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A assistência pré-natal tem por objetivos identificar precocemente fatores de

risco e rastrear doenças para evitar possíveis complicações da gestação e garantir


uma gravidez saudável, seguido de um parto sem intercorrências.

Um dos principais objetivos do pré-natal é acolher a mulher grávida, ser


empático e usar uma linguagem apropriada para auxiliar um bom vínculo médico-
paciente ao longo desse período tão importante na vida da mulher.
Desse modo, solicitam-se exames laboratoriais e ultrassonográficos (os quais
fazem parte da propedêutica complementar),além da atualização vacinal, os quais têm
um papel fundamental para favorecer um diagnóstico o mais precoce possível para
instituição de tratamento, se for o caso.

I. AVALIAÇÃO LABORATORIAL PRÉ-NATAL

1. HEMOGRAMA:

Durante a gravidez, ocorre aumento do volume plasmático, causando uma


hemodiluição que, consequentemente, leva a anemia fisiológica da gravidez. O
diagnóstico ocorre quando o nível de hemoglobina (Hb) está < que 11 g/dL e
hematócrito(htc) < 33% no primeiro e terceiro trimestres, e hemoglobina < 10,5 g/dL e
hematócrito < 32% no segundo trimestre. Na prática, níveis de hemoglobina < 11 g/dL,
em qualquer idade gestacional é definida como anemia.
A plaquetopenia afeta de 6 a 10 % das gestantes, sendo a segunda
anormalidade hematológica mais comum na gravidez. A contagem de plaquetas
normal, fora do período gestacional está entre 150 a 400 mil/mm3, sendo que na
gestação pode diminuir cerca de 10 %, principalmente no terceiro trimestre. A causa
mais comum de plaquetopenia é a trombocitopenia gestacional, seguida da
plaquetopenia associada à hipertensão arterial na gestação e pela púrpura
trombocitopênica imune(PTI).
O rastreamento deve ser realizado na primeira consulta de pré-natal e na
28a. semana de gestação.

2. ELETROFORESE DE HEMOGLOBINA:

A eletroforese de hemoglobina deve ser solicitada em gestantes de raça negra


ou com suspeita de anemia falciforme.
A anemia falciforme é uma das doenças hereditárias mais comuns no Brasil e
está relacionada a complicações maternas, fetais ou no parto, agravando-se mais
ainda no terceiro trimestre.
O objetivo do rastreio é identificar e aconselhar pacientes assintomáticos,
cujos descendentes estão em risco de hemoglobinopatia hereditária. Na
gestação, o estado de hipercoagulação fisiológica torna a circulação placentária mais
suscetível a vaso-oclusão, determinando risco de crescimento e vitalidade fetal. As
complicações maternas estão relacionadas a crises álgicas, colelitíase, síndrome
torácica aguda, osteomielite, hipertensão pulmonar, acidente vascular encefálico,
retinopatia e insuficiência renal.
O rastreamento deve ser realizado na primeira consulta de pré-natal.

3. GLICEMIA DE JEJUM E TESTE ORAL DE TOLERÂNCIA À GLICOSE:

Diabetes mellitus (DM) é definida como um conjunto de distúrbios metabólicos


caracterizados por um estado de hiperglicemia e deficiência insulínica.
O rastreio universal de diabetes gestacional, independente de fator de risco,
deve ser feito com o exame de glicemia de jejum na primeira consulta de pré-natal
e o teste oral de tolerância à glicose, com 75 g de dextrosol entre 24 e 28
semanas, em pacientes que apresentaram valores de glicemia de jejum normais.
O valor normal da glicemia de jejum é < ou igual que 91 mg/dL; valores >ou
igual a 92 até 125 mg/dL caracteriza-se a diabetes mellitus gestacional; diabetes
mellitus diagnosticada na gestação (overt diabetes) é diagnosticada com valores > que
126 mg/dL.

4. TSH:

A função tireoidiana é regulada pelo eixo hipotálamo-hipofisário, dependente de


iodo e do TSH.
O nível de hormônios tireoidianos totais podem sofrer uma elevação, mas o T3
e T4 livres permanecem dentro da faixa de normalidade. A interpretação dos
resultados de testes de função tireoidiana durante a gestação deve ser feita no
primeiro, segundo e terceiro trimestres.
Os valores de referência dependem da idade gestacional da paciente:
 primeiro trimestre: 0,1 -2,5 mcU/mL
 segundo trimestre: 0,1 - 3,0 mcU/mL
 terceiro trimestre: 0,1 - 3,5 mcU/mL

5. URINÁLISE E UROCULTURA:

A infecção urinária ocorre em 20% das gestações e se associa a complicações


como rotura prematura de membranas ovulares, trabalho de parto prematuro,
corioamnionite, febre no pós-parto , sepse materna e infecção neonatal. Podem
ocorrer desde a bacteriúria assintomática, até cistite e pielonefrite.
O exame de urina tipo I permite suspeitar de diabetes mellitus, hipertensão e
infecção urinária na gestação. Deve ser realizada uma em cada trimestre.
A urocultura é o teste mais sensível e específico para detecção de bacteriúria
assintomática, por achar mais de 100000 UFC/ mL de urina. O Ministério da Saúde
recomenda que os exames devem ser solicitados na primeira consulta e em
cada trimestre.

6. PROTOPARASITOLÓGICO DE FEZES:

O exame de fezes para rastreamento é recomendado, principalmente em casos


de anemia e sintomas gastrointestinais.
Sendo assim, recomenda-se a realização do exame em todas as mulheres
grávidas e o momento oportuno é o mais precoce possível.

7. TIPAGEM SANGUÍNEA E COOMBS INDIRETO:

A solicitação de tipagem sanguínea da gestante deve ser solicitada na


primeira consulta de pré-natal.
Se a gestante for Rh positivo, não há necessidade de outro exame adicional.
As gestantes suscetíveis a aloimunização Rh (gestantes Rh negativo com
parceiro Rh positivo ou com tipagem desconhecida e coombs indireto negativo)
deverão ser acompanhadas através da realização mensal do coombs indireto até a
administração de imunoglobulina anti-Rh.
8. SOROLOGIA PARA SÍFILIS:

Doença curável, causada pela bactéria Gram-negativa do grupo das


espiroquetas Treponema pallidum, a sífilis é uma doença exclusiva do ser humano,
transmitida predominantemente por via sexual e por via vertical, através da placenta.
O risco de acometimento fetal varia de 70 a 100 %, dependendo da fase de
infecção da gestante e do trimestre da gestação, sendo, desse modo, justificadas as
múltiplas testagens, no primeiro, segundo e terceiro trimestre, por orientação do
Ministério da Saúde. Para o diagnóstico, é necessário associar um teste
treponêmico (TESTE RÁPIDO) a um não treponêmico (VDRL).
Quanto mais recente a infecção materna, maior o risco de infecção fetal, pois
há intensa multiplicação do patógeno e presença de lesões altamente infectantes.
Deve-se solicitar o teste não treponêmico na primeira consulta de pré-natal,
preferencialmente no primeiro trimestre, segundo(ao redor da 20a. semana de
gestação) e terceiro trimestre(ao redor da 28a. a 32a. semana), nos casos de
abortamento, exposição ou violência sexual(VDRL). O teste rápido (treponêmico)
deve ser realizado na primeira consulta de pré-natal e repetido com 34 semanas
de gestação.
Em caso de teste rápido positivo, tanto a gestante quanto seu parceiro devem
ser tratados o mais rápido possível, pois caso o parceiro não se trate, a gestante pode
ser reinfectada.

9. HEPATITE B (HBsAg):

Clinicamente, o vírus da hepatite B pode se manifestar desde assintomática até


quadro de hepatite fulminante. A fase aguda da doença pode aumentar o índice de
prematuridade, baixo peso ao nascer e morte fetal ou perinatal. Já a fase
crônica(infecção viral por mais de 6 meses) pode levar ao DMG, hemorragia anteparto
e trabalho de parto prematuro.
A transmissão viral ocorre por via percutânea, sexual e vertical.
O teste HBsAg deve ser realizado por imunoensaio ou teste rápido, no
primeiro trimestre da gestação ou assim que se descobre a gravidez. Quando
não testada durante a gravidez, a paciente deve ser testada no momento da
admissão no parto.

10. HEPATITE C (Anti-HCV):

A dosagem da sorologia serve para avaliar o contato com o vírus da hepatite


C(VHC), através da detecção de anticorpos totais anti-HCV. Também pode ser feito
por teste rápido na primeira consulta de pré-natal.
A presença da infecção não contraindica a gestação, mas pode estar
relacionada com maior risco de efeitos adversos fetais, tais como baixo peso ao
nascimento e restrição de crescimento fetal.

11. HIV (Anti- HIV):

A infecção pelo vírus HIV na gestação vem aumentando significantemente e a


sua identificação precoce é de grande relevância é extremamente importante para a
tomada de medidas profiláticas para a diminuição da transmissão vertical.
O teste anti-HIV pode ser realizado por ELISA ou por teste rápido e deve ser
realizado na primeira consulta de pré-natal, no segundo trimestre e no início do
terceiro trimestre ou em qualquer outro momento em que haja exposição de
risco ou violência.
12. CITOMEGALOVÍRUS:

Mesmo não sendo indicado na rotina obstétrica pelo Ministério da Saúde e pela
FEBRASGO (embora esteja descrito no Manual de Gestação de Alto Risco do MS,
2022), o rastreio de citomegalovirose (CMV IgM e IgG) na primeira consulta de pré-
natal é aconselhado, pois, se detectado antes de 20 semanas, tem tratamento
estabelecido.
Mas, pacientes de grupo de risco, tais como trabalhadores da área de saúde,
trabalhadoras de creche e escolas infantis, pacientes imunossuprimidas e cuidadores
de pacientes imunossuprimidas, devem ter sua sorologia realizada.

13. TOXOPLASMOSE:

Recomenda-se a pesquisa de toxoplasmose ( IgM e IgG) na primeira consulta


de pré-natal, com repetição da pesquisa bimensalmente nas pacientes
suscetíveis, para reduzir o risco de toxoplasmose congênita, apesar de não haver
benefícios maternos diretos do tratamento.

14. RUBÉOLA:

Recomenda-se a pesquisa de rubéola (IgM e IgG) na primeira consulta de


pré-natal, com repetição da pesquisa no segundo e terceiro trimestres nas
pacientes suscetíveis ou em qualquer exposição suspeita.
Essas pacientes devem ser vacinadas no puerpério.

15. RASTREAMENTO DE CÂNCER DE COLO DE ÚTERO POR CITOLOGIA


ONCÓTICA:

No Brasil, o câncer de colo uterino é o quarto tipo de câncer mais comum entre
as mulheres e é a neoplasia mais comum durante a gravidez.
Deverá ser coletado em todas as gestantes que não o realizaram,
segundo o protocolo do Ministério da Saúde ( o rastreio deve ser realizado a partir
de 25 ou mais anos, em todas as mulheres que iniciaram atividade sexual, a cada três
anos, se os dois primeiros exames anuais forem normais).

16. RASTREAMENTO PARA Streptococcus B haemolyticus ou agalactiae


DO GRUPO B (EGB):

São cocos Gram-positivos, anaeróbios facultativos, que fazem parte da


microbiota vaginal normal da mulher, porém, durante o parto, podem infectar o feto,
causando infecção neonatal e, em alguns casos, levar o recém-nascido a óbito.
Devido ao grande impacto e à morbimortalidade neonatal precoce, o
rastreamento do EGB, por meio de cultura de material vaginal e anal( obtido por
meio de swab), deve ser realizado entre 35 e 37 semanas de gestação.
II. VIGILÂNCIA FETAL
Além da vigilância clínica, através do exame obstétrico a cada consulta, pode-
se solicitar exames ultrassonográficos

1. ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA TRANSVAGINAL:

Deve ser solicitada na primeira consulta de pré-natal, entre 7 e 9 semanas,


para avaliar a viabilidade da gestação e confirmar a idade gestacional.

2. ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA MORFOLÓGICA:

Deve ser realizado entre 11 e 13 6/7 semanas de gestação ( primeiro


trimestre com medida da translucência nucal) e entre 20 e 24 semanas de gestação
(segundo trimestre com medida de comprimento de colo uterino).

3. ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA DE TERCEIRO TRIMESTRE:

Deve ser realizado entre 34 e 37 semanas.

4. PERFIL BIOFÍSICO FETAL:

Deve ser realizado entre 40 e 42 semanas, duas vezes por semana.

5. ECODOPPLERCARDIOGRAMA FETAL:

A incidência da cardiopatia congênita é estimada entre 6-12/1000 nascidos


vivos. As indicações do ecocardiograma fetal estão enumeradas a seguir:
a. Fatores maternos:

História familiar (materna ou paterna) de cardiopatia congênita


Idade materna acima de 35 anos
Diabetes mellitus pré ou gestacional: considerar reavaliação no terceiro
trimestre em pacientes em difícil controle glicêmico
Infecções maternas (rubéola, citomegalovirose, parvovirose, coxsakie
vírus, adenoviroses, arboviroses)
Uso de drogas teratogênicas
Fenilcetonúria
Uso de drogas indutoras do fechamento do canal arterial
Presença de lúpus ou Síndrome de Sjögren de anti-Ro/ anti-La+
Conceptos anteriores com malformações cardíacas
Uso de técnicas de reprodução assistida
Exposição a drogas comprovadamente cardio teratogênicas
(carbamazepina, fenitoína, valproato de sódio, lítio, inibidores da ECA, ácido
retinóico, isotretinoína, tabaco, álcool, varfarina, ainh)

b. Fatores fetais:

Malformações extracardíacas
Translucência nucal >3,5 mm independente do resultado do cariótipo
Hidropsia não imune
Cromossomopatias
Gestação gemelar
Retardo do crescimento fetal
Arritmia fetal
Suspeita de alteração cardíaca ao ultrassom
Anormalidades do cordão umbilical, placenta ou anatomia venosa
abdominal

Achados anômalos na rotina obstétrica devem ser prontamente encaminhadas


para ecocardiografia fetal, porém o período ideal para realização do exame é entre 18
e 28 semanas. Lembrando que o período e a frequência do ecocardiograma devem
ser guiados pela gravidade da lesão, sinais de insuficiência cardíaca, sinais de
progressão e avaliação para o manejo perinatal.

III. IMUNIZAÇÃO

a. Tétano, difteria e coqueluche acelular ( dTpa ou tríplice bacteriana


acelular): a partir de 20 semanas de gestação até 20 dias antes do parto.
b. Difteria e tétano (dT): segue-se o esquema a seguir:
b1: em gestantes com vacinação incompleta tendo recebido uma dose
de vacina contendo o componente tetânico, fazer uma dose de dT e uma dose de
dTpa, sendo que a dTpa deve ser aplicada a partir da 20ª semana de gestação.
Respeitar intervalo mínimo de um mês entre elas.
b2: em gestantes com vacinação incompleta, tendo recebido duas
doses de vacina contendo o componente tetânico, fazer uma dose de dTpa a partir da
20ª semana de gestação.
b3: em gestantes não vacinadas e/ou histórico vacinal desconhecido,
fazer duas doses de dT e uma dose de dTpa, sendo que a dTpa deve ser aplicada a
partir da 20ª semana de gestação. Respeitar intervalo mínimo de um mês entre elas.
c. Influenza: dose única anual. Em situação epidemiológica de risco,
especialmente para gestantes imunodeprimidas, pode ser considerada uma segunda
dose a partir de 3 meses após a dose anual.
d. Hepatite B: três doses, no esquema 0 - 1 - 6 meses.
e. COVID-19: deve ser feita seguindo-se o cronograma e as indicações do
Plano Nacional ou Estadual de Imunizações (https://sbim.org.br/covid-19).
BIBLIOGRAFIA:

 Bonomi IBA, Lobato AC, Silva CG, Martins LV. Rastreamento de doenças
por exames laboratoriais em obstetrícia. São Paulo: Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018.
(Protocolo - Obstetrícia número 74/ Comissão Nacional Especializada em
Perinatologia).
 Kfouri RA, Levi GC. Controvérsias em imunizações 2021 - 1a. ed. São
Paulo: Segmento Farma Editores, 2022.
 Manual de gestação de alto risco[recurso eletrônico]/ Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção primária à saúde. Departamento de ações
programáticas - Brasília: Ministério da Saúde, 2022.
 Morhy SS, Barberato SH, Lianza AC, Soares AM, Leal GN, Rivera IR, et al.
Posicionamento sobre indicações da ecocardiografia em cardiologia fetal,
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2020; 15(5): 987-1005.
 Rotina no pré-natal com risco habitual(baixo risco) 2020: Departamento
de atenção básica. Área técnica de saúde da mulher - Secretaria
Municipal de Saude - Prefeitura Municipal de São Paulo.
 Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein: Nota técnica
para organização da rede de atenção à saúde com foco na atenção
primária à saúde e na atenção ambulatorial especializada - Saúde da
mulher na getação, parto e puerpério. Sociedade Beneficente israelita
Brasileira Albert Einstein. São Paulo: Hospital Israelita Albert Einstein:
Ministério da Saúde, 2019.
 Sociedade Brasileira de Imunizações (Brasil):
https://sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-gestante.pdf . Acesso
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 Tatani SB, Grau CRPC. Ecocardiografia fetal: quando indicar? Fleury
medicina e saúde Revista Médica 2018; 6(3): 33.
 Zugaib M, Francisco RPV. Protocolos assistenciais: Clínica Obstétrica
FMUSP - 6.ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2021.

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