de Deus.

Dessa forma, o papel da educação cristã é desenvolver não somente o assentimento

cognitivo dos dogmas e das culturas cristãs mas também de conduzir o indivíduo na direção

da maturidade da fé, que resulta do equilíbrio entre o assentimento afetivo e o cognitivo,

capacitando-o a responder à exigência de Jesus por meio da ação concreta da obediência,

segundo sua decisão consciente, refletida, orientada pelo discernimento.

A educação em primeira instância, pode trabalhar para desenvolver a reflexividade

no processo da ação. O educando começa a refletir mais antes de agir. No entanto, a prática

educativa pode também conduzir o indivíduo até que adquira a dimensão da espontaneidade,

completando assim o espiral ascendente da reflexividade-espontaneidade. “A reflexividade do

agir manifesta-se quando existe consciência da práxis. A espontaneidade é fruto da

consciência adquirida” (Junges, 2001, p. 73). Assim sendo, quem decide obedecer a Jesus

conscientemente, aos poucos vai adquirindo o hábito de se tornar discípulo dele, e com o

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passar do tempo, a práxis cristã começa a brotar espontaneamente. Não é isto que a faz

distinguir da obediência externa dos fariseus?

1.2. A questão da Intuição (Conhecimento intuitivo)

De acordo com Jerome S. Bruner (1975), os estudiosos do campo das ciências

naturais como os matemáticos, físicos e biólogos acentuam o valor do pensamento intuitivo

em suas respectivas áreas, no sentido de estimular o desenvolvimento dos alunos, não

somente na capacidade dedutiva e analítica do assunto, mas também na sua compreensão

intuitiva.

A distinção entre o pensamento analítico (dedutivo) e intuitivo é que o primeiro

caracteriza-se por caminhar passo a passo detendo-se nos detalhes, e o segundo sendo algo

que não progride a não ser por passos cuidadosos e bem definidos. A intuição é algo que se

assemelha a uma iluminação interna ou em termos bíblicos, à revelação.

No entanto, Bruner (1975, p.54) reconhece a complementaridade mútua dos

pensamentos intuitivo e analítico. Pois (..)

Através do pensamento intuitivo, o indivíduo poderá, muitas vezes,


chegar a soluções de problemas que não conseguiria alcançar de modo
algum ou, quando muito, só mais lentamente, através do pensamento
analítico. Uma vez conseguidas por métodos intuitivos, essas soluções
deverão, se possível, ser verificadas por métodos analíticos, sendo ao
mesmo tempo respeitadas como hipóteses válidas para tal verificação.

Portanto, é interessante manter ambos os tipos de pensamento. Infelizmente, o

formalismo da aprendizagem escolar tem, de certo modo, desvalorizado a intuição. Antes de

se expor o assunto pelos métodos tradicionais e formais de dedução e prova, pode ser de

primordial importância estabelecer uma compreensão intuitiva da matéria.

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A definição funcional de intuição é a “apreensão ou cognição imediata”. Assim, a

intuição implica o ato de captar o sentido, o alcance ou a estrutura de um problema ou

situação, sem dependência explícita do aparato analítico. Parece que os indivíduos que

possuem extensa familiaridade com certo assunto chegam, com mais freqüência,

intuitivamente, a uma decisão ou à solução do problema (Bruner, 1975, p.57). Quanto mais a

pessoa estiver concentrada num determinado assunto, pode vir a descobrir o meio mais

acertado para a sua resolução. Nossa suspeita é que parece ter muito a ver com a apropriação

do conhecimento pelo indivíduo acerca da estrutura básica de determinado assunto, pois quem

está a pensar sabe quais as coisas que se relacionam estruturalmente com as outras coisas.

A sugestão de Bruner é estimular os alunos a adivinhar, dar palpites, no interesse de

os levar eventualmente a aprender como fazer conjecturas inteligentes. Consiste-se em aguçar

a sensibilidade do bom senso. Em termos cristãos, é aprender a ouvir a voz do Espírito da

sabedoria. Através desse aprendizado ou treinamento os alunos estariam desenvolvendo a sua

autoconfiança e a coragem de enfrentar a tomada de decisões. Pois segundo Bruner (1975, p.

60), o pensamento intuitivo eficiente é fortalecido pelo desenvolvimento da autoconfiança e

da coragem do aluno.

Ainda que o método intuitivo leve muitas vezes à respostas erradas, este é o método

utilizado na experimentação. É um método de tentativa no campo experimental. Todo sucesso

das invenções é alcançado depois de inúmeras tentativas de fracassos. Portanto a prática do

pensamento intuitivo não deve ser desprezado nem inibido.

Em suas famosas experiências no campo do aprendizado e da cognição, Piaget

ressalta a importância do que chamou de “ensaio e erro” ou seja, do uso da intuição e da

imaginação para a apreensão da realidade para o aprendizado.

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Segundo Célestin Freinet, na educação tradicional muitas vezes o próprio formato

da apresentação dos conhecimentos se tornou bastante complexo. Na perspectiva de Freinet,

estes conhecimentos devem ser transmitidos ou comunicados no nível da realidade do

educando (no caso da criança) da maneira mais simples e sem complicações. No prólogo da

sua obra “Pedagogia do Bom Senso” escreve:

Ao excesso de palavras de uma ciência que nos ultrapassa, ou que nós


ultrapassamos – às formulas que, para nós, eram apenas cabeçalhos
obcecantes a serem memorizados – substituímos a simplicidade elementar
de uma trajetória que, por ser a vida, tende sempre a ultrapassar a si
próprio até um infinito, sendo a consciência que temos desse infinito ao
mesmo tempo o nosso drama e a nossa grandeza. Voltamos a dar à
pedagogia aquele aspecto familiar misto de hesitação e de audácias, de
receios e relâmpagos, de arco-íris, de risos e de lágrimas também.
Voltamos a colocar a educação no próprio seio do devenir do homem
(Freinet, 2004, p. 2).

Portanto, a questão da intuição é constituída por dois fatores, internos e externos:

por um lado, internamente, o indivíduo por si só, adquire o conhecimento por meio de um

processo imediato (Bruner). Por outro, externamente, o educador deve se dedicar no sentido

de desenvolver a espontaneidade do educando, proporcionando-lhe a liberdade da percepção e

a expressão do seu aprendizado (Freinet).

Na mesma linha de Freinet segue a filosofia educacional de Jean Piaget, da qual

proveio a base da proposta pedagógica construtivista, expressando nos seguintes termos:

A primeira dessas condições é naturalmente o recurso aos métodos ativos,


conferindo-se especial relevo à pesquisa espontânea da criança ou do
adolescente e exigindo-se que toda verdade a ser adquirida seja inventada
pelo aluno, ou pelo menos reconstruída, e não simplesmente transmitida.
(...) entretanto, ainda é preciso que o mestre-animador não se limite ao
conhecimento da sua ciência, mas esteja muito bem informado a respeito
das peculiaridades do desenvolvimento psicológico da inteligência da

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criança ou do adolescente (Piaget apud Gadotti, 2004, p. 157).

Para Piaget o conhecimento é adquirido através da construção da realidade pela

mente ativa do educando. A mente se apropria da realidade de uma forma criativa e a recria

ou reconstrói de acordo com a base existente da pessoa e de suas estruturas cognitivas (ou

esquemas mentais). Dessa forma, o conhecimento se dá por meio de um constante processo

dialético de adaptação entre o sujeito e o objeto.

As maneiras de se apreender a realidade são as estruturas cognitivas ou esquemas

mentais, as quais para Piaget têm base biológica evolutiva de desenvolvimento. Por isso, em

pessoas de mesma faixa etária, independente do contexto cultural, juntas formam o que ele

denomina de “inconsciente cognitivo”. Estas estruturas cognitivas são os meios de adaptar-se

ao mundo, bem como de compreender e modificar o seu meio ambiente.

Segundo a concepção de Piaget, a estrutura cognitiva do indivíduo vai estar sempre

transformando, regulando o próprio processo de desenvolvimento através dos princípios

biológicos da “assimilação” e da “acomodação” que ligam estreitamente a mente da criança

ao ambiente onde ela se encontra.

A proposta pedagógica construtivista, especificamente construtivismo piagentiano,

por se tratar de uma proposta metodológica aberta a diferentes aportes, pode proporcionar a

instrumentalidade para se desenvolver a questão epistemológica da nossa educação cristã.

1.3. A questão da Universalidade (Metanarrativa)

Na perspectiva da contemporaneidade, o pensamento iluminista moderno é

particularmente adepto das “grandes narrativas” ou “metanarrativas”. Estas são as expressões

da vontade de domínio e controle. A mentalidade desenvolvimentista dos países dominadores

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ditando a regra da política sócio-econômica às nações mais pobres é uma das formas de

expressão da metanarrativa. É o que acontece também nos outros campos dos conhecimentos

científicos, tecnológico e cultural. Nesse sentido, a “metanarrativa” pressupõe a existência de

um saber universal, uma verdade universal, um discurso universal.

Outrora, a idéia da universalidade se alinhava com o pressuposto básico da

educação moderna que era a hegemonia, universalização de uma visão de mundo. Hoje, o

pressuposto básico da educação pós-moderna passou a ser a da autonomia, capacidade de

autogoverno de cada cidadão. Depois que o sistema da escolarização institucionalizada

tornou-se tão totalitária e monopolizante, essa autonomia pretende manter o equilíbrio entre a

cultura local e a cultura universal (Gadotti, 2004, p. 312).

Doug Kellner (1988) citado por Giroux (p. 53-54) argumenta o favor da distinção

da metanarrativa em grandes narrativas e narrativas mestras.

Contra Lyotard, queremos distinguir entre “narrativas mestras” (que


tentam subordinar todo ponto de vista específico, todo ponto de vista
particular e todo ponto-chave a uma teoria totalizante, tal como em algu-
gumas versões do marxismo, do feminismo, de Weber, etc.) e “grandes
narrativas” (que tentam contar uma Grande Estória, tais como o surgi-
mento do capital, do patriarcado ou do sujeito colonial) (Kellner apud
Giroux in Silva, 1993, p. 54).

Isso nos leva a crer que precisamos mudar o nosso paradigma. Até então,

ensinávamos como se existisse uma metanarrativa que seria uma verdade que continha as

explicações universais. O novo paradigma, que pretende substituir o universalismo do

paradigma da racionalidade instrumental, caracteriza-se pela pluralidade.

Portanto, agora, nós, na qualidade de educadores, temos que descobrir as narrativas

locais a partir da realidade e do contexto do educando. De acordo com a observação de

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Gadotti, a mentalidade do homem contemporâneo tende a voltar-se com as minorias, com

pequenas causas, com metas pessoais de curto prazo. Assim, dedica-se a afirmação como

indivíduo, face à globalização. De que maneira o educador cristão lida com esses indivíduos?

Na linguagem de Paulo Freire é necessário tornarmo-nos “educador-educando” (1970, p. 62)

que conseguem adentrar no mundo e nos assuntos do educando. Entretanto, como educador

não se deve esquecer o seu papel concernente à sua dimensão pública da educação,

compartilhando sempre as questões da cidadania com o educando. Na perspectiva da

educação cristã, o desafio é sermos educadores “encarnacionais”, capazes de demonstrar

solidariedade e interesse, tanto no nível pessoal como no social, seguindo assim os passos de

Jesus, restaurando a dimensão pública do ministério das nossas igrejas.

1.4. A questão da Autonomia do Sujeito

O período do Iluminismo, seguido pelo caminho já aberto pelo Renascimento, foi

estabelecendo a autonomia do ser humano, autonomia esta possível pelo emprego da razão.

A educação na contemporaneidade pretende resgatar a unidade entre história e sujeito que foi

perdida durante as operações modernizadoras de desconstrução da cultura e da educação

(Gadotti, 2004, p. 311).

O sujeito iluminista é unitário: sua consciência não admite divisões e contradições.

É o sujeito da modernidade tardia e o sujeito que sofreu sua desagregação e também o seu

deslocamento. O sujeito não é o centro da ação social. Ele não pensa, fala e produz: ele é

pensado, falado e produzido (Silva, 2005, p. 114).

A distinção radical entre fatos e valores e entre sujeito e objeto que eram

fundamentais para o paradigma iluminista começou a ruir. A partir daí, a humanidade tem

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suspeitado e questionado o conceito da verdade.

Para Bosch (2002, p. 432), as alternativas para o objetivismo ou o absolutismo não

tem que ser, porém, o subjetivismo ou o relativismo. Ao invés de ir ao extremo de um ou

outro, porque não adotar uma “estrutura fiduciária” que é expressada na palavra de

Agostinho: nisi credideritis, non intellligitis (se não creres, não entenderás) ou melhor, “creio

para entender”, pois o cristão continua a ater-se a crenças não-provadas, no entanto, ele tem

esta relação de confiança no que foi revelado e reconhecendo a incerteza de suas próprias

conclusões, continua buscando humildemente com seu otimismo moderado.

Na teoria de Piaget, a autonomia do sujeito ocorre em dois domínios, ambos

relacionados com a razão. O primeiro domínio é a própria construção da razão, pois para a

epistemologia genética, o pensamento racional é fruto da abstração reflexiva, ou seja, do

esforço que o sujeito faz para pensar seu próprio pensar ou agir. Podemos até dizer que o

desenvolvimento da razão encontra-se no próprio sujeito. Isto não significa dizer que o sujeito

é independente do meio social em que vive. No entanto, sem dúvida, a autonomia é marcada

pela irredutível e indispensável participação do indivíduo para a elaboração de novas formas

de pensar e novos conhecimentos. Outro domínio é a função do indivíduo sobre as certezas e

convicções que este tem. É a autonomia em relação ao seu ponto de vista crítico apesar da

opinião da sociedade ou pressão da tradição. O indivíduo, tal como concebido por Piaget, é

capaz, graças à razão por ele mesmo construída de se opor à autoridade, seja ela dos pais, das

diversas instituições, das escolas ou das igrejas.

Assim, a autonomia do sujeito proposto por Piaget é muito mais do que um método

pedagógico, é uma atitude ética e política. Esta é uma das dimensões que a educação cristã

precisa resgatar nos seus currículos e desenvolver nos educandos para que a igreja evangélica

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brasileira seja mais militante em propagar seus ideais do reinado de Deus na sociedade.

1.5. A questão da Corporeidade

Sobre a tendência da contemporaneidade, o cientista da comunicação Pedro

Gilberto Gomes caracterizou-a da seguinte maneira:

De uma comunicação baseada na palavra e, portanto, nos conteúdos, na


reflexão, na persuasão, e importância dos símbolos e nos princípios de
meios de comunicação, passa-se a uma comunicação centrada na imagem,
de caráter mais do que verbal, intuitiva, na qual o sentimento, a impressão
e o pessoal têm primazia sobre a razão, o discurso e o social (Gomes,

1999, 319).

“Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade

do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo.” Assim escreveu Paulo

Freire sobre a importância da dimensão da corporeidade na pedagogia (Freire, 1996, p. 34).

Um dos desafios do prosseguimento da pedagogia de Jesus na contemporaneidade é

buscar uma nova compreensão para o corpo. As ações de Jesus quando curou uma doença ou

alimentou a multidão, estavam contemplando a necessidade do corpo. Nós somente podemos

experimentar a vida abundante no sentido pleno no corpo e não fora dela.

O conceito de corporeidade segundo Hugo Assmann: a Corporeidade não é fonte

complementar de critérios educacionais, mas seu foco irradiante primeiro e principal. (itálico

é do autor, Assmann, 1993, p. 77). No entanto, o mesmo autor escreve: na era da imagem,

experimentamos uma saturação de signos sobre acontecimentos corporais de toda índole. As

imagens corporais seqüestraram a substância dos corpos reais (Assmann, 1993, p. 75).

Assmann (1993, p. 106) defende que a Corporeidade (...) e a motricidade,

constituem a instância básica de critérios para qualquer discurso pertinente sobre o sujeito e a

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consciência histórica. Nessa mesma linha, Streck (2005, p. 133) afirma que “o corpo é

construído através da interação com o mundo em que a pessoa vive”. Estamos numa época em

que podemos apresentar uma visão antidualista da Corporeidade no centro do debate

educacional.

No entender de Assmann (1993, p. 112) o corpo é, do ponto de vista científico, a

instância fundamental e básica para articular conceitos centrais para uma teoria pedagógica.

A fé no cristianismo ocidental tem adotado a razão. Assim sendo, a fé torna-se

“coisa da cabeça”, ou então de assentimento afetivo, ou ainda de uma determinada maneira de

agir. Em qualquer das três alternativas parece que tem dificuldade com o corpo que pensa,

que sente e que age (Streck, 2005, p. 130). A tradição tomista, que marcou grande parte da

história da educação ocidental, enfatizava a racionalidade (Streck, 2005, p. 131).

A racionalidade protestante colocou a palavra, entendida muitas vezes como

linguagem falada e escrita, em lugar de destaque, eliminando ou menosprezando os símbolos

e mitos, próprios da linguagem da fé (Streck, 2005, p. 143).

As linguagens que predominam nas nossas igrejas são as linguagens descritivas que

formulam os conceitos e os dogmas. Por vezes nós somos influenciados e manipulados pela

linguagem motivacional. Sentimos a necessidade de educar e sermos educados por outro tipo

de linguagem (como a linguagem afetiva) que é capaz de contar as histórias que dão sentido à

vida dos educandos.

O educador, Rubem Alves procura resgatar essa linguagem levando-nos ao mundo

das possibilidades. Rubem Alves conta histórias para grandes e pequenos. Sua pedagogia está

formulada basicamente em histórias. Dessa forma, ele luta contra o cientificismo.

Segundo Streck (2005, p. 138) a linguagem tem sua origem na incompletude

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humana. Ela nasce da ausência, da saudade, enfim, daquilo que falta ao corpo. “Fala o corpo

porque falta algo ao corpo”. Ela é o meio através do qual o corpo é construído e pelo qual o

corpo se estende, se completa. Educar é ensinar e aprender uma determinada linguagem, uma

determinada maneira de se relacionar com o mundo e com as pessoas.

O conceito de Corporeidade considera a pessoa humana no seu todo, superando

uma determinada visão mentalista, que é tão comum nas pedagogias tradicionais e modernas

(inclusive iluministas). A idéia da Corporeidade articula necessidade e desejo no ensino-

aprendizagem.

Segundo Maria (2002, p. 52) a dialética mente-cérebro é um estudo emergente na

antropologia, que busca compreender e trabalhar a pessoa não apenas a partir da mente, mas

de uma compreensão do todo. Neste sentido, a pedagogia não pode perder de vista esta

investigação, mas obter elementos para maior compreensão para a educação.

A pedagogia usualmente tem trabalhado a partir da concepção na qual o intelecto é

superior ao corpo; até a educação física trata, nesta ótica, o corpo como uma máquina que

deve ser exercitada (Maria, 2002, p.52). Nesse aspecto, a categoria corporeidade articula a

educação no seu todo (não só na educação física ou em determinado esporte) na dimensão da

dialética corpo-mente, onde os elementos se articulam mutuamente.

O pensamento grego é basicamente dualista, o corpo como mal e o espírito como

bem, enquanto a cosmovisão hebraica assume o corpo como o modo de existência no mundo.

Nesse sentido, a vida é a realização da própria pessoa que caminha neste mundo.

A educação pode promover um encontro da pessoa com o seu próprio


corpo, suas necessidades e desejos. (...) A tradição bíblica é rica em
exemplos de como o ensino de Jesus está intimamente ligado com a
restauração da saúde do corpo. Ao descrever Jesus como aquele que
pregava, ensinava e curava, os evangelhos indicam para a importância

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de se manter a visão da pessoa como uma unidade (Streck, 2005, p. 143).

O que predomina na educação mentalista são as palavras. Entretanto, as palavras

sempre são insuficientes para expressar a complexidade humana. Para se compreender de fato

a mensagem do outro, mais importante que atentar às palavras é compreender as ações. Nesse

sentido, Jesus não apenas agiu, mas ensinou que a vontade do Pai era a de que todos agissem

como ele. Assim sendo, a pedagogia de Jesus se processa nesta seqüência circular de (1)

palavra proferida, (2) demonstração pela sua ação e pelo relacionamento pessoal e (3) ensino

reprodutivo do seu agir pedagógico. Portanto, Jesus não somente fala mas age; não se

restringe a sua atividade única e individual, porém ensina para reproduzir outras pessoas que

participem nesse processo.

Os três momentos decisivos e cruciais da vida de Jesus: a encarnação, a morte e a

ressurreição, (o ritmo do tempo: forte – fraco – forte) todos estão diretamente relacionados

com o seu corpo. Na encarnação, Jesus toma o corpo e a sua existência e suas ações ganham

visibilidade. Na sua morte, o seu corpo foi ocultado, Jesus se tornou ausente. Na ressurreição,

voltou a aparecer, agora, com o seu corpo glorificado, através da qual a sua igreja é

inaugurada. Jesus foi assunto ao céu, para uma dimensão invisível aos olhos humanos. No

entanto, deixou sua igreja, posteriormente chamado também por Paulo, de Corpo de Cristo.

Por meio desse ajuntamento de cristãos, a mensagem e a obra de Deus tem tomado sua

corporeidade e visibilidade. Mas até que ponto no que se refere à profundidade e reflexão? A

nossa sugestão é que a educação cristã em diálogo com os estudos sobre os elementos da

contemporaneidade, possa resgatar essa dimensão da corporeidade tornando-a parte de sua

práxis consciente.

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2. Conclusão

Abordamos sobre alguns elementos da contemporaneidade que identificamos

relevantes para o nosso tema como a questão do Personalismo, da Intuição, da Universalidade,

da Autonomia do Sujeito e da Corporeidade.

Evidentemente não foi possível aprofundar em suas particularidades. Quanto a essa

tarefa, sugerimos a continuidade através das pesquisas futuras. Enquanto isso, limitamo-nos a

referir ao mínimo necessário e suficiente para alcançar o nosso objetivo: verificar a

importância de cada questão em relação à filosofia da educação cristã. Através do processo do

diálogo e da confrontação, procuramos identificar e apresentar vários insights para o intuito

de propor uma reflexão e revisão sobre a prática pedagógica das nossas igrejas.

Em termos gerais, as tendências da contemporaneidade são: o individualismo

radical e a negação do valor da racionalidade moderna, os quais vêm resultando na formação

da identidade fragmentada e a percepção da sociedade como desprovida de qualquer

historicidade. Diante dessa crise, a educação cristã tem a missão de buscar o paradigma da

cidadania o qual é desenvolvido por meio de permanente processo de educação para o

exercício da fé cidadã (Castro, 2000, p. 124). Este é o maior desafio da pedagogia cristã:

proporcionar uma educação no sentido de desprivatizar a fé e desse modo restaurar a

dimensão pública da fé cristã.

Em termos de aplicação prática nas nossas igrejas, sugerimos a implantação de uma

Pastoral da Cidadania22, a qual consiste no pastorado dentro e fora do âmbito de uma igreja,

estimulando a formação de ‘redes interativas horizontais’ com outros movimentos

22 Pastoral da Cidadania é o termo utilizado por Clovis Pinto de Castro (2000). Em meus estudos sobre esse
tema tenho privilegiado textos desse autor. A expressão pastoral não é tão popular no segmento das igrejas
evangélicas. O seu uso é mais comum nos setores progressistas e ecumênicos das igrejas cristãs, especialmente
entre aquelas que optaram por fazer teologia na perspectiva da libertação. Talvez o termo que mais se aproxima
do sentido da palavra pastoral para a maioria dos evangélicos seja Ministério.

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comunitários. Ao contrário da maioria das igrejas cristãs, que têm uma forte tendência à

privatização da fé, a Pastoral da Cidadania procuraria viabilizar a discussão para se

estabelecer os fundamentos e referenciais norteadores da ação da Igreja no espaço público.

Destacando-se nas suas funções de: sensibilização, conscientização, motivação e capacitação,

diante das inúmeras necessidades e de eventuais calamidades públicas, visando a

concretização do bem-estar mínimo, de justiça social, de igualdade para todos e de

democratização do poder local no qual a Igreja está inserida. A Pastoral da Cidadania

procuraria participar e manter o diálogo de cunho ecumênico e sóciopolítico com outras

entidades sociais. Ao mesmo tempo, na sua dimensão educativa, dedicar-se-ía na formação do

sujeito cidadão para que possa atuar diretamente em várias questões da pluralidade e zelar

pelo espaço público da nossa cidade.

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CAPÍTULO IV
IDENTIDADE CRISTÃ E IDENTIDADE NIKKEI: A QUESTÃO DA IDENTIDADE
CULTURAL

Neste capítulo pretendemos analisar a questão da identidade cultural sob a


perspectiva da educação cristã. A identidade cultural é um dos elementos da
contemporaneidade que consideramos bastante relevante pois trata do problema da crise de
identidade, inclusive no campo educacional.

1. A questão da Identidade Cultural

A educação envolve a formação da identidade. No entanto, cada indivíduo carrega

dentro de si uma bagagem cultural que é a sua identidade pessoal. A educação cristã busca a

formação de uma identidade cristã no indivíduo. No processo educacional, como será a

relação entre a identidade cristã com a identidade do indivíduo? De que maneira esta nova

identidade social vai articular com a identidade pessoal? Sobre esta questão e outros assuntos

a ela pertinentes estaremos refletindo nesse capítulo.

Segundo Gadotti (2004, p. 310), o grande tema da teoria da educação nos dias de

hoje é a chamada educação pós-moderna e multicultural. A realidade da educação

multicultural é devido principalmente à diversidade cultural existente no nosso mundo

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globalizado. É extremamente importante tratar da questão da identidade cultural no contexto

pedagógico.

Para desenvolver este assunto da identidade cultural, começaremos citando as

palavras de um cientista social:

“A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria


social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que
por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo
surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui
visto como um sujeito unificado. A assim chamada ‘crise de identidade’ é
vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslo-
cando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e aba-
lando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem
estável no mundo social” (Hall, 2005, p. 7).

O teólogo Jürgen Moltmann já em 1974 percebe que (...) quanto mais a teologia e a

Igreja procuram tornar-se relevantes para os problemas atuais, tanto mais são lançadas na

crise de sua própria identidade. Quanto mais elas buscam sustentar sua identidade nos dogmas

tradicionais, nas morais corretas, tanto mais irrelevantes e desacreditadas elas se tornam

(Moltmann, apud Zabatiero, 2005b). Assim sendo, a fé tradicional protestante está deixando

de ser relevante juntamente com o paradigma da modernidade. Para os protestantes, o passado

é a garantia da fidelidade à vontade de Deus. Do mesmo modo, é entendida na cosmovisão

hebraica, que a ação acabada de Deus na história é a garantia e o fundamento da fé judaica.

Devido as profundas mudanças ocorridas na estrutura das sociedades modernas no

final do século XX, as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e

nacionalidade começaram a se fragmentar. Até então, as paisagens culturais tinham fornecido

sólidas localizações para os indivíduos sociais. Nossas identidades pessoais estão mudando

para sujeitos não integrados. O fenômeno pode ser descrito como perda de um “sentido de si”

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estável, designado, por vezes de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo

deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural

quanto de si mesmo – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo (Hall, 2005, p. 9).

1.2. Conceito de identidade

Antes de nós adentrarmos na discussão do conceito de identidade, segue uma

referência interessante do cientista social Stuart Hall:

A identidade surge não tanto da plenitude da identidade interior que está


dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “pre-
enchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós
imaginamos ser visto por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos
buscando a “identidade” e construindo biografias que tecem as diferentes
partes de nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recaptu-
rar esse prazer fantasiado da plenitude (Hall, 2005, p. 39).

Na perspectiva bíblica, é provável que a nossa ansiedade pela busca de uma

identidade venha ocorrendo a partir da queda da humanidade, na pessoa de Adão. Desde então,

todos nós nos empenhamos nesta busca pelo que sentimos, por este algo que está faltando:

esta é a identidade.

De acordo com Tomaz Tadeu da Silva (2000, p.96-97),

“a identidade não é uma essência. Não é fixa, estável, coerente, unificada,


permanente. A identidade tampouco é homogênea, definitiva, acabada,
idêntica, transcendental. Por outro lado, podemos dizer que a identidade é
uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um
ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada,
inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas
e narrativas. As identidades tem estreitas conexões com relações de
poder.”

Segundo Woodward (in Silva, 2000, p. 9), a identidade é relacional, e é marcada

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pela diferença, esta por sua vez é sustentada pela exclusão do outro. A construção da

identidade é tanto simbólica quanto social (p. 10). No caso de grupos étnicos, as diferenças de

(identidade) são vistas como mais importantes que as outras (p.11). A redescoberta do

passado é parte do processo de construção da identidade (p. 12).

Assim, (...) a identidade marca o encontro do nosso passado com as relações sociais,

culturais e econômicas nas quais vivemos agora (...) a identidade é a intersecção de nossas

vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação

(Rutherford, 1990, p. 19-20, apud Woodward in Silva, 2000, p. 19).

“Identidade” e “crise de identidade” são palavras e idéias bastante utilizadas

atualmente e parecem ser vistas por sociólogos e teóricos como características das sociedades

contemporâneas ou da modernidade tardia. A globalização envolve uma interação entre

fatores econômicos e culturais, causando mudanças nos padrões de produção e consumo, as

quais, por sua vez, produzem identidades novas e globalizadas (Woodward in Silva, 2000, p.

20).

Dentro deste ambiente de crise de identidade, determinados grupos sociais tendem

a reagir tentando resgatar uma identidade supostamente comum e supostamente perdida, em

algum lugar no passado e no presente. Muitas vezes trata-se de uma “identidade imaginária”

fruto de um saudosismo da glória do passado, ou produto de uma contestação diante de um

desconforto ocasionado pela “crise de identidade” no presente. As pessoas envolvidas nesse

processo comportam-se como se ela existisse e expressam um desejo pela restauração da

unidade dessa comunidade imaginada (Woodward in Silva, 2000, p. 23).

As identidades são fabricadas por meio das marcas da diferença. (...) A identidade,

pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença (Woodward in Silva,

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83

2000, p. 40). De acordo com Silva (2000, p. 76), a identidade e a diferença têm que ser

ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo

transcendental, mas do mundo cultural e social. Na linguagem do Paulo Freire, elas não

pertencem ao campo da natureza mas sim da cultura, são fabricadas no contexto de relações

culturais e sociais (1979, p. 116). Cabe também notar que na perspectiva bíblica, a identidade

cultural “existente” da maneira como está representada não pode ser considerada como dom

de Deus, pois ela se encontra em constante transformação (ou deformação e deturpação)

principalmente a partir da Queda do homem. Nesse sentido, a identidade e a diferença são

criações sociais e culturais.

1.3. O papel da educação na formação da identidade

A questão da identidade se torna um problema pedagógico porque os educandos em

uma sociedade permeada pela diferença, forçosamente interagem com o outro no próprio

espaço educacional e mais tarde isto se estende à sociedade.

Segundo Silva (2000, p.92) a pedagogia e o currículo deveriam ser capazes de

oferecer oportunidades para que as crianças e os/as jovens desenvolvessem capacidades de

crítica e questionamento dos sistemas e das formas dominantes de representação da identidade

e da diferença.

No campo educacional, as estratégias pedagógicas sobre a questão da identidade e

da diferença parecem girar em torno de como resolver a tensão social entre os diferentes que

dividem os espaços de relacionamento, na escola e no trabalho, estimulando e cultivando os

bons sentimentos e a boa vontade para com a chamada “diversidade” cultural, ou, tratando

psicologicamente das atitudes inadequadas de rejeição da diferença. Ou ainda, questionando a

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validade da identidade e da diferença mas, contudo, encorajando a ter uma mentalidade de

multiplicidade e não da diversidade de identidade. Para melhor entender citamos os escritos

de José Luís Pardo:

Respeitar a diferença não pode significar “deixar que o outro seja como
eu sou” ou “ deixar que o outro seja diferente de mim tal como eu sou
diferente (do outro)”, mas deixar que o outro seja como eu não sou,
deixar que ele seja esse outro que não pode ser eu, que eu não posso ser,
que não pode ser um (outro) eu; significa deixar que o outro seja diferente,
deixar ser uma diferença que não seja, em absoluto, diferença entre duas
identidades, mas diferença da identidade, deixar ser uma outridade que
não é outra “relativamente a mim” ou “relativamente ao mesmo”, mas que
é absolutamente diferente, sem relação alguma com a identidade ou com a
mesmidade (Pardo apud Silva, 2000, p.101).

1.4. A questão da identidade e do currículo

No Antigo Testamento, Javé através da revelação (Torá) conduziu o povo de Israel

em direção da formação da identidade. A lei mosaica serviu como sistema classificatório para

separar o povo de Israel das demais nações. O código da lei ditava as normas de procedimento

em todas as dimensões da vida. Os preceitos negativos e positivos, de “não pode fazer e pode

fazer”, delimitaram os critérios do que é correto e do que é errado. Principalmente as leis

rituais proibiam certos costumes rituais e cúlticos da religião cananita para que não houvesse

uma associação a esta idolatria. A educação consistia nesse contexto, na “separação” de um

povo, constituindo uma diferença em relação aos demais povos ao redor. Dessa forma, para o

povo de Israel, o conceito da santificação ou da santidade exerceu um papel importante no

processo da sua formação como uma nação distinta de outros povos.

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O conceito de sagrado e profano tem sido um conceito universal para qualquer

sistema de religião. Na tradição judaico-cristã isto se expressa na idéia da santificação. A

santificação tem seu significado original de “separação”, dedicar uma parte do todo para uma

função específica. Portanto, para ser completo, a santificação encerra em si a idéia de destino

das coisas separadas. Por exemplo: quando tomamos um alimento e uma parte é queimada no

fogo e outra parte é usada como refeição. Assim também, quando houve a separação dos

levitas das demais tribos para o serviço no tabernáculo. Em outras palavras, algo neutro é

separado para uma determinada finalidade: uma parte é destinada ao sacrifício e outra parte

destinada para cumprir uma outra função.

É diferente da idéia de purificação. Para trazer uma oferta, o indivíduo tem que estar

num estado de purificação, no sentido de não estar sujo, não estar contaminado. Portanto, a

purificação é uma atitude passiva enquanto que a santificação é uma atitude ativa.

As leis da pureza ritual regulamentavam o puro e o impuro, o santo e o comum,

organizavam a vida diária dos israelitas. Essas leis mantinham no povo a consciência do santo.

A polaridade entre a vida e a morte coincide com a polaridade entre o puro e o impuro. A

morte era, acima de tudo, uma contaminação. A morte é o oposto da santidade. O santo, desse

modo, é a fonte de vida (LaSor, 1999, p. 100).

Na lei de Moisés alistam-se os preceitos sobre a alimentação, o que se pode comer e

o que não se pode comer a partir do critério de animais puros e animais impuros. Aquilo que

comemos pode dizer muito sobre quem somos e sobre a cultura na qual vivemos.

Posteriormente, a comida judia é chamada de kosher e a proibição de certos alimentos vai

distinguir as identidades que estão incluídas em um sistema particular de crenças, daqueles

que estão fora dele.

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As distinções entre “os de fora” e “os de dentro” seguem as mesmas categorias do

sagrado (limpo) e do profano (não-limpo), que são produtos de sistemas culturais de

classificação com o objetivo de criação da ordem. Este é um dos conceitos muito fortes

inclusive na cultura japonesa a qual se expressa na palavra “Gaijin” (estrangeiro), refletindo

bem essa idéia.

1.5. A identidade cultural e a identidade cristã

Depois de ter apontado algumas características da formação da identidade judaica, a

pergunta que surge é esta: qual é a base da identidade cristã?

W. Pannenberg (1977) argumenta que o ensinamento bíblico sobre a


igreja não começa com a igreja e sim com a teologia do reino de Deus.
Dessa forma a auto-compreensão da Igreja baseia-se em sua ligação com
o reino de Deus e com o povo de Deus no Antigo Testamento (Sathler-
Rosa, 2004, p. 74).

É nesse sentido que a identidade cristã deve ser desenvolvida, isto é, a partir da

identificação com o conceito do reinado de Deus e com a narrativa bíblica da comunidade de

Israel. O que observamos é que a maior parte do ensino bíblico nos círculos pentecostais

brasileiros é feita com base nas narrativas dos livros do Tanach 23 , a saber do Antigo

Testamento, o que contribui para a formação de sua identidade pentecostal.

A base da identidade cristã protestante tradicional deve ser proveniente da reforma

do século XVI pois a reforma protestante buscou sua identidade própria resgatando a tradição

bíblica. A tradição bíblica, por sua vez, é proveniente da cosmovisão hebraica (AT) e o

hebraísmo helenizado (NT). No entanto, do nosso ponto de vista, o resgate da tradição bíblica

foi incompleto porque o movimento da reforma fez uma leitura ocidental da tradição bíblica.

23 Tanach é a abreviação de Torá, Neviim e Ketuvim, as três partes da Bíblia Hebraica.

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E na busca da sua identidade teve uma preocupação maior em definir as diferenças em relação

a Igreja Católica romana e o Judaísmo. O que chama a nossa atenção é o formato da Escritura

que foi passado (não propriamente o seu conteúdo). Se realmente a preocupação era a de

resgatar a tradição bíblica, deveria ter sido adotada a estrutura da Bíblia Hebraica e não a da

Septuaginta e Vulgata, pois a estruturação da Bíblia acaba definindo a linha de interpretação e

a maneira de tratar o conteúdo das Escrituras.

O cânon hebraico que é a forma original da Escritura, tem sua designação tripartida,

as quais o próprio Jesus utilizou no evangelho: “lei”, “lei e os profetas” ou “Moisés e os

profetas” ou “Moisés, os profetas e os salmos” (Lc 24:27,44) Abaixo classificamos os livros

da Escritura de acordo com a estrutura da Bíblia Hebraica (Tanach):

Livros do Tanach (Cânon Hebraico)

Torá (Pentateuco):

Gn, Ex, Lv, Nm, Dt

Neviím (Profetas):

Js, Jz, Sm, Rs (Profetas Anteriores)

Is, Jr, Ez, Os Doze (Os- Ml) (Profetas Posteriores)

Ketuvim (Escrituras):

Sl, Pv, Jó, (Sabedoria)

Ct, Rt, Lm, Ec, Et (Os Cinco Megillot)

Dn (Apocalíptico)

Ed, Ne, 1-2 Cr (Histórico)

No cânon cristão, há uma divisão mais claramente delineada em três partes, que

corresponde à distinção dos tempos: passado (obras históricas), presente (Salmos, Provérbios)

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e futuro (profetismo). Esta estruturação foi introduzida, a partir da Septuaginta (tradução

grega) e depois por meio da Vulgata (versão latina) e mais tarde, o movimento da reforma

acabou adotando-a para a nossa Bíblia.

Cânon Cristão

Gn, Ex, Lv, Nm, Dt, Js, Jz, Rt, Sm, Rs, Cr, Ed, Ne, Et (Livros Históricos) - PASSADO

Jó, Sl, Pv, Ec, Ct (Livros Poéticos) - PRESENTE

Is, Jr, Lm, Ez, Dn, Os, Jl, Am, Ob, Jn, Mq, Na, Hc, Sf, Ag, Zc, Ml (Livros Proféticos) -

FUTURO

Esta divisão dos livros da Bíblia, Passado-Presente-Futuro, é baseada no conceito

do tempo segundo a cosmovisão grega o que proporcionou uma alteração da composição

original da Bíblica Hebraica.

Os ocidentais representam o tempo em uma linha reta que segue para a frente e para

trás. Consideramos à nossa frente, a existência do Futuro e atrás de nós, o Passado. O Presente

é onde nos encontramos. Entre o Presente e o Futuro está o Futuro do Pretérito. Atrás de nós

está o Perfeito, e mais atrás está o Imperfeito, e além deste está o Pretérito-Mais-que-Perfeito

(Boman, 1958, p. 199)24. Isso implica que nós os protestantes, temos a tendência de classificar

os livros do Pentateuco e os Profetas anteriores como sendo a história do passado, embora

esses livros ainda contenham as promessas do futuro para Israel. Os livros dos Profetas

posteriores são vistos como abordando assuntos do futuro escatológico, no entanto, de acordo

com o propósito original desses escritos não se restringem apenas a esse tema escatológico.

Por sua vez, a representação do tempo dos semitas está ligada intimamente ao seu

conteúdo. Portanto, sem o conteúdo do tempo, nunca poderá existir o referido tempo. O

24 tradução pessoal

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tempo é a idéia do fenômeno. O tempo é o fluir do acontecimento. O “tempo da alma” flui

dentro do ritmo. E esse ritmo é de contraste. “Há tempo de nascer e tempo de morrer (...)” (Ec

3.2-8). Os dois extremos abrangem a etapa intermediária (Boman, 1958, p. 226)25. O aspecto

do tempo é abordado na língua semítica a partir da perspectiva de que uma ação foi completa

ou não (incompleta), este se distinguindo da estrutura lingüística indo-germânica que possui

três tempos de verbo (passado, presente e futuro) (Boman, 1958, p. 234)26.

No entanto, temos que reconhecer a contribuição da helenização na formação do

Novo Testamento e da fé cristã. principalmente no que concerne à concepção da história. Os

hebreus com a sua religião da história e os gregos com a sua ciência da história, ambos

contribuíram para a humanidade (Boman, 1958, p. 6)27. O cristianismo histórico tem sido um

resultado da integração dessas duas correntes de pensamento: o hebraísmo e o helenismo.

Segundo Zabatiero, a fé cristã, em sua versão protestante, não é moderna, nem

pós-moderna, o mesmo valendo para a sua experiência do tempo e da identidade. A dimensão

do tempo na fé cristã é a tensão escatológica do já / ainda não (Mc 1:14-15), é a futuridade de

Deus que invadiu o presente (passado para nós) da história e o preencheu de um novo sentido

e de uma nova dinâmica.

Dessa forma, na perspectiva do Novo Testamento, a identidade cristã não se

configura, nem a partir do passado, nem a partir do presente – mas do futuro que se fez

história em Jesus. Não se configura nem a partir do tendo-sido, nem do sendo, mas do

pode-vir-a-ser que, a partir do passado já se faz presente historicamente. Nesse aspecto, a

identidade então não se resgata (fixação do passado), nem se perde (temor do presente), mas

25 tradução pessoal
26 tradução pessoal
27 tradução pessoal

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se constrói. Sustentando nesse sentido que a identidade nunca é fixa, mas é fluida. A

identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em

relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que

nos rodeiam (Hall, 1987).

A educação cristã visa a construção de uma nova identidade – a identidade cristã.

Este consiste em substituir a nossa velha identidade cultural (construída a partir de uma

cultura dominante local) para uma identidade cristã.

Seguindo o pensamento de Moltmann, ser cidadão do reino significa viver como se

já vivesse no tempo do cumprimento escatológico. Isto exige que vivamos pela fé porque

ainda convivemos em meio a cultura do mundo onde predomina a cultura da velha

civilização.

Se nós, de alguma forma desejamos construir uma unidade em torno de uma

identidade, devemos ter em mente esses três conceitos, ressonantes daquilo que constitui uma

cultura nacional como uma “comunidade imaginada”: as memórias do passado; o desejo por

viver em conjunto; a perpetuação da herança (Hall, 2005, p. 58) Pois, as nações modernas são,

todas culturalmente híbridas. Também a raça é uma categoria discursiva e não uma categoria

biológica. Ultimamente as teorias da raça vem sendo substituídas por definições culturais

(Hall, 2005 p. 63).

Nesse sentido, estamos confirmando a tese de que, o que define ser nikkei28 não é

necessariamente a sua consangüinidade mas sim a sua identificação com a cultura.

28 Definição da identidade nikkei extraído do site do Projeto Internacional de Pesquisa sobre os Nikkeis: São
(...) pessoas de origem japonesa e seus descendentes, que tenham imigrado para outros países e criado
comunidades e estilos de vida com características únicas dentro do contexto das sociedades em que vivem. São
considerados nikkeis aqueles que voltaram ao Japão, onde passaram a constituir identidades distintas da
população japonesa.

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Só se pode falar em comunidade quando se tem valores comuns entre os


seus membros, traços de semelhanças entre eles. Afinal, esta identificação
é que determina a relação de pertinência entre a comunidade (conjunto) e
seus membros (elementos). E este traço não pode ser reduzido à etnia, à
consangüinidade e ao nome da família [...] Assim, para se definir o traço
identificador de comunidade há que se adicionar outros quesitos [...]
como hábitos alimentares, língua, valores éticos e morais, e tantos outros
que, em gênero, vêm caracterizar os traços de existência de uma deter-
minada cultura [...] assim, penso que etnia, consangüinidade e nome não
são requisitos de comunidade, ao passo que cultura, sim, é requisito fun-
damental. (André Ryo Hayashi. apud NINOMIYA, Masato. Op.cit., p. 62,
63).

Pode se concluir que a questão da identidade cultural é decisiva para delimitar tanto

qualitativamente quanto quantitativamente os membros que se classificam como nikkei.

1.6. A tradição e a tradução da identidade

A conseqüência da globalização pode proporcionar o fortalecimento de identidades

locais ou a produção de novas identidades (Hall, 2005 p. 84). A primeira pode ser vista na

reação defensiva daquelas pessoas que se sentem ameaçadas pela presença de outras culturas:

ex. ascensão do nacionalismo. O segundo é o fenômeno da multiplicação das novas

identidades defendendo o interesse dos seus grupos étnicos, políticos, preferências sexuais e

outros.

Algumas identidades gravitam ao redor daquilo que denominamos “tradição”,

quando se tenta recuperar a pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas

como tendo sido perdidas. “Tradução” é a aceitação de que as identidades estão sujeitas ao

plano da história, da política, da representação e da diferença. Pelo que verificamos

anteriormente, embora existam estas duas tendências, consideramos mais razoável pensar em

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termos de tradução da identidade, caracterizada pela formação de uma cultura híbrida.

Como define Hall (2005, p. 89): as culturas híbridas constituem um dos diversos

tipos de identidade distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia. Dentro

dessa linha, podemos entender que os apegos irracionais ao local e ao particular, à tradição e

às raízes, aos mitos nacionais e às “comunidades imaginadas”, seriam gradualmente

substituídos por identidades mais racionais e universalistas (Hall, 2005, p. 97). A educação

cristã deve buscar o desenvolvimento da identidade cristã considerando esses fatores da

contemporaneidade.

Quanto ao hibridismo também não está isenta de críticas. De acordo com Silva

(2000, p. 87) o hibridismo (...) tem sido analisado, sobretudo, em relação com o processo de

produção de identidades nacionais, raciais e étnicas. O hibridismo (...) coloca em xeque

aqueles processos que tendem a conceber as identidades como fundamentalmente separadas,

divididas, segregadas. (...) As identidades que se formam por meio do hibridismo não são

mais integralmente nenhuma das identidades originais, embora guarde traços delas.

Os processos de hibridização estão ligados às histórias de ocupação, colonização e

destruição. Na história bíblica podemos citar o caso dos Samaritanos, que são resultados de

uma miscigenação entre os israelitas e outros povos que foram deslocados à Palestina em

conseqüência da política de dominação adotada pelos grandes impérios mundiais daquela

época. Assim sendo, a maioria dos casos, a hibridização é forçada e são originadas de relações

conflituosas entre diferentes grupos étnicos. Por exemplo, cada povo do continente europeu é

constituído de nações híbridas, em conseqüência de grandes movimentos demográficos

ocorridos no passado.

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1.7. O reinado de Deus e a ética cristã

Citamos anteriormente que a idéia do reinado de Deus tem uma relação intrínseca

com o processo de formação da identidade do povo de Deus. Nos evangelhos, Jesus inicia o

seu ensinamento proclamando a chegada do reinado de Deus. O reinado de Deus é um evento

futuro que já está acontecendo, qualificando o presente. Conforme referido anteriormente, a

nossa identidade cristã deve ser construída a partir do futuro. O reinado de Deus é a dimensão

espaço-temporal onde acontece o governo de Deus. Nesse aspecto, distinguimos do conceito

de reino de Deus, na sua plenitude do evento estritamente escatológico. Qualitativamente, o

reinado de Deus é de iniciativa divina: a intervenção salvífica ao mundo caído e à

humanidade pecadora. Nesse sentido, o reinado é um dom divino oferecido aos seres

humanos. No entanto, apesar de ser um dom gratuito, existe espaço para a participação

humana no seu processo de construção, o que implica na necessidade de agir em prol do

reinado de Deus. Deus nos convida a fazermos parte deste reino. Nós o acolhemos com

gratidão, em conseqüência, o reino é expandido por meio do agir do seu povo, junto com o

poder do Espírito Santo.

A ética judaica é a prática da vontade de Deus revelada em Moisés e nos profetas.

Nós cristãos, buscamos a ética de Jesus tendo o reinado de Deus como horizonte da nossa

compreensão. A ética de Jesus deveria ser nosso princípio de ação no viver cristão, e na

prática da justiça.

1.8. A cultura e a ética do reinado de Deus

Os princípios contidos na ética se concretizam na execução da moral nas formas de

normas e leis aplicáveis num determinado contexto cultural. O problema surge exatamente

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nesta transição da forma ética para a moral, conforme aponta o teólogo católico José Roque

Junges:

Sempre que os cristãos substituíram a genuína ética de Jesus por morais


convencionais, identificadas com determinada cultura, afastaram-se dos
valores evangélicos. Adesão aos valores do Reino é a pedra de toque da
autenticidade do testemunho dos cristãos e critério da sua fidelidade à
mensagem de Cristo. O contínuo confronto com a ética de Jesus é uma
exigência imperiosa para a atuação dos cristãos na sociedade (Junges, p.
208).

Nesse sentido, seria interessante distinguir entre a ética e a moral. A ética explicita

valores e princípios, enquanto que a moral expressa-se em normas e leis.

Segundo um estudo desenvolvido por Lauand, na concepção de Tomás de Aquino, a

moral é entendida como um "processo de auto-realização" do homem:

(…) Note-se que estamos caracterizando a moral, falando de realização (no


singular), e não de realizações (plural) nos diversos aspectos setoriais
(secundum quid...) da vida: finanças, saúde, status, etc... Pois a moral diz
respeito precisamente à realização; realização não deste ou daquele aspecto
parcial, mas a que afeta a totalidade, o que se é enquanto homem (…). A
moral, assim entendida, pressupõe antes e acima de tudo, o conhecimento;
um conhecimento que, insistamos, refere-se a um único fundamento: o
próprio ser do homem, a natureza humana. (…) Deste modo, toda norma
moral deve ser entendida como um enunciado a respeito do ser do homem; e
toda transgressão moral traz consigo uma agressão ao que o homem é. (…)
Nesta perspectiva, toda norma moral deve ser entendida como um enunciado
a respeito do ser do homem; e toda transgressão moral, o pecado, traz consi-
go uma agressão ao que o homem é. (…) Os imperativos dos mandamentos
("Farás x...", "Não farás y...") são, no fundo, enunciados sobre a natureza
humana: "O homem é um ser tal que sua felicidade, sua realização,
requer x e é incompatível com y".

Assim, a moral nos conduz no sentido de buscar uma auto-realização também na

área da religiosidade, além da tendência muito grande de cair no legalismo intolerante cuja

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essência é a auto-satisfação. Nesse aspecto, as religiões e seitas que dão ênfase na questão

moral estão oferecendo os produtos (as normas de cumprimento) que atendem a satisfação

dos seus adeptos. Pois nesse caso, o seu desempenho com relação ao cumprimento das

normas ou regras é diretamente proporcional à sua auto-realização.

Nesta perspectiva, a pregação e o ensino de Jesus estão mais relacionados com a

dimensão da ética e não da moral. A ética de Jesus não consiste num “pacote” de normas, mas

é algo a ser descoberto e desenvolvido no processo de caminhar, da busca midráshica e no

seu seguimento numa vida de discipulado. A ética de Jesus se manifesta na ação e na práxis.

Os cristãos, ao seguir a prática de Jesus, se conscientizam da sua autocompreensão, isso vai

definindo o contorno da identidade cristã e então o seu agir começa a se configurar como uma

expressão do reino de Deus.

A partir do ser e agir de Jesus condensados na sua prática, os cristãos

auto-compreendem-se em seu ser e agir no seguimento de Jesus. E esse seguimento exige

discernimento porque se trata de reproduzir esses valores criativamente, e não mecanicamente.

Assim sendo, confrontar-se com a prática de Jesus significa entrar em um processo de

autocompreensão como sujeito moral.

A prática da liberdade e do amor mostrada em Jesus (..) serve de referência para o

agir cristão. Sem esse referencial ético corre-se o perigo de absolutizar determinada moral,

identificada com certa cultura ou de esvaziar a fé cristã da sua radicalidade ética (Junges, p.

236). Não seria isso que ocorre em nossas igrejas, inclusive mais explicitamente nas igrejas

étnicas?

Jesus não é aquele que apresenta normas morais, mas sim, aquele que propõe os

princípios e valores do reino de Deus para que os educandos pensem e apliquem o que foi

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aprendido nos seus respectivos contextos. Esta é a maneira de Jesus ensinar. Esta é a sua

pedagogia.

1.9. A teologia narrativa e a identidade da comunidade

Segundo Joy A. Palmer (2005), uma das características da pedagogia de Jesus é a

presença da teologia narrativa. Citamos anteriormente que o currículo tem relação direta com

a formação da identidade. Nesse sentido, a formação da comunidade tem muito a ver com as

narrativas que são formuladas dentro daquele povo que compartilha os mesmos destinos e

identidade.

Segundo Bryant L. Myers (2002, p. 21), a importância de uma narrativa (um relato)

está no fato de que através desta, uma comunidade possa refletir sobre sua identidade e

propósito, achar espaço no mundo e no universo, encontrar o sentido da vida, saber o que se

pode mudar e como encarar o passado-presente-futuro. Podendo chegar assim à plena

compreensão do mundo em que vivemos. Em seguida, Myers faz uma confrontação entre o

relato bíblico e o ouvinte da narrativa, prosseguindo com os temas da Criação, Queda,

Libertação e demais elementos que vão convergindo até o centro do relato que é Jesus Cristo,

continuando com os relatos dos temas da igreja, Espírito Santo e a própria Bíblia. No final,

Myers nos convida a refletir sobre cada uma das etapas do processo de conscientização acima

com suas aplicações práticas.

O relato de Deus (a história bíblica) é completa do princípio ao fim. A primeira

instância engloba toda a história humana, e dentro desta, inclui o relato do povo no qual está

inserido também o nosso relato. Quando não temos a visão do todo, estamos desarraigados da

nossa identidade e vivemos alienados do sentido da vida. A humanidade necessita ser

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confrontada com a totalidade da narrativa bíblica pois se trata do relato que dá sentido e

direção a todos os demais relatos tanto o das comunidades quanto os nossos próprios. Desse

modo, o relato de Deus como narrador, é a fonte da nossa motivação, nossa visão e nossos

valores de missão para a realização do desenvolvimento transformador da sociedade.

Em relação à situação espiritual do povo de Israel, após o evento do Êxodo, Myers

(2002, p.32) faz a seguinte afirmação: “Bastou um dia para tirar a Israel de Egito, mas foram

necessários quarenta anos no deserto para tirar o Egito de Israel”.

O que é mais difícil: mudar a estrutura ou mudar a cultura de uma comunidade?

Talvez esta seja uma pergunta que tem surgido no pensamento de líderes eclesiais enquanto

enfrentam os problemas pertinentes à cultura organizacional. Nesse aspecto, esta questão

cultural tem sido um desafio constante no contexto atual da comunidade eclesial e nos ressalta

a importância da narrativa bíblica como recurso para a transformação da comunidade.

Myers (2002, p. 21) prossegue escrevendo:“Todos devemos ter algum tipo de

narração transcendente que dê resposta às perguntas de sentido e nos provê de uma direção

moral e um propósito social.”

Como ser humano que somos é provável que tenhamos uma necessidade muito

grande de continuar absorvendo os relatos grandiosos que processam uma conscientização

constante dentro de nós. A facilidade de ficarmos desarraigados e alienados do verdadeiro

sentido da existência é tamanha! Assim sendo, não é de se admirar que as pessoas da

comunidade retrocedam na sua visão e no propósito de vida se não continuarem lendo e

ouvindo a história bíblica na sua forma mais inspiradora.

No ambiente da nossa comunidade, a confrontação do relato bíblico com a vida de

cada um deve acontecer mais intensivamente no momento da pregação ou do estudo bíblico.

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Segundo Myers (2002, p. 21), deve haver a etapa seguinte: a convergência de relatos, ou seja

quando o relato do narrador está convergindo com o relato da comunidade, e assim

compartilhar juntamente um novo relato durante algum tempo. Identificamos que esta etapa

do processo seria equivalente a um momento de formulação de novas narrativas segundo a

teoria da educação pós-moderna proposto pelo educador Paulo Ghiraldelli Junior. (2002 p.

59), na qual as novas alternativas de ação cultural, social e política são criadas com a marca

da originalidade da própria comunidade. Não seria um modelo copiado e importado de fora

do contexto onde se encontra inserido, mas sim uma proposta carregada de propósito e

sentido que pode ser uma solução “encarnada” do próprio contexto local. É desse tipo de

exercício em conjunto que se começa a enxergar e também a se entender a problemática

segundo a perspectiva divina.

Segundo Bonino (2002, p. 71), na América latina, mesmo que os pentecostais se

caracterizem por adotar uma interpretação fundamentalista e hermenêutica dispensacionalista,

mantém uma maneira muito prática e interessante de “viver” a Bíblia. A objetividade (a busca

de “verdades” irrefutáveis) e a subjetividade (a inspiração no Espírito) se fazem presentes.

De acordo com Bernardo de Campos citado por Bonino (2002, p. 71-72), o crente

pentecostal quando lê (...) “sente-se parte do texto, ‘renarra’ a Bíblia, sente uma

congenialidade com o texto” que lhe permite atualizá-lo, revivê-lo em sua situação,

prolongá-lo. Nesse aspecto, nas denominações pentecostais já se exercia, na prática, uma

pedagogia muito semelhante ao da teologia narrativa.

No parágrafo que aborda a leitura bíblica como “insumo” básico da reflexão dos

pentecostais (Bonino, 2002, p.72), o autor alista três dimensões fundamentais da experiência

da Bíblia: a Bíblia como relato, a Bíblia como instrumento e a Bíblia como linguagem

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expressiva das vivências da fé. É motivo para nos admirarmos como os pentecostais há muitas

décadas atrás já tenham conseguido desenvolver o seu próprio método pedagógico tão

progressista, neste contexto latino-americano. No Brasil, nestes últimos anos apenas

iniciou-se a introdução da pedagogia sócio-construtivista no ensino primário.

Quanto à importância da teologia narrativa citaremos os escritos de Antonio Carlos


de Melo Magalhães:
“A teologia narrativa assume, cada vez mais, um debate importante no
debate teológico contemporâneo. O motivo para este crescente interesse é
o fato da narrativa ser tanto objeto hermenêutico, enquanto fonte literária
das Sagradas Escrituras e testemunho da fé real das comunidades, quanto
construção teológica alternativa a outras formas de teologia mais voltadas
para repetição dogmática ou rigidez científica. O contexto latino-america-
no apresenta um grande potencial teológico nesta direção, visto que os
cristianismos que aqui se encontram têm nos testemunhos de fé e, por
conseguinte, na reelaboração constante do sentido do Evangelho para as
pessoas, uma fonte rica para a reflexão teológica. Por isto, além da teolo-
gia narrativa ser importante para uma reflexão que contemple as formas
como nossas comunidades se estruturam e constituem sua fé, ela também
pode ser interlocutora fundamental no desenvolvimento de uma teologia
voltada para o dinâmico, rico e complexo campo religioso brasileiro."

A partir do que analisamos, podemos deduzir que, para que seja formada a

identidade é preciso contar-se a história. No contexto eclesial, podemos propor esta idéia no

sentido de situar a história de uma pessoa ou de uma coletividade dentro da história bíblica.

No caso específico da identidade do nikkei brasileiro, a construção da narrativa

como essa pode ser uma via para reconstituir sua identidade muitas vezes renegada e perdida,

pelo fato de, no processo da imigração sujeitarem-se a uma vida muito restritiva, sobretudo

pela proibição do uso da língua japonesa durante a 2ª Guerra Mundial ao mesmo tempo

sofrendo discriminação por serem súditos dos países do eixo. Esses nos parecem terem sido

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100

os motivos que ocasionaram uma ruptura e a fragmentação da sua história como um grupo

étnico cultural. Os vários depoimentos pessoais nos levam a deduzir que isso pode ser uma

das razões que fizeram a comunidade nikkei perder o orgulho de ser herdeiro da identidade

japonesa.

2. Conclusão

Consideramos a questão da identidade cultural como um dos fatores que afetam

profundamente o desenvolvimento da educação cristã na comunidade étnica. Referimo-nos ao

papel da educação cristã na formação de identidade, a relação entre a identidade cultural e

identidade cristã. A distinção entre a tradição e a tradução da identidade. A relação entre

reinado de Deus e a ética cristã. E finalmente, relatamos a importância da teologia narrativa e

a identidade da comunidade.

A identidade cultural não é fixa mas fluida e está em constante formação. Na

perspectiva bíblica, a identidade cristã é inspirada no conceito do reinado de Deus e na

narrativa bíblica do povo de Israel. Porém, ao mesmo tempo, a identidade cristã pertence

exclusivamente à dimensão da futuridade de Deus. Portanto, a identidade cristã é escatológica

mas ao mesmo tempo vem marcar a sua presença intervindo no tempo presente. Portanto,

pode ser semeada, cultivada e desenvolvida na mesma plataforma da identidade cultural. No

entanto, o caráter absoluto da ética cristã não pode ser perdida, ficando restrita a leis e normas

no contexto de uma determinada cultura, mas sim mantendo seu discernimento crítico entre a

tradição e a tradução da identidade, formando sempre uma identidade cristã totalmente nova

para cada contexto e cada comunidade local.

A identidade nikkei, na sua essência, uma identidade cultural. A formação da

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101

identidade cristã, neste contexto, significa a criação de uma nova identidade cujo resultado

não deve ser a tradição da identidade japonesa, nem a tradução da brasileira e tampouco da

nikkei, porém uma identidade jamais conhecida ou experimentada anteriormente. Isso porque

esta nova identidade pertence à dimensão escatológica bíblica que expressa os valores do

reinado de Deus. Somente a partir deste futuro é que se torna possível a construção de uma

comunidade em torno de uma identidade ideal denominada identidade cristã.

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CAPÍTULO V
DESAFIO EDUCACIONAL PARA A IGREJA METODISTA LIVRE –
CONCÍLIO NIKKEI

Neste capítulo pretende-se analisar o contexto sócio-econômico e educacional dos


imigrantes japoneses no Brasil, já que a Igreja Metodista Livre do Brasil nasce dentro deste
ambiente étnico e cultural. Depois faremos uma revisão histórica da formação desta igreja
destacando algumas características peculiares. No final, tendo como base os Parâmetros
Curriculares Nacionais (Ensino Religioso) como critério de avaliação, delinearemos uma
proposta pedagógica para a Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei.

1. Contexto histórico

A imigração japonesa ao Brasil iniciou no ano de 1908 quando os primeiros 781

imigrantes a bordo do navio Kasato-maru chegaram ao porto de Santos. A partir dali vieram

um total de 234 mil imigrantes. Atualmente, estima-se que existam, com seus descendentes,

cerca de 1,4 milhões de pessoas em todo o Brasil.

Segundo Suzuki (em citação de Sakurai, in Fausto, 1999, p. 215), a imigração

japonesa ao Brasil pode ser dividida em três grandes períodos, a saber: (1) de 1908 a 1923, (2)

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de 1924 a 1941 e (3) de 1952 a 1963.

Consideramos interessante proceder a análise em relação ao contexto sócio-

econômico deste período. A pesquisadora Célia Sakurai escreve:

A imigração japonesa para o Brasil é pensada com maior afinco no mo-


mento em que a economia cafeeira passa a necessitar de mais mão-de-
obra. Com a alta dos preços do café no mercado internacional no início
do século, os cafezais paulistas expandem a sua área de cultivo. Ao mes-
mo tempo, o governo italiano restringe a vinda de novos contingentes
para o Brasil em 1902, gerando carência de braços para os cafezais. Dian-
te deste quadro, os cafeicultores paulistas se decidem pela contratação
da mão-de-obra dos japoneses. (Sakurai, 1999, p. 206)

Esta é a característica do primeiro período (1908-1923), quando a maioria dos

japoneses veio para trabalhar nas fazendas que cultivavam o café, no entanto pensando em

retornar para o seu país de origem, com a idéia de “voltar rico para a terra natal” dentro do

menor prazo possível. No entanto, com o passar do tempo, os imigrantes japoneses passaram

a assimilar aos poucos a sua realidade, adaptando-se ao ambiente no qual estavam inseridos.

Assim sendo, ao invés de enviar dinheiro para o Japão, começaram a investir em seus

empreendimentos aqui no Brasil.

De acordo com Sakurai (1999, p. 202),

(...) o período entre 1908 até a Segunda Guerra Mundial tem um peso

singular na construção da identidade dos imigrantes japoneses no Brasil.

É quando afloram indagações sobre como imigrantes, com uma bagagem

cultural e histórica tão diferente, poderiam vir a fazer parte do tecido so-

cial sem entrar em conflito com a sociedade que os recebia. (..) Ela se

concretiza primordialmente por meio da sua identificação com o nicho

econômico da agricultura.

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O segundo período (1924-1941) caracteriza-se pela entrada dos imigrantes

japoneses não contratados pelas fazendas de café, mas de imigrantes espontâneos. São as

famílias que vieram trabalhar nas terras adquiridas pelas agências do governo japonês para

formações de colônias em várias partes do interior, principalmente no região sudeste.

Também este período coincide com a fase de transição para a produção de algodão

por lavradores japoneses no Estado de São Paulo. Segundo Sakurai (...) pois o ano de 1932 é

anterior aos grandes deslocamentos em função do algodão e 1938 é o ano do auge da

produção (1999, p. 235). Foi em 1936 que as Companhias de colonização como a K.K.K.K.

(Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha: Companhia Ultramarina de Empreendimentos) 29 , a

BRATAC (Brazil Takushoku Kumiai: Sociedade Colonizadora do Brasil Ltda.)30 e a Casa

Tozan 31 iniciam investimentos para a cotonicultura, fundando casas bancárias para o

financiamento de compra de terras, o futuro Banco América do Sul (hoje Sudameris).

Também, no mesmo ano, foi fundada a Brazcot, Sociedade Algodoeira Brasil-Japão Ltda.,

que cuida da técnica do cultivo, do beneficiamento, do escoamento da produção (90% são

exportados para o Japão e o restante vendido para as fiações nacionais). Desse modo, criando

uma cadeia de forma a dar aos imigrantes condições de se desenvolver em direção a uma

forma de vida como produtores independentes, isto é, de não assalariados.

O segundo período, entre 1924 e 1941, foi quando houve o maior número de

entrada com 137.572 (67.1%) imigrantes japoneses no Brasil. Foi neste período que ocorreu a

imigração tutelada. Assim denominada porque é amparada, desde o início, por meio de

29 Em 1917, as companhias de emigração japonesas que antes tinham atuado separadamente são todas fundidas
na Companhia Ultramarina de Empreendimentos, a Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (K.K.K.K.).
30 A BRATAC (Sociedade Colonizadora do Brasil Ltda.) foi fundada em 1928 com capital japonês. A colônia

formada pela BRATAC é o caso da cidade de Bastos.


31 A Casa Tozan (Monte Leste) é uma das companhias de colonização financiada pela família Iwasaki,

proprietária da Companhia Mitsubishi na época.

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orientações, ajuda e gerenciamento dos representantes do governo japonês. Portanto, o

empreendimento da imigração foi garantida por iniciativa do governo japonês, como parte da

sua política expansionista.

No entanto, com o início da Segunda Guerra Mundial, desmontou-se o esquema da

imigração tutelada. As relações diplomáticas entre os dois países se encerraram em 1941.

Houve inúmeras restrições durante a guerra, dentre elas, a proibição da compra e venda de

propriedades e a nacionalização de todas as empresas estrangeiras no país ocasionando um

impacto profundo sobre o processo de ascensão social e econômica dos imigrantes japoneses.

Desmoronou-se quase tudo o que os japoneses haviam construído até aquele momento. A

partir de então, a comunidade japonesa passou a buscar seus próprios rumos.

Nos anos do pós-guerra, ocorre uma reestruturação da colônia japonesa. O

deslocamento de famílias de origem japonesa para as cidades, em atividades ligadas ao

pequeno comércio e à prestação de serviços (tinturaria e outros), muda a feição da inserção

social dos japoneses em São Paulo, agora não mais restrita à agricultura.

2. Contexto educacional

Desde o século XIX, período conhecido como Era Meiji, o Império japonês investia

na educação orientada por uma política nacional-militarista para criar uma identidade

nacional, o orgulho japonês. Esta se consolidou com o chamado “Estado de consenso”

japonês, preparando o espírito do povo para as necessidades da guerra. Em grande parte, isso

se deve ao modelo educacional instituído no período (1926-45) expresso no Kokutai No

Hongi (Fundamentos da Política Nacional do Japão), que “ensinava” a autenticidade da

história mítica do Japão e propalava a sua imbatividade (Yamato Damashii) em mais de 2600

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anos. Estas são reinterpretações dos valores éticos tradicionais e religiosos do Xintoísmo

reformuladas na Era Meiji para reforçar a divindade do imperador.32

Com o objetivo de propagar a doutrina do culto ao Imperador e a obediência ao

regime militar, o exército japonês passou a controlar o sistema educacional, principalmente a

partir da década de 30.33 Desse modo, a instrução escolar tinha um papel fundamental para a

construção de uma identidade japonesa, bem como, o idealismo japonês, e como

conseqüência, a grande valorização do estudo para os japoneses. A partir de então, o

educando japonês foi sendo instruído na noção de superioridade da raça nipônica,

desenvolvendo a idéia de que era necessário se empenhar ao máximo, pois, o importante era

ser o melhor de todos. Com essa mentalidade implantado em cada súdito, o país se

desenvolveu em pouco tempo, sendo rapidamente modernizado a ponto de competir com as

poderosas nações do Ocidente.

Enquanto isso, o Brasil também vivia o tempo de um governo centralizador e de

orientação nacionalista. Após a vitória da revolução de 1930, Getúlio Vargas assumiu a

presidência provisória da República. Em julho de 1934, foi eleito presidente constitucional

pela Assembléia Nacional Constituinte. No entanto, em novembro de 1937 deu um golpe de

Estado, dissolvendo o Congresso e as assembléias estaduais, estabelecendo um governo

discricionário chamado Estado Novo (1937-1945). Foi em seu governo que se criou a polícia

32 “o sistema educacional do Japão, implantado na Era Meiji (1868-1912), enfatizava o caráter único da história
do Japão, com uma única dinastia – de origem divina – reinando desde o começo de sua existência. As correntes
ultranacionalistas, militaristas e expansionistas reforçaram essa ideologia, sustentando que o Japão era um país
invencível por causa das características singulares de sua história. E que tinha a missão de construir a Esfera de
Co-prosperidade da Ásia Oriental e até do ‘Mundo sob um teto’” COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DA
HISTÓRIA DOS 80 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL, Op.cit., p. 375
33 O início dos anos 30 no Japão marcou uma radical mudança de rumos na politica japonesa que se orientou, a
partir de então para uma escalada militar no continente asiático. Dentro e fora do exército japonês pregavam uma
“mobilização espiritual de todo o japonês cuja doutrina era baseada no: Kodô (caminho imperial), Yamato
Damashii (espírito imbatível) e Hakkô-ichiu (todo o mundo sob um só teto).

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política responsável por vigiar, perseguir e punir todos os que fossem considerados “inimigos

da nação”. Todos eram suspeitos, principalmente os estrangeiros. No dia 29 de janeiro de

1942, o Brasil declarou o rompimento de suas relações diplomáticas com o Japão. Com a

entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial, iniciou-se a política de repressão: a vigilância e a

perseguição aos japoneses ficaram mais intensas.34

O governo do Estado de São Paulo baixou uma lei estadual em abril de 1933,

regulamentando a educação dos filhos de estrangeiros. As medidas que mais diretamente

afetaram as escolas de língua nipônica foram: 1) a proibição do ensino de língua estrangeira a

crianças de menos de dez anos de idade; 2) o professor de língua estrangeira deveria ser

aprovado no exame de habilitação para a matéria; 3) os livros de ensino de língua estrangeira

deveriam ser previamente aprovados pelas autoridades fiscalizadoras; 4) proíbe-se o uso de

livros didáticos prejudiciais à formação do espírito nacional brasileiro. Essas medidas são

reforçadas em 1938, com a nova lei da imigração (decreto-lei), passando à restrição

estabelecida (no item 1) para 14 anos incompletos. As medidas restritivas tornam

praticamente impossível a manutenção de escolas estrangeiras. Em 25 de dezembro de 1938,

todas as escolas de língua estrangeira (na maioria japonesas, alemãs e italianas) são fechadas

(Kiyotani & Yamashiro, 1992, p. 129)

Assim, a partir de 1938, foram promulgadas as Leis Nacionais35, dentre elas, como o

decreto-lei que autorizava vigiar os estrangeiros por onde transitavam; determinavam onde

poderiam residir; proibiam as reuniões de estrangeiros fechando associações japonesas; foram

apreendidas publicações: livros, jornais, cartazes, panfletos, cartas e tudo o que estava escrito

34 Logo depois, em março de 1942, o governo brasileiro determinou o confisco de bens dos “súditos do Eixo”.
35 Entre elas, o decreto-lei nº 9.893-B de 31 de dezembro de 1938, mudou o nome de DEOPS (Delegacia de
Ordem Política e Social) para DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), ficando extinto o respectivo cargo
de Delegado Especializado.

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em idioma japonês. A polícia política estava autorizada a fazer incursões e apreender tudo, em

todos os lugares que fossem considerados suspeitos. Era proibido falar em público outro

idioma que não fosse a língua portuguesa. Os japoneses eram vigiados com maior rigor que os

demais súditos do Eixo (alemães e italianos), porque propagava-se que, o japonês, além de ser

fanático, era traiçoeiro e inassimilável, querendo dominar o Brasil, iniciando sua conquista

pelo Estado de São Paulo com o objetivo de construir aqui o “Império do Sol Poente” (Dezem,

2000, p.39). Provavelmente nessa época pairava a atmosfera de medo de um domínio sobre o

Brasil, sejam pelos comunistas, sejam pelos anarquistas, ou ainda quaisquer outros grupos.

No caso do povo japonês constituía-se a ameaça do Perigo Amarelo, pois, acreditavam que o

império japonês tinha planos de dominar o mundo e o Brasil era o ponto estratégico para se

dominar a América.

Todo esse clima de medo, perseguição e censura trouxe conseqüências desastrosas

para a colônia japonesa até hoje. Assim sendo, o fechamento de associações e escolas

japonesas, a proibição de se falar e escrever em japonês tem prejudicado os filhos de

japoneses na aprendizagem da cultura, costumes e língua japonesa. Como conseqüência, foi

se perdendo o orgulho e a valorização da etnia e cultura do povo japonês.

3. Questão da etnicidade e identidade

A partir da década de 80, com o movimento dekassegui, ou seja, a ida dos

descendentes japoneses para o Japão à procura de melhor condição de vida, tem ocasionado

uma mudança sobre a questão da etnicidade e identidade dos imigrantes e seus descendentes.

Os dekassegui, no entanto, trazem à luz uma questão fundamental para aqueles cujo

interesse esteja voltado para o entendimento de como operam os processos culturais e de

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identidade entre os imigrantes (Sakurai, 1998, p. 98).

O fato de denominarem a todos os não-japoneses de gaijin (estrangeiro) aponta a

tendência de criarem fronteiras para com os não-membros, ao mesmo tempo que criam a sua

identidade comum: a de japoneses (Sakurai, 1998, p. 94).

Segundo Sakurai (1998, p. 94), aquilo que marca a etnicidade dos japoneses no

Brasil é a diferença, cujas faces vão se modificando ao longo do tempo.

Com referencia a esta questão, Brito desenvolve em seu trabalho, no artigo “De

Escola de Língua Japonesa a Escola Visconde de Cairu: a construção da etnicidade em

Campo Grande” (1998, p. 51-68) como ocorreu a construção da etnicidade dos nikkeis em

cinco momentos da história. Dessa forma, os dois pólos: nós (japoneses) e eles (brasileiros),

foram mudando de uma relação de diferença para uma relação de semelhança, passando por

vários momentos da história:

1º momento de construção da etnicidade: quando os japoneses chegam a


Campo Grande e constroem a Escola de Chacrinha. (1918)
nós (japoneses) diferente de eles (brasileiros)
2º momento de construção da etnicidade: transferência da Escola para o
centro da cidade. Estabilidade, necessidade de dominar os códigos dos
brasileiros. (1924)
nós (japoneses) em posição de subordinação a eles (brasileiros)
3º momento de construção da etnicidade: Era Vargas. A homogeneização
do processo educativo e o abrasileiramento de descendentes de europeus e
asiáticos. (1931-1945)
nós (japoneses) ausentes em relação a eles (brasileiros)
4º momento de construção da etnicidade: Pós-Guerra – O “silêncio”
5º momento de construção da etnicidade: Atualidade – Japão voltou a ser
importante no cenário econômico internacional. (1950-1980)
nós (japoneses) em posição de superioridade sobre eles (brasileiros)
No Japão, inaugura-se um novo movimento quando os descendentes dos
imigrantes japoneses sentem-se brasileiros. (1980-)

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nós (descendentes de japoneses) diferentes “deles” (japoneses)


Essa experiência no exterior faz aflorar o sentimento de que “nós”
descendentes de japoneses somos brasileiros, ou seja, como “eles”.

Podemos dizer que nem todos passam por esses cinco momentos. Alguns podem

estar estagnados em um desses momentos. Porém, seria interessante que os membros da

comunidade compartilhassem esta experiência coletiva, ou ao menos se identificassem com

algum momento da construção da etnicidade.

4. A história da Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei

A Igreja Metodista Livre no Brasil foi fundada pelo rev. Daniel Masayoshi

36
Nishizumi, missionário que veio do Japão em 1928 e iniciou uma escola dominical na

Colônia Hirano (Cafelândia-SP), visando alcançar os imigrantes japoneses e seus

descendentes. Sua fundação foi oficializado no dia 1| de novembro de 1936, com o culto

inaugural na Rua Conde de Sarzedas n| 40, no bairro da Liberdade.

Desde o início, os trabalhos de evangelização se caracterizaram pela forma de

implantação das escolas dominicais iniciando na região de Mairiporã (Juqueri) e Vila Mariana

(Rua Luís Góes e Rua Onze de Junho), que se tornaram pontos de apoio para a evangelização

na cidade de São Paulo. A seguir foi fundada uma escola dominical na Rua São Joaquim n|

182, onde estava se estabelecendo o Pensionato e Escola Japonesa. Concentrou-se um grupo

de jovens nisseis (segunda geração de japoneses) no Pensionato e esse tornou-se o núcleo do

trabalho voltado para os brasileiros. Em 1946, logo após o falecimento do pastor Nishizumi,

houve a formação da Seção Brasileira da Igreja Metodista Livre.

Assim sendo, o trabalho dos nikkeis foi denominado de Seção Japonesa de São

36Fundação de outras igrejas étnicas japonesas no Brasil daquela época: Anglicana (1923), Igreja Evangélica
Holiness (1925), Exército de Salvação- Corpo Nikkei (1929).

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Paulo, posteriormente chamado de Concílio Nikkei. Desde então, foram realizados trabalhos

evangelísticos na grande São Paulo e no interior do Estado de São Paulo e Paraná. Foram

fundadas as igrejas nos seguintes locais: São Paulo (1936), Itapevi (1938), Embura (1939),

Campos do Jordão (1947), Marília (1949), Barretos (1949), Lins (1950), Apucarana (1955),

Indaiatuba (1957), São Paulo-Norte (1962), Pinheiros (1963), São José dos Campos (1963),

São Paulo-Leste (1963), Diadema (1964), Londrina (1968), Campinas (1970), Liberdade

(1979), Mogi das Cruzes (1986), Sorocaba (1991), Jordanópolis (1990) e Jardim Planalto

(1997).

A Igreja Metodista Livre do Brasil teve um período considerável de crescimento

acelerado (1948-1959) em que a igreja cresceu de 136 para 1091 membros em onze anos,

obtendo o índice de crescimento médio de 20 % ao ano. Posteriormente este índice foi caindo

para 3.6 a 2.7 % ao ano.

Mizuki (1978, p. 82) aponta vários fatores para este crescimento vertiginoso nesse

período: (1) Ajuda financeira da Junta de Missões Americana para os pastores japoneses. (2)

Avivamento espiritual que teve início em 1947. (3) O uso da língua japonesa na Escola

37
Dominical . (4) O fenômeno de urbanização e industrialização do país. (5) O envolvimento

de leigos no trabalho de evangelismo.

Um dos fatores do crescimento numérico apontado por Mizuki é a postura adotada

pela Igreja Metodista Livre de não comentar sobre “a vitória ou a derrota do Japão”. Em

1945, a segunda guerra mundial teve seu fim com a rendição incondicional do Japão ou seja,

pela derrota do Japão. No entanto:

Praticamente isolados e contidos pelo aparato repressivo do governo que

37 Fator esse, que mais tarde torna-se prejudicial para o crescimento da igreja na fase em que as crianças e
jovens foram sendo assimilados pela cultura brasileira.

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os vigiava permanentemente, os japoneses se viram impossibilitados de


manter uma fonte segura de notícias sobre o decorrer da guerra, além de
estarem proibidos de cultivar suas tradições. (...) Mas grande parte da
comunidade não estava preparada para enfrentar a notícia da derrota do
Japão (Dezem, 2000, p. 48).

Isso fez com que se espalhasse o boato de que o Japão não teria sido derrotado. Este

assunto sobre a vitória ou a derrota do Japão dividiu a sociedade japonesa em duas facções.38

Enquanto as igrejas episcopal e holiness tomaram a postura de estar ao lado dos

derrotistas (makegumi) envidando seus esforços para esclarecer a questão (ninshiki-undo:

movimento de conscientização), a Igreja Metodista Livre tomou a postura de que a prioridade

era a comunicação do evangelho tanto para o katigumi (vitoristas) quanto para o makegumi

(derrotistas). Numa tentativa de ser amigável para ambos, supondo que, se fossem salvos, o

que é essencial, eles viriam a conhecer a verdade, mais cedo ou mais tarde. Essa postura

ajudou a Igreja Metodista Livre a alcançar as pessoas de ambas as facções (Mizuki, 1978, p.

87).

No entanto, essa postura foi, em certo sentido, uma atitude ingênua, pois não

estavam considerando que a conversão é um processo contínuo, que se estende pela vida toda

(Loffler apud Bosch, 2002, p. 494), pois, a redenção jamais é salvação para fora deste mundo

(salus e mundo) mas sempre salvação deste mundo (salus mundi) (Aagaard apud Bosch, 2002,

p. 477). É provável que na Igreja Metodista Livre, a ênfase estava na decisão pessoal por

Cristo, na conversão dos pecados pessoais, ao invés da concordância intelectual com certos

38 A única distinção que surgiu no seio da jovem colônia, apos o fim da 2ª Guerra e a derrota do Japão, foi a de
dois grupos: os chamados “vitoristas” (katigumi ou kioko) que, devido à falta de fontes de informação e pelo fato
de a maioria viver quase que isolada no interior do Estado de São Paulo, acreditavam na vitória do Japão na
Guerra, e os “esclarecidos” ou “derrotistas” (makegumi ou háissen), grupo formado pelos que tinham acesso aos
meios de comunicação em língua portuguesa, possibilitando assim a formação de uma consciência da verdade e
que, por esses motivos propagavam que o Japão havia perdido a Guerra. A maioria dos imigrantes,
aproximadamente 70%, acreditava que o Japão não havia perdido a guerra (Dezem, 2000, p. 50).

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princípios teológicos. Portanto, ignorou o pecado estrutural que era o nacionalismo

exacerbado que não aceitava a verdade da derrota na guerra. À semelhança dos protestantes

evangélicos adeptos do reavivamento, adotaram o modelo iluminista de causa e efeito; depois

que as pessoas houvessem sido evangelizadas e convertidas, seguir-se-ia, inevitavelmente,

uma melhora moral (Bosch, 2002, p. 384). Assim sendo, esperavam que uma vez que as

pessoas se convertessem, automaticamente despertavam-se para a verdade do fato histórico.

Porém, ao médio e longo prazo, essa postura apolítica da igreja ao contrário do que se

esperava, não produziu bons resultados. Isso porque “passar por cima” desse assunto sem ter

uma posição definida, portanto sem refletir pastoralmente, fez com que mais tarde o fato

viesse a afetar profundamente a formação da identidade cristã e do ideal do reino de Deus. O

resultado disso foi o decréscimo do número de membros ocorrido nas décadas seguintes

quando houve uma conscientização e secularização das famílias nikkeis.

Há um relato do Dr. Masao Kinoshita, o primeiro advogado japonês no Brasil, que

posteriormente se tornou pastor emérito da Igreja Metodista Livre de Saúde, no qual

menciona que na época, como advogado, participava ativamente das reuniões do “movimento

de conscientização” na colônia japonesa. Nessa ocasião, ele foi evangelizado pelo pastor

Nishizumi que também participava nessas reuniões (Takiya, 1976, p.96). Apesar dessa

postura do fundador Nishizumi, a igreja Metodista Livre como um todo, não seguiu este

exemplo, interessada apenas e exclusivamente na dimensão da alma ou do espírito das

pessoas.

Quanto à escola dominical, Takiya (1976, p.57) relata que o fato da missão da

Igreja Metodista Livre ter sido iniciada com a evangelização de crianças, caracterizou a

singularidade deste rebanho. O ensino religioso das crianças na escola dominical não era

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apenas um atrativo para as mães (ou pais), mas sim considerar os pequeninos como símbolos

do reino de Deus e conduzi-los seria a missão primordial da igreja. As atividades de escola

dominical eram realizadas com tal convicção que a maioria das igrejas repetiram e têm

repetido esse modelo até aos dias de hoje.

Analisando o gráfico de crescimento da igreja nesse período, percebemos que o

crescimento bem como a diminuição do número de alunos da escola dominical antecede o

crescimento e diminuição da membresia da igreja enquanto denominação. Ou seja, a relação

entre a freqüência da escola dominical e a membresia é diretamente proporcional, como se

observa no gráfico, o impacto do decréscimo na escola dominical que reflete na queda do

número de membresia dez anos depois.

A partir do ano de 1960, houve um declínio no índice de crescimento da membresia

que pode ter sido conseqüência do declínio da freqüência da escola dominical. O que teria

acontecido? De acordo com Mizuki (1978, p. 89), uma das respostas pode ser o prolongado

uso da língua japonesa. A língua japonesa foi o fator de atração no período pós-guerra. Porém,

no decorrer do tempo, a língua japonesa foi se tornando cada vez mais difícil para as crianças.

Na medida em que houve a ascensão social das famílias japonesas, podemos presumir que os

próprios pais das crianças não mais se interessavam pela língua japonesa.

Na década de 80, em várias igrejas do Concílio Nikkei, os grupos dos nikkeis da

39
segunda geração iniciaram o culto próprio (em português) à parte da igreja.

Conseqüentemente, a igreja separou-se administrativamente em duas alas: ala em japonês e

ala em português. O conflito entre as gerações deve ter sido causada não apenas pela barreira

39 A formação da ala em português geralmente ocorria com a designação de mais um pastor que recebia uma
responsabilidade pastoral daquele grupo (em português), este fato ocorreu nas seguintes datas: Igreja da Saúde
(1982), Igreja de Campinas (1983), Igreja São Paulo-Norte (1984), Igreja de Pinheiros (1985), Igreja da
Liberdade (1986).

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da língua, mas também pelo conflito de duas cosmovisões distintas: de um lado oriental e do

outro ocidental. De um lado a identidade forte dos imigrantes e de outra a identidade dos

descendentes que se encontrava em crise. Esse conflito de civilização que havia entre eles

estava tornando insuportável a convivência no mesmo culto e nas demais atividades da

igreja.40 É provável a ocorrência deste fato ocorreu mais intensamente no Concílio Nikkei do

que nas outras denominações devido ao número reduzido de nisseis (segunda geração) que

permaneceram nas igrejas. A segunda geração (os nisseis) é que poderia ter exercido o papel

de “ponte de ligação” entre a primeira geração e os demais descendentes, sendo conhecedor

de ambas as culturas e podendo dialogar em ambas as línguas se identificando com ambas as

culturas: japonesa e brasileira.

Outro fator que prejudicou o crescimento da igreja é a tendência ao isolamento

espiritual e à fé individualista decorrentes do equívoco quanto a doutrina de santidade

wesleyana. A ênfase exagerada na busca da santidade pessoal, quase esquecendo-se da

dimensão social da santificação, resultou num certo espírito de separatismo e constante

suspeita com relação às pessoas que apresentavam diferentes modos de expressão da fé. Um

grupo de pessoas desequilibradas no seu perfeccionismo, intolerantes para com os diferentes,

prejulgaram os usos e costumes dos irmãos de fé, discriminando-os e expulsando-os,

rotulando-os de “impuros” ou “profanos”. Conseqüentemente, houve mais evasão de

membros, principalmente das pessoas mais sensíveis e intelectuais da igreja.

Atualmente, a maioria das igrejas do Concílio Nikkei possui duas frentes,

teoricamente distintas pelo uso de línguas: a ala em japonês e a ala em português. A ala em

40 Em 1985 com a Convenção Panamericana Nikkei, em São Paulo, passou-se a adotar o termo nikkei para todos
os descendentes de japoneses nas Américas. Parece que o fato da criação desta convenção já demonstrava a
existência da forte crise de identidade entre os nikkeis.

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japonês, composta de pessoas de fala japonesa está diminuindo a cada dia porque os

imigrantes estão se tornando cada vez mais idosos. Restam pequenos grupos constituídos de

pessoas idosas. A parte predominante da igreja já é a ala em português, composta de

descendentes de japoneses e de brasileiros.

“Passar o bastão” seria a expressão chave que ilustra bem essa relação entre as duas

alas de uma igreja. A função da ala japonesa é passar a herança espiritual às mãos da

liderança da nova geração. Porém, não basta apenas passar a tradição da igreja para que a ala

em português somente se reproduza o que foi feito até agora pela primeira geração. É

necessário resgatar aquilo que se perdeu no decorrer do tempo. Percebe se que, à medida que

houve a diminuição das primeiras gerações de japoneses na igreja por falecimentos e outros

motivos, houve também a diminuição da visibilidade e influência da nossa igreja perante à

colônia japonesa local. É essa perda da “dimensão pública” da igreja que precisa ser

resgatada.

As práticas do ministério pastoral deverão ser atualizadas em virtude da mudança da

etnicidade e identidade dos descendentes japoneses. Não basta repetir o que no passado foi

um sucesso, mas devemos sim, resgatar e atualizar a nossa expressão de fé para que a nossa

prática seja significativa e relevante.

5. Sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) é um documento elaborado pelo Fórum

Nacional Permanente do Ensino Religioso, composta por pessoas de várias tradições

41
religiosas , enquanto educadores, no qual conseguiram juntos encontrar o que há de comum

41 Por tradições religiosas aqui se compreende a sistematização do fenômeno religioso a partir das suas raízes

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numa proposta educacional, que têm como objeto o transcendente. A proposta original dos

PCN é responder à necessidade de fundamentar a elaboração dos currículos do Ensino

Religioso na pluralidade cultural do Brasil (PCN, 1997, p. 5).

Ainda que haja uma diferença quanto a sua natureza e conteúdo entre o ensino

religioso nas escolas públicas e a educação cristã nas instituições eclesiásticas, achamos

interessante aproveitar os insights dos PCN para a reflexão da nossa proposta pedagógica.

O ser humano constitui-se num ser de relação. Assim sendo, ele desenvolve os

relacionamentos com a natureza, com a sociedade e com o transcendente. Por conhecimento

religioso entende-se um conhecimento humano. Nessa relação de sujeito-objeto, o ser humano

vai conhecendo a si mesmo à medida que conhece o transcendente. O homem finito,

inconcluso, busca fora de si o desconhecido, o mistério: o transcendente.

Outro fato que devemos considerar é que, todo ser humano faz perguntas, e cada

pergunta requer uma resposta. Em algumas pessoas, a concepção de mundo se apresenta com

muita rigidez e inflexibilidade, noutras, mais aberta e sem critérios de julgamento. Uns têm

perspectiva monista e outros, perspectiva dualista.

Quanto à questão do profissional de educação no Ensino Religioso, os PCN

descrevem: A constante busca do conhecimento das manifestações religiosas, a clareza quanto

à sua própria convicção de fé, a consciência da complexidade da questão religiosa e a

sensibilidade à pluralidade são requisitos essenciais no profissional do ensino religioso.

De acordo com o documento dos PCN:

basicamente a humanidade ensaiou quatro respostas possíveis como norteadoras de sentido da

orientais, ocidentais e africanas, que exige para seu ministério (ou mister) um profissional de educação sensível à
pluralidade, consciente da complexidade sócio-cultural da questão religiosa e que garanta a liberdade do
educando sem proselitismo. ver PCN, Apresentação, Op. cit. p. 5.

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vida além-morte. A saber: a ressurreição, a reencarnação, o ancestral e o nada. Cada uma

dessas respostas organiza-se num sistema de pensamento próprio, obedecendo uma estrutura

comum. E é dessa estrutura comum que são tirados os critérios para a organização e seleção

dos conteúdos e objetivos do Ensino Religioso (PCN, 1997, p. 32).42

A seguir os PCN delineiam cada um dos itens do conteúdo. No entanto, como não é

nosso objetivo aprofundar nestes detalhes, cabe aqui traçar, em linhas gerais, a sua proposta.

De acordo com os PCN, no bloco “Culturas e Tradições Religiosas” contém as

disciplinas de análise da realidade: filosofia, história, sociologia e psicologia interagindo com

a tradição religiosa. Implica no estudo do fenômeno religioso, no entanto, não se separando

das ciências que se ocupam do mesmo objeto. O bloco “Escrituras Sagradas e /ou Tradições

Orais” estuda os textos que transmitem, conforme a fé dos seguidores, uma mensagem do

transcendente, bem como o processo de elaboração desses materiais. Algumas tradições se

apresentam na forma escrita e outros somente na forma de tradição oral, exigindo assim, as

disciplinas de interpretação e de exegese. O bloco “Teologias” dedica se ao estudo do

conjunto de afirmações e conhecimentos elaborados pela religião e repassados para os fiéis

sobre o transcendente, de um modo organizado ou sistematizado, tendo como os conteúdos

estabelecidos a partir de assuntos como: divindades, verdades da fé e vida além-morte. O

bloco “Ritos” consiste em conhecer uma série de práticas celebrativas das tradições religiosas

formando um conjunto de rituais, símbolos e espiritualidades. O bloco “Ethos” se dedica à

busca de “fins” e de “significados” na necessidade de utopias globais e no valor inalienável

do ser humano e de todos os seres, tendo como os conteúdos estabelecidos a partir de

alteridade, valores e limites.

42 O texto dos PCN prossegue: “Assim, na pluralidade da Escola brasileira, esses critérios para os blocos de
conteúdos são: Culturas e Religiões, Escrituras Sagradas, Teologias, Ritos e Ethos.”

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Esses conteúdos têm como objetivo, conhecer outras tradições religiosas para

superar os preconceitos, pois estes têm sido um dos grandes desafios da Educação. O que

importa aqui é conhecer e valorizar a trajetória particular dos grupos que compõem a

sociedade brasileira (PCN, 1997, p. 39).

No tratamento didático de conteúdos dos PCN adota-se a proposta construtivista.

Desse modo, o educando vai construindo, por exemplo, o significado dos símbolos religiosos

a partir dos conhecimentos já existentes e da percepção da importância e das diferenças do

seu significado nas várias tradições religiosas (PCN, 1997, p. 40). Dessa forma, objetiva

produzir um diálogo inter-religioso, interconfessional. Revisa a questão do sagrado por meio

da organização do tempo e do espaço, assim permitindo que se experiencie a idéia do sagrado

na dimensão do cotidiano. Nessa proposta, o Ensino Religioso torna-se algo significativo,

articulado, contextualizado, em permanente formação e transformação (PCN, 1997, p. 41).

Portanto, a questão da avaliação no Ensino Religioso não deve ser de natureza definitiva, mas

sim processual.

Os PCN desenvolvem o seu Ensino Religioso em quatro ciclos. O encaminhamento

do primeiro ciclo é que o educando exercite o silêncio interior como forma de ir aprendendo a

ouvir, respeitar, valorizar e comungar com o outro (...) assim, o desafia para os pontos de

convergência, superando preconceitos que desvalorizam qualquer experiência religiosa. (PCN,

1997, p. 47) 43.

O encaminhamento dos conteúdos do segundo ciclo supõe pesquisa, troca de

informações, debates na busca de fundamentos no plano da crença em relação com o

Transcendente (...) para fins de desenvolver a sensibilidade no trato cotidiano em relação a

43 itálico é nosso.

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pessoas ou grupos, evitando juízos, atitudes e preconceitos pelo diálogo (PCN, 1997, p. 50)

44
.

Os conteúdos do Ensino Religioso do terceiro ciclo, visam desenvolver a percepção

capaz de articular as perspectivas que contemplam a singularidade das diferentes tradições

religiosas que sustentam o sentido do idealismo generoso dos educandos pela vida e também

estimulam o respeito para além de si mesmo (PCN, 1997, p. 52).

No encaminhamento do Ensino Religioso do quarto ciclo, é importante a

experiência pessoal de liberdade, como condição básica para a inserção libertadora no

pluralismo sócio-político cultural (...) bem como, a prática de valores na superação de limites

do eu pessoal, abrindo para a alteridade e para a responsabilidade na vida social (PCN, 1997,

p. 55)45.

É nesse quarto ciclo que se explicita a busca pelo sentido da vida além-morte.

Conhecendo as possíveis respostas dadas perante o fato morte, orientadoras das verdades da

fé, da valoração em atitudes éticas e expressas em diferentes métodos de relacionar-se com o

transcendente, consigo mesmo, com o outro e com o mundo (PCN, 1997, p. 53).

Com relação à vida além-morte, as possíveis respostas norteadoras do sentido da

vida são: a ressurreição, a reencarnação, o ancestral e o nada. Não é nosso objetivo nem dos

PCN rotular qual tradição religiosa adota cada uma das respostas acima citadas. Porém, a

ênfase recai no reconhecimento da existência de pessoas ou grupos que adotam outras

respostas norteadoras além da resposta bíblica e cristã, e na importância de saber estabelecer

um diálogo com outros pontos de vista.

44 idem.
45 itálico é nosso.

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6. Proposta pedagógica

Considerando as colocações acima descritas dos Parâmetros Curriculares Nacionais

do Ensino Religioso, detemo-nos agora em formular a nossa proposta pedagógica. Para isso,

destacamos alguns pontos dos PCN que sejam de relevância para a nossa análise. São as

questões do ambiente de pluralidade, dos eixos do conteúdo e dos ciclos de aprendizagem.

Ambiente de Pluralidade

Historicamente, o que ocorre, muitas vezes, é que a igreja cristã não tolera outros

tipos de respostas: ou são combatidos com veemência ou simplesmente ignoradas;

dificilmente são encaradas com a mentalidade de se estabelecer um diálogo para o qual se

exigiria também para nós mesmos, uma perspectiva crítica para com a nossa própria posição

doutrinária.

O que, muitas vezes, nós pensamos é que as nossas igrejas não estão ainda em um

nível de maturidade suficiente para o diálogo inter-religioso. Porém percebemos que não

alcançaremos tal nível de maturidade se evitarmos esse diálogo e confrontação com outras

tradições religiosas.

A mentalidade conservadora das Igrejas Metodistas Livres nos leva a pensar que

precisamos proteger os nossos membros das influências de outras tradições religiosas. Essa

idéia de se evitar uma possível “contaminação” impregnou alguns membros de baixa

capacidade de autocrítica e menos resistente às influências externas. Em conseqüência, não

conseguem dialogar com eficiência com as pessoas de fora do próprio círculo religioso e por

isso não são capazes de comunicar e alcançar as pessoas com o evangelho contextualizado.

Segundo a orientação dos PCN, procura-se considerar as quatro respostas possíveis

como norteadoras do sentido de vida além-morte. O êxito do evangelismo eficaz se alcança

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conhecendo-se os pensamentos do público-alvo. Isso se obtém estabelecendo-se um diálogo

com as pessoas ou grupos que pertencem a outros tipos de respostas norteadoras acima, a

saber a ressurreição, a reencarnação, o ancestral e o nada. O diálogo acerca da vida

além-morte pode se tornar um diálogo ponte, pois o assunto da morte é uma questão

niveladora e universal para todo o ser humano.

Tradicionalmente, aos cuidadores de almas (pastores), já se dizia que o ministério

pastoral deve começar com o educar para a morte. Preparando cada pessoa para o último

trabalho da sua vida, a morte. Desse modo a orientação dos PCN está dentro das perspectivas

educacionais eclesiásticas.

Dessa forma, a nossa proposta pedagógica é revisar o conteúdo e o objetivo levando

em consideração as linhas básicas dos PCN. Por exemplo, na escola dominical, não se estuda

apenas a doutrina da ressurreição, mas também ao mesmo tempo, analisando e dialogando

com as doutrinas das outras tradições como a reencarnação, o ancestral e o nada, desse modo,

desenvolvendo a capacidade da autocrítica, do diálogo e da comunicação. Nossa proposta é

aplicar este padrão de pensamento estendendo aos demais assuntos do nosso programa

curricular da educação cristã e eclesial.

Dos Eixos do Conteúdo

De acordo com os PCN, cada tradição religiosa possui uma das respostas possíveis

como norteadoras do sentido da vida além-morte, por sua vez cada uma dessas respostas

organiza-se num sistema de pensamento próprio, obedecendo uma estrutura comum. A partir

dessa estrutura comum são retirados os critérios para a organização e a seleção dos conteúdos

e objetivos do Ensino Religioso (PCN, 1997, p. 32). Assim, no ambiente de pluralidade social,

seguindo a orientação dos PCN, os critérios para os blocos de conteúdos podem sugerir: (1)

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Culturas e Tradições Religiosas, (2) Escrituras Sagradas e / ou Tradições Orais, (3) Teologias,

(4) Ritos e (5) Ethos.

Ainda não temos um estudo ou uma pesquisa pertinente aos conteúdos

programáticos da escola dominical da Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei. Pelo menos,

quanto à escola dominical, até agora não se verificou se existe algum programa

denominacional. Há indicação de que cada igreja tem elaborado seu programa distinto e

independente de acordo com a necessidade local.

Baseado nestes quatro blocos acima, podemos propor que a nossa educação cristã

contemple os seguintes eixos de conteúdos: (1) Estudos Interdisciplinares: formular um tema

contemporâneo que resulte da interação entre uma das disciplinas de ciências sociais e de

religião / teologia; (2) Exegese Bíblica: promover uma leitura bíblica aplicando alguns

métodos de interpretação que corresponda ao nível de conhecimento do educando; (3) Estudo

das Religiões: informar sobre outras tradições religiosas observando os pontos comuns e

divergentes em relação às nossas doutrinas; (4) As Práticas de Celebração: participar de

determinados ritos religiosos e fazer um estudo do significado e da identificação referente aos

seus rituais, símbolos e espiritualidades e (5) Ações Humanas e Cidadania: dedicar-se ao

estudo de casos para analisar as questões de relacionamento com o outro, dos valores culturais

e dos limites éticos.

Dos Ciclos de Aprendizagem

Os PCN sugerem um total de quatro ciclos para o ensino religioso. Cada ciclo

apresenta uma característica, um objetivo, os encaminhamentos para a avaliação da

aprendizagem e o bloco de conteúdos.

Os ciclos se caracterizam e se organizam de acordo com as fases do educando. Sua

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proposta se desenvolve da forma mais simples à mais complexa, da interiorização ao diálogo,

da socialização à individualização, da iniciação à especialização. Nesta etapa da elaboração da

proposta educacional, tomaremos como exemplo, uma das modalidades esportivas, o futebol

de salão (futsal), para ilustrar nossa idéia pedagógica em termos mais práticos.

De acordo com Santana (2004, p. 6), a pedagogia do esporte tem duas fases

distintas: a fase da iniciação e a fase da especialização. Por exemplo, no caso do futebol de

salão (futsal), a primeira fase trabalha com as crianças de 9 a 12 anos e a segunda fase acima

de 12 anos. Os princípios pedagógicos na fase de iniciação, segundo Santana (2004, p. 15) é,

ensinar futsal a todos, ensinar bem futsal, ensinar mais que futsal e educar a criança para ter

prazer e gostar de esporte (Santana, 2004, p. 12-13). Nessa fase, ela deve se precaver do

perigo do paradigma do mercado que fomenta a especialização precoce, a excessiva

competitividade, a preocupação mercadológica de se revelar talentos. Antes de mais nada, a

criança está passando pela fase de socialização por meio da prática esportiva. E somente

depois que passar dessa fase em que estará completando mais de 12 anos de idade, é que

estará pronta para a fase seguinte de especialização, na qual se desenvolvem desde o

aprendizado tático até o jogo livre avançado.

No entanto, o que nos chama a atenção é o fato de enfatizar já desde a fase de

iniciação que o futsal não basta praticarmos, mas é preciso saber pensar direito. É preciso

incentivar a reflexão sobre a prática, o que no campo da teologia designamos com o termo

“práxis”. Por exemplo, o professor que leva a criança a refletir sobre a prática (ação) que fez

e que fará, contribui para que ela tenha êxito porque consciente disso, poderá ponderar a fazer

melhor. Desta forma, a estratégia de ensino que leve as crianças à reflexão pode ser aplicada

através de três momentos: perguntas, sugestões e explicações que implicam nos seguintes

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atos: verbalizar para mentalizar as ações (perguntar); apresentar novas alternativas

(sugestões); fazer uma revisão do acontecimento (explicações). Desta forma, o educando

reflete, observa e verbaliza desenvolvendo de maneira equilibrada e de acordo com a sua

capacidade, não de maneira forçada para seguir determinado modelo “idealizado”,

precavendo-se de modo a evitar que caia numa busca de modelos, de se fazer isso e aquilo e

se corra o risco de estereotipar movimentos (Santana, 1997, p. 36).

O que podemos aprender através dessas ilustrações é que há fases distintas para

determinada orientação educacional dos membros da igreja. Principalmente, na etapa inicial

da vida cristã, precisamos trabalhar, tendo em mente, a questão da socialização do crente. É

muito provável que no período inicial da denominação, muitos membros metodistas livres,

pelo fato da morte precoce do pastor fundador Nishizumi, não tiveram uma fase de

preparação adequada na sua iniciação e sim uma especialização precoce (principalmente dos

evangelistas leigos). Nesse contexto, os recém convertidos automaticamente caíram na busca

de modelos em algumas pessoas da denominação consideradas “as mais santificadas”, para

seguirem seus exemplos. Dessa forma, incorreram no equívoco da busca de um modelo que

gerou a busca de uma espiritualidade estereotipada.

Observar as fases do crescimento espiritual de cada um e ministrar uma educação

adequada e diferenciada para determinados ciclos é muito importante para que o educando

tenha uma formação humana consistente e equilibrada.

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126

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Iniciamos a nossa investigação buscando o fundamento bíblico da educação cristã,

assim sendo, no capítulo um tentamos reconstituir a prática pedagógica de Jesus, por meio de

textos selecionados nos evangelhos. Dentre outros elementos, destacamos que as palavras de

sabedoria de Jesus eram provenientes do seu conhecimento intuitivo e não analítico. As

características da pedagogia de Jesus são: o uso de perguntas, o uso de parábolas, o exemplo

de vida e o discipulado. Sua lição sempre começa a partir do referencial ético (da ação) do

próprio educando.

Em seqüência, no capítulo dois abordamos sobre a hermenêutica da igreja primitiva,

com o objetivo de averiguar de que modo os primeiros cristãos compreendiam e davam

continuidade à pedagogia de Jesus. Nesse sentido, observamos que a prática pedagógica da

igreja primitiva tentava buscar a revisão e a redescoberta da imagem-ideal na pessoa de Jesus.

Mencionamos que o método midráshico que foi adotado também por Jesus consiste na busca

e no cumprimento da lei de forma inovadora e criativa.

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Abordamos a questão dos Pensamentos da Contemporaneidade no capítulo três, a

saber, a questão do Personalismo, da Intuição, da Universalidade, da Autonomia do Sujeito e

da Corporeidade. Destacamos esta última onde se observou que Jesus não somente fala,

porém age, e não se restringe à sua atividade única e individual, mas ensina para reproduzir

pessoas que participem desse processo. Em outros termos, primeiro vem a palavra proferida,

em seguida a demonstração desta pela ação e através do relacionamento e por último, o ensino

reprodutivo. Falamos também do problema da privatização da fé e da necessidade de se

resgatar a dimensão pública da fé a qual gera como resultado a corporeidade e a visibilidade

da nossa fé diante do mundo.

Discutimos a questão da Identidade Cultural no capítulo quatro. A educação

envolve a formação da identidade. Na perspectiva sociológica a identidade nunca é algo fixa,

mas sim fluida. A identidade cultural é uma criação social e cultural. Assim sendo, o que

denominamos de “identidade nikkei” pode ser um produto a partir de uma “comunidade

imaginária”. A educação cristã objetiva a formação de uma identidade cristã. Ela é baseada,

não na identidade do passado, mas exclusivamente na dimensão escatológica do futuro. A

identidade cristã é inspirada no conceito do reino de Deus e na narrativa bíblica do povo de

Israel. Portanto, a leitura bíblica, principalmente do Antigo Testamento, é imprescindível ao

processo de formação da nossa identidade cristã.

No capítulo cinco, fizemos uma descrição sobre a história da Igreja Metodista Livre

– Concílio Nikkei, dentro do seu contexto sócio-econômico e político, onde ocorreu o

processo da imigração japonesa. Ressaltamos também as influências causadas pela Educação

nacionalista na época da Segunda Guerra Mundial. Deduzimos assim, o processo de formação

da identidade de uma igreja nikkei junto com o pensamento pedagógico nele desenvolvido.

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128

Em seqüência, no mesmo capítulo cinco, analisamos a proposta educacional dos

Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, sua natureza, característica e

conteúdo. Descrevemos a contribuição dos PCN, tentando construir uma ponte de ligação

entre o Ensino Religioso escolar e a Educação Cristã eclesial.

A proposta dos PCN ressalta a dimensão do diálogo com outras tradições religiosas.

Desta forma podemos deduzir que, ao adotarmos a linha dos Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Religioso, em vez de comprometer a nossa identidade cristã e

denominacional, temos a possibilidade de estar cada vez mais construindo e fortalecendo a

nossa própria identidade. Isto porque, quando conhecemos outras tradições, provavelmente

provoca-se uma auto-conscientização, através da descoberta daquilo que não temos na nossa

tradição. Isso contribui para a construção da nossa própria identidade. Nesse mesmo

pensamento, o educador luterano Danilo Streck escreve, referindo-se a uma das questões do

ministério educacional da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil): mais

importante do que ter uma identidade é estar disposto a construir uma identidade no diálogo

com outras denominações e religiões, bem como na participação consciente e responsável na

sociedade (Streck, 1995, p. 32).

Dessa forma, o que define a nossa identidade não é aquilo que temos, mas sim,

exatamente aquilo que não temos e sentimos falta. Por exemplo, nós, descendentes de

japoneses (nikkeis), não somos brasileiros nem somos japoneses, ou seja, nem isso nem

aquilo, mas algo novo que surge desse processo de “reação química” ou síntese dialética entre

duas coisas e exatamente essa é a nossa identidade!

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129

Considerações finais

Finalmente, revisando os conteúdos do presente trabalho, a fim de delinear os

objetivos da Educação Cristã no contexto da Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei,

podemos sintetizar a nossa proposta pedagógica nos seguintes pontos:

 Educar de modo que os membros da igreja sejam realmente participantes da

missão como meio de experimentar o evangelho, a vida cristã autêntica,

pressupondo que a missão da igreja seja o agente catalisador no

desenvolvimento da agenda da educação cristã (p. 7).

 Educar para que o educando seja contextualizador, capaz de atualizar sua

aprendizagem para a nova realidade em que se vive, não consistindo apenas em

reproduzir aquilo que se aprendeu, mas tornando-se um agente capaz de

prolongar a lógica do ministério de Jesus e da igreja primitiva nos dias de hoje

(p. 18).

 Educar para a busca da perfeição e da excelência. Considera-se aqui a perfeição

sob os aspectos morais e éticos, não em aspectos cognitivos. Em outros termos,

educar visando o desenvolvimento da a integridade do caráter (p. 53).

 Educar de modo que o próprio Jesus seja o método (caminho) para nos

aproximar de Deus Pai. Educar para o conhecimento da verdade, sobretudo

para a vida. Nesse sentido, a nossa imagem-ideal do processo educativo se

constitui na imitação de Cristo e o desafio é a de tornarmo-nos semelhantes ao

Deus Pai (p. 55).

 Educar de modo a conduzir o educando em direção à maturidade da fé, que

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resulta do equilíbrio entre os assentimentos afetivo e o cognitivo, capacitando-o

a responder à exigência de Jesus por meio da ação concreta de obediência (p.

59).

 Educar para que o educando apreenda o conhecimento intuitivo, torne-se capaz

de se arriscar na tentativa, desenvolvendo a autoconfiança e a coragem, optando

pela tomada de decisões. No contexto do discipulado cristão, inclui-se a

dimensão de aprender a ouvir a voz do Espírito Santo (p. 61).

 Educar para ser capaz de articular os pensamentos em palavras (verbalizar),

para ser capaz de demonstrar através de ações e nos relacionamentos (agir) e

enfim, ser capaz de ensinar outros a participarem do processo (reproduzir) (p.

70).

 Educar de modo a conscientizar, no sentido de desprivatizar a fé e resgatar a

sua dimensão pública. Educar para a formação do sujeito cidadão, capaz de

atuar diretamente em várias frentes do espaço público da nossa cidade (p. 72).

 Educar para a construção da nova identidade – a identidade cristã, a fim de

substituir a velha identidade cultural (nikkei), sobretudo reconstruindo-a a

partir da futuridade de Deus (Reino de Deus), baseada na ética de Jesus e não

na moral identificada com uma determinada cultura étnica (p. 84).

 Educar de modo a não se acomodar na afinidade cultural por motivos de

conforto próprio, mas aprender a conviver com outras culturas diferentes, sem

comprometer o caráter absoluto da ética de Jesus (p. 90).

 Educar para a estruturação e a constituição da fé de uma comunidade,

construindo narrativas próprias com o objetivo de reconstituir aquilo que

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perderam ao longo da história – a sua identidade (p. 93).

 Educar de modo a viver com fidelidade o compromisso com o evangelho, junto

com a busca da veracidade dos fatos cotidianos e da sua experiência histórica.

Em outras palavras, o evangelho deve ser entendido, não somente interpretando

o texto bíblico, mas juntamente com a interpretação da realidade em que se

vive (p. 106).

 Educar de modo a aprender a conviver com as outras tradições religiosas

através do diálogo e se auto-definindo, pois somente desse modo se cultiva no

educando uma estrutura pensante capaz de comunicar o evangelho para uma

sociedade pluralista e multicultural (p. 115).

Recomendações

Para elaborar uma proposta pedagógica para a Igreja Metodista Livre – Concílio

Nikkei convém que haja uma vivência e envolvimento de todas as pessoas que participam do

processo educativo da denominação. Nesse sentido, a proposta pedagógica deve explicitar a

ideologia da própria Igreja Metodista Livre como um todo. A proposta pedagógica deve

também contemplar os conteúdos da Declaração da Visão e Missão do Concílio Nikkei46

(Anexo) e o próprio ensino dos seus conteúdos às igrejas. A proposta pedagógica da igreja

poderá ser uma proposta política e posicionada, pois deve expressar o compromisso com a

formação de cristãos (membros) para a sociedade à qual são enviados como agentes do reino

de Deus. Este pensamento está em concordância com o objetivo da educação teológica da

46 A Declaração da Missão e Visão da Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei teve seu processo de
elaboração que se iniciado em 1992 e teve seu texto final em 1997. Em 1998 vem ocorrendo o processo de
implantação da missão e visão nas igrejas locais. O texto foi revisado e atualizado em 2003, sendo publicado no
Relatório ao XL Concílio Anual (19.11 a 21.11.2004). Somente em 2004 foi lançada a proposta de
funcionamento da estrutura da denominação, priorizando ações conjuntas das igrejas como dimensão prioritária.

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Missão Integral pois visa a capacitação do povo de Deus para o serviço do reino de Deus

(Costas apud Padilla, 1986, p. 131).

Na pedagogia do Paulo Freire, a “descoberta” da politicidade da educação já estava

presente na sua obra desde a “Pedagogia do Oprimido” (1970), e especialmente a partir da

“Ação Cultural Para a Liberdade” (Scocuglia, 1997, p. 98). No entanto, durante a sua

experiência no exílio47 o autor “desperta” na questão da inseparabilidade do ato político e do

ato pedagógico/educativo.

Paulo Freire, no ano da fundação do Partido dos Trabalhadores (1981) escreveu nos

seguintes termos: “é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto

negar o caráter educativo do ato político” (Freire in Damasceno, 1988, p. 16). Em 1989, oito

anos depois, foi convidado a assumir o cargo de Secretário Municipal da Educação na gestão

da prefeita Luiza Erundina48. Infelizmente, Freire permaneceu no cargo somente por dois anos.

No entanto, foi o momento singular em que pode colocar em prática aquilo que o educador

sempre sonhou, a construção de uma política educacional (Freire, 2001, p. 144).

De semelhante modo, para que a Declaração de Visão da Igreja Metodista Livre –

Concílio Nikkei (expressa nas seis dimensões) seja de fato apropriada pelas igrejas, seria

necessária também a construção de uma política educacional de nível denominacional. Pois a

47 Paulo Freire foi exilado pelo golpe militar de 1964. Para sair do seu país pediu asilo político para a Bolívia,
de onde foi para o Chile e atuou na reforma política, social e educacional daquela nação durante os anos de 64 a
69, depois passou quase um ano na Universidade de Harvard (1970) de onde foi para Genebra. Na década de 70
assessorou vários países da África, recém libertada da colonização européia, auxiliando-os na implantação de
seus sistemas de educação. Completou assim os 16 anos de exílio, retornando definitivamente ao Brasil em
1980.
48 Nas eleições municipais de 1988 o Partido dos Trabalhadores ganhou a maioria dos votos na cidade de São

Paulo. A nova Prefeita, Luiza Erundina de Sousa, nomeou Paulo Freire Secretário Municipal da Educação, em 1º
de janeiro de 1989. Paulo renunciou dois anos mais tarde, em 27 de maio de 1991, para reassumir atividades
acadêmicas, lecionar e escrever. (...) Diferentes ideologias no interior do PT dificultaram o trabalho de
relacionamento entre os setores públicos e os movimentos sociais. E a insolúvel relação entre uma superestrutura
cristalizada, a reforma educacional e a necessária “reinvenção do poder” foram os problemas com os quais
tinham de lidar. Outros educadores progressistas terão de continuar de onde Freire e sua equipe pararam em São
Paulo. (Gerhardt in Gadotti, 1996, p. 168). Op. cit.

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133

transformação profunda e efetiva somente é possível quando há um esforço intencional

direcionado envolvendo toda a estrutura da organização.

Um dos nossos principais objetivos no presente trabalho foi de apresentar uma

proposta pedagógica contextualizada49 para a Igreja Metodista Livre – Concílio Nikkei.

Esperamos tê-lo alcançado dentro dos limites possíveis a um trabalho reflexivo e teórico.

No entanto, será que conseguimos responder as perguntas iniciais da nossa

pesquisa? Sobre a pedagogia freireana não pudemos aprofundar como havíamos planejado,

porém nos detivemos apenas em aproveitar alguns insights do autor para confirmar as nossas

argumentações (inclusive sobre a política educacional). De acordo com a perspectiva de

Daniel S. Schipani (2002, p. 5), a pessoa do Paulo Freire é considerada um educador cristão

que contribuiu para o serviço da educação pública e do bem comum. No entanto, até que

ponto é possível articular da forma mais coerente possível a pedagogia freireana com as

Escrituras para a missão cristã? Não procuramos seguir exatamente por esse eixo.

Conseqüentemente, também não conseguimos fazer uma análise sobre as diferenças e

semelhanças da leitura da sua pedagogia entre autores cristãos e não-cristãos. Quanto à

pergunta em relação ao diálogo entre a pedagogia de Jesus e a pedagogia contemporânea,

podemos dizer que a interação de ambas poderá resultar numa proposta pedagógica para uma

educação permanente mais viável.

Quanto à questão da prática educativa e da construção da política educacional, numa

pedagogia integral e contextualizada, deixamos aqui a nossa sugestão de uma continuidade

futura desta pesquisa.

49 conforme o pensamento da Missão Integral (Escobar e Padilla) o termo “contextualizada” aqui se entende
como busca do modelo da educação teológica e eclesial a partir da realidade ou do contexto onde estamos
inseridos e não de um modelo importado do primeiro mundo. (Escobar, 1996, p. 72)

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ANEXO

DECLARAÇÃO DE MISSÃO E VISÃO


IGREJA METODISTA LIVRE – CONCÍLIO NIKKEI
(texto atualizado 2003/2004)

MISSÃO

Missão Global
Como agentes do Reino, pela fé, cooperar com Deus na reconciliação de todas as coisas
em Cristo Jesus, a partir da realidade contextual, contando com a capacitação do Espírito
Santo, e com os recursos das Escrituras e na nossa herança histórica, até a volta de Cristo.

Missão do Concílio Nikkei


Somos uma igreja brasileira, de origem japonesa. A partir dessa origem étnica e histórica,
somos responsáveis por alcançar o povo nikkei, a nação brasileira, e por extensão, todos os
povos com o Evangelho de Jesus Cristo.

Missão do Concílio (estrutura denominacional)


Servir como órgão facilitador das Igrejas Locais para o melhor cumprimento da sua Missão,
dando direção básica, provendo autonomia, gerando soluções integradas, despertando para
temas relevantes, fortalecendo iniciativas e disponibilizando informações e recursos,
conforme adequado.

VISÃO (nas Seis Dimensões)

1. Celebração
Entendendo a adoração como estilo de vida, celebramos o encontro com o Deus Vivo, por
meio de Jesus Cristo. Este encontro produz como resposta o serviço e o evangelismo, a
gratidão, a consagração e a ética.

2. Comunidade
Nossa comunidade é acolhedora, formada por relações pessoais significativas. Contribuímos
para o desenvolvimento saudável de cada membro (emocional, físico e espiritual), em direção

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à plena maturidade em Cristo.

3. Serviço à Sociedade
Somos uma igreja sensível e capacitada por Deus a responder com a relevância às
necessidades da sociedade na qual está inserida, a fim de promover a sua transformação, com
base nos valores do Reino de Deus.

4. Proclamação
Proclamamos o Evangelho de Cristo Jesus a todas as pessoas, tanto individual como
comunitariamente, visando a implantação de novas igrejas que sejam agentes do Reino de
Deus e expressem seus valores.

5. Capacitação
Buscamos formar uma mente cristã, apta a pensar e a agir sobre todas as áreas da vida a partir
dos princípios bíblicos, e equipar cada pessoa a exercer seu ministério, com base nos seus
dons e vocação.

6. Estrutura
Nossas estruturas são flexíveis e participativas, potencializando ao máximo todos os recursos
do corpo para facilitar o cumprimento da nossa Missão.

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