Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
9.1 INTRODUÇÃO
Uma variabilidade de agentes pode infectar a mãe durante a
gestação, o trabalho de parto e o parto, causando infecção do feto
ou do neonato e levando de disfunções orgânicas a óbito fetal ou
aborto.
Essas infecções congênitas contam com diversas etiologias com
manifestações clínicas semelhantes, representadas
principalmente pelos clássicos agentes que compõem o acrônimo
TORCHS (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes-
simples e sífilis).
9.2 TOXOPLASMOSE CONGÊNITA (AGENTE
TOXOPLASMA GONDII)
A toxoplasmose congênita é uma doença infecciosa que resulta
da transferência transplacentária do Toxoplasma gondii, parasita
intracelular para o concepto, decorrente de infecção primária da
mãe durante a gestação ou por reagudização de infecção prévia
em mães imunodeprimidas. A severidade da doença fetal
depende da idade do feto no momento da transmissão, sendo
mais grave a apresentação durante os primeiros dois trimestres
da gestação. A gravidade da doença no neonato é inversamente
proporcional à idade gestacional; no primeiro trimestre da
gestação, a taxa de transmissão é de 17% com repercussões
graves, como óbito fetal ou neonatal; no segundo trimestre, o
risco sobe para 25%, e o Recém-Nascido (RN) pode apresentar
manifestações subclínicas. No terceiro trimestre, o risco chega a
65%, com manifestações subclínicas — repercussões leves — e,
mais raramente, um quadro de parasitemia.
9.2.1 Quadro clínico
Na maioria das vezes, a doença é subclínica, dificultando o
diagnóstico. A maior parte da das crianças acometidas é
assintomática ao nascimento. Os sintomas, quando presentes,
são inespecíficos, podendo simular qualquer outra infecção,
tornando fundamental o diagnóstico sorológico.
A tríade clássica de sinais é composta por coriorretinite,
hidrocefalia e calcificações cerebrais.
Outros quadros clínicos são:
▶ Natimortalidade e morte neonatal, 5% dos casos;
▶ Formas subclínicas, 70%;
▶ Formas leves, 20% — o paciente é aparentemente normal, com
algum sintoma semanas ou meses;
▶ Algumas vezes aparecem calcificações cerebrais e
coriorretinite, sem comprometimento do Sistema Nervoso
Central (SNC).
Formas graves manifestam-se como:
▶ Neurológica (encefalítica): coriorretinite, alteração do líquido
cerebrospinal (LCE), anemia, convulsões, calcificações cerebrais,
hidrocefalia, microcefalia;
▶ Generalizada (formas neurológica e visceral): icterícia,
hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, febre, alterações
liquóricas, coriorretinite, anemia, petéquias, eosinofilia,
trombocitopenia, surdez neurossensorial. Suas sequelas incluem
alterações da acuidade visual — a maioria das crianças não
tratadas terão lesões oculares ao longo da vida —, convulsões e
retardo mental.
Quadros graves de toxoplasmose congênita apresentam a
tétrade de Sabin: hidro ou microcefalia, retinocoroidite bilateral
macular ou perimacular, calcificações cerebrais
intraparenquimatosas grosseiras e retardo mental.
Figura 9.1 - Hidrocefalia e calcificações intracerebrais
Fonte: (A) Anaesthesia for neurosurgical procedures in paediatric patients, 2012; (B)
Intracranial calcifications in childhood: Part 1, 2020.
9.2.2 Diagnóstico
A suspeita clínica deve ser feita com base nos antecedentes
epidemiológicos e obstétricos, bem como na presença de sinais e
sintomas sugestivos de infecção congênita, como anemia,
icterícia, hepatomegalia, baixo peso de nascimento etc.
O diagnóstico pode ser feito por meio de métodos sorológicos,
entre eles o Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA), com
captura de IgA para o diagnóstico de infecções recentes, pois
seus anticorpos desaparecem de circulação mais rapidamente do
que os da classe IgM, e reação em cadeia da polimerase no líquido
amniótico. Outras avaliações devem ser realizadas, como a
oftalmológica, a neurológica e a auditiva, além de ultrassonografia
(USG) transfontanela, hemograma completo e análise do LCE para
avaliar o comprometimento do paciente.
Durante a gravidez, com a presença de anticorpos IgG na
gestante, pode ser feito o teste de avidez para avaliar se a
infecção é recente ou antiga. O teste de avidez de IgG abaixo ou
igual a 30% indica infecção nos últimos 60 dias; maior ou igual a
60%, infecção há mais de 60 dias; entre 31 e 59%, não se permite
determinar o tempo de infecção e o teste deve ser repetido.
O diagnóstico de toxoplasmose fetal pode ser sugerido por
alterações na USG fetal como hidrocefalia, calcificações cerebrais
e hepáticas ascite, cardiomegalia e alterações placentárias. Pode-
se investigar a presença do Toxoplasma pela amplificação do seu
DNA por meio da proteína C reativa (PCR) específica no líquido
amniótico obtido por amniocentese.
9.2.3 Tratamento
O tratamento materno deve ser iniciado logo que há
comprovação laboratorial da infecção por toxoplasmose na
gestação. O tratamento pós-natal de neonatos infectados
melhora o prognóstico em longo prazo. Todos devem ser tratados
durante todo o 1º ano de vida.
Tratamento da toxoplasmose congênita:
▶ Primeiros 6 meses:
▷▷ Sulfadiazina, 100 mg/kg/d VO, a cada 12 horas, diariamente;
▷▷ Pirimetamina, 2 mg/kg/d VO, a cada 12 horas, por 2 dias e,
posteriormente, 1 mg/kg/d, em dose única diária;
▷▷ Ácido folínico, para combater a ação antifólica da
pirimetamina, com supressão medular, preconizam-se 5 a 10 mg,
3x/sem;
▷▷ Deve ser realizada monitorização hematológica semanal e
depois mensal.
▶ Segundo período (últimos 6 meses):
▷▷ Sulfadiazina, 100 mg/kg/d VO, a cada 12 horas, diariamente;
▷▷ Pirimetamina, 1 mg/kg/d, em dias alternados (3x/sem);
▷▷ Ácido folínico, 5 a 10 mg, 3x/sem, mantida até uma semana
após a suspensão da pirimetamina.
Indica-se prednisona quando a proteína no LCE é igual ou superior
a 1 g/dL e na coriorretinite em atividade.
A dose preconizada é de 0,5 mg/kg VO, a cada 12 horas, por 4
semanas — segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria — ou até
a melhora dos níveis de proteína (menor que 1 g/dL) ou da
coriorretinite.
9.2.4 Prevenção
Sua prevenção durante a gestação consiste em evitar o contato
com animais infectados, principalmente gatos, não consumir
carnes cruas ou malcozidas, lavar bem as mãos antes das
refeições, lavar bem as frutas e as verduras, evitar jardinagem e
repetir a sorologia a cada trimestre.
9.3 RUBÉOLA CONGÊNITA
A Síndrome da Rubéola Congênita (SRC) decorre da infecção fetal
por via transplacentária durante a viremia materna, diminuindo a
sua taxa de transmissão quanto mais avançada a gestação. As
infecções placentária e fetal podem ocasionar abortos, óbito
fetal, anomalias congênitas, doença multissistêmica e restrição
do crescimento intrauterino.
9.3.1 Quadro clínico
As manifestações clínicas são várias e consequentes à infecção
do feto pelo vírus da rubéola. Cerca de 70% têm manifestação ao
nascer. Os RNs podem apresentar desde um quadro
assintomático até SRC: catarata, cegueira, surdez
neurossensorial, microcefalia, retardo mental e malformações
cardíacas, persistência do canal arterial, estenose da artéria
pulmonar e defeitos de septos atrial e ventricular. A principal
característica da rubéola congênita é a sua cronicidade, e as
manifestações existentes podem progredir ou novas alterações
aparecer ao longo da vida. O paciente com rubéola congênita
pode apresentar como manifestações tardias: dificuldade de
aprendizagem, distúrbios de comportamento e autismo. A perda
auditiva é a manifestação tardia mais comum e ocorre em 80%
dos casos.
9.3.2 Diagnóstico
É obtido por testes sorológicos maternos ou fetais com aumento
da titulação ou soroconversão, além de isolamento viral no
sangue, urina ou LCE e reação em cadeia da polimerase no
sangue ou nas secreções da orofaringe. A suspeita clínica deve
ser feita em todo RN cuja mãe teve rubéola na gestação, suspeita
ou confirmada, e para aqueles com restrição de crescimento
intrauterino associada a qualquer estigma da rubéola congênita.
A pesquisa de anticorpos IgM e IgG deve ser realizada o mais
brevemente possível partir da suspeita clínica.
9.3.3 Tratamento
Compreende suporte clínico. Não há tratamento específico e o
acompanhamento por uma equipe multiprofissional deve ser
prolongado, sobretudo no primeiro ano de vida, para a detecção
de sintomas de início tardio e oferecimento de maior suporte às
possíveis sequelas.
9.3.4 Profilaxia
Compreende vacinação para rubéola em mulheres em período
fértil; não pode ser aplicada a mulheres grávidas.
Após a vacinação o ideal é que se espere um mês antes de tentar
engravidar. Além disso, gestantes devem ser afastadas de
pacientes com suspeita de rubéola.
A criança com rubéola congênita deve ficar isolada durante a fase
aguda, e os familiares devem ser esclarecidos sobre a
possibilidade de eliminação do vírus até um ano depois do
nascimento. Ressaltando que essa medida não é necessária caso
as culturas de nasofaringe e urina sejam repetidamente negativas
— pelo menos dois resultados, com intervalo de um mês — após 3
meses de vida.
9.4 INFECÇÃO CONGÊNITA POR
CITOMEGALOVÍRUS
Trata-se da infecção congênita mais comum, vírus da família do
Herpes. Das infecções, 90% são assintomáticos e cerca de 10%
desenvolvem complicações como perda da audição,
coriorretinite, atrofia óptica, microcefalia e distúrbios da fala e da
aprendizagem. O maior risco para o feto ocorre durante a primeira
metade da gestação, podendo a infecção materna ser
assintomática. Estima-se que de 0,5 a 2,2% dos neonatos sejam
infectados pelo citomegalovírus (CMV) no período do nascimento
e cerca de 10% sejam sintomáticos ao nascimento. Alguns destes
podem ter sintomas extremamente graves, podendo evoluir para
óbito, geralmente por coagulação intravascular disseminada
(CIVD), falência de múltiplos órgãos e infecção bacteriana
secundária. Nos adultos, pode causar a síndrome mononucleose-
like.
9.4.1 Modos de transmissão
A transmissão vertical pode ocorrer por três vias:
▶ Vertical (intraparto, secreção cervicovaginal, transplacentária);
▶ Pós-natal (aleitamento materno);
▶ Congênita, a mais importante, pois pode resultar em infecção
congênita e sequela neurológica.
Nos casos em que a primoinfecção materna é durante a gravidez,
o risco fetal será maior.
9.4.2 Fatores de risco
▶ Mãe adolescente;
▶ Atividade sexual com múltiplos parceiros;
▶ Multiparidade;
▶ Baixa condição socioeconômica.
9.4.3 Quadro clínico
Cerca de 90% das crianças infectadas apresentam a forma
subclínica ou assintomática, enquanto 10% ou menos
apresentam a doença de inclusão citomegálica grave. Esta se
caracteriza por hepatomegalia, esplenomegalia, icterícia,
petéquias e púrpura (a trombocitopenia pode persistir por meses
a anos), microcefalia (perímetro cefálico abaixo do percentil 50),
calcificações cerebrais (sobretudo periventriculares) e
hidrocefalia, defeitos oculares, coriorretinite, microftalmia e
catarata), retardo do crescimento intrauterino, prematuridade,
pneumonites, defeitos dentários, perda auditiva neurossensorial
(alteração mais comum causada pelo CMV, que envolve 60% das
crianças sintomáticas e 5% das assintomáticas). A coriorretinite
apresenta-se com áreas de necrose retiniana branco-amareladas
extensas. Há graus variáveis de hemorragias e vasculite com um
aspecto chamado “pizza com ketchup”.
Figura 9.3 - Infecção congênita por citomegalovírus
#memorize
Alteração mais comum na infecção
congênita por CMV: perda auditiva.
“Cê Me Vê”, mas não me ouve.
9.4.4 Diagnóstico
O diagnóstico é feito pela pesquisa de vírus em secreções urina,
salina, secreção respiratória, sangue; fragmentos de órgãos com
isolamento nas primeiras duas a três semanas indicam infecção
congênita. Caso ocorra positivação da pesquisa, anteriormente
negativa, após duas semanas de vida, a infecção terá sido
perinatal. O IgM positivo após três a quatro semanas de
nascimento sugere infecção pós-natal.
9.4.5 Tratamento
Atualmente, nenhum tratamento materno é recomendável. Para o
tratamento sistêmico da infecção pelo CMV, temos drogas
licenciadas: ganciclovir, valganciclovir, cidofovir e foscarnete.
Destas, apenas duas são utilizadas no período neonatal, o
ganciclovir e o valganciclovir. Em geral, a infecção congênita
sintomática tem sido tratada com ganciclovir, 6 mg/kg/dose, IV, a
cada 12 horas, por seis semanas, com diminuição da excreção
viral e da deficiência auditiva.
9.5 INFECÇÃO CONGÊNITA POR HERPES-
SIMPLES
Na infecção durante a gestação geralmente ocorrem sinais
graves no feto levando ao óbito fetal. Usualmente o quadro clínico
no RN ocorre por infecção genital materna e sua transmissão é
mais comum durante o trabalho de parto ou pós-natal, chegando
a 50% no parto vaginal. As mulheres com primo-infecção
geralmente são assintomáticas, enquanto aquelas com infecção
recidivante têm a transmissão intraparto diminuída para uma taxa
de 3 a 5% pela presença de anticorpos preexistentes.
O Herpes-Vírus Simples-1 (HSV-1) infecta a pele e a mucosa acima
da cintura, e o Herpes-Vírus Simples-2 (HSV-2) infecta a genitália
materna e o neonato — transmissão perinatal.
9.5.1 Quadro clínico
O período de incubação da infecção varia entre dois e 20 dias,
com média de 16 dias, portanto os RNs que apresentam lesões ao
nascimento provavelmente foram infectados antes do
nascimento. As manifestações clínicas se apresentam em três
categorias:
▶ Mucocutânea: infecção de pele, olho e boca, de cinco a seis dias
após o parto;
▶ Neurológica: infecção do SNC, de oito a 12 dias após o parto;
▶ Disseminadas: infecção disseminada sem acometimento do
SNC, de cinco a seis dias após o parto.
Apresenta-se com alterações cerebrais que incluem microcefalia,
hidrocefalia e meningoencefalite; na região ocular, conjuntivite,
ceratite, coriorretinite e cegueira. Outras sequelas incluem
anencefalia, microcefalia, pneumonite, hepatomegalia, anemia
hemolítica, espasticidade e retardo mental. Na pele, as lesões
podem se apresentar na forma de vesículas agrupadas.
A meningoencefalite herpética ocorre geralmente entre a
segunda e a terceira semana de vida e é caracterizada por
instabilidade térmica, letargia, má aceitação alimentar,
irritabilidade, tremores, convulsões e fontanela anterior ampla.
Pode ou não ser acompanhada das lesões vesiculares nos olhos,
pele e boca.
Figura 9.4 - Herpes-simples
Fonte: Neonatal Herpes with Classical Skin, Mucous and Eye Involvement: A Case
Report, 2014.
9.5.2 Diagnóstico
É realizado por meio de cultura e exame citológico das lesões e
liquor. Para sorologia, realiza-se o teste de imunofluorescência
para anticorpos IgG e IgM, além do ELISA. Em caso de
meningoencefalite herpética, o diagnóstico é feito por reação em
cadeira da polimerase e análise do liquor (hemácias, pleocitose,
aumento de proteínas, sem alteração da glicose), além de
eletroencefalograma e ressonância nuclear magnética com
lesões destrutivas no lobo temporal (anormalidade clássica),
edema e hemorragia parenquimatosa.
9.5.3 Tratamento
Deve ser realizado com aciclovir, medicamento inibidor seletivo
da replicação viral na dose de 60 mg/kg/dia, IV, a cada 8 horas,
por 14 dias, prolongando-se para 21 dias quando há o
envolvimento do SNC. O ganciclovir pode ser utilizado como
alternativa. Em gestantes com HSV genital, lesões primárias ou
recorrentes, deve-se optar por parto cesárea.
9.6 SÍFILIS CONGÊNITA
Convém atentar-se para a sífilis congênita, pois as últimas
estatísticas apontam para o aumento do número de casos.
Ocorre em qualquer fase da gestação e qualquer estágio da sífilis
materna, sendo o agente etiológico uma bactéria Gram negativa,
o Treponema pallidum. Os fatores determinantes são tempo de
exposição, carga treponêmica, virulência, tratamento e
imunodeficiências. Quanto mais tarde na gestação e mais
precoce a sífilis, maior o risco de infecção fetal. A transmissão é
feita pela disseminação hematogênica do Treponema pallidum da
gestante para o feto. A transmissão da sífilis não ocorre por meio
do leite materno. Durante o aleitamento materno, é possível
ocorrer a transmissão se há lesão mamária por sífilis, mas essa é
uma situação rara. Em gestantes com sífilis precoce não tratada,
estima-se perda fetal em 40% de aborto espontâneo ou
natimorto. A notificação de sífilis adquirida, sífilis em gestante e
sífilis congênita é obrigatória.
Taxa de transmissão vertical da sífilis:
▶ Fases primária e secundária da doença materna: de 70 a 100%;
▶ Fases terciária e latente tardia: 30%.
9.6.1 Prevenção e controle da sífilis congênita
▶ Triagem diagnóstica antes da gravidez em mulheres em idade
reprodutiva e em seu parceiro;
▶ Assistência pré-natal adequada, com VDRL no primeiro
trimestre e em torno da 28ª semana da gestação;
▶ Tratamento de acordo com a fase da doença.
9.8.1 Diagnóstico
Deve-se iniciar investigação de sífilis congênita em todos os RNs
de mães com sífilis e evidência clínica e, ou laboratorial, e em
todas as crianças com menos de 13 anos com suspeita clínica
e/ou epidemiológica de sífilis congênita.
Se a mãe foi considerada com tratamento adequado para sífilis,
inicialmente será solicitado somente o VDRL. Se o tratamento foi
inadequado, deve-se realizar a notificação para sífilis congênita e,
além do VDRL, solicitar o hemograma completo, glicemia e
radiografia de ossos longos e coletar o liquor (solicitar
celularidade, glicorraquia, proteinorraquia e VDRL), conforme o
fluxograma a seguir na Figura 9.8.
Figura 9.8 - Fluxograma para avaliação e manejo na maternidade das crianças
nascidas de mães com diagnóstico de sífilis na gestação atual ou no momento do
parto
Legenda: Teste Não Treponêmico periférico (TNT); sífilis, toxoplasmose, rubéola,
citomegalovírus e herpes-vírus (STORCH).
1 Crianças nascidas de mulheres diagnosticadas com sífilis antes da gestação
atual, com histórico documentado de tratamento adequado dessa sífilis anterior à
gestação, com documentação da queda da titulação em pelo menos duas
diluições (por exemplo, antes, 1:16, depois, menor ou igual a 1:4), e que durante a
gestação atual se mantiveram com títulos de teste não treponêmico baixos e
estáveis, não são consideradas crianças expostas à sífilis, e não precisam coletar
VDRL no momento do parto.
Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão
Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais, 2019.
#importante
Segundo o Protocolo Brasileiro para
Infecções Sexualmente Transmissíveis
2020: sífilis congênita e criança exposta à
sífilis (2021), “No teste não treponêmico,
um título maior que o materno em pelo
menos duas diluições (por exemplo,
materno 1:4, RN maior ou igual a 1:16) é
indicativo de infecção congênita. No
entanto, a ausência desse achado não
exclui a possibilidade do diagnóstico de
sífilis congênita.”
9.8.2 Tratamento
O tratamento adequado durante a gestação reduz o
desenvolvimento de doença fetal, importante causa de
prematuridade. O tratamento de escolha envolve a penicilina
benzatina, em qualquer fase da doença. O tratamento realizado na
gestante, quanto à definição de caso e abordagem terapêutica de
sífilis congênita, que não for realizado com penicilina benzatina, é
considerado tratamento não adequado da mãe e, sendo assim, o
RN obrigatoriamente será notificado como sífilis congênita e
submetido à avaliação clínica e laboratorial.
Conforme o fluxograma da Figura 9.8, exposto no item anterior, a
conduta e o tratamento vão depender inicialmente se a mãe é
considerada adequadamente tratada ou não durante a gestação.
Segundo as recomendações mais atuais do Ministério da Saúde
de 2021, o tratamento adequado da gestante é definido com
“tratamento completo para o respectivo estágio clínico da sífilis,
com benzilpenicilina benzatina, iniciado até 30 dias antes do
parto. As gestantes que não se enquadrarem nesse critério serão
consideradas como tratadas de forma não adequada.”
#importante
De acordo recomendações mais atuais
do Ministério da Saúde de 2021, não há
mais necessidade de avaliar se o parceiro
foi tratado ou não para definir se o
tratamento da mãe é adequado.
O tratamento para os RNs com sífilis congênita também segue o
fluxograma anterior (Figura 9.8) com as doses descritas a seguir:
▶ Criança com sífilis congênita sem neurossífilis: benzilpenicilina
potássica/cristalina 50.000 UI/kg, intravenosa, de a cada 12 horas
na primeira semana de vida, a cada 8 horas após a primeira
semana de vida, por 10 dias ou benzilpenicilina procaína 50.000
UI/kg, intramuscular, uma vez ao dia, por 10 dias;
▶ Criança com sífilis congênita com neurossífilis: benzilpenicilina
potássica/cristalina 50.000 UI/kg, intravenosa, a cada 12 horas na
1ª semana de vida, a cada 8 horas após a primeira semana de vida,
por 10 dias;
▶ Criança filha de mãe não tratada ou inadequadamente tratada
com todos os exames normais e VDRL não reagente:
benzilpenicilina benzatina 50.000 UI/kg, intramuscular, dose
única.
Acompanhamento laboratorial: crianças expostas à sífilis ou com
diagnóstico de sífilis congênita devem fazer seguimento de rotina
de puericultura e realizar teste não treponêmico (VDRL) com 1, 3,
6, 12 e 18 meses de idade. O seguimento laboratorial pode ser
interrompido após dois testes não reagentes consecutivos ou
queda do título em duas diluições. Diante de elevações de títulos
sorológicos ou não negativação destes até os 18 meses,
recomenda-se reinvestigação.
9.9 HIV
A transmissão vertical é a forma predominante de na aquisição de
HIV por essa população. A taxa de transmissão é de cerca de 15 a
40%, sendo mais alta nos países em desenvolvimento e na
ausência de medidas profiláticas. A transmissão pode ocorrer
durante todo o pré-natal, parto ou pela amamentação. O maior
risco ocorre no momento do parto, pela exposição da pele e
mucosa do concepto ao sangue e secreções maternas, além da
transfusão maternofetal.
9.9.1 Diagnóstico
Como a transmissão costuma ser periparto, as crianças são
assintomáticas ao nascimento. Devem ser realizados intervenção
profilática de acordo com a sorologia e carga viral materna e
seguimento sorológico do lactente. A investigação de infecção
por HIV por transmissão vertical deve ser feita da seguinte forma:
coleta de Carga Viral (CV) ao nascer, antes do início da terapia
antirretroviral (TARV), aos 14 dias de vida, duas semanas após o
término da TARV (6 semanas de vida) e depois com 12 semanas
de vida. Crianças com CV abaixo de 5.000 cópias/mL e/ou com
resultados discordantes, como primeira amostra detectável e
segunda com resultado indetectável, devem coletar o DNA pró-
viral.
#importante
A criança será considerada infectada
pelo HIV caso haja dois resultados de
carga viral detectáveis, acima de 5.000
cópias/mL, ou um exame de DNA pró-
viral positivo.
9.9.2 Tratamento
O tratamento é, na verdade, a profilaxia da infecção pelo vírus. No
que se refere à via de parto, se a mãe tem carga viral maior do que
mil cópias ou essa avaliação foi realizada antes das 34 semanas
de gestação, está indicada a via cirúrgica (cesariana). Caso
contrário, especialmente se a carga viral for indetectável, a via de
parto é por indicação obstétrica, podendo ser vaginal. Entretanto,
deve-se evitar o uso de fórcipe e da episiotomia sempre que
possível e outros procedimentos que traumatizem a mucosa. Se
houver possibilidade de o bebê nascer empelicado, sem rotura da
membrana amniótica, é ainda melhor, para evitar a infecção. A
ligadura do cordão deve ser imediata. Além disso, está indicada a
administração de zidovudina (AZT) IV para todas as parturientes,
pelo menos quatro horas antes do parto, sempre que possível,
independentemente da carga viral e de resistência prévia a essa
medicação.
Imediatamente após o nascimento a criança deve ser higienizada
com compressas macias e lavada com água e sabão. Aspirar vias
aéreas apenas se for necessário e de forma delicada, a fim de
evitar traumatismos na mucosa.
O RN deve começar a receber esquema profilático
preferencialmente na sala de parto e deve-se mantê-lo durante as
primeiras quatro semanas de vida.
A escolha do esquema profilático depende do risco de exposição
do RN. É considerado de baixo risco o RN nascido de mãe que fez
uso de TARV na gestação, com carga viral do HIV indetectável a
partir da 28ª semana e sem falha na adesão ao tratamento. Para
esses RNs, usa-se o AZT solução oral por 28 dias.
Para os RNs de alto risco, ou seja, nascidos de mães sem pré-
natal, sem uso de TARV ou com uso inadequado, sem uso de
profilaxia intraparto, com infecção aguda pelo HIV, com carga viral
detectável no terceiro trimestre ou desconhecida e mães com
teste rápido positivo no momento do parto sem conhecimento da
doença, está indicado o novo esquema profilático com três
drogas: AZT, 3TC (lamivudina) e RAL (raltegravir) por 28 dias,
conforme Nota informativa nº 2/2021 do Ministério da Saúde.
RNs com menos de 37 semanas de idade gestacional não podem
usar RAL, e o esquema deve ser com AZT, 3TC e NVP (nevirapina).
Já os RNs com menos de 34 semanas, independentemente do
risco de exposição, devem usar apenas o AZT.
#importante
Recém-nascidos com baixo risco de
exposição devem usar AZT do
nascimento até 28 dias de vida. Já os
recém-nascidos de alto risco devem usar
AZT, 3TC e RAL do nascimento até 28
dias de vida.
#importante
Segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas para Prevenção da
Transmissão Vertical do HIV, Sífilis e
Hepatites Virais (2019), “A
imunoprofilaxia combinada de IGHAHB e
vacina no RN exposto previne a
transmissão perinatal da hepatite B em
mais de 90% dos RN.”
9.11 VARICELA
A transmissão, em geral, ocorre no período pós-natal, com risco
de varicela disseminada. Portanto, é mais grave se ocorre ao final
da gestação.
9.11.1 Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, pelo quadro materno de doença aguda.
9.11.2 Tratamento
Os RNs de mães que desenvolveram o quadro de varicela entre
cinco dias antes e dois dias após o parto devem receber
tratamento.
A mãe poderá amamentar, exceto se ela teve manifestação da
varicela cinco dias antes do parto até dois dias após o nascimento
do bebê, pois neste curto período, o corpo não tem tempo
suficiente para desenvolver anticorpos. Se o bebê nascer neste
período, ele deve receber imunoglobulina específica para
varicela-zóster. A varicela não é transmitida pelo leite materno;
porém, quando a mãe tem manifestações neste período de cinco
dias antes até dois dias depois, há recomendação de separação
da mãe e do bebê, mas o leite materno pode ser ordenhado e
oferecido à criança. Embora esta recomendação seja da
American Academy of Pediatrics (AAP), a própria entidade
recomenda em outra publicação que a mãe e a criança não sejam
separadas e que o aleitamento materno deve ser priorizado,
independentemente do período de aparecimento dos sintomas,
visto que o recém-nascido de mãe que apresentou varicela cinco
dias antes do parto até dois dias após o nascimento tem
indicação de receber imunoglobulina, o que teoricamente
protegeria esse bebê.
O RN deve ser mantido em isolamento por 28 dias, por ser um
potencial transmissor da doença.
Quais recém-nascidos
devem ser investigados
para sífilis congênita e
como devem ser
tratados?
Devemos iniciar investigação de sífilis congênita em
todos os RNs de mães com sífilis e evidência clínica
e/ou laboratorial, e em todas as crianças com menos de
13 anos com suspeita clínica e/ou epidemiológica de
sífilis congênita.
O tratamento para os RNs, a depender do diagnóstico:
▶ Criança com sífilis congênita sem neurossífilis:
benzilpenicilina potássica/cristalina 50.000 UI/kg,
intravenosa, a cada 12 horas na 1ª semana de vida, a
cada 8 horas após a 1ª semana de vida, por 10 dias ou
benzilpenicilina procaína 50.000 UI/kg, intramuscular,
uma vez ao dia, por 10 dias;
▶ Criança com sífilis congênita com neurossífilis:
benzilpenicilina potássica/cristalina 50.000 UI/kg,
intravenosa, a cada 12 horas na 1ª semana de vida, a
cada 8 horas após a 1ª semana de vida, por 10 dias;
▶ Criança filho de mãe não tratada ou inadequadamente
tratada com todos os exames normais e VDRL não
reagente: benzilpenicilina benzatina 50.000 UI/kg,
intramuscular, dose única.
Crianças expostas à sífilis ou com diagnóstico de sífilis
congênita devem fazer seguimento de rotina de
puericultura e realizar teste não treponêmico (VDRL)
com 1, 3, 6, 12 e 18 meses de idade. O seguimento
laboratorial pode ser interrompido após dois testes não
reagentes consecutivos ou queda do título em duas
diluições. Diante de elevações de títulos sorológicos ou
não negativação desses até os 18 meses, recomenda-
se reinvestigação.