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Pediatria 2018/2019

CIRURGIA NEONATAL

1. INTRODUÇÃO

Para definir o prognóstico de uma malformação neonatal, é sempre necessário avaliar o


tempo de evolução, o espectro de severidade e a associação com outras malformações. Na
maioria dos casos, é possível estimar o tempo de evolução da malformação, com recurso ao
diagnóstico pré-natal. A maioria das malformações não surgem isoladamente, mas
associadas em constelações, pelo que quando se deteta uma malformação que faz parte de
uma constelação, devemos procurar as outras. Um exemplo pode ser a sigla VACTERL:

V: defeitos vertebrais
A: atrésia anal
C: Defeitos cardíacos
T/E: Fístula traqueoesofágica
R: Anomalias renais
L: Anomalias dos membros (Limbs)

As alterações embriológicas, as
malformações e o resultado cirúrgico da
sua correção são fatores que podem
originar défices com impacto na qualidade
de vida relacionada com a saúde (Health
relative quality of life: HRQoL). Este índice
transmite não só o impacto da saúde no
doente, mas também para o país, a nível
socioeconómico.

2. OBSTRUÇÃO ESOFÁGICA

O diagnóstico pré-natal mostra:


 Polihidrâmnios: o feto não engole líquido amniótico;
 Ausência de bolha gástrica: estômago preenchido por líquido;
 Bolsão esofágico proximal

Manifestações clínicas após o nascimento:


 Sialorreia profusa é um sintoma patognomónico (RN não engole a saliva);
 Dificuldade respiratória (aspiração de secreções);
 Não há passagem da sonda nasogástrica

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2.1. ATRÉSIA ESOFÁGICA

A atrésia do esófago consiste na interrupção da continuidade do esófago, sendo que na


maioria dos casos (90%) existe trajeto permeável entre a traqueia e o coto esofágico distal,
estabelecendo-se, por isso, uma fistulização entre o aparelho digestivo e o aparelho
respiratório.

O prognóstico pode ser definido em três classes, segundo os critérios de Spitz. De acordo
com este autor, as classes prognósticas valorizam o peso de nascimento e a presença de
anomalia cardíaca. Assim:
 RN com peso < 1.500 gramas e anomalia cardíaca têm 26% de sobrevivência;
 RN com peso > 1.500 gramas e sem anomalia cardíaca têm 96% de sobrevivência.

A correção cirúrgica consiste fundamentalmente numa abordagem por toracotomia lateral


pelo 4º ou 5º espaço intercostal direito ou toracoscopia, acesso ao mediastino posterior por
via extra-pleural, laqueação da crossa da veia de ázigos, laqueação seletiva da fístula
tráqueo-esofágica e esófagoesofagostomia término-terminal.

Complicações a curto prazo:


 Estenose
 Deiscência da anastomose

Complicações a longo prazo:

 Recorrência da FTE (associado a infeção);


 Refluxo gastro esofágico (pode ser grave por haver aspiração e constituir um evento que
põe em risco a vida do doente: Apparent Life- Threatening Event = ALTE)

Follow-up: acompanhamento clínico, radiológico e endoscópico.

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3. ATRESIA DUODENAL

Malformação que causa oclusão total do lumen duodenal, como resultado de anomalia do
desenvolvimento embrionário (vacuolização incompleta do duodeno primitivo). Tem uma
incidência de cerca de 1/5000 nascimentos, sendo mais frequente no sexo masculino.

O DPN deteta a presença de polihidrâmnios e do sinal radiológico da dupla bolha: estômago


distendido no quadrante superior esquerdo, ligado a um bulbo duodenal aumentado de
volume, à direita.

O quadro clínico pós-natal manifesta-se essencialmente por sinais de obstrução intestinal


alta, isto é, com resíduo biliar gástrico volumoso e/ou esvaziamento gástrico demorado e
incompleto; reitera-se, mais uma vez, a ausência de distensão abdominal.

A atrésia duodenal pode estar associada a outras condições ou malformações como:


prematuridade, malformação congénita cardíaca ou síndrome de Down.

O tratamento é cirúrgico e consiste numa duodenoduodenoestomia latero-lateral ou em


forma de diamante (procedimento de Ken Kimura).

4. ATRÉSIA JEJUNO-ILEAL

As atrésias jejunoileais são classificadas em quatro tipos:

 Tipo 1: obliteração luminal por membrana com continuidade


da parede e mesentério normal (cerca de 30%);
 Tipo 2: cordão fibroso unindo os topos proximal e distal do
intestino, em fundos de saco, sendo que o mesentério é
normal (cerca de 25%);
 Tipo 3a: semelhante ao tipo 2, sem cordão fibroso e fundos
de saco separados; associado a defeito mesentérico em
“V”(cerca de 15%).
 Tipo 3b: obliteração luminal proximal e defeito mesentérico
e vascular do território distal, sendo este vascularizado por
um único vaso em circulação retrógada (apple-peel deformity
ou atrésia em forma de árvore de Natal) (11%).
 Tipo 4: múltiplas atrésias (cerca de 17%)

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Uma vez confirmado o diagnóstico, está indicada intervenção cirúrgica cujo objetivo é
promover a continuidade do trânsito intestinal procedendo a anastomose digestiva direta,
após remodelar o segmento dilatado. Se houver sinais de necrose intestinal, procede-se à
recessão da ansa afetada. Para que não exista disfunção anastomótica, os doentes
permanecem durante um período de tempo com nutrição parentérica.

As principais complicações são a dismotilidade intestinal, síndrome de malabsorção ou


sépsis relacionada com o catéter.

5. ÍLEO MECONIAL

É a situação clínica de oclusão ileal distal por mecónio anormal, espesso e viscoso. Tem uma
incidência de 1/5000 nascimentos, sendo em cerca de 10% dos casos a primeira
manifestação da fibrose quística (1/2000).

O DPN deteta polihidrâmnios e ansas intestinais dilatadas. A apresentação clínica no período


neonatal é caracterizada por distensão abdominal, vómitos biliosos e ausência de emissão
de mecónio nas primeiras 48 horas de vida. O ânus e reto têm calibre reduzido face à
condição de microcólon de desuso.

Pode classificar-se, por ordem crescente de gravidade, em: não complicado, complicado
(volvo ou perfuração) ou peritonite meconial.

O tratamento vai dependes da gravidade. O íleo meconial não complicado é tratado de


forma não cirúrgica, por meio de clister de substâncias que se destinam a dissolver o
mecónio impactado, favorecendo a sua expulsão por via rectal (gastrografina e
acetilcisteína).

Nos casos de íleo meconial complicado, existe sempre indicação cirúrgica. Nas formas de
apresentação com compromisso de ansa, isto é complicadas de torção de mesentério, volvo
ou formação de peritonite meconial ou quisto meconial intrabdominal, é necessário realizar
uma ressecção segmentar do segmento afetado e, posteriormente, restabelecer a
continuidade intestinal, ou derivar temporariamente o intestino, encerrando a
enterostomia em segundo tempo cirúrgico. A abordagem cirúrgica do íleo meconial obriga

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também à colocação de um cateter central de longa duração para permitir a administração
de nutrição parentérica.

Principais complicações cirúrgicas: síndrome de obstrução intestinal distal (DIOS), síndrome


de malabsorção ou sépsis relacionada com o cateter.

6. DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG (HSCR)

A doença de Hirschsprung é caracterizada pela ausência ou diminuição de células


ganglionares na porção mais distal do cólon e reto, bem como hipertrofia do plexo pré-
sinático, o que leva a diminuição ou ausência de movimentos peristálticos com obstrução
funcional do cólon.

Tem uma incidência de 1/5000 nascimentos e é mais comum no sexo masculino. Pode surgir
isolada (forma não sindrómica 70%) ou associada a outras síndromes (forma sindrómica
30%), nomeadamente do grupo das neurocristopatias.

O atraso na emissão de mecónio é o sinal clínico neonatal cardinal desta doença. Este sinal
clínico é seguido por obstipação, vómitos e distensão abdominal nos primeiros dias de vida.
Nos casos mais graves é caracterizada por distensão súbita, vómito bilioso, febre, sinais de
desidratação grave, diarreia sanguinolenta, sépsis e falência multiorgânica. O diagnóstico
depende da conjugação da clínica com o estudo imagiológico, o estudo manométrico e, por
fim, o estudo histológico (biópsia retal).

Radiologia: presença de distensão gasosa de ansas, níveis hidroaéreos e ausência de


conteúdo gasoso na região pélvica: cut-off sign. O exame radiológico considerado de
excelência para o diagnóstico da doença é o clister opaco. Este exame permite identificar a
zona de espasmo rectosigmóide ou cólico e também a zona de transição (cone de transição)
existente entre a zona de espasmo e a zona de dilatação intestinal.

Cut-off sign Trasitional Cone

Tratamento: A DH tem sempre indicação operatória. O princípio geral da terapêutica


cirúrgica é a ressecção segmentar da porção recto-sigmóide-cólica aganglionar e o
abaixamento do cólon normal gangliónico até à margem do ânus. Este procedimento pode
ser realizado por abordem perineal (Transanal endorectal pull-through: procedimento de La
Torre) ou por abordagem abdomino-perineal (Procedimento de Swenson).

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A complicação mais grave é a enterocolite pós-operatória. É caracterizada por distensão
abdominal extrema, hipertermia, diarreia paradoxal profusa e hemática, e por síndrome
séptico (SIRS ou FMO). Esta situação obriga a descompressão intestinal de urgência por
sonda de enteroclise e instituição de antibioterapia de largo espectro e de pausa alimentar.
A enterocolite pós-operatória, que pode ocorrer em cerca de 20% dos casos, constitui a
primeira causa de morte pós-operatória nestes doentes.

6. MALFORMAÇÃO ANO-RETAL: ÂNUS IMPERFURADO

A designação de malformações ano-retais (ARM) engloba um conjunto diverso de defeitos


congénitos gerados a partir da 5ª a 8ª semanas de gestação, incluindo o ânus imperfurado.
Estas malformações são mais comuns no sexo masculino.

O diagnóstico é fundamentalmente clínico. Os exames perineal e genital fornecem o


diagnóstico em 90% dos casos. O dado clínico fundamental desta malformação é a ausência
de orifício anal de forma e localização normal.

As anomalias congénitas do aparelho urinário acompanham as malformações ano-retais em


cerca e 50% dos casos. Outras anomalias frequentemente associadas incluem as cardíacas,
digestivas e vertebrais (hemivértebras, disrafismo e agenésia sagrada). Existe uma boa
correlação entre o grau de desenvolvimento do sacro e a futura função, uma vez que
ausência de sacro se associa a incontinência fecal e urinária.

Assim, após o diagnóstico de ânus imperfurado, estão indicados os seguintes exames


complementares:

 Radiologia da coluna dorso-lombo-sagrada


 Estudo ecográfico da coluna lombar para diagnóstico precoce de síndrome de medula
ancorada ou de regressão caudal
 Ecografia do aparelho urinário, extremamente importante para o diagnóstico imediato
de qualquer defeito estrutural renal e do aparelho excretor.

As AAR têm sempre indicação operatória. O fundamento da intervenção cirúrgica é a criação


de um orifício anal bem posicionado anatomicamente, normofuncionante e completamente
separado do aparelho urinário e do aparelho genital.

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No sexo masculino, aquando de um ânus imperfurado, pode existir:

Fístula perineal: ocorre em 10% dos doentes e caracteriza-se por um trajeto fistuloso desde
o cólon até à pele perineal ou rafe mediana escrotal. Ao exame físico observa-se genitália
bem formada, rafe mediana proeminente, uma covinha na região anal e uma fístula perineal
com mecónio. A cirurgia de correção consiste numa anoretoplastia sagital posterior.

Fístula uretral: ocorre em 90% dos doentes e promove o contacto entre o aparelho digestivo
e o aparelho urinário ao nível da uretra, geralmente bulbar. Ao exame físico observa-se
genitália corretamente formada, uma covinha na região anal, sem perfuração, rafe mediana
proeminente, ausência de fístula perineal com mecónio e presença de fístula urinária.
Nestes casos, a correção cirúrgica definitiva só pode ser efetuada mais tarde, pelo que se
realiza uma colostomia diversiva, para evitar a retenção fecal e a dilatação distal da bolsa
cólica, com riscos de perfuração, de infeção urinária e de reabsorção de urina pela mucosa
intestinal conducente a acidose metabólica. O exame complementar fundamental, após a
construção da colostomia e antes de realizar a cirurgia definitiva, é o colostograma. Este
exame consiste no preenchimento do segmento distal do cólon, a jusante da colostomia,
por contraste hidrossolúvel, permitindo a visualização da porção terminal do cólon esquerdo
ou de qualquer trajeto fistuloso presente. A correção cirúrgica definitiva é realizada por
meio de uma anoretoplastia sagital posterior plena. Após a cirurgia, torna-se necessário
iniciar um programa de dilatação anal progressiva por meio dos chamados dilatadores de
Hegar. A colostomia deverá ser encerrada após a conclusão do programa de dilatações anais.

No sexo feminino, aquando de um ânus imperfurado, pode existir:

Fístula perineal: ocorre em apenas 10% dos casos e caracteriza-se por um trajeto fistuloso
para a pele perineal, geralmente perto do seu local de inserção normal. Na maioria dos casos
não é necessária intervenção cirúrgica.

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Fístula vestibular: ocorre em 90% dos casos e caracteriza-se por um trajeto fistuloso para a
forchette vaginal. Ao exame físico observa-se genitália corretamente formada, ausência de
ânus permeável e presença de ânus na região vestibular, ou seja, na zona de união posterior
dos grandes lábios. O tratamento cirúrgico é uma anoretoplastia sagital posterior, sendo
uma cirurgia mais simples que no sexo masculino por não existir confluência entre os
sistemas urinário e digestivo.

7. MALFORMAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL ANTERIOR

7.1. ONFALOCELE

O onfalocele é uma malformação congénita na linha média da parede anterior do abdómen,


caracterizada pelo alargamento do orifício umbilical e pela protusão, através do próprio
defeito da parede (anel umbilical), de conteúdo intra-abdominal, recoberto por saco ou
película peritoneal (peritoneu e membrana amniótica), sem pele suprajacente.

Embriologicamente, o instestino desenvolve-se extra-celómico entre a 4ª e a 7ª semana,


depois reentra na cavidade abdominal e o umbigo encerra por volta da 7ª-12ª semana.
Nestes casos, não há encerramento e entrada normal do conteúdo extra-celómico na
cavidade abdominal.

A incidência é cerca de 1/5-10.000 nascimentos, com predomínio no sexo masculino. Pode


estar associado a outras malformações congénitas (42%) ou anomalias genéticas (30%). A
mortalidade desta patologia ronda os 40-50% e deve-se, na maioria dos casos, a
malformações congénitas cardíacas.

Esta patologia pode ser diagnosticada por DPN a partir da 10ª semana de gestação.

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Esta patologia tem sempre indicação cirúrgica. Quando possível, faz-se o encerramento
primário da parede abdominal, desde que não provoque elevação excessiva da pressão
intra-abdominal. Se o defeito não permitir, pela sua dimensão, o encerramento primário,
deverá ser realizada a contenção do conteúdo do onfalocele por meio de um saco de
polímero de silastic (PTFE) promovendo o encerramento posterior (técnica de encerramento
diferido/por fases, de Schuster). Outra técnica possível é o encerramento por enxertos de
pele (técnica de Gross).

6.2. GRASTROSQUISE

A gastrosquise é uma malformação congénita da parede anterior do abdómen caracterizada


por ausência do encerramento da parede abdominal, na maioria das vezes à direita da
inserção do cordão umbilical e exteriorização, por esse defeito, de conteúdo intra-
abdominal: vísceras ocas não cobertas por peritoneu ou membrana amniótica (ao contrário
do onfalocele).

A incidência deste defeito é cerca de 1/25-50.000 nascimentos, com predomínio no sexo


masculino. Raramente tem outras malformações associadas, pelo que a sua mortalidade é
cerca de 15-20%, e deve-se a complicações associadas como Síndrome do intestino curto.

Após o nascimento verifica-se que as ansas intestinais, pelo contacto prolongado com o
líquido amniótico, estão aderentes entre si. Este fenómeno pode, ainda, originar inflamação
no peritoneu (peritonite amniótica), edema da parede intestinal, formação duma película
de fibrose assim como compressão das artérias mesentéricas e das fibras nervosas entéricas,
sendo que o próprio orifício para-umbilical poderá também ter efeito compressivo sobre os
vasos.

O tratamento cirúrgico é semelhante ao do onfalocele. Estes RN devem ficar com um cateter


para alimentação parentérica, pois o intestino inflamado e fibrosado durante os primeiros
tempos não é capaz de peristaltismo.

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7. HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÉNITA

É uma malformação diafragmática que se deve a um encerramento incompleto do canal


pleuroperitoneal primitivo, aquando da reentrada das vísceras extra-celómicas na cavidade
abdominal. Em 90% dos casos ocorre do lado esquerdo, sendo chamada hérnia de
Bochdalek.

Tem uma incidência de 1:3000 nascimentos, sendo mais prevalente no sexo masculino. O
DPN deteta a presença de vísceras ocas no tórax fetal.

O diagnóstico pós-natal é clínico (Síndrome de dificuldade respiratória, taquipneia, cianose,


«, abdómen escavado, etc) e pode ser complementado com exames imagiológicos como RX
toraco-abdominal ou ecografia.

O tratamento é inicialmente médico, de suporte, de maneira a prevenir a hipoplasia e


hipertensão pulmonar. É efetuada ventilação mecânica, controlo do balanço hemodinâmico.
A correção cirúrgica consiste na redução das vísceras herniadas para o abdómen e
encerramento do defeito diafragmático.

8. VOLVO DO INTESTINO MÉDIO

Geralmente ocorre como complicação de má-rotação e não fixação intestinal. O intestino


sofre uma rotação sobre o seu eixo vascular, geralmente comprimindo a artéria mesentérica
superior. É uma emergência, uma vez que esta artéria vasculariza quase a totalidade do
intestino (desde o duodeno até ao cólon transverso), podendo ocorrer isquémia intestinal
com necrose.

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As manifestações clínicas podem incluir agravamento abrupto do estado geral, distensão
abdominal, cólica, irritabilidade e, por vezes, eliminação de fezes com sangue. O diagnóstico
é imagiológico. No RX pode observar-se o intestino enrolado sobre si próprio: sinal do saca-
rolhas (“Corkscrew”). Na ecografia com doppler é possível observar os vasos mesentéricos
enrolados: sinal do turbilhão (“Wirlpool”).

9. ENTEROCOLITE NECROTIZANTE

A enterocolite necrotizante é uma situação clínica resultante de processo agudo


inflamatório e necrótico do intestino, transmural, em áreas de extensão variável, afetando
mais frequentemente o íleo terminal e a porção proximal do cólon ascendente. Pode atingir
uma região ou apresentar-se com lesões dispersas.

É uma condição multifatorial com alta morbilidade e mortalidade, tipicamente associada


com RN prematuros de baixo ou muito baixo peso admitidos nas unidades de cuidados
intensivos neonatais. Tem uma incidência de 2.4/1000 nascimentos. Pode ocorrer como um
episódio único ou em clusters.

A clínica não é específica, podendo ir desde ligeira instabilidade até sépsis severa. Em 31%
dos casos ocorre SIRS com ponto de partido abdominal (perfuração e extravasão
intraperitoneal), 62% dos casos têm indicação cirúrgica e 30% dos doentes morrem.

Fatores de risco:

 Hipóxia intra-uterina  Ducto arterial patente


 Asfixia neonatal  Hemorragia
 Síndrome de dificuldade respiratória  Hipovolemia
 Hipotermia  Síndrome de Hiperviscosidade
 Defeitos cardíacos congénitos  Alimentação hiperosmolar

Etiologia

Embora a etiopatogénese não esteja


completamente compreendida, admite-se
comparticipação multifatorial e que a doença
resulte duma agressão inicial (isquémica,
infeciosa, relacionada com a introdução de
alimentação entérica, etc.) no contexto de trato
gastrintestinal imaturo, seguindo-se uma série
de reações inflamatórias em cascata associadas
a invasão bacteriana da mucosa intestinal e a
consequente proliferação.

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Classificação consoante a área afetada:

 Focal (pode estar associada a perfuração intestinal focal)


 Segmental (várias perfurações)
 Total (sinal de Cullen)

Focal Segmental Total

Diagnóstico

Do ponto de vista laboratorial pode apresentar: trombocitopenia, alterações na coagulação,


acidose metabólica, etc. No líquido colhido por paracentese evidencia-se leucocitose e
crescimento polibacterino.

A radiológico pode evidenciar: distensão de ansas; presença de gás intra-mural (pneumatose


intestinal); ascite; pneumoperitoneu e presença de gás na circulação porta (aeroportia).

Sob o ponto de vista da evolução clínica e gravidade são descritos diversos estádios definidos
por Bell (Critérios evolutivos de Bell) cuja identificação, valorizando de modo cumulativo
sinais sistémicos, intestinais e imagiológicos, tem implicações práticas importantes quanto
às decisões terapêuticas e ao prognóstico.

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Tratamento

Casos menos graves: Interrupção imediata de alimentação por via entérica, descompressão
gástrica com introdução de sonda naso, correção dos equilíbrios hidroelectrolítico, ácido-
base, hemodinâmico, início de nutrição parentérica, início de antibioterapia de largo
espectro.

Nos casos em que se verifica progressão rápida do quadro clínico e agravamento global,
devem ser ponderados dois procedimentos invasivos: paracentese abdominal para
drenagem peritoneal simples e/ou laparotomia.
Nos casos de pneumoperitoneu, uma vez que indica perfuração de ansa, é sempre
necessária laparotomia exploradora com eventual resseção do segmento intestinal afetado,
se não viável, seguida de anastomose primária ou enterostomima.

Prognóstico e complicações
As principais complicações pós-cirurgia são estenose intestinal segmental e síndrome do
intestino curto, em casos de resseções intestinais muito alargadas.
A taxa de sobrevivência é inversamente proporcional à extensão da lesão. Assim, a
enterocolite focal tem uma taxa de sobrevivência de 75% enquanto que a da enterocolite
total é de apenas 5%.

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