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06/11/2021 11:46 Bezosismo = taylorismo + fordismo + toyotismo - JOTA

O MUNDO FORA DOS AUTOS

Bezosismo = taylorismo + fordismo + toyotismo


Amazon, símbolo da revolução tecnológica, desenvolveu sistema de controle total dos empregados

CÁSSIO CASAGRANDE

01/11/2021 12:57

Crédito: Unsplash

“A revolução 4.0 criou novas formas flexíveis de trabalho, superando o paradigma


fordista de organização laboral. Vivemos em uma sociedade pós-industrial, na qual
os robôs, os algoritmos e a internet permitem suplantar o trabalho sujo, pesado e
repetitivo da linha de produção fabril. O trabalhador da era digital não está mais
sujeito ao ‘despotismo taylorista’. O Direito do Trabalho, concebido para aquele velho
modelo de organização do trabalho, está obsoleto, e por isso precisamos
modernizar e flexibilizar a legislação trabalhista, para adaptá-la às novas relações
laborais.”
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Se você é um dos ingênuos que acredita em tolices e patacoadas como essas


acima caricaturadas, recomendo a leitura de um livro que acabou de sair nos EUA,
“Arriving Today – From Factory to Front Door – Why Everything Has Changed About
How and What We Buy”, escrito pelo editor de tecnologia do insuspeito Wall Street
Journal, Christopher Mims. O livro é uma grande e impressionante reportagem que
mostra toda a estrutura física e humana que está por trás daquele pacote que chega
em sua casa em apenas um ou dois dias depois que você o encomendou pela
internet.

Para quem se interessa pelo impacto da tecnologia nas relações de trabalho, vale a
pena ir direto ao capítulo 16, no qual o autor disseca o modelo de organização
laboral da empresa símbolo da revolução tecnológica – a Amazon. O título deste
capítulo, emblematicamente, é “Bezosism”, que é como Mims classifica o sistema de
trabalho desenvolvido por Jeff Bezos e adotado nos terminais de logística da
Amazon.

Para que as encomendas dos clientes “prime” cheguem em 24 horas, a Amazon


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trabalhadores em ritmo frenético, em atividades repetitivas e monótonas de


movimentação de mercadorias, classificação, embalagem, etiquetamento e
expedição. A Amazon é hoje o segundo maior empregador dos EUA, com quase 1
milhão de empregados.

Grande parte dos terminais da empresa funcionam com grandes esteiras rolantes
em modelo tipicamente fordista. Todos os trabalhadores portam equipamentos
medidores do seu desempenho (como pistolas de scanners ou GPS portátil), que
registram o compasso de suas atividades e lançam dados que alimentam
algoritmos de performance.  Os trabalhadores são instados diariamente a atingir a
“meta de 25%”, isto é, precisam alcançar a “curva de produtividade”, ficando fora do
quarto mais lento dentre todos os trabalhadores. Cair no “último quarto” significa
que os empregados podem ser elegíveis em caso de corte de pessoal. As metas
diárias são variáveis, conforme a quantidade de entregas a serem alcançadas, em
um modelo “just in time” celebremente desenvolvido por Enji Toyota nos anos 1960.

Como observa Mims, o sistema de trabalho nos galpões da Amazon é uma mistura
de “monitoramento, métrica, truques psicológicos, metas, incentivos, gritos de
torcida, atitude de louvação do trabalho à la Jeff Bezos, e uma combinação
crescente de tecnologia inteligente desenvolvida na própria empresa”.

Não é preciso muito conhecimento da história da organização laboral para


compreender que Bezos simplesmente agregou taylorismo, fordismo e toyotismo
para aperfeiçoá-los e levá-los ao paroxismo em um sistema de controle total sobre
os empregados, que alguns sociólogos americanos estão denominando de
“despotismo algorítmico”. Sims demonstra como todas as técnicas de divisão do
trabalho, cálculo e controle usadas por Taylor e Ford estão presentes na Amazon (e
sendo copiadas por empresas congêneres). “Imagine o encantamento de Frederick
Taylor ou Henry Ford se eles pudessem saber, com a precisão de milissegundos,
quanto tempo cada trabalhador leva para completar uma tarefa, cada dia, em cada
um dos seus estabelecimentos”, sintetiza Sims.

O autor mostra qual é o ingrediente acrescentado pelo Bezosismo à fórmula


taylorismo + fordismo + toyotismo: um sistema de controle algorítmico baseado
numa concepção darwiniana de “sobrevivência” dos trabalhadores mais aptos, no
qual um trabalhador concorre com os demais, destruindo qualquer sentido de
solidariedade laboral. Aliás, o ritmo nos terminais de logística estudados é tão
intenso que os trabalhadores não podem conversar além do estritamente
necessário ao desempenho de suas tarefas. Os próprios empregados evitam pausas
para descanso ou para fazer necessidades, com medo de cair no último quarto e
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Mims revela, com dados, como as taxas de acidentes e doenças ocupacionais nos
galpões da Amazon são de cinco a seis vezes superiores aos de trabalhadores em
empresas similares. O sistema, que aparenta ser justo por premiar os empregados
com melhor desempenho, “instila um nível de temor nos trabalhadores que força
muitos a ultrapassar seus limites físicos e mentais”. A Amazon distribui
gratuitamente em todos os seus estabelecimentos café e ibuprofeno.

A organização laboral desenvolvida na Amazon, que inclui robotização, deixou aos


humanos tarefas simples, mas que ainda não podem ser totalmente desenvolvidas
por máquinas ou robôs. A estratégia de “de-skilling” foi copiada do fordismo e hoje o
único requisito para a grande massa dos trabalhadores que são contratados nos
galpões é o de estar habilitado a desenvolver atividades psicomotoras normais. Isso
dispensa treinamento e a maior parte dos empregados são contratados para
começar no dia seguinte (passando apenas por um briefing de segurança).

Ao ser admitido, o típico trabalhador de um terminal de logística é informado que


poderá ter que caminhar por até 16 quilômetros durante a jornada de trabalho e
carregar caixas “pesadas”. Não há assentos para descanso, inclusive porque não há
tempo para isso, e os empregados passam o dia todo em pé. As jornadas são na
média de dez horas por dia, quatro dias na semana.

Como é de se imaginar, as taxas de rotatividade de mão de obra são altíssimas, mas


isso não prejudica a produtividade, já que o custo da Amazon com treinamento é
baixíssimo e inexistente em muitos casos. O sistema de contratação americano de
“employment at will” faz com que os pedidos de demissão sejam apenas parte de
um processo de “recrutamento e seleção permanente” dos que realmente aguentam
o tranco.

E a alta rotatividade de mão de obra corrobora as estratégias antissindicais da


empresa, impedindo a criação de vínculos de solidariedade entre os trabalhadores. O
autor do livro também revela como a Amazon usa o estoque de mão de obra
desqualificada e de alto giro, ao escolher instalar seus galpões exatamente em áreas
com alto nível de desemprego, no qual tem mais possibilidade de encontrar
trabalhadores dependentes do seu sistema de “meta de 25%”.

Mims destrói de forma inquestionável o mito de que


a revolução tecnológica faria os trabalhadores
trabalharem
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O que está acontecendo nas empresas de ponta da quarta revolução industrial é


exatamente o contrário: os seus empregados trabalham mais e em ritmo mais
intenso, sob supervisão muito mais eficaz do que nas eras anteriores. Também
acaba com a ideia muito tola de que a robotização porá fim ao trabalho humano, ao
citar uma informação da própria Amazon, de que é exatamente nos seus centros
mais robotizados onde há necessidade de contratação de um número maior de
empregados, pois o uso de robôs acelera o processamento das mercadorias, o que
requer mais trabalhadores para as atividades consectárias que não podem ser
realizadas por máquinas.

Quem se dedicar ao estudo desta obra e compreender a realidade dos fatos nas
empresas de ponta de tecnologia nos Estados Unidos (também abordada em outros
capítulos do livro) concluirá como não passa de pura ideologia a pregação de que a
revolução tecnológica veio “libertar” o trabalhador do seu estado de sujeição e de
que o Direito do Trabalho estaria, por isso, obsoleto. O fordismo, o taylorismo e o
toyotismo estão mais vivos do que nunca, aperfeiçoados agora pelo Besozismo. O
velho e bom Direito do Trabalho, com suas proteções contra o despotismo fabril ou
a tirania algorítmica, nunca foi tão necessário e urgente.

CÁSSIO CASAGRANDE – Doutor em Ciência Política, professor de Direito Constitucional da graduação e


mestrado (PPGDC) da Universidade Federal Fluminense – UFF. Procurador do Ministério Público do
Trabalho no Rio de Janeiro.

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