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Caso nº 3 – resolução (matéria de Roma II)

António – nacional português / residência em Braga / escolha da lei portuguesa /


férias Alpes / 21-12-2009 ocorre o acidente.
Pretensão de António → ressarcimento de danos patrimoniais inclusive as
despesas com todos os tratamentos que fez em Portugal. Invoca a lei francesa.
Carlos – dupla nacionalidade / residência habitual em Vigo / contesta e invoca a
lei escolhida pelas partes (ROPI).

1º Identificar a questão, a matéria em causa e a pretensão.

No caso estamos perante matéria de responsabilidade civil uma vez que António
pede o ressarcimento dos danos sofridos na colisão. Violação de um direto absoluto
(integridade física – futura do joelho) que dá origem a uma responsabilidade
extracontratual, podendo ser aplicado o Regulamento Roma II se estiver preenchido o
seu âmbito de aplicação (espacial, material e temporal):

 Espacial: artigo 3º. Este Regulamento tem âmbito universal, pelo que a lei
designada pelas Normas de Conflito do regulamento será aplicada ainda que um Estado
não tenha aderido ao Regulamento.
 Material: o Regulamento é aplicado a conflitos de leis em situações que
envolvam obrigações extracontratuais (1º e 2º Regulamento Roma II). É este o caso pois
temos um acidente na neve com danos provocados por Carlos a António entre os quais
não há qualquer relação contratual, havendo uma violação de direitos absolutos. Existe
aqui um conflito de leis, pois António tem nacionalidade portuguesa e reside em
Portugal. Carlos tem dupla personalidade (portuguesa e espanhola) e reside em Espanha
e o acidente ocorreu em França. Além disso, não se aplica nenhuma das situações do
artigo 1º/2 que se encontram fora do Regulamento Roma II.
 Temporal: Artigo 32º. O Regulamento é aplicável a factos ocorridos após
11/01/2009 vez que o acidente ocorreu a 20/12/2009, este âmbito encontra-se também
preenchido.

Aplica-se o Regulamento Roma II (apenas enunciar os princípios):

 Princípio da autonomia da vontade

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 Princípio da tendência para a especialização das normas conflito;
 Princípio da primazia do meio social comum;
 Princípio do equilíbrio entre a segurança e a certeza jurídica e a flexibilização;
 Princípio da primazia pela lei do local onde o delito foi cometido;
 Princípio do reconhecimento de efeitos a normas de aplicação imediata de um
Estado que não seja o da lei do delito ou que seja mas esteja fora do âmbito de
aplicação;
 Princípio do reconhecimento de interesses nacionais através da ROPI.

No caso, estamos perante a aplicação do artigo 15º, al. a) Roma II que nos diz
que a lei do delito é apurada nos termos das normas do Regulamento e vai regular o
fundamento da responsabilidade e a quem pode esta ser imputada. Nos termos da al. c)
do mesmo artigo regula ainda a existência e a natureza dos danos e a reparação exigida.
Não existindo qualquer norma especial aplicável (Ex. 6º ou 8º), recorre-se às
normas gerais (14º e 4º). No caso, houve escolha de lei: as partes escolheram aplicar a
lei portuguesa no caso de ocorrer algum acidente durante a viagem, sendo esta escolha
de lei permitida pelo artigo 14º para garantir a certeza e a segurança jurídica e porque as
partes estão em melhor posição para determinar qual a lei que melhor tutela os seus
interesses. Como tal cumpre averiguar se esta escolha de lei é ou não válida. Nos termos
do artigo 14º/1 esta escolha pode ser anterior ou posterior ao facto que deu origem ao
dano (no caso é anterior ao facto). No entanto, quando a escolha é anterior, só é válida
se, por um lado, as partes envolvidas desenvolverem atividades económicas e desde que
a escolha de lei tenha sido livremente negociada pelas partes. A razão destes requisitos,
segundo o considerando 31, é a proteção das partes mais vulneráveis como os
consumidores e os trabalhadores.
No caso temos uma escolha de lei anterior ao facto que
deu origem ao dano mas um dos requisitos não se encontra preenchido pois as partes
não desenvolvem uma atividade económica e o acidente ocorreu numa viagem de lazer.
Por outro lado, a escolha de lei pode ser expressa ou tácita.
Esta pode decorrer das circunstâncias do caso concretos (14º/1).
A escolha de lei não pode prejudicar direitos de 3ºs (14º) e
só pode incidir sobre o direito de um Estado e não sobre princípios ou costumes (3º e
14º/1, 2 e 3). Um último requisito diz respeito à salvaguarda da

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aplicação das disposições imperativas da lei que está em contacto com os elementos
relevantes da situação no momento da ocorrência do facto desigual (14º/2).

Estes requisitos são cumulativos, pelo que, faltando um deles, a escolha de lei
não é válida, pelo que é necessário recorrer à regra geral do artigo 4º: aplicação do meio
social comum, concretizado no meio de conexão Residência Habitual comum do lesado
e da pessoa cuja responsabilidade é invocada (4º/2). É uma conexão definida em função
do princípio da proximidade com as partes e do princípio da confiança porque esta lei é
aquela que as partes melhor conhecem e com a qual habitualmente conformam o seu
comportamento.
No nosso caso, António tem residência habitual em Portugal e Carlos em
Espanha, pelo que não há Residência Habitual comum. Como tal, subsidiariamente, é
aplicado o artigo 4º/1: o local onde foi cometido o delito (lei do lugar do dano). Está em
causa um dano direto e real e não um dano indireto, pelo que interessa o local onde é
violado o bem jurídico protegido, o art. 2º/3, al.b): o dano inclui danos suscetíveis de
ocorrer. Temos aqui uma conexão objetiva com conexão com o delito que promove a
certeza e segurança jurídica, a harmonia de julgados e está também relacionada com a
função compensatória da responsabilidade civil. O lugar da violação do bem jurídico foi
em França, apesar de existirem danos indiretos em Portugal em resultado do tratamento.
Coloca-se ainda a possibilidade de aplicar a cláusula de exceção
do art 4º/3 se existir uma lei que tenha uma conexão mais estreita com a situação
concreta do que aquela lei indicada pelo nº 1 ou pelo nº 2, será essa lei aplicada. A
cláusula de exceção é concretizada por uma conexão acessória. Acontece que, no nosso
caso, não existe uma relação prévia entre as partes com ligação à situação de
responsabilidade extracontratual que justifique a aplicação da lei da situação. Ou seja,
no nosso caso não é possível concluir que existe uma outra lei com maior conexão do
que a lei francesa (aplicável pelo 4º/1). Como tal, não é aplicável o art.º 4º/3 mas sim o
art.º 4º/1 que determina a aplicação da lei francesa como lei do lugar onde ocorreu o
dano direto. Aplicando a lei francesa, Carlos vai
responder a título de responsabilidade objetiva. Acontece que Carlos invoca a ROPI
com base no facto de a ordem jurídica portuguesa delimitar as situações de
responsabilidade sem culpa e não existir nenhuma norma material portuguesa que numa
circunstância similar permita a responsabilidade sem culpa. (Analisar a ROPI – noção
art.º 26º, características, efeitos, requisitos)

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Características da ROPI:
 Excecionalidade: trata-se de um limite excecional à aplicação do direito material
estrangeiro considerado competente pela norma de conflitos do Estado de Foro;
 Imprecisão: trata-se de um conceito indeterminado a concretizar pelo julgador na
aplicação ao caso concreto;
 Caráter nacional: exprime a ideia de Direito que informa os princípios
fundamentais do Estado do foro, tratando-se da parte intocável da sua ordem jurídica
(ROPI varia de pais para pais);
 Atualidade: preenchimento deste conceito indeterminado faz-se à luz do
sentimento ético-jurídico prevalecente no momento da causa.

Efeitos da ROPI:
 Efeito primário: afastamento da lei normalmente competente;
 Efeito secundário: este efeito baseia-se no princípio do mínimo dano à lei estrangeira
e têm um caracter meramente eventual pois, só ocorre se do efeito primário resultar
uma lacuna. A solução deste problema passa pela aplicação das normas mais
apropriadas da lei estrangeira ou se, estas não existirem, pela aplicação das normas
portuguesas (22º/2 CC).

Requisitos:
 Conexão suficiente entre a ordem jurídica do foro e os factos da relação jurídica que
estão a ser apreciados: no caso, Carlos tem dupla nacionalidade. 27º da Lei da
nacionalidade: prevalece a nacionalidade portuguesa. Este requisito está preenchido.
 Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os
princípios fundamentais da ordem jurídica do foro: estamos perante uma divergência
quanto à regulamentação da mesma situação nos diferentes ordenamentos jurídicos,
já que no nosso exigiríamos a culpa, enquanto a lei francesa não exige a culpa. No
entanto, a previsão de soluções diferentes para a mesma situação não ofende os
princípios éticos fundamentais do Estado do foro até porque em Portugal não se
verificam muitas situações idênticas a estas (acidentes provocados por desportos de
neve). Como tal, mantém-se a aplicação da lei francesa e Carlos seria chamado a
responder a titulo de responsabilidade objetiva.

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