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Carl Schmitt hoje: Politica, Direito


e Teologia

Carl Schmitt today: Politics, Law


and Theology

Roberto Bueno (Org.). Carl Schmitt hoje: política, direito e teologia. São Paulo: Editora
Max Limonad, 2016, 713 pp.

Inicialmente, pode-se dizer que há no Brasil um interesse bastante grande pelo pensamen-
to do jusfilósofo alemão Carl Schmitt (1888-1985). Nesse contexto, a obra Carl Schmitt hoje:
política, direito e teologia, publicada em 2016, apresenta-se como importante contribuição
para o fortalecimento de uma tradição de pesquisa e, também, de ampliação da divulgação do
pensamento schmittiano no meio acadêmico brasileiro. O primeiro aspecto a ser destacado é
a riqueza e pluralidade dos olhares que compõe o livro a respeito do pensamento de Schmitt.
Dessa maneira, o livro se propõe e dá conta de enfrentar um pensamento plural a partir dos
esforços de pesquisa de uma gama de pesquisadores e especialistas de erudita formação em
diversas tradições intelectuais.
A estrutura da presente obra está dividida em dezenove capítulos que apresentam o pen-
samento schmittiano em seu combate ao liberalismo, à democracia e ao constitucionalismo
presentes no Estado de Direito da República de Weimar, com análise dos conceitos mobiliza-
dos por Schmitt para elaboração de sua crítica, a saber: a fundamentação da decisão soberana,
o problema existente na relação entre legalidade e legitimidade, que implicam um repensar a
questão da representação na democracia e, por fim, o tema da guerra justa. Ainda, não deixam
de ser analisadas as conexões do pensamento de Schmitt com o de Aristóteles (no que diz
respeito aos fundamentos dos conceitos políticos) e também com Hegel, Juan Donoso Cortés

© Carl-Schmitt-Studien, 1. Jg. 2017, H. 1, S. 249-252


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(e o percurso da teologia política na história, com impactos nas categorias conceituais de Es-
tado e Ditadura), bem como seus contemporâneos Ernst Jünger (e o problema da totalidade
na era da técnica) e Hans Kelsen (a questão da democracia e da Constituição nos debates de
Weimar).
Ao iniciar a obra o leitor já se depara, logo no primeiro capítulo, com o texto francês de
Alain de Benoist, intitulado «Carl Schmitt et le retour de la “guerre juste”» que traz a sensação
de que, apesar da «babel» linguística, os fantasmas da conjuntura política que assombram a
democracia contemporânea estabelecem pontos em comum entre continentes distantes. Ao
recordar a guerra em Schmitt como um jus in bello, ou seja, em um patamar jurídico que
substitui a ideia medieval alcançando de tal forma o inimigo de forma «justa».
Reconhecidas as propedêuticas schmittianas ao conceito de relação «amigo-inimigo» o
segundo capítulo apresenta outro grande conceito do autor em debate, redigido por um
estudioso brasileiro sobre a temática, Andityas Matos, em artigo intitulado «Carl Schmitt,
comunidade e novo direito: elementos para uma crítica da democracia liberal». Neste texto o
autor entrega mais uma vez o choque com a contemporaneidade da crítica schmittana, com
a defeituosa estrutura da democracia liberal e, ao mesmo tempo, o temor de deparar com um
pensamento sofisticado sob um prisma autoritário.
Em seguida, no terceiro capítulo, seguindo a mesma linha do debate liberal, Joseph William
Bendersky, traz uma defesa merecida ao teórico em comento, unindo-o a Samuel P. Hunting-
ton, economista conservador. A abordagem comprova a atualidade do pensamento antiliberal
de Carl Schmitt a partir de uma metodologia de força de um Estado e seus recursos como
proteção à sociedade. Na sequência, no capítulo quarto, é abordado o problema da legalidade
e legitimidade por Cássio Corrêa Benjamin. Nele o autor apresenta as controvérsias de Schmitt
em seu estado total a partir de uma discussão weberiana. Assim, como visto, o livro não
teme colocar tópicos conflitantes, entre defesas, denúncias e críticas ao pensamento de Carl
Schmitt, uma vez que cabe ao leitor encarar tal obra como um debate.
O professor Roberto Bueno retorna no quinto capítulo para discutir o autoritarismo ale-
mão a partir da leitura de Carl Schmitt do pensamento do espanhol Juan Donoso Cortés.
Retomando a teologia política, Bueno entra no conceito de ditadura e seu alicerce providen-
cialista e, como um progressista fiel, denúncia em suas entrelinhas o problema da soberania
schmittiana. De forma conexa, o subsequente sexto capítulo apresenta um recorte de con-
textualização histórica cujo autor, Germán Gómez Orfanel, revisita o pensamento autoritário
alemão, mas não da forma tradicional, senão cirurgicamente, apontando a originalidade de
Carl Schmitt na evolução de tal interpretação conjuntural de Estado que trouxe uma dua-
lidade perene que faz o leitor ainda hoje, seja na Europa, seja nas Américas, navegar entre a
revolta, os aplausos e o espanto.
Pedro Hermílio Vilas Bôas Castelo Branco apresenta no sétimo capítulo um ponto de extre-
ma importância para a interpretação schmittiana: o decisionismo. Entender a sacralização da
lei baseada na personalização da mesma pode parecer complexo para primeiros leitores. Sem
embargo, ao intérprete atento aos capítulos anteriores restam claras as influências teológico
-providencialistas de Schmitt bem como sua original interpretação estatal, sem esquecer de
sua relação de oponente ao purismo metodológico de Hans Kelsen, e assim o autor consegue
extrair de tal capítulo a forma mais importante de pensamento do teórico em debate, a saber,
a decisão. Esta não vem tanto do nada como do próprio sujeito, que não pode ser o mesmo
sujeito de direito, mas sim sacro, que se mantém fora e dentro sistema. Tal capítulo faz reme-
ter diretamente ao décimo-quinto, de autoria de Rodrigo Páez Canosa, que apresenta a ideia
da subjetivadade que deve ser mantida pelo Estado com fundamento na ordem.
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Os capítulos oitavo e nono, são redigidos, respectivamente, por Jorge Eugenio Dotti e
Miroslav Milovic, que invocam o problema da representação em Schmitt. Neste ponto o livro
claramente se torna mais rígido para o leitor, que começa a adentrar em caminhos perigosos
do pensamento de Carl Schmitt, o que, certamente, tem uma proposital estrutura para a crí-
tica bem sucedida de Ronaldo Porto Macedo Jr., já no décimo capítulo, que questiona àquilo
apresentado por Carl Schmitt como um institucionalismo travestido de decisão.
«The mythical and mystical foundations of Schmittian's political legitimacy» é o título do
capítulo escrito por Montserrat Herrero. Nele a autora traz à tona o problema da mitologia do
soberano em Schmitt, uma denúncia ao seu pensamento que nega um purismo metodológico
influenciado por uma leitura kantiana da juridicidade mas que, porém, resgata um mitologe-
ma quase tão grave, qual seja, o elemento místico da pessoa do soberano.
Delamar José Volpato Dutra apresenta no capítulo seguinte outra importante interpreta-
ção com críticas certeiras ao pensamento em questão, apresentando de forma schmittiana a
incongruência entre a democracia e o liberalismo, e recordando a forma problemática como
Schmitt concebe a democracia. Isto remete imediatamente ao pensamento do autor a respeito
de uma democracia que se sustentaria no conceito de autoridade.
Os fundamentos políticos de Schmitt são explicitados nos capítulos 13, 14 e 16. Em pri-
meiro lugar Hugo Eduardo Herrera, com o resgate de Aristóteles e o alerta para a interpretação
específica de Schmitt ao grego, bem como o texto de Victor de Oliveira Pinto Coelho que traz
o problema da totalidade na era da técnica, destacando o diálogo com Ernst Jünger. Por fim,
o professor Alexandre Franco de Sá apresenta a ideia hegeliana sobre a perversão teórica de
Carl Schmitt.
Os três últimos capítulos, escritos por Argemiro Martins, Reinhard Mehring e Julián Sau-
quillo, finalizam a obra assim como ela é introduzida, a saber, em uma análise passada que se
amolda perfeitamente à hodierna. As análises constitucionais apresentadas desde Weimar até
o papel fundamental da Constituição no Estado, e o soberano como guardião da Constitui-
ção fazem refletir o poder que o autoritarismo pode exercer, mesmo sob a égide legal.
Por mais que no decorrer da obra o leitor se depare com críticas e aplausos ao autor não
há contrariedade alguma, muito pelo contrário, o debate schmittiano é marcado por elemen-
tos antípodas que se desenvolvem no mais intenso plano político. Mais que isso, a obra não
apenas representa o autor, mas revela que seu pensamento permanece presente, cabendo ao
leitor a interpretação sobre se esta presença assombra ou abençoa em termos providenciais ou
se se trata de um matiz bem mais complexo entre ambos extremos todavia pendente de ser
desenhado.
Desse modo, a divisão da obra se propõe a acompanhar uma lógica que está presente no
pensamento de Schmitt, o que é algo importante a ser considerado. Assim, o conteúdo de
Carl Schmitt hoje, conforme menciona seu organizador, Roberto Bueno, no texto da apresen-
tação, é a soma de inúmeros esforços de um expressivo conjunto de estudiosos do pensamen-
to de Carl Schmitt e que tiveram a oportunidade de um profícuo diálogo. A oportunidade
para tanto ocorreu quando da realização do primeiro congresso schmittiano no ano de 2012
na cidade de Uberlândia (MG), organizado pela Rede Internacional de Estudos Schmittianos
(RIES), instituto de pesquisa então vinculado a Universidade Federal de Uberlândia e que já
encontra ramificações em faculdades e centros universitários dos Estados do Paraná e de São
Paulo. Nota-se que os trabalhos transcenderam o conjunto das conferências apresentadas em
Uberlândia em 2012 e que, portanto, Carl Schmitt hoje, conduz seu leitor por um caminho
que, muitas vezes, apresenta-se como de difícil acesso, considerando-se as imagens do per-
sonagem-eixo do livro, figura sobre a qual gravitam inúmeras dúvidas e críticas, sombras e
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muitos debates. Desta maneira o presente livro alivia o espírito de seu leitor na exata medida
em que permite a compreensão de que na trajetória do difícil caminho a ser percorrido não
estaremos sozinhos.

Caio Henrique Lopes Ramiro


Faculdade Cidade Verde (FCV), Maringa-PR-Brasil

Fernando Rodrigues de Almeida


Faculdades Maringá, Brasil

© Carl-Schmitt-Studien, 1. Jg. 2017, H. 1, S. 249-252

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