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Como iniciar a

investigação de uma
criança com baixa
estatura?

17.1 Baixa estatura


A queixa de baixa estatura pode ser feita ao médico em qualquer
época da vida da criança, porém começa a mostrar-se real após o
menor adquirir postura ereta e após comparações com irmãos,
primos ou vizinhos. É durante a idade escolar — a partir dos 7 anos
— que essa queixa se torna realmente usual. Devem-se sempre
considerar duas ou mais medidas para verificar a tendência de
curva de crescimento plotada nos gráficos.
Quando a altura da criança está abaixo do percentil 3, segundo o
gráfico da Organização Mundial da Saúde (OMS), considera-se
baixa estatura, e, paralelamente, quando acima do percentil 99,9,
considera-se alta estatura — o que raramente representa um
problema. Aquelas que apresentam altura entre os percentis 3 e
10 e entre 85 e 99,9 são consideradas em situação de vigilância,
ou seja, necessitam de maior atenção quanto ao seu crescimento
— porém ainda são classificadas como estatura adequada para a
idade.
O diagnóstico gráfico de baixa estatura deve ser interpretado
com cautela, pois deve ser visto dentro de um contexto para que
possa sugerir uma ideia de todo o processo de crescimento. A
estatura para a idade depende do potencial genético, das
condições da gestação e do parto, da presença ou da ausência de
patologia, das condições nutricionais pregressas e atuais, do
crescimento na infância, do estadiamento puberal e da velocidade
de crescimento.
As causas não patológicas de baixa estatura constituem número
significativo de casos. São conhecidas como variantes normais do
crescimento e compreendem a baixa estatura familiar e o retardo
constitucional do crescimento. Nas duas situações, segue-se um
padrão familiar de crescimento e desenvolvimento físico,
tratando-se de indivíduos saudáveis.

#importante
As principais causas de baixa estatura
nos países em desenvolvimento são as
patológicas, ou seja, a desnutrição e as
doenças crônicas.

Quadro 17.1 - Causas de baixa estatura


Fonte: adaptado de Tratado de Pediatria, 2017.

17.2 Desnutrição
Na desnutrição aguda, há, inicialmente, maior comprometimento
do peso em relação à altura, ou seja, a criança deixa de seguir seu
percentil de peso, mas apenas com a desnutrição crônica
apresentará queda no percentil de altura. Com exceção do
raquitismo, a baixa estatura por desnutrição é proporcionada —
relação segmento superior/segmento inferior —, ou seja, não há
distorção no crescimento.
Figura 17.1 - Investigação de baixa estatura
Fonte: adaptado de Tratado de Pediatria, 2017.

▶ Avaliação diagnóstica inicial de baixa estatura:


▷▷ Anamnese — história familiar, estatura dos pais, doenças na
infância;
▷▷ Cálculo do alvo genético;
▷▷ Avaliação da velocidade de crescimento;
▷▷ Idade óssea;
▷▷ Descarte de síndromes genéticas;
▷▷ Descarte de patologias: hipotireoidismo, causas infecciosas,
doenças intestinais ou esqueléticas etc.

#importante
O cálculo do alvo genético é feito da
seguinte forma:
▶ Meninos: altura do pai + (altura da mãe +
13)/2;
▶ Meninas: altura da mãe + (altura do pai -
13)/2.

Figura 17.2 - Diagnóstico diferencial de baixa estatura


Fonte: elaborado pelo autor.

17.2.1 Canal de crescimento mantido


No caso de baixa estatura em que o canal de crescimento é
mantido, encontram-se baixa estatura intrínseca e crescimento
lento, considerados variantes do normal. Na baixa estatura
intrínseca, a criança permanece no seu percentil — canal de
crescimento —, não se desviando dele. Se esse canal for
compatível com a sua altura-alvo, a baixa estatura será
classificada como familiar. Caso o canal de crescimento esteja
abaixo do esperado pela altura-alvo, será classificada como não
familiar.
No crescimento lento, também conhecido como atraso
constitucional do crescimento, em algum momento haverá
mudança do canal de crescimento para cima, e a criança
apresentará altura maior do que a esperada pelo canal de
crescimento inicial. Nesse caso, a idade-altura e a idade óssea
apresentam-se de dois a quatro anos atrasadas em relação à
idade cronológica — o que diferencia tal condição quanto à baixa
estatura intrínseca —, além de que, na adolescência, as crianças
com atraso constitucional do crescimento também apresentam
atraso na maturação sexual, que, assim como a altura, será
compensado durante e após o início do desenvolvimento puberal.
Idade óssea atrasada indica que a baixa estatura é parcialmente
reversível.
Idade-altura é a idade que a criança teria caso a sua altura
estivesse no percentil 50. A idade óssea é encontrada, mais
comumente, comparando-se os raios X de punho esquerdo às
imagens encontradas em um atlas de idade óssea.
É importante ressaltar que, na baixa estatura intrínseca não
familiar, há grande probabilidade de alguma doença em
associação à baixa estatura apresentada. Síndromes genéticas,
nanismo dismórfico, displasia óssea ou crescimento intrauterino
retardado por infecções congênitas, insuficiência placentária ou
outros agravos são algumas das causas que devem ser
pesquisadas, além, obviamente, da questão nutricional e da
presença de doença crônica.
Outras medidas que podem avaliar o crescimento são a altura
parental e o índice de massa corpórea. A primeira é importante
para a avaliação do crescimento, e o último, para a avaliação da
obesidade.
17.2.2 Queda no canal de crescimento
Quando há queda no canal de crescimento — crescimento
atenuado —, sempre há associação a alguma doença de base. As
mais frequentes estão mais relacionadas aos problemas viscerais
— doenças renais, cardíacas, pulmonares, gastrintestinais e
infecção urinária crônica — do que aos endocrinológicos.
Dessa forma, antes de iniciar a investigação sobre causas
endócrinas para a baixa estatura, é necessário excluir desnutrição
primária ou secundária, doenças hepáticas, neurológicas,
diabetes, colagenoses, doenças ósseas e articulares, doenças
genéticas e de privação psicossocial, além das causas
relacionadas a problemas viscerais.
Quadro 17.2 - Quadro clínico de baixa estatura

▶ Tratamento de baixa estatura:


▷▷ Baixa estatura familiar: orientações para a família e o paciente;
▷▷ Atraso constitucional do crescimento e puberdade: orientar e
tranquilizar os pais;
▷▷ Baixa estatura intrínseca não familiar:
▷▷▷ Avaliar a causa e a patologia de base;
▷▷▷ Em alguns casos, considerar o uso de hormônio do
crescimento (GH).
17.3 Doenças cromossômicas e síndromes
dismórficas
São várias as alterações cromossômicas ligadas à baixa estatura.
As mais comuns são a síndrome de Down (Figura 17.3) e a
síndrome de Turner (Figura 17.6).
Na primeira, os estigmas podem ser observados precocemente,
ainda no 1º mês de vida, além de haver comprometimento do
desenvolvimento neuropsicomotor. Já na síndrome de Turner, que
afeta apenas meninas, algumas vezes a baixa estatura é o único
sinal de alerta quanto à sua presença. Além disso, podem-se
apresentar obesidade, atraso motor discreto, incoordenação,
disgenesia ovariana com ausência de elementos germinativos em
90% — situação conhecida como gônadas “em fita” —, linfedema
ao nascimento, tórax “em escudo”, hipertelorismo mamilar,
pectus excavatum, orelhas proeminentes, mandíbula pequena,
implantação baixa de cabelos, pescoço curto e largo, rins “em
ferradura”, coarctação de aorta em 10% e tendência a tireoidite
autoimune. O diagnóstico só pode ser realizado por meio do
cariótipo que se caracteriza por ser 45,X0. O cromossomo mais
frequentemente perdido é o paterno, e a idade avançada materna
não é considerada fator de risco. Dessa forma, toda vez que não
se tem um diagnóstico para a baixa estatura em meninas, com ou
sem desvio do canal de crescimento, é importante a realização de
cariótipo.

É
É essencial lembrar que, embora seja menos frequente, a alta
estatura também pode refletir cromossomopatias, como a
síndrome de Klinefelter (Figura 17.4), que acomete meninos e
representa a principal causa de infertilidade masculina. Outras
causas de alta estatura que valem ser citadas são a síndrome de
Marfan (Figura 17.5) e a constitucional — familiar.
Figura 17.3 - Síndrome de Down
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 17.4 - Síndrome de Klinefelter
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

Figura 17.5 - Síndrome de Marfan


Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

17.3.1 Síndrome de Turner


▶ Sexo feminino;
▶ 45,X — maioria —, 45,X/46,XX — mosaicismo;
▶ Baixa estatura;
▶ Pescoço alado;
▶ Nevos pigmentados: não ocorre maturação sexual — Tanner
M1P1;
▶ Defeitos renais e cardíacos associados;
▶ Coarctação da aorta isolada ou associada à estenose aórtica.
Figura 17.6 - Síndrome de Turner
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

17.3.2 Síndrome de Noonan


▶ Dismorfismo facial, hipertelorismo;
▶ Pescoço alado;
▶ Baixa estatura;
▶ Cardiopatia congênita (estenose pulmonar);
▶ Mais comum em meninos.
Figura 17.7 - Síndrome de Noonan
17.4 Doenças sistêmicas
Quanto às doenças sistêmicas, na maioria das vezes já existe o
diagnóstico da doença de base quando se observa a baixa
estatura; porém, em alguns casos, em especial, pode ocorrer de a
baixa estatura preceder os sinais e sintomas de alguma doença
sistêmica. Casos como esses podem ser encontrados facilmente
na doença celíaca, retocolite ulcerativa, doença de Crohn e
algumas nefropatias crônicas, como acidose tubular renal,
síndrome de Bartter e nefropatias intersticiais.
Em algumas das doenças que cursam com decréscimo do
crescimento, há associação a hipotireoidismo — como o que
ocorre na síndrome de Down —, diabetes, doença celíaca e, até
mesmo, deficiência de GH. Dessa forma, crianças com queda no
canal de crescimento devem ter medidos os níveis dos hormônios
tireoidianos.
Nesse caso, merece destaque, também, a pesquisa de infecção
urinária em crianças pequenas que não estão seguindo seu
percentil de peso, o que representa uma causa de mudança de
percentil.
No hipotireoidismo adquirido, que pode ser posterior à tireoidite
de Hashimoto, por exemplo, a queda no canal de crescimento é
uma das características mais marcantes, associada ou não a
ganho ponderal. Já no hipotireoidismo neonatal, além do atraso na
velocidade de crescimento, há retardo no desenvolvimento
neuropsicomotor, icterícia prolongada, letargia e manifestações
de instabilidade vasomotora, ou, pelo menos, algumas dessas
manifestações. O fato é que o atraso na velocidade de
crescimento dificilmente será a primeira manifestação desse tipo
de hipotireoidismo.
A deficiência de GH é uma causa bastante rara de baixa estatura,
com incidência de 1:10.000. Sua manifestação depende muito da
sua etiologia e do momento em que se instalou. Pode ser de
origem primária — familiar, aplasia, hipoplasia, adenomas,
craniofaringioma, destruição por traumatismo, infecção ou
irradiação do sistema nervoso central — ou, ainda, secundária à
disfunção hipotalâmica — infecções, tumores, histiocitose,
irradiação, idiopática. Essa deficiência deve ser questionada
sempre que há antecedentes de parto anômalo e/ou baixa
estatura proporcionada. Normalmente, quando há
hipopituitarismo congênito, a manifestação sobre o crescimento
só é notada após os 2 anos. Algumas vezes, recuperam-se,
retrospectivamente, uma história de icterícia prolongada e
hipoglicemia.
No sexo masculino, a presença de micropênis e hipoplasia da
bolsa escrotal sempre deve chamar a atenção quanto ao
hipopituitarismo congênito.
17.5 Outras considerações
As doenças que afetam o esqueleto como um todo não devem
ser esquecidas como achados associados ou causadores da baixa
estatura. Entre essas doenças, incluem-se as
mucopolissacaridoses — erros congênitos do metabolismo —,
acondroplasia, osteogênese imperfeita, osteopetrose e
osteocondrodistrofia.
Durante os últimos dois séculos, tem havido mudanças profundas
na velocidade da maturação e, em menor grau, no tamanho final
alcançado pelos indivíduos — esse fenômeno é chamado de
tendência secular do crescimento. A maturação mais rápida
resultou em maior incremento de crescimento na infância, maior
altura para a idade e altura final adulta alcançada mais
precocemente. Há um século, em média, o sexo masculino não
alcançava sua altura final antes dos 23 anos, e a idade da
menarca, nas meninas, era próxima dos 17 anos. Acredita-se que
esse fenômeno se deve às melhores condições de vida a que
estão submetidas às novas gerações, como nutrição, controle de
enfermidades, habitação, saneamento e lazer, o que tem
permitido melhores condições para o desenvolvimento do
potencial genético.
No que diz respeito às crianças brasileiras, para ambos os sexos e
todos os estratos socioeconômicos, a altura média aos 7 anos das
crianças nascidas no início dos anos 1980 era significativamente
maior — ganho médio = 3,6 cm — do que aquelas nascidas em
meados da década de 1960. No caso de adultos, a altura média de
homens e mulheres, aos 20 anos, nascidos na segunda metade da
década de 1960, é superior — 1,2 cm, em média — à altura dos
nascidos no começo da década de 1950, em todos os estratos
socioeconômicos. No entanto, esses ganhos ainda não são
suficientes para cobrir a distância que nos separa das populações
com condições satisfatórias de vida.
Figura 17.8 - Mucopolissacaridose
Fonte: História Natural das Mucopolissacaridoses: Uma Investigação da Trajetória
dos Pacientes desde o Nascimento até o Diagnóstico, 2007.

17.6 Outros índices de crescimento


17.6.1 Idade óssea
Figura 17.9 - Idade óssea

Fonte: Avaliação da idade óssea em crianças de 9 a 12 anos de idade na cidade de


Manaus-AM, 2011.
A idade óssea é compatível com a idade cronológica na baixa
estatura familiar. As situações de atraso são atraso constitucional
do crescimento, deficiência hormonal e desnutrição. A única
situação de avanço é a puberdade precoce.
17.6.2 Massa óssea
O desenvolvimento do esqueleto é um dos componentes do
processo de maturação do indivíduo, e sua avaliação se faz por
meio da idade óssea (IO) — Quadros 17.3 e 17.4. A maturação do
esqueleto se dá com base na progressiva mineralização dos
núcleos dos ossos curtos e das epífises dos ossos longos,
presentes no tecido cartilaginoso preexistente. Paralelamente, a
cartilagem de crescimento determina o progressivo alongamento
dos ossos longos; a parada de crescimento ósseo coincide com a
ossificação completa da cartilagem de crescimento.
Quadro 17.3 - As 10 causas mais frequentes de atraso na idade óssea
Quadro 17.4 - As 10 causas mais frequentes de avanço na idade óssea
1 Homem: altura do pai + (altura da mãe + 13)/2; mulher: altura da mãe + (altura do
pai - 13)/2.

Como iniciar a
investigação de uma
criança com baixa
estatura?
A investigação da criança com baixa estatura deve
começar com avaliação da estatura-alvo e da
puberdade para afastar possíveis variantes da
normalidade como atraso constitucional do
crescimento e baixa estatura familiar. A radiografia de
idade óssea é o exame inicial mais importante para
começar a investigação.

Universidade Estadual de Londrina


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UEL | 2021
Menina de 8 anos e 6 meses é trazida ao pediatra com queixa de
baixa estatura. Ao exame físico, apresenta estatura abaixo do
percentil 3, com alvo genético no percentil 10. Apresenta idade
óssea de 7 anos. Exames complementares (hemograma,
eletrólitos, proteínas, cálcio, fósforo, magnésio e provas de função
renal e hepática) normais. Exame físico sem alterações, M1, P1.
Para dar prosseguimento à investigação, assinale a alternativa
que apresenta, corretamente, qual(is) exame(s) deve(m) ser
solicitado(s) inicialmente.
a) ACTH e cortisol
b) GH basal
c) IGF-1 (fator de crescimento símile a insulina)
d) TSH e T4 livre
e) teste de estímulo de GH com clonidina
Gabarito: d
Comentários:
a) Nesse caso não se está suspeitando de insuficiência adrenal,
por isso não há sentido na coleta.
b) Esse hormônio deve ser testado após se testarem os
hormônios tireoidianos, e pode, fazer parte, da pesquisa da
deficiência do GH.
c) Esse teste pode ser realizado em conjunto com testagem de
hormônio do crescimento, e deve suceder às testagens da função
tireoidiana.
d) Deve-se suspeitar inicialmente de hipofunção tireoidiana — e
por isso colher os exames compatíveis com diagnósticos relativos
à tireoide, deve ser o caminho inicial na pesquisa desta baixa
estatura.
e) Estes dois hormônios devem seguir na sequencia das provas
de função tireoidiana, pois esta é a primeira hipótese: disfunção
da tireoide, após o que sem definição de patologia tireoidiana
deve-se prosseguir na pesquisa e então colher os testes relativos
aos hormônios de crescimento.

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