Você está na página 1de 47

Quais os mecanismos da

diarreia e quais são as


principais causas?

24.1 DEFINIÇÃO
A doença diarreica na infância é um importante e extenso capítulo
das afecções pediátricas. Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a diarreia pode ser definida como o aumento do
número de evacuações, sendo no mínimo três, em um período de
24 horas, com diminuição da consistência das fezes.
Em recém-nascidos e lactentes jovens, o conceito de diarreia
deve ser aplicado com muito cuidado. Nessa população,
amamentada exclusivamente ao seio, fezes amolecidas e,
eventualmente líquidas, e evacuações após cada mamada são
eventos normais e esperados. Esses bebês podem chegar a
evacuar de 8 a 10 vezes por dia, sem que isso signifique diarreia.
Portanto, é importante saber o hábito intestinal normal da criança.
24.2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À
DURAÇÃO
24.2.1 Diarreia aguda

É
É definida como diarreia que pode durar até 14 dias e determina a
perda de volumes e fluidos, podendo levar à desidratação. Pode
ser causada por bactérias, protozoários ou, na maioria das vezes,
vírus, com má absorção e/ou secreção de água e eletrólitos.
Grande parte dos casos tem evolução autolimitada e benigna.
24.2.2 Diarreia aguda com sangue — Disenteria
É caracterizada pela presença de sangue nas fezes. Representa
lesão na mucosa intestinal e pode associar-se com infecção
sistêmica e outras complicações, incluindo desidratação.
Bactérias do gênero Shigella são os principais agentes
etiológicos.
24.2.3 Diarreia persistente
É definida como aquela que se origina de episódio de diarreia
aguda, de etiologia presumivelmente infecciosa, prolongando-se
por mais de 14 dias, levando à instabilidade hidroeletrolítica e ao
comprometimento do estado geral e nutricional, principalmente
em lactentes.
24.2.3 Diarreia crônica
É a diarreia com duração superior a 30 dias ou a ocorrência de
três episódios no período de 60 dias, consequente ao maior
conteúdo de água fecal, associada ou não à síndrome de má
absorção.
24.3 DIARREIA AGUDA
24.3.1 Epidemiologia
A Doença Diarreica Aguda (DDA) continua a ser uma das
principais causas de morbimortalidade infantil nos países em
desenvolvimento, além de estar intimamente ligada a más
condições econômicas, culturais, higiênicas e de saneamento
básico. São reportados, anualmente, 1 bilhão de casos da doença
e cerca de 3 a 5 milhões de mortes em menores de 5 anos, de
acordo com as estimativas da OMS. Em países em
desenvolvimento, crianças menores de 5 anos podem apresentar
de três a cinco episódios diarreicos por ano.
No Brasil, acomete 16 milhões de indivíduos menores de 5 anos. A
taxa de mortalidade é de aproximadamente 20 para cada 1.000
nascidos vivos, e há grande variação desses índices de acordo
com as regiões do país. No Norte e no Nordeste, a taxa de
mortalidade infantil anual por DDA situa-se em torno de 30%; no
Sul e no Sudeste, entre 2,7 e 5%.
Embora a doença diarreica ocorra em todas as idades, atinge
principalmente os menores de 5 anos, sendo este também o
grupo de maior risco. Os lactentes jovens, precocemente
desmamados, com quadros graves que requerem hospitalização,
constituem o principal grupo de risco para o desenvolvimento de
complicações — distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos,
intolerância alimentar, diarreia persistente, agravo nutricional e
infecções extraintestinais. Crianças menores de 5 anos,
desnutridos ou em situação nutricional de risco, populações de
periferia, que habitam áreas sem saneamento básico ou moradias
insalubres, completam o grupo de maior risco para as
complicações da DDA. Diarreia mata por desidratação e causa
morbidade considerável por desnutrição.
Diante das elevadas taxas de mortalidade determinadas pela
DDA, estudos epidemiológicos elegeram os principais agravantes,
que são fatores de risco para a mortalidade.
▶ Fatores agravantes:
▶ Baixo peso ao nascer;
▶ Desidratação grave;
▶ Desnutrição grave;
▶ Lactente jovem;
▶ Febre elevada;
▶ Pneumonia;
▶ Pais com baixo grau de instrução.

24.3.2 Epidemiologia
A desidratação tem especial importância nos primeiros meses de
vida porque o corpo humano é mais suscetível às perdas hídricas
nessa faixa etária. Isso pode ser observado considerando que a
proporção de água corpórea no período neonatal é de 80%,
permanecendo 50% no espaço extracelular.
No adulto, a proporção de água corpórea situa-se em torno de
60%, e 20% permanece no espaço extracelular. O balanço
hidroeletrolítico é mantido pelo equilíbrio entre ingestão e perdas.
As perdas podem ser:
▶ Insensíveis: pele, respiração e metabolismo fisiológicos — 50
mL/100 kcal metabolizados;
▶ Renais: variam conforme o volume de solutos a serem
excretados — concentração urinária;
▶ Fecais: desprezíveis em condições normais — 10 g/kg/d.
Entretanto, quando ocorre processo diarreico, a perda fecal de
água e de eletrólitos pode ser muito intensa; nos casos graves,
chega a volumes fecais de até 200 g/kg/d com perdas de sódio
de 100 mEq/kg/d. A hipernatremia subestima a desidratação,
enquanto na hiponatremia os sinais de desidratação são
evidentes precocemente. O cálculo da osmolaridade plasmática é
realizado por meio da fórmula (2x Na) + (glicose/18), e o valor
normal varia entre 285 e 295 mOsm/kg.
Figura 24.1 Comparação da distribuição dos eletrólitos no plasma, no meio
intersticial e no meio intracelular de uma célula muscular

Fonte: acervo Medcel.


A bomba de Na/K trabalha para manter o líquido extracelular em
maior quantidade, porém com a mesma osmolaridade do meio
intracelular.
Figura 24.2 Diferenças nas concentrações dos eletrólitos no plasma e no meio
intracelular

Nota: No plasma, predomina o Na*.


Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 24.3 Diferenças de osmolaridade entre dois compartimentos


Fonte: acervo Medcel.

Com a queda de osmolaridade no plasma, o meio intracelular


absorve água, levando à ingurgitação celular. Esse é o quadro de
hiponatremia.
Com o aumento de osmolaridade no plasma, o meio extracelular
absorve água do meio intracelular. Esse é o quadro de
hipernatremia.
24.3.3 Etiologia
A maioria dos episódios diarreicos agudos é de origem infecciosa
ou parasitária. A prevalência dos agentes etiológicos pode variar
em diversos trabalhos, de acordo com as regiões pesquisadas,
pois fatores como nível socioeconômico, condições de
saneamento básico, entre outros, influenciam a etiologia das
doenças diarreicas. Os principais agentes etiológicos são
apresentados a seguir.
24.3.3.1 Vírus
O rotavírus é classicamente o principal responsável pela DDA na
criança, causando 20 a 30% de todos os episódios de diarreia.
Pode-se destacar, ainda, o norovírus — vírus Norwalk —,
responsável pela segunda colocação entre os agentes virais de
DDA e pelas grandes epidemias em navios e pela alta
infectividade. Em países com boa cobertura vacinal contra
rotavírus, o principal agente etiológico da DDA já é o norovírus. Há,
ainda, adenovírus, astrovírus e calicivírus, cuja detecção
laboratorial não é realizada rotineiramente em nosso meio.
24.3.3.2 Bactérias

Inicialmente, mesmo que não comprovada laboratorialmente,


prevalece a hipótese de infecção por Shigella diante de um
quadro de DDA invasiva. Outros agentes que podem necessitar
de antibióticos quando causam casos graves são: E. coli
enteroinvasiva, Yersinia, V. cholerae, C. difficile e Salmonella não
tifoide.
Figura 24.4 Shigella
Fonte: Centers for Disease Control, 2018.

24.3.3.3 Parasitas

Destacam-se protozoários como Giardia lamblia, Entamoeba


histolytica, entre outros.
Figura 24.5 Giardia lamblia
Fonte: Kateryna Kon.

Pode-se encontrar, ainda, associação de agentes em 20 a 30%


dos casos.
24.3.4 Transmissão
Ocorre, principalmente, pela via fecal-oral, pelo contato direto ou
pela veiculação dos patógenos por meio da água e dos alimentos.
Quadro 24.1 Principais agentes etiológicos de diarreia
Fonte: adaptado de Tratado de Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria, 2017.

24.3.5 Patogênese das diarreias bacterianas


De forma sucinta, são destacados os principais mecanismos de
lesão do epitélio intestinal nos processos infecciosos.
24.3.5.1 Adesão à mucosa intestinal e lesão da borda “em
escova”

Os agentes estabelecem firme adesão ao epitélio intestinal,


promovendo desarranjo e dissolução da borda “em escova” dos
enterócitos maduros — lesão por fixação e destruição. Isso
determina grande redução da superfície de absorção, causando
desequilíbrio entre a absorção e a excreção de água e eletrólitos.
As EPECs são o principal exemplo de agente responsável por
esse tipo de lesão, uma vez que não produzem toxinas nem são
enteroinvasivas. Possuem fímbrias com a tendência de se
agregar e formar bandas, e estão associadas a áreas com más
condições de higiene, sendo importante agente em menores de 2
anos. Quanto à causa clínica, a diarreia é profusa, acompanhada
de vômitos, mal-estar e febre, eventualmente com muco nas
fezes.
Figura 24.6 Escherichia coli enteropatogênica e suas fímbrias
Fonte: Decade3d - anatomy online.

A íntima adesão da bactéria à membrana do enterócito causa a


aparência de que a bactéria está “sentada” sobre um pedestal da
membrana celular.
Figura 24.7 Lesão “em pedestal”
24.3.5.2 Adesão à mucosa intestinal e produção de
enterotoxinas

A bactéria adere à mucosa intestinal sem invadi-la, passando a


produzir enterotoxinas que, intracelularmente, ativam o AMP ou o
GMP cíclico. Essas toxinas são termolábeis, termoestáveis ou de
ambos os tipos. Consequentemente, há estimulação da secreção
de cloro, de sódio e de água. São exemplos desse tipo de agentes:
Vibrio cholerae e ETEC. Causa episódios de diarreia autolimitada
e é a principal causa de diarreia “do viajante” em países
subdesenvolvidos.
Vibrio cholerae causa a diarreia grave aquosa profusa, com perda
significativa de água e eletrólitos. As fezes são “em água de
arroz”.
A ETEC, com os rotavírus, constitui a principal causa de diarreia
nos países em desenvolvimento, infecta todas as faixas etárias e
provoca surtos epidêmicos por contaminação de água e
alimentos. A diarreia é aquosa e abundante, sem muco ou
leucócitos, com náuseas e dor abdominal, dura em média cinco
dias e geralmente não provoca febre.
24.3.5.3 Invasão da mucosa com proliferação bacteriana
intracelular

Algumas espécies de bactérias invadem o enterócito do intestino


delgado distal e do colo, multiplicando-se, deteriorando a sua
função e causando a sua morte. Esse processo provoca reação
inflamatória que resulta em febre, toxemia e sangramento de
pequena intensidade, associados a tenesmo, cólica, anorexia e
astenia. A desidratação não é intensa, porém pode haver sinais de
hiponatremia. É pouco frequente em menores de 1 ano.
Os principais exemplos de agentes causadores desse tipo de
diarreia são as várias espécies de Shigella sp. e de EIEC.
Há quatro tipos de Shigella: S. sonnei — mais prevalente nos
países industrializados —, S. flexneri, S. boydii — raras — e S.
dysenteriae —com maior virulência. É mais comum em crianças
pequenas até a pré-adolescência, mas acomete todas as idades.
Após o período de incubação — 24 a 48 horas —, a diarreia
profusa permanece por 24 horas e, após, torna-se sanguinolenta.
Como complicação, podem surgir convulsões, meningite,
pneumonia e sepse.
A EIEC causa diarreia aquosa que, muitas vezes, evolui para
disenteria com fezes em pequena quantidade, sangue, cólicas,
tenesmo, febre e leucócitos fecais.
Figura 24.8 Shigella sp.
Fonte: Kateryna Kon.

24.3.5.4 Invasão da mucosa e da lâmina própria

Ocorrem invasão e inflamação da mucosa intestinal seguidas de


invasão da lâmina própria e gânglios mesentéricos e, a seguir,
disseminação do agente por via hematogênica, com evolução
para doença sistêmica — sepse. Os principais agentes
relacionados a esse tipo de doença são Salmonella,
Campylobacter jejuni e Yersinia enterocolitica.
A Salmonella pode ser dividida em tifoide — S. typhi e S. paratyphi
— e não tifoide — predomínio pelo S. enteritidis. A diarreia é
aquosa, evoluindo com sangue e muco.
A duração, por sua vez, é de três a sete dias. As complicações
mais frequentes são meningite, miocardite, pneumonia,
osteomielite e sepse.
A Campylobacter jejuni é a mais comum do grupo, que se associa
à gastrenterite e à diarreia “do viajante”.
A incubação, em média, dura de um a sete dias. Inicialmente,
surgem cefaleia, mialgia, febre e diarreia com muco e sangue.
24.3.5.5 E. coli êntero-hemorrágica

Essas cepas produzem dois tipos de toxina: Shiga-like toxinas I e


II, que se ligam a receptores renais e intestinais. Desencadeia
diarreia sanguinolenta e/ou síndrome hemolítico-urêmica e está
caracterizada por anemia hemolítica, plaquetopenia e
insuficiência renal. O sorotipo mais comumente relacionado a
essa síndrome é o O157:H7.
A transmissão ocorre por consumo de carne bovina malpassada e
leite não pasteurizado. É mais frequente em crianças entre 5 e 9
anos e adultos. As manifestações clínicas são diarreia
sanguinolenta, dor abdominal em cólica, vômitos com duração de
1 a 24 dias e febre baixa ou ausente. O uso de antibióticos e
antiespasmódicos tem sido associado a risco maior para a
ocorrência da síndrome hemolítico-urêmica.
24.3.5.6 Outros mecanismos

Os vírus causadores de DDA apresentam mecanismo


fisiopatológico ainda não esclarecido totalmente.
O rotavírus atua invadindo os enterócitos maduros,
principalmente do ápice das vilosidades, onde se multiplica,
promovendo a lise das células. Essa lesão ocorre de forma
irregular, com áreas de epitélio lesado entremeadas por áreas de
epitélio íntegro. Acomete, principalmente, células do ápice das
vilosidades, que são responsáveis pela absorção, preservando as
células imaturas das criptas, que promovem secreção, partindo
daí o processo diarreico.
Além disso, a lesão reduz a produção de lactase e de outras
dissacaridases, causando acúmulo de açúcares no lúmen
intestinal, que serão metabolizados pela via anaeróbica,
resultando na produção de radicais ácidos. Tais produtos
aumentam a osmolaridade local, cursando com diarreia de
componente osmótico. A infecção por rotavírus é mais comum
nos meses de inverno nas regiões de clima temperado. A maior
parte dos casos ocorre em crianças menores de 2 anos, porém
maiores de 3 meses. Propaga-se eficientemente por via fecal-oral
e é excretado nas fezes antes e depois da doença clínica. Surtos
são comuns em creches e hospitais infantis.
Manifesta-se clinicamente após período de incubação
geralmente menor que 48 horas, com febre e vômitos, seguidos
de evacuações frequentes com fezes aquosas que persistem por
cinco a sete dias. As fezes não têm sangue ou leucócitos, mas a
desidratação se instala rapidamente. A recuperação ocorre com
tratamento reidratante adequado. O diagnóstico é confirmado
com ensaio imunoenzimático de amostras fecais, que identifica o
rotavírus do grupo A com sensibilidade e especificidade de 90%.
É importante salientar que, além da lesão específica determinada
pelos diversos agentes etiológicos, a agressão à mucosa
intestinal desencadeia um processo inflamatório com liberação
de mediadores inflamatórios, como prostaglandinas e
leucotrienos, que estimulam a secreção de água e de eletrólitos,
intensificando as perdas intestinais.
Existe, ainda, a diarreia relacionada a antibióticos como
penicilinas, cefalosporinas e clindamicina, que ocorre em 10 a 14
dias após o início da antibioticoterapia ou em até três semanas
após o seu término, caracterizada por ser aquosa e intensa. Pode
acontecer também a colite pseudomembranosa, causada pela
bactéria Clostridium difficile, com sintomas de febre, vômitos,
distensão abdominal, toxemia, leucocitose acentuada, muco e
sangue nas fezes, tratada com metronidazol ou vancomicina oral.
Quadro 24.2 Patogêneses
24.3.6 Quadro clínico
As diarreias bacterianas seguem padrão semelhante entre si, com
febre, vômitos, toxemia e distensão abdominal; em alguns casos,
as fezes apresentam muco e sangue e são acompanhadas de
cólicas intensas que melhoram com a evacuação. O aspecto
comum à diarreia aguda, não importando o agente, é o seu risco
potencial de causar desidratação e distúrbios eletrolíticos, um
dos principais fatores determinantes da morbimortalidade.
A diarreia causada pelo rotavírus apresenta pródromo de 1 a 3
dias de febre, de sintomas gripais e vômitos frequentes e
volumosos que, por si só, causam desidratação. Em seguida,
instala-se quadro de diarreia aquosa, profusa, com vários
episódios ao dia, muitas vezes com caráter explosivo, por causa
de fermentação de açúcares. O estado do paciente permanece
preservado, sem quadro toxêmico, exceto quando há
desidratação ou distúrbios eletrolíticos
24.3.7 Diagnóstico
Embora o quadro clínico possa ser sugestivo de um ou de outro
agente, a definição etiológica depende da identificação desse
agente, o que nem sempre é possível, por isso o diagnóstico é
eminentemente clínico.
A investigação da etiologia da diarreia aguda não é obrigatória em
todos os casos. Deve ser realizada nos casos graves e nos
pacientes hospitalizados. É necessário lembrar que os
laboratórios, em geral, não dispõem de recursos para diagnosticar
todas as bactérias e todos os vírus causadores de diarreia aguda.
24.4 CLASSIFICAÇÃO
As desidratações são classificadas quanto à concentração de
sódio e/ou quanto ao déficit de água.
24.4.1 Quanto à concentração de sódio
▶ Isonatrêmica — ou isotônica: sódio sérico entre 135 e 145
mEq/L, compondo a maioria das desidratações por DDA;
▶ Hiponatrêmica — ou hipotônica: sódio sérico abaixo de 135
mEq/L;
▶ Hipernatrêmica — ou hipertônica: sódio acima de 145 mEq/L.
Figura 24.9 Osmorreceptores no hipotálamo
Fonte: elaborado pelo autor.

24.4.2 Quanto à concentração de sódio


Esse é o principal parâmetro de classificação da desidratação.
▶ Desidratação leve: perdas hídricas entre 3 e 5% do peso
corpóreo ou 30 mL/kg;
▶ Desidratação moderada: perdas entre 5 e 10% do peso
corpóreo ou 30 a 100 mL/kg;
▶ Desidratação grave: perdas iguais ou maiores que 10% do peso
corpóreo ou acima de 100 mL/kg.
24.5 QUADRO CLÍNICO — DESIDRATAÇÃO
ISONATRÊMICA
A desidratação isonatrêmica, ou isotônica, é a mais frequente
quando associada à DDA.
Ao avaliar uma criança com desidratação, alguns aspectos devem
ser verificados minuciosamente, com o objetivo de graduar a
intensidade da desidratação. São eles: nível de consciência,
presença de olhos encovados, turgor da pele, perfusão periférica,
pressão arterial, retração de fontanela, débito urinário e
frequência respiratória.
Até 1992, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconizou a
avaliação de todos esses parâmetros, de forma a classificar a
desidratação em leve, moderada e grave ou, respectivamente, de
I, II e III graus. Entretanto, por serem alguns desses parâmetros
muito subjetivos e de difícil mensuração pelo médico e,
consequentemente, dificultando a definição do tratamento eficaz,
a OMS, em 1996, estabeleceu critérios de maior confiabilidade
para classificar a desidratação quanto à sua intensidade. Esses
critérios fazem parte da estratégia Atenção Integrada às Doenças
Prevalentes na Infância (AIDPI), adotada pelo Ministério da Saúde
do Brasil. A partir da classificação da OMS quanto à gravidade da
desidratação, são traçados os planos de tratamento.

#importante
De acordo com a OMS, o paciente com
diarreia pode ser classificado quanto a
seu grau de hidratação em hidratado,
desidratado e desidratado grave. Deverá
receber como plano de tratamento,
respectivamente, o plano A, B e C.

25.5.1 Tratamento — desidratação isonatrêmica


A via enteral deve ser sempre a primeira opção para iniciar a
hidratação, exceto em situações em que há desidratação
grave/choque ou incapacidade de administração enteral mesmo
após a tentativa de sondagem gástrica, por exemplo, por vômitos
incoercíveis. A desidratação pode ser prevenida ou corrigida pelo
uso judicioso de soluções hidroeletrolíticas.
Os planos de tratamento para desidratação isonatrêmica A, B e C
serão detalhados a seguir.
24.5.1.1 Terapia de reidratação oral

A Terapia de Reidratação Oral (TRO) revolucionou o tratamento


da doença diarreica em todo o mundo. Nos 10 anos seguintes à
sua introdução pela OMS, foram evitadas mais de 2 milhões de
mortes anuais de crianças menores de 5 anos, principalmente nos
países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
Importância da terapia de reidratação oral:
▶ Possibilita o tratamento de cerca de 90% dos casos de
desidratação;
▶ Reduz em 40 a 50% as taxas de letalidade intra-hospitalar por
diarreia — menores complicações;
▶ Reduz em 50 a 60% as taxas de internação por diarreia e em
80% os custos com tratamento;
▶ A instituição precoce diminui, significativamente, o número de
consultas ambulatoriais;
▶ Associada à orientação alimentar, reduz a perda de peso e os
agravos nutricionais;
▶ Método de fácil aplicação por profissionais de saúde e/ou
familiares;
▶ Método adequado às características fisiológicas da patologia,
favorecendo a recuperação do paciente;
▶ Reduz o volume das fezes e a duração da diarreia;
▶ Previne a disseminação dos patógenos;
▶ Reduz a admissão hospitalar e o tempo de observação;
▶ Previne a diarreia persistente;
▶ Aumenta a adesão do paciente e da família ao tratamento;
▶ Diminui custos hospitalares, pessoais e familiares.

#importante
São duas as recomendações da
Organização Mundial da Saúde para a
TRO: prevenção da desidratação e
correção da desidratação.

24.5.1.2 Bases fisiológicas

Na DDA, mantêm-se intactos os mecanismos de absorção de


sódio acoplados à glicose — ou outros solutos — quando em
proporção equimolar, independentemente da atividade da bomba
de sódio. Portanto, mesmo havendo lesão do enterócito pelos
agentes virais ou bacterianos, a hidratação por via oral é viável.
Na Figura 24.10, observa-se o mecanismo de absorção de sódio
acoplado a um soluto (glicose, aminoácido).
Figura 24.10 Mecanismo de absorção de sódio acoplado à glicose
Fonte: acervo Medcel.

Outros solutos podem ser utilizados em fórmulas para a


hidratação oral: dissacarídeos, polissacarídeos, aminoácidos,
proteínas hidrolisadas, entre outros.
24.5.1.3 Composição das soluções de reidratação oral

Até 2001, a solução de reidratação oral da OMS permanecia a


mesma desde a sua implantação, na década de 1970. A partir
daquele ano, vários estudos concluíram que haveria benefício em
reduzir o sódio e a glicose da formulação, o que diminuiria,
também, a osmolaridade e, por consequência, a intolerância, pois
soluções com maior osmolaridade podem precipitar vômitos.
Atualmente, no Brasil, ainda está sendo adotado o soro com 90
mEq/L de sódio.
Quadro 24.3 Composição da solução de reidratação oral, segundo a Organização
Mundial da Saúde

Quadro 24.4 Comparação da composição de diversas bebidas


24.5.1.4 Tratamento da desidratação

a) Criança sem desidratação — plano A

Nos casos em que a criança apresenta diarreia sem desidratação,


não há necessidade de um plano de reidratação, e os cuidados
serão realizados em casa. Deve-se, entretanto, orientar a mãe ou
o responsável sobre o curso natural da doença, a alimentação e a
reposição das perdas hídricas. Nesse caso, de acordo com AIDPI,
deve-se estabelecer o plano A.
Plano A:
▶ Oferecer líquidos com maior frequência que o habitual; pode ser
água, chás, sucos;
▶ Manter a alimentação habitual da criança, corrigindo apenas
distorções muito relevantes, o que garante melhor aceitação da
dieta e menor risco de desnutrição;
▶ Oferecer Sais de Reidratação Oral (SRO) após cada episódio de
evacuação líquida ou vômito. O volume a ser oferecido é de 50 a
100 mL para crianças de até 1 ano e de 100 a 200 mL para as
crianças acima de 1 ano. Oferecer em pequenos volumes,
fracionadamente. Se houver vômitos, aumentar os intervalos
entre cada oferta;
▶ Orientar os responsáveis quanto ao tempo provável de duração
da DDA, à importância da reidratação e aos riscos da
desidratação;
▶ Detalhar os sinais e os sintomas de alerta que podem significar
gravidade e orientar o retorno imediato ao serviço, como em caso
de vômitos frequentes que dificultem a ingestão hídrica, apatia ou
irritabilidade intensa, depressão da fontanela, olhos encovados e
diminuição do fluxo urinário.
b) Desidratação leve/moderada ou desidratação de algum
grau

Para as crianças que apresentam esse tipo de desidratação,


preconiza-se a TRO ou o plano B. São situações em que a TRO
deve ser realizada na Unidade de Saúde e supervisionada de
maneira adequada. Deve-se lembrar que, embora inicialmente a
desidratação não seja grave, o sucesso do tratamento depende
de muitos fatores, como gravidade, estado clínico e
administração adequada do soro.
24.5.1.5 Técnica da terapia de reidratação oral

#importante
Deve-se suspender a dieta, exceto o
aleitamento materno, durante as horas
de reidratação oral.

Inicialmente, deve-se pesar a criança sem roupa; anotar vômitos,


diurese e evacuações; calcular reposição de 50 a 100 mL/kg, até
desaparecerem os sinais de desidratação; oferecer líquidos em
volumes pequenos e frequentes com colher ou seringa. Após a
primeira hora, deve-se reavaliar o paciente e observar se a
hidratação está sendo efetiva; para isso, utiliza-se o índice de
retenção, por meio da fórmula a seguir.
Se IR for maior que 20%, manter a TRO, bem como reavaliar a
cada hora. Se for menor que 20% por 2 horas consecutivas,
considerar hidratação intravenosa ou gavagem — iniciar com 30
mL/kg/h até 60 mL/kg/h. O uso de SRO por sonda gástrica —
gastróclise — está indicado em caso de perda de peso após 2
horas de TRO, agravo da desidratação ou dificuldade de ingestão
do SRO. Em casos de vômitos persistentes, está indicado o uso de
ondansetrona durante o plano B. Se houver sucesso com a TRO,
orientar quanto ao manejo da diarreia em casa, mantendo as
recomendações já discutidas no plano A. Em caso de fracasso da
TRO, deve-se seguir com hidratação intravenosa. Devem-se,
ainda, considerar as situações de risco em que a terapia deve ser
interrompida.
24.5.1.6 Suspensão da terapia de reidratação oral

Deve-se suspender a TRO nas seguintes condições:


▶ Crises convulsivas;
▶ Vômitos incoercíveis;
▶ Distensão abdominal mesmo após sonda nasogástrica;
▶ Ausência de ganho de peso após 2 horas de TRO — gastróclise.

24.5.2 Hidratação intravenosa


É indicada para as desidratações graves ou aquelas que não
tenham tido sucesso com a TRO.
Portanto, corresponde ao plano C da AIDPI.
24.5.2.1 Fase de reparação/expansão

Visa corrigir o déficit hidroeletrolítico, de forma a restabelecer o


equilíbrio hemodinâmico.
No caso de choque hipovolêmico, a opção inicial deve ser soro
fisiológico a 0,9% ou Ringer lactato, 20 mL/kg a cada 20 minutos,
até que se restabeleçam as condições cardiocirculatórias —
melhora da pressão arterial, perfusão periférica e início de
diurese.
De acordo com a OMS, a fase de expansão deve ser feita com 100
mL/kg de solução fisiológica ou ringer lactato. As crianças
menores de 1 ano devem receber 30 mL/kg em 1 hora e 70mL/kg
em 5 horas. Já as maiores de 1 ano devem receber 30 mL/kg em
30 minutos e 70 mL/kg em 2 horas e 30 minutos.
Deve-se ter atenção especial com os grandes desnutridos, os
cardiopatas e os nefropatas, pois estes não toleram grandes
volumes e podem desenvolver congestão cardiopulmonar. A
correção deve respeitar a velocidade de infusão de 10 a 20
mL/kg/h de soro já a partir da primeira hora de hidratação, caso o
paciente não esteja em choque. Deve-se, também, considerar o
paciente hidratado quando desaparecem os sinais de
desidratação e quando as micções forem claras e abundantes,
com densidade urinária em torno de 1.010. Após a hidratação,
segue-se a fase de manutenção, com objetivo de proporcionar
água, eletrólitos e calorias suficientes para o consumo corpóreo
em condições basais. Para tanto, utiliza-se a regra de Holliday-
Segar.
24.5.2.2 Fase de manutenção — em 24 horas

Regra de Holliday-Segar:
▶ Até 10 kg — 100 kcal/kg/d;
▶ 10 a 20 kg — 1.000 kcal + 50 kcal/kg acima de 10 kg;
▶ 20 kg a 1.500 kcal + 20 kcal/kg acima de 20 kg.
Para cada 100 kcal, utilizam-se:
▶ 100 mL de água;
▶ Sódio de 3 a 3,5 mEq;
▶ Potássio de 2,5 mEq;
▶ 8 g de glicose.
Para a fase de manutenção, em nenhuma diretriz analisada para a
composição do documento científico de diarreia aguda da
Sociedade Brasileira de Pediatria foi recomendado o uso de
solução isotônica com 154 mmol/L de sódio.
É importante ressaltar, no entanto, que várias instituições no
Brasil consideram o soro isotônico como o padrão-ouro para
compor o soro de manutenção.
24.5.2.3 Fase de reposição
Acrescenta-se, ainda, um volume que visa cobrir as perdas
gastrintestinais. Reposição das perdas — em 24 horas — volume
de água.
▶ De 20 a 30 mL/kg representa perda leve;
▶ De 40 a 60 mL/kg representa perda moderada;
▶ De 70 a 100 mL/kg representa perda grave.
Nas perdas moderada e grave, o sódio deve ser ofertado em
maior quantidade para evitar a hiponatremia.
▶ Nas perdas moderadas, utilizar Na = 5 mEq/kcal;
▶ Nas perdas graves, utilizar Na = 7 mEq/kcal.

24.5.2.4 Monitorização do estado de hidratação

▶ Pesar a cada 12 a 24 horas;


▶ Avaliação dos sinais de desidratação;
▶ Débito urinário;
▶ Controle de diurese;
▶ Quantificação das perdas fecais.

24.5.3 Alimentação
▶ Manter a alimentação habitual da criança, que poderá ter menor
ingesta por causa do quadro;
▶ Não realizar dieta durante a diarreia;
▶ Não diluir alimentos — inclusive o leite de vaca;
▶ Não restringir gordura — alto teor calórico;
▶ Não oferecer líquidos como bebidas à base de cola, chás, suco
de maçã, caldo de galinha e bebidas isotônicas, pois podem piorar
a diarreia por carga osmótica;
▶ O aleitamento materno deve ser mantido e incentivado no caso
dos lactentes amamentados ao seio materno.
24.5.4 Antieméticos
A utilização deve ser parcimoniosa e restrita, pois, na maioria dos
casos, a hidratação por si melhora a intensidade dos vômitos. No
Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI,
2017), já consta a indicação do uso de ondansetrona na dose de
0,15 mg/kg nos casos de desidratação leve ou moderada com
vômitos durante o plano B.
24.5.5 Antiespasmódicos e antidiarreicos
O uso é contraindicado, pois, além de não oferecer benefícios na
evolução do processo, pode causar complicações.
Antiespasmódicos e drogas que interferem na motilidade
intestinal são contraindicadas a crianças, já que inibem o
peristaltismo, prejudicando a remoção do enteropatógeno e
predispondo a complicações como íleo paralítico, distensão
abdominal e perfuração intestinal. Os adstringentes atuam
apenas como cosméticos sobre as fezes, aumentando sua
consistência, mas podem aumentar a perda fecal de sódio e
potássio.
24.5.6 Probióticos e zinco
O uso de probióticos tem mostrado efeito mais promissor
mediante melhor balanço microbiano intestinal. Entre eles, os
probióticos com grau de evidência I-A para redução de tempo,
gravidade e recorrência da diarreia são Saccharomyces boulardii
e Lactobacillus rhamnosus GG. Diversos estudos têm mostrado
que a suplementação de zinco diminui a gravidade e a duração do
quadro diarreico, bem como a ocorrência de novos episódios nos
meses subsequentes. Dessa forma, a OMS e o Ministério de
Saúde recomendam o uso de zinco para crianças com diarreia, na
dose de 10, em lactentes menores de 6 meses, a 20 mg/d, em
lactentes a partir de 6 meses de idade até os 5 anos.
24.5.7 Antibioticoterapia
O uso de antibióticos restringe-se a situações especiais, como:
▶ Diarreia causada pelo Vibrio cholerae;
▶ Evolução para quadro séptico;
▶ Imunodeprimidos;
▶ Doença prolongada e debilitante.
O uso indiscriminado de antibióticos pode alterar a flora intestinal,
determinando a evolução para diarreia prolongada ou colite
pseudomembranosa. De acordo com o documento científico do
Departamento de Gastroenterologia da Sociedade Brasileira de
Pediatria, publicado em março de 2017, os seguintes antibióticos
são indicados:
▶ A primeira escolha é o ciprofloxacino, com dose em crianças em
15 mg/kg, 2x/d, por três dias; em adultos, 500 mg 2x/d por três
dias;
▶ Como segunda escolha, pode ser adotada a recomendação da
ESPGHAN11, com azitromicina, 10 a 12 mg/kg no primeiro dia e 5
a 6 mg/kg por mais quatro dias, via oral, para o tratamento dos
casos de diarreia por Shigella — casos suspeitos ou comprovados;
▶ Ceftriaxona, 50 a 100 mg/kg IV por dia por três a cinco dias nos
casos graves que requerem hospitalização. Outra opção é a
cefotaxima, 100 mg/kg dividida em quatro doses.
Já no AIDPI (2017), manual adotado pelo Ministério da Saúde para
tratamento das doenças mais comuns em crianças menores de 5
anos, a orientação é que a primeira opção de antibiótico seja a
ceftriaxona na dose de 50 mg/kg/d IM por três dias, e a segunda
opção, sulfametoxazol-trimetoprima, 40 mg/kg/d durante cinco
dias. No mesmo texto, recomenda-se checar o perfil de
resistência da Shigella da região antes de escolher o melhor
antibiótico, pois um levantamento da literatura mostrou que, em
algumas regiões do Brasil, as amostras de Shigella testadas
apresentaram alta taxa de resistência ao sulfametoxazol-
trimetoprima e apresentam boa sensibilidade ao ciprofloxacino e
à ceftriaxona.
Lembrar-se do uso de metronidazol, de 15 a 30 mg/kg/d, a cada
12 horas, durante cinco dias, na suspeita de giardíase ou de
amebíase.
24.5.8 Avaliação laboratorial
Habitualmente, as desidratações leves e moderadas submetidas
à TRO com sucesso não necessitam de exames laboratoriais.
Naquelas em que houve insucesso da TRO ou nas desidratações
graves, a investigação laboratorial torna-se necessária para
determinar a estratégia terapêutica. O objetivo da avaliação
laboratorial é definir a natureza e quantificar a intensidade dos
distúrbios eletrolíticos.
Em casos graves de desidratação, os exames que devem ser
solicitados em uma primeira abordagem são dosagem de
eletrólitos —s ódio, potássio, cloro —, gasometria arterial ou
venosa — para avaliar se há acidose metabólica — e dosagem de
ureia e creatinina. Outros exames podem ser solicitados de
acordo com cada caso. A prioridade inicial é análise de gasometria
e eletrólitos e não de hemograma e Proteína C-Reativa (PCR).
24.5.9 Profilaxia
Hábitos de higiene pessoal, aleitamento materno, educação e
saneamento básico ainda são as melhores armas contra a DDA.
A partir de 2006, foi implantada no Brasil a vacina antirrotavírus.
Trata-se de uma vacina composta por vírus atenuado com
cobertura para o sorotipo G1P[8]. É administrada por via oral em
duas doses, a primeira aos 2 e a segunda aos 4 meses, devendo
ser mantido um intervalo mínimo de 30 dias entre elas. É
contraindicada a crianças com imunodepressão severa ou
histórico de invaginação intestinal ou ainda alguma malformação
congênita não corrigida do trato gastrintestinal.
Quadro 24.5 Resumo das principais etiologias, quadro clínico e tratamento
24.6 DESIDRATAÇÃO HIPONATRÊMICA E
HIPERNATRÊMICA
O quadro clínico das desidratações hiponatrêmicas e
hipernatrêmicas difere, em alguns aspectos, em função de suas
diferenças fisiopatológicas. Da mesma forma, o tratamento
diverge e deve ser seguido criteriosamente, sob o risco de
complicações graves, principalmente relacionadas ao sistema
nervoso central.
24.6.1 Hiponatrêmica
A desidratação hiponatrêmica corresponde de 10 a 20% dos
casos, com valores de Na sérico abaixo de 135 mEq/L.
É frequente seu aparecimento secundariamente a diarreias
secretoras, com grandes perdas de sódio, ou em pacientes que
recebem reposição de sódio a proporção menor que as perdas.
Pode também estar associada a perdas não fecais, como na
fibrose cística, nas tubulopatias etc. Inicialmente, ocorre perda do
sódio do compartimento extracelular, diminuindo a osmolaridade
sérica. A seguir, a água do compartimento extracelular migra para
o intracelular, cuja osmolaridade está preservada, contribuindo
ainda mais para a depleção do intravascular. Por essa razão, os
sinais clínicos da desidratação são mais evidentes, e a diurese que
está presente é diluída.
Pelo fato de o sistema nervoso central apresentar-se
edemaciado, o paciente com desidratação hiponatrêmica pode
apresentar, de acordo com a gravidade, letargia, hipotonia, crises
convulsivas e até coma.
O tratamento na fase inicial não difere do preconizado para a
desidratação isonatrêmica. Entretanto, a presença de
hiponatremia pode dificultar a hidratação ou a sua manutenção
por várias razões, entre elas, a dificuldade em concentrar a urina.
Dessa forma, deve-se corrigir a hiponatremia utilizando a fórmula,
em que o sódio inicial é o dosado, e o sódio final não deve
ultrapassar 135 mEq.

#importante
O volume encontrado por meio da
fórmula de correção da hiponatremia
deve ser administrado sob a forma de
NaCl a 3% e não deve ultrapassar a
velocidade de 0,5 mEq/h.

A correção rápida da hiponatremia tem, como principal


consequência, a mielinólise pontina central — tetraparesia,
tetraplegia, insuficiência respiratória e até morte. É preferível
iniciar a correção com sódio final de 125 e repeti-la, se necessário.
24.6.2 Hipernatrêmica
A desidratação hipertônica ocorre em 4 a 5% dos casos, com
valores de sódio maior do que 145 mEq/L.
Ocorre quando há perda de água livre ou perda de líquido
hipotônico quanto ao sangue. Pode também se dar em função da
administração excessiva de sódio por via parenteral ou oral, como
soro caseiro, cujas proporções de eletrólitos não são
adequadamente mensuradas.
Dessa forma, como o sódio sérico está elevado, ocorre migração
da água do compartimento intracelular para o intravascular. Para
evitar a desidratação das células do sistema nervoso central, os
neurônios passam a produzir osmóis idiogênicos — partículas
osmoticamente ativas que preservam, em parte, a tonicidade
celular.
Os sinais clínicos de desidratação hipernatrêmica são menos
evidentes, porém a criança se apresenta muito irritada, podendo
estar em hipertonia muscular, chegando a crises convulsivas,
apresentando sede intensa e oligúria. Esse tipo de desidratação é
o que determina maior número de complicações, não só pelo seu
mecanismo fisiopatológico, mas também durante a sua correção.
O tratamento da desidratação hipernatrêmica deve consistir em
hidratação de forma gradual para evitar queda brusca da natremia
e consequente edema cerebral — por migração de água para o
interior dos neurônios, que se encontram em estado de
hipertonicidade. A velocidade de redução da natremia não deve
ser superior a 12 mEq/L/24 horas.
Na fase de expansão, utiliza-se soro fisiológico, 20 mL/kg/20min,
até que o volume intravascular esteja restaurado, melhorando a
pressão arterial, a frequência cardíaca e a perfusão. A seguir, o
restante do déficit pode ser corrigido com soro fisiológico a um
quarto, em um volume entre 1,25 e 1,5 vez o volume basal para o
paciente em 24 horas.
Quadro 24.6 Tempo de correção
Deve haver controle diário da hipernatremia para regular a
velocidade de infusão. Em caso de perdas significativas, infunde-
se paralelamente soro fisiológico em bolus. O sucesso da
abordagem e do tratamento da desidratação e de suas
complicações depende da inter-relação de fatores
socioeconômicos, do conhecimento técnico, do empenho da
equipe de saúde e, sobretudo, da educação dispensada à criança
e aos familiares a respeito da doença.

Quais os mecanismos da
diarreia e quais são as
principais causas?
O mecanismo da diarreia pode ser osmolar, secretor e
inflamatório, e em grande parte das vezes os
mecanismos podem estar combinados. A diarreia
osmolar é causada por exemplo pela intolerância a
lactose, a infecção pelo vibrio cholerae causa diarreia
secretora e as doenças inflamatórias intestinais levam a
diarreia inflamatória.

Associação de Apoio a Residência Médica de Minas


Gerais - Processo Seletivo Unificado
A prova da AREMG-PSU necessita de uma atenção maior aos
detalhes. Ela apresenta diversas questões com casos clínicos,
mas você também encontrará imagens, hipóteses diagnósticas,
questões sobre tratamentos e achados de exames. A avaliação
tem duas fases, a primeira com 100 questões de múltipla escolha,
e a segunda com a análise do currículo do candidato.
No caso de Clínica Médica, questões sobre Infectologia, Medicina
Intensiva e Hematologia são as mais recorrentes. Já para a
Ginecologia é importante estar atento aos temas de
anticoncepção, climatério, HPV e neoplasias intraepiteliais
cervicais.
Em Pediatria se destacam a Neonatologia, doenças infecciosas e
doenças diarreicas, enquanto a Obstetrícia dá mais foco para
assistência ao pré-natal, parto e síndromes hipertensivas na
gestação. Já Cirurgia Geral traz questões de abdome agudo,
cuidados pré-operatórios e cuidados e complicações pós-
operatórias. Para Saúde Coletiva, você precisa estudar com mais
cuidado: Medicina do Trabalho, o Sistema Único de Saúde (SUS),
atenção primária à saúde e Estratégia Saúde da Família.
AREMG-PSU | 2019
Lactente, oito meses, sexo masculino, é levado à Unidade Básica
de Saúde com quadro de diarreia aquosa há dois dias,
acompanhada de recusa alimentar e vômitos esporádicos.
Aceitando apenas leite materno. Diurese diminuída. Ao exame
físico, encontra-se irritado, com saliva espessa e choro sem
lágrimas. Sem outras alterações. Em relação ao caso, assinale a
conduta mais adequada nesse momento:
a) iniciar terapia de reidratação oral e administrar antibiótico oral
devido à baixa idade da criança
b) iniciar terapia de reidratação oral e administrar antiemético por
via oral para melhorar a aceitação da solução de reidratação oral
c) iniciar terapia de reidratação oral e contraindicar probióticos
pelo risco de aumentar a probabilidade de persistência da diarreia
d) iniciar terapia de reidratação oral e manter a criança em
observação até que desapareçam os sinais de desidratação
Gabarito: d
Comentários:
a) Paciente com aparente quadro de diarreia viral, com
desidratação que se encaixa no plano B, com indicação de terapia
de reidratação oral. Não há indicação de antibioticoterapia, pois o
antibiótico deve ser usados somente para casos de diarreia com
sangue (disenteria) e comprometimento do estado geral ou em
casos de cólera grave.
b) Paciente com vômitos esporádicos, a princípio o uso de
antieméticos não está indicado rotineiramente. Deve iniciar
terapia de reidratação oral, pois o paciente se encaixa no plano B
do manejo da criança com diarreia.
c) O emprego de probióticos no tratamento e na prevenção da
diarreia aguda ainda é controverso. A Organização Mundial de
Saúde e o Ministério da Saúde não mencionam a possibilidade de
uso de probióticos no tratamento da diarreia aguda. Por outro
lado, A ESPGHAN e a diretriz Íbero-Latinoamericana consideram
que determinados probióticos podem ser utilizados como
coadjuvantes no tratamento da diarreia aguda visto que alguns
têm efeito comprovado para reduzir a duração da diarreia aguda.
d) Paciente com sinais de desidratação, sem sinais de gravidade,
compatível com plano B de manejo da diarreia em crianças. Deste
modo, está indicada a terapia de reidratação oral que deverá ser
administrada continuamente, até que desapareçam os sinais de
desidratação.

Você também pode gostar