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Ouvi contar:
Mulla Nasrudin e sua esposa estavam saindo de uma festa, e Mulla disse:
"Querida, alguma vez alguém já lhe disse que você é fascinante, linda,
maravilhosa?"
Sua esposa sentiu-se muito, muito bem, ficou muito feliz. Ela disse:
"Eu me pergunto por que ninguém jamais me disse isso".
Nasrudin disse:
"Mas então de onde você tirou essa idéia?”.
Você obtém dos outros a idéia de quem você é. Não é uma experiência direta.
É dos outros que você obtém a idéia de quem você é. Eles modelam o seu
centro. Esse centro é falso, porque você contém o seu centro verdadeiro.
Este, não é da conta de ninguém. Ninguém o modela, você vem com ele. Você
nasce com ele.
Assim, você tem dois centros. Um centro com o qual você vem, que lhe é dado
pela própria existência. Este é o eu. E o outro centro, que lhe é dado pela
sociedade - o ego. Ele é algo falso - e é um grande truque. Através do ego a
sociedade está controlando você. Você tem que se comportar de uma certa
maneira, porque somente então a sociedade o aprecia. Você tem que
caminhar de uma certa maneira: você tem que rir de uma certa maneira; você
tem que seguir determinadas condutas, uma moralidade, um código.
Somente então a sociedade o apreciará, e se ela não o fizer, o seu ego ficará
abalado. E quando o ego fica abalado, você já não sabe onde está, quem você é.
Os outros lhe deram a idéia. Essa idéia é o ego. Tente entendê-lo o mais
profundamente possível, porque ele tem que ser jogado fora. E a menos que
você o jogue fora, nunca será capaz de alcançar o eu. Por estar viciado no
centro, você não pode se mover, e você não pode olhar para o eu.
E lembre-se, vai haver um período intermediário, um intervalo, quando o ego
estará despedaçado, quando você não saberá quem você é, quando você não
saberá para onde está indo, quando todos os limites se dissolverão. Você
estará simplesmente confuso, um caos. Devido a esse caos, você tem medo de
perder o ego. Mas tem que ser assim. Temos que passar através do caos antes
de atingir o centro verdadeiro.
E se você for ousado, o período será curto. Se você for medroso e novamente
cair no ego, e novamente começar a ajeitá-lo então, o período pode ser muito,
muito longo; muitas vidas podem ser desperdiçadas.
Ouvi dizer:
Uma criancinha estava visitando seus avós. Ela tinha apenas quatro anos de
idade. De noite, quando a avó a estava fazendo dormir, ela de repente
começou a chorar e a gritar:
"Eu quero ir para casa. Estou com medo do escuro”.
Mas a avó disse:
"Eu sei muito bem que em sua casa você também dorme no escuro; eu nunca
vi a luz acesa: Então por que você está com medo aqui?"
O menino disse:
"Sim, é verdade - mas aquela é a minha escuridão. Esta escuridão é
completamente desconhecida".
Uma vez eu estava hospedado na casa de Mulla Nasrudin. A esposa estava dizendo coisas
muito desagradáveis a respeito de Mulla Nasrudin, com muita raiva, aspereza,
agressividade, muito violenta, a ponto de explodir. E Mulla Nasrudin estava apenas
sentado em silêncio, ouvindo. Então, de repente, ela se voltou para ele e disse:
"Então, mais uma vez você está discutindo comigo!"
Mulla disse:
"Mas eu não disse uma única palavra!"
A esposa replicou:
"Sei disso - mas você está ouvindo muito agressivamente".
Você é um egoísta, como todos são. Alguns são muito grosseiros, evidentes, e estes não são
tão difíceis. Outros são muito sutis, profundos, e estes são os verdadeiros problemas.
O ego entra em conflito com outros continuamente porque cada ego está extremamente
inseguro de si mesmo. Tem que estar - ele é uma coisa falsa. Quando você nada tem nas
mãos, mas acredita ter algo, então haverá um problema.
Se alguém disser: "Não há nada", imediatamente começa a briga porque você também
sente que não há nada. O outro o torna consciente desse fato. O ego é falso, ele não é nada.
E você também sabe isso.
Como você pode deixar de saber isso? É impossível! Um ser consciente - como pode ele
deixar de saber que o ego é simplesmente falso? E então os outros dizem que não existe
nada - e sempre que os outros dizem que não existe nada eles batem numa ferida, eles
dizem uma verdade - e nada fere tanto quanto a
verdade.
Você tem que se defender, porque se você não se defende, se não se torna defensivo, onde
estará você?
Você estará perdido. A identidade estará rompida. Assim, você tem que se defender e lutar
- este é o conflito. Um homem que alcança o eu nunca se encontra em conflito algum.
Outros podem vir e entrar
em choque com ele, mas ele nunca está em conflito com ninguém.
Aconteceu de um mestre Zen estar passando por uma rua. Um homem veio correndo e o
golpeou duramente. O mestre caiu. Logo se levantou e voltou a caminhar na mesma
direção na qual estava indo antes, sem nem ao menos olhar para trás. Um discípulo estava
com o mestre. Ele ficou simplesmente chocado. Ele disse:
"Quem é esse homem? O que significa isso? Se a gente vive desta maneira, qualquer um
pode vir e nos matar. E você nem ao menos olhou para aquela pessoa, quem é ela, e por
que ela fez isso?"
O mestre disse:
"Isso é problema dela, não meu".
Você pode entrar em choque com um iluminado, mas esse é seu problema, não dele. E se
você fica ferido nesse choque, isso também é problema seu. Ele não o pode ferir. É como
bater contra uma parede - você ficará machucado, mas a parede não o machucou.
O ego sempre está procurando por algum problema. Por quê? Porque se ninguém lhe dá
atenção o ego sente fome. Ele vive de atenção. Assim, mesmo se alguém estiver brigando e
com raiva de você, mesmo isso é
bom, pois pelo menos você está recebendo atenção. Se alguém o ama, isso está bem. Se
alguém não o está amando, então até mesmo a raiva servirá. Pelo menos a atenção chega
até você. Mas se ninguém estiver lhe dando qualquer atenção, se ninguém pensa que você é
alguém importante, digno de nota, então como você
vai alimentar o seu ego?
A atenção dos outros é necessária. Você atrai a atenção dos outros de milhões de maneiras;
veste-se de um certo jeito, tenta parecer bonito, comporta-se bem, torna-se muito educado,
transforma-se. Quando você sente o tipo de situação que está ocorrendo, você
imediatamente se transforma para que as pessoas lhe dêem atenção. Esta é uma forma
profunda de mendicância. Um verdadeiro mendigo é aquele que pede e exige atenção.
Um verdadeiro imperador é aquele que vive em sua interioridade; ele tem um centro
próprio,
não depende de mais ninguém.
Buda sentado sob sua árvore Bodhi... Se o mundo inteiro de repente vier a desaparecer,
isso fará alguma diferença para Buda? - nenhuma. Não fará diferença alguma,
absolutamente. Se o mundo inteiro desaparecer, não fará diferença alguma porque ele
atingiu o centro. Mas você, se sua esposa foge, se ela pede divórcio, se ela o deixa por outro
você fica totalmente em pedaços - porque ela lhe dava atenção, carinho, amor estava
sempre à sua volta, ajudando-o a sentir-se alguém. Todo o seu império está perdido, você
está simplesmente despedaçado. Você começa a pensar em suicídio. Por quê? Por que, se a
esposa o deixa, você deveria cometer suicídio? Por que, se o marido a deixa, você deveria
cometer suicídio?
Porque você não tem um centro próprio. A esposa estava lhe dando o centro; o marido
estava lhe dando o centro. É assim que as pessoas existem. É assim que as pessoas se
tornam dependentes umas das outras. É uma profunda escravidão. O ego tem que ser um
escravo. Ele depende dos outros. E somente uma pessoa que não tenha ego é, pela primeira
vez, um mestre; ela deixa de ser uma escrava. Tente entender isso.
E comece a procurar o ego - não nos outros, isso não é da sua conta, mas em você. Toda vez
que se sentir infeliz, imediatamente feche os olhos e tente descobrir de onde a infelicidade
está vindo, e você sempre descobrirá que é o falso centro que entrou em choque com
alguém. Você esperava algo e isso não aconteceu.
Você esperava algo e justamente o contrário aconteceu - seu ego fica estremecido, você fica
infeliz. Simplesmente olhe, sempre que estiver infeliz, tente descobrir a razão.
As causas não estão fora de você. A causa básica está dentro de você - mas você sempre
olha para fora, você
sempre pergunta:
Quem está me tornando infeliz?
Quem está causando minha raiva?
Quem está causando minha angústia?
E se olhar para fora, você não perceberá. Simplesmente feche os olhos e olhe para dentro.
A origem de toda a infelicidade, a raiva, a angústia, está oculta dentro de você; é o seu ego.
E se você encontrar a origem, será fácil ir além dela. Se você puder ver que é o seu próprio
ego que lhe causa problemas, você vai preferir abandoná-lo - porque ninguém é capaz de
carregar a origem da infelicidade, uma vez que a
tenha entendido.
E lembre-se, não há necessidade de abandonar o ego. Você não o pode abandonar. Se você
o tentar abandonar, estará apenas conseguindo um outro ego mais sutil, que diz:
"Tornei-me humilde".
Não tente ser humilde. Isso é o ego novamente; às escondidas, mas não morto. Não tente
ser humilde.
Ninguém pode tentar ser humilde e ninguém pode criar a humildade através do próprio
esforço - não.
Quando o ego já não existe, uma humildade vem até você. Ela não é uma criação. É uma
sombra do seu verdadeiro centro. E um homem realmente humilde não é nem humilde
nem egoísta. Ele é simplesmente simples. Ele nem ao menos se dá conta de que é humilde.
Se você se dá conta de que é humilde, o ego continua existindo.
Olhe para as pessoas humildes... Existem milhões que acreditam ser muito humildes. Eles
se curvam com facilidade, mas observe-as - elas são os egoístas mais sutis. Agora a
humildade é a sua fonte de alimento. Elas dizem:
"Eu sou humilde", e olham para você esperando que você as valorize. Gostariam que você
dissesse: "Você é realmente humilde, na verdade, você é o homem mais humilde do
mundo; ninguém é tão humilde quanto você."
E então observe o sorriso que surge em seus rostos.
O que é o ego? O ego é uma hierarquia que diz: "Ninguém se compara a mim".
Ele pode se alimentar da humildade - "Ninguém se compara a mim, sou o homem mais
humilde”.
É assim que o ego funciona. Ele é tão sutil! Suas maneiras são tão sutis e astutas; você deve
estar muito, muito alerta, somente então você o perceberá.
Não tente ser humilde. Apenas tente ver que todo o tormento, toda a angústia vem através
dele. Apenas observe! Não há necessidade de o abandonar. Você não o pode abandonar.
Quem o abandonará? Então o abandonador se tornará o ego. Ele sempre volta. Faça o que
fizer, fique de fora, olhe, e observe. Qualquer coisa que você faça - modéstia, humildade,
simplicidade - nada vai ajudar. Somente uma coisa é possível, e esta é simplesmente
observar e ver que o ego é a origem de toda a infelicidade. Não diga isso. Não repita isso.
Observe. Porque se eu disser que ele é a origem de toda a infelicidade e você repetir isso,
então será inútil. Você tem que chegar a esse entendimento.
Sempre que você estiver infeliz, apenas feche os olhos e não tente encontrar alguma causa
externa. Tente perceber de onde está vindo essa miséria. Ela está vindo do seu próprio ego.
Se você continuamente percebe e compreende, e a compreensão de que o ego é a causa
chega a se tornar profundamente enraizada, um dia você repentinamente verá que ele
desapareceu. Ninguém o abandona - ninguém o pode abandonar.
Você simplesmente vê; ele simplesmente desapareceu, porque a própria compreensão de
que o ego é a causa de toda a infelicidade, se torna o abandonar. A própria compreensão
significa o desaparecimento do ego.
E você é tão brilhante em perceber o ego nos outros. Qualquer um pode ver o ego do outro.
Mas quando se trata do seu, surge o problema - porque você não conhece o território, você
nunca viajou por ele.
Todo o caminho em direção ao divino, ao supremo, tem que passar através desse território
do ego. O falso tem que ser entendido como falso. A origem da miséria tem que ser
entendida como a origem da miséria - então ela simplesmente desaparece. Quando você
sabe que ele é o veneno, ele desaparece. Quando você sabe que ele é o fogo, ele desaparece.
Quando você sabe que este é o inferno, ele desaparece.
E então você nunca diz:
"Eu abandonei o ego".
Então você simplesmente ri de toda esta história, dessa piada, pois você era o criador de
toda a infelicidade.
Eu estava olhando alguns desenhos de Charlie Brown. Em um Cartum ele está brincando
com blocos, construindo uma casa com blocos de brinquedo. Ele está sentado no meio dos
blocos, levantando as paredes. Chega um momento em que ele está cercado: ele levantou
paredes em toda a volta. E ele começa a gritar:
"Socorro, socorro!"
Ele fez a coisa toda! Agora ele está cercado, preso. Isso é infantil, mas é justamente o que
você fez. Você fez uma casa em toda a sua volta, e agora você está gritando: "Socorro,
socorro!" E o tormento se torna um milhão de vezes maior - porque há os que socorrem,
estando eles próprios no mesmo barco.
Aconteceu de uma mulher muito atraente ir ao psiquiatra pela primeira vez. O psiquiatra
disse:
"Aproxime-se, por favor".
Quando ela chegou mais perto, ele simplesmente deu um salto, abraçou e beijou a mulher.
Ela ficou chocada. Então ele disse:
"Agora se sente. Isso resolve o meu problema, agora, qual é o seu?"
O problema se multiplica, porque há pessoas que querem ajudar, estando no mesmo barco.
E elas gostariam de ajudar, porque quando você ajuda alguém, o ego se sente muito bem,
porque você é um grande salvador, um grande guru, um mestre; você está ajudando tantas
pessoas! Quanto maior a multidão de seus
seguidores, melhor você se sente. Mas você está no mesmo barco - você não pode ajudar.
Pelo contrário, você prejudicará. Pessoas que ainda têm os seus próprios problemas não
podem ser de muita
ajuda.
Somente alguém que não tenha problemas próprios o pode ajudar. Somente então existe a
clareza para ver, para ver através de você. Uma mente que não tem problemas próprios
pode vê-lo, você se torna transparente.
Uma mente que não tem problemas próprios pode ver através de si mesma; por isso ela
torna-se capaz de ver através dos outros.
No ocidente existem muitas escolas de psicanálise, muitas escolas, e nenhuma ajuda está
chegando às pessoas, mas em vez disso, causam danos. Porque as pessoas que estão
ajudando as outras, ou tentando ajudar, ou pretendendo ser de ajuda, encontram-se no
mesmo barco.
É difícil ver o próprio ego. É muito fácil ver o ego dos outros. Mas esse não é o ponto, você
não os pode
ajudar. Tente ver o seu próprio ego. Simplesmente observe. Não tenha pressa de o
abandonar, simplesmente observe. Quanto mais você observa, mais capaz você se torna.
De repente, um dia, você simplesmente percebe que ele desapareceu. E quando ele
desaparece por si mesmo, somente então ele realmente desaparece. Não existe outra
maneira. Você não o pode abandonar prematuramente.
Ele cai exatamente como uma folha seca. A árvore não está fazendo nada - apenas uma
brisa, uma situação, e a folha seca simplesmente cai. A árvore nem mesmo percebe que a
folha seca caiu. Ela não faz qualquer barulho, ela não faz qualquer anúncio - nada. A folha
seca simplesmente cai e se despedaça no chão, apenas isso.
Quando você tiver amadurecido através da compreensão, da consciência, e tiver sentido
com totalidade que o ego é a causa de toda a sua infelicidade, um dia você simplesmente vê
a folha seca caindo. Ela pousa no chão e morre por si mesma. Você não fez nada, portanto
você não pode afirmar que você a deixou cair. Você vê que ela simplesmente desapareceu, e
então o verdadeiro centro surge.
E este centro verdadeiro é a alma, o eu, o deus, a verdade, ou como o quiser chamar. Ele é
inominável, assim todos os nomes são bons.
Você pode lhe dar qualquer nome, aquele que preferir.
"O único sentido íntimo das cousas... É elas não terem sentido íntimo nenhum".
Fernando Pessoa