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Cuidados ao recolher no roncó

"O recolhimento ao roncó não é uma prática exclusiva dos cultos afros, com
destaque para o Candomblé. Conforme lembra o Dr. Hédio Silva Júnior, ex-
secretário de Justiça de SP, várias religiões têm rituais em que fiéis ficam
por um longo tempo – dias e até anos - recolhidas em dependências do
templo religioso.

Ele lembra, por exemplo, as Irmãs Clarissa, enclausuradas durante toda sua
vida nos 17 mosteiros existentes no país. Lembra ainda as Monjas
Concepcionistas da Congregação Imaculada Conceição, totalmente reclusas
no Mosteiro da Luz (SP).

Sabemos que o enclausura mento não se resume às Irmãs católicas. Isso


vale para frades, monges budistas, para todos os religiosos que
permanecem em clausura – por pouco ou muito tempo -, sem contato com o
mundo lá fora. Em alguns casos, permanecem em celas. As Irmãs Clarissas
só deixaram a clausura nos mosteiros por autorização especial do Papa
Bento XVI quando veio ao Brasil.

Particularmente, no Candomblé – nem tanto na Umbanda – também se


exige em certas ocasiões que o filho de santo seja recolhido ao roncó por
vários dias. Não deixa de ser uma clausura, similar à das demais crenças
que possuem este ritual.

Aqui surge a linha que separa a liberdade religiosa do que é estabelecido


pela legislação brasileira. É inquestionável que a liberdade religiosa é
assegurada na Constituição Federal, garantindo que qualquer um tem o
direito de praticar sua fé, dentro dos limites da lei.

O ex-secretário de Justiça, contudo, chama atenção para este divisor legal.


Quando o recolhimento ao roncó torna-se um problema judicial?

A primeira e mais dramática hipótese é quando vier ocorrer algum tipo de


acidente grave ou fatal, isto é, quando o médium recolhido venha a falecer
ou sofrer uma lesão corporal. A segunda é quando diz respeito ao
recolhimento de crianças. Não é absurdo imaginar a hipótese de morte. Isso
ocorre nos esportes. E estamos falando de atletas sadios que morrem no
meio de uma partida de futebol.

O risco maior não reside necessariamente na pessoa recolhida, como


lembra o Dr. Hédio. Imaginemos a família do médium, contrária ao
recolhimento. E os vizinhos e amigos? Isso aconteceu com os Hare Krishna.
E quem não aceita as religiões afrobrasileiras, com certeza vai encontrar no
ritual de recolhimento um prato cheio para nos atacar.

Um dos casos mais famosos contados pelo ex-secretário é o caso de uma


Ialorixá de São Paulo, quando uma médium recolhida para iniciação foi
vítima de infarto fulminante. E como a Justiça brasileira interpreta os rituais
de clausura e recolhimento?

Dependendo da interpretação do juiz, o roncó ou camarinha podem ser


considerados cárcere privado. A alimentação, vestuário, corte de cabelo e
os cortes podem ser interpretados como maus-tratos. Aí, é claro que um
infarto pode ser interpretado como homicídio culposo (não intencional).

No caso de SP, a Ialorixá, três ogãs e a agibonan foram condenados a 16


anos de prisão em regime fechado. Em 2003, em Registro (SP), uma menina
de 9 anos estava sendo iniciada a pedido da mãe biológica, que
acompanhou pessoalmente toda a iniciação.

Uma representante do Conselho Tutelar local, fiel de uma religião neo-


pentecostal, ficou sabendo da iniciação e fez uma "denúncia" ao referido
Conselho.

O Babalorixá e quatro fiéis do Candomblé foram presos em flagrante sob


acusação de manter criança em cárcere privado. O advogado Hédio Silva
Júnior defendeu todos. Dois deles sequer foram denunciados. Os três foram
absolvidos em primeira instância e respondem ao processo em liberdade.

E como proceder sem se correr o risco de sacerdotes tornarem-se alvos de


ações penais? Muito simples: basta uma folha de papel com uma declaração
assinada pela própria pessoa ou pelos pais ou responsáveis. Assim, são
evitados problemas com o Conselho Tutelar e a Polícia.
Atenção, contudo, para esse detalhe: a declaração deve ser assinada por
adulto com sua firma reconhecida. Ainda assim, deve-se levar em conta três
situações. Se for criança (menos de 12 anos de idade) ou adolescente
incapaz (12 a 16 anos), os pais devem assinar a autorização para o
recolhimento, juntando os seguintes documentos: cópia do RG dos
pais/responsáveis e se possível certidão de casamento dos pais; certidão de
nascimento da criança ou do adolescente; cópia da averbação do divórcio
ou documento que prove a guarda da criança/adolescente (unilateral ou
compartilhada).

Quem detiver a guarda da criança ou adolescente é que poderá assinar a


declaração; caso a guarda seja compartilhada, pai e mãe devem assinar a
declaração.

No caso de adolescente relativamente capaz (16 a 18 anos), a autorização


deve ser assinada por ele próprio e pelos pais (pai e mãe) ou responsável
(quem tenha a guarda) e acompanhada dos seguintes documentos: cópia
do RG do adolescente e dos pais/responsáveis e se possível certidão de
casamento dos pais; certidão de nascimento do adolescente; cópia da
averbação do divórcio ou documento que prove a guarda (unilateral ou
compartilhada).

No caso de adultos, isto é, maiores de 18 anos, deve ser assinada por ele
próprio e acompanhada de cópia do RG. A pessoa deve declarar que decidiu
converter-se ao Candomblé ou Umbanda, e que a permanência no terreiro
decorre de sua livre e espontânea vontade. Deve declarar ainda que está
ciente de que as cerimônias incluem uso de indumentária litúrgica, dieta
religiosa, corte de cabelo e escarificação religiosa (cortes). Deve constar
ainda o endereço completo do templo e período de permanência (dia de
entrada e de saída).

Essas recomendações valem para recolhimentos de um ou 21 dias. Dormiu


no terreiro? Tem que existir um documento. E se possível, também qualquer
pessoa, estranho ou médium da Casa há muito tempo deve assinar como
testemunha. Esses cuidados evitam uma ação penal que pode alcançar 16
anos de reclusão. E não faltam inimigos da Umbanda e do Candomblé
sedentos por nos atingir a qualquer preço. Como diziam nossos avós,
cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
ASÉ IRMÃOS!"

A Ialorixá Ceiça de Oyá ainda nos sugere dois modelos de declarações.

É IMPORTANTE QUE UM ADVOGADO DE CONFIANÇA DE CADA ZELADOR


AVALIE O CONTEÚDO DESTA POSTAGEM, BEM COMO O MATERIAL
DISPONIBILIZADO, PARA ADEQUAÇÃO DOS MESMOS À REALIDADE DA SUA
APLICAÇÃO E MAIS INSTRUÇÕES SOBRE OS PROCEDIMENTOS LEGAIS.

____________________________________________________________________

MODELO DE DECLARAÇÃO PARA RECOLHIMENTO DE ADULTOS Eu,


________________ , brasileiro, (casado ou solteiro), residente e domiciliado no
município do Recife (ou nome do município), inscrito na Secretaria de
Defesa Social de Pernambuco (ou órgão equivalente no seu Estado) sob o nº
_______________ e CPF/MF sob o nº _______________ , declaro para todos e
qualquer fins de direito que decidi me converter ao culto do Candomblé (ou
Umbanda). Declaro ainda e que a minha permanência nas dependências do
Ilê Axé _______________, sito à Rua (endereço completo do terreiro), no
período de ___/___/___ a ___/___/___ , decorre da minha livre e espontânea
vontade, para participação dos rituais de conversão religiosa os quais
compreendem, entre outros, o uso de indumentária litúrgica, dieta religiosa,
corte de cabelo, escarificação religiosa (cortes) e incomunicabilidade, que
fazem parte dos preceitos religiosos de asseamento e purificação corporal.
Recife, __ de ___________ de _______ Fulano de Tal Obs. Reconhecer firma e
anexar cópia da identidade, a presente declaração

____________________________________________________________________

MODELO DE DECLARAÇÃO PARA RECOLHIMENTO DE CRIANÇAS

Eu, ________________, genitor, brasileiro, casado, comerciante (colocar a


profissão), portador da cédula de identidade número __________, residente e
domiciliado na (endereço completo) e ________________, genitora,brasileira,
do lar (ou colocar a profissão), portadora da cédula de identidade número
__________, residente e domiciliada na (endereço completo), declaramos
para todos e devidos fins de direito que decidimos, de forma livre e
espontânea, converter nosso filho, _____________________, de ___ anos de
idade, no culto do Candomblé.

Declaramos ainda que, por vontade própria e desembaraçada, optamos pelo


RECOLHIMENTO de seu filho ______________ nas dependências do Ilê Axé
________, sito na (endereço completo), no período de ___/___/___ a
___/___/___ , para participação em rituais religiosos os quais compreendem,
entre outros, o uso de indumentária especial, dieta religiosa e escarificação
religiosa.

Declaramos, por fim, estarmos cientes de que no referido período de


RECOLHIMENTO teremos assegurada a irrestrita liberdade de acesso e de
visita ao nosso filho, podendo inclusive fazer-lhe companhia pelo tempo que
julgarmos oportuno, sem qualquer forma de embaraço, ressalvados os
preceitos religiosos de asseamento e purificação corporal.

Recife, __ de ___________ de _______

Fulano de Tal

Fulana de Tal

Obs. Reconhecer firma e anexar cópia da identidade, a presente declaração

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