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Tronco Comum IV – Introdução às Doenças do Envelhecimento

Realizado por: Raquel Fernandes da Silva


2019/2020
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Índice

Aula 1 – Contextualização da Geriatria………………………………................………………………………….....……………..…………….3

Aula 2 – Conceitos Básicos de Geriatria........................................................…………………………….....…………….….……….6

Aula 3 – Alterações Fisiológicas do Envelhecimento.................................................................................................14

Aula 4 – Síndromes Geriátricas..................................................................................................................................23

Aula 5 – Avaliação Geriátrica Global..........................................................................................................................26

Aula 6 – Fragilidade....................................................................................................................................................37

Aula 7 – Prescrição Farmacológica em Geriatria........................................................................................................46

Aula 8 – Nutrição no Idoso.........................................................................................................................................58

Aula 9 – Atividade Física e Saúde do Idoso................................................................................................................69

Aula 10 – Iatrogenia...................................................................................................................................................76

Aula 11 – Doença de Parkinson..................................................................................................................................91

Aula 12 – Alterações Cognitivas e Demências............................................................................................................99

Aula 13 – Depressão no Idoso..................................................................................................................................108

Aula 14 – Sono no Envelhecimento.........................................................................................................................116

Aula 15 – Incontinência Urinária e Fecal, Retenção Urinária e Obstipação.............................................................124

Aula 16 – Instabilidade e Quedas.............................................................................................................................150

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Aula 1 – Contextualização da Geriatria
António Vaz Carneiro – 23/09/2019

A maioria dos estudos clínicos existentes não incluem idosos, sendo que a evidência que temos é baseada em
estudos feitos em indivíduos com idades compreendidas entre os 45 e 60 anos. No entanto, o idoso não é um adulto
grande, tal como a criança não é um adulto pequeno. Atualmente, a maioria dos doentes têm mais de 80 anos e a
maioria dos estudos relativos a determinados fármacos não estão feitos de forma a incluírem pessoas com esta
idade, podendo os efeitos destes serem bastante variáveis.

A idade média dos doentes é de 86,6 anos e estes são idosos,


complexos e com múltiplas doenças. O problema da medicina é que cada
vez há mais pessoas a ficarem cada vez mais velhas. Assim, há uma maioria
de pessoas com idade compreendida entre os 40 e os 50 anos, quando este
intervalo deveria compreender uma idade menor pois deveriam haver
mais jovens do que adultos e idosos. A taxa de mortalidade é mínima aos
10 anos, sendo que a partir desta idade aumenta exponencialmente.

A partir dos 65 anos, já se considera um indivíduo como sendo idoso,


o que é uma classificação estúpida pois foi baseada na taxa de mortalidade
dos anos 50/60, sendo que nestas décadas a probabilidade de vida após os
70 anos era 2 anos, mas agora é cerca de 12 anos.

Na pirâmide etária de 2018, se olharmos para as projeções, vemos que o problema se vai agravar imenso,
havendo cada vez mais pessoas com idades cada vez mais avançadas. As previsões são que 58,8% das raparigas que
irão nascer em 2060, irão chegar aos 100 anos, uma idade que era muito rara para um indivíduo. Em 1951, a taxa
de raparigas que chegava aos 100 anos era de 13,4%. Em Portugal, as perspetivas não são muito diferentes, tendo
nós a maior esperança de vida do mundo, no entanto, em termos de qualidade de vida, esta nos últimos 10 anos
das pessoas não é muito boa.

Há mais pessoas idosas a tomarem fármacos para uma determinada


doença do que pessoas idosas em estudos clínicos para aprovarem o fármaco
em questão, havendo fármacos que nem sequer foram testados ou
aprovados, mas que continuam a ser consumidos. Está-se a trabalhar com
fármacos que não estão adaptados à idade dos idosos, sendo que se fazem
extrapolações de estudos com indivíduos mais novos para indivíduos mais
velhos. Isto para dizer que os idosos estão sub-representados em estudos,
por exemplos como na osteoartrite, sendo, no entanto, a população que mais
sofre desta patologia.

Os ensaios clínicos de intervenções para osteoartrite foram recuperados das revisões sistemáticas da Cochrane
Library. Os autores examinaram a distribuição etária dos participantes do estudo e os critérios de elegibilidade.
Analisaram dados de 219 estudos elegíveis de 18 revisões sistemáticas, sendo que a média de idades dos
participantes foi de 63 anos. Apenas 13 estudos (6,4%) tinham uma idade média entre os 71 e os 80 anos e apenas
um estudo teve uma idade média superior a 80 anos. Globalmente, 66 estudos (38%) não incluíram nenhum doente
com mais de 80 anos de idade. Assim, doentes idosos são consideravelmente sub-representados em ensaios clínicos
de osteoartrite.

Acima dos 65 anos, 15% dos idosos têm dificuldades na vida independente, 9% têm dificuldade em cuidarem
de si próprios, 23% têm dificuldades ambulatoriais, 9% têm dificuldades cognitivas, 7% têm dificuldades visuais,
15% têm dificuldades auditivas e 36% dos doentes têm algum tipo de doença.

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Passando a falar de síndromes geriátricas, vamos ter as quedas, a polifarmácia, o declínio cognitivo, o delírio,
a demência, a incontinência, as doenças do sono, etc. Relativamente às quedas, é recomendado a prática de
exercício físico e não é recomendado dar vitamina D, exceto se houver deficiência desta vitamina.

Há um problema muito sério que corresponde à polimedicação, especialmente relativamente aos efeitos
secundários que têm muito mais impacto nos idosos do que nos adultos. Se um idoso aparecer numa consulta a
queixar-se de um problema, em 90% dos casos é resultado dos efeitos adversos de uma medicação que já está a
tomar, sendo sempre necessário conferir a medicação que o doente toma. Pode ser benéfico retirar medicamentos
aos idosos, uma vez que há tendência a sobremedicar estes indivíduos.

Existe uma grande quantidade de evidência que demonstra que se tratarmos agressivamente certas condições
como diabetes, colesterol, etc., os doentes morrem mais rápido e com mais frequência. Houve ainda um estudo
que retrata idosos que estavam a tomar 6 medicamentos, sendo que foi possível retirar-lhes 2 medicamentos. Os
resultados foram que, nos 2 anos seguintes, a taxa de mortalidade ficou igual à dos idosos que tomavam 6
medicamentos, mas a qualidade de vida aumentou exponencialmente.

Os défices cognitivos também são graves, podendo transformar significativamente as pessoas, não sendo
apenas importante o Alzheimer, mas também os pequenos défices cognitivos. Dito isto, quanto mais velhos formos,
mais probabilidade temos de ter demência ou outro défice cognitivo.

Outro problema que os idosos sofrem é a incontinência, sendo esta também um problema social. Muitas vezes
a incontinência é um indicador de outras patologias, não sendo apenas sinal de esfíncteres não funcionais ou
hiperplasia benigna da próstata. Apesar de haver a solução das fraldas, estas ganham mau cheiro e não são bem
vistas socialmente.

Um conceito importante de reter é o conceito de


choque de complicação. Num indivíduo jovem, se houver
uma complicação grave, este rapidamente recupera, o que
não se verifica no idoso, pois este já perdeu a capacidade
homeostática de voltar ao estado normal, não havendo
uma capacidade fisiológica de voltar ao estadio anterior ao
acontecimento. Assim, os idosos perdem parte da sua
dependência e ficam ainda mais vulneráveis. Por exemplo,
na fratura do colo do fémur em mulheres, a mortalidade
após o primeiro ano aumenta 80%. Para além disto, por
terem de estar paradas ficam com tromboses e eventualmente terão a necessidade de serem operadas. Derivado
da cirurgia, esta pode ter complicações da cirurgia em si como complicações na própria anestesia. Assim, a melhor
maneira de resolver este problema é prevenir o problema.

A multimorbilidade também é uma realidade, sendo que geralmente aos 80 anos o indivíduo possui 5
patologias. Ninguém faz estudos clínicos com doentes que possuam diabetes, hipertensão, osteoartrite ou DPOC
pois nunca se consegue avaliar apenas uma doença devido a esta multimorbilidade do indivíduo estudado.

Outro problema é na consulta, um indivíduo dizer que só se dispõe a tomar x medicamentos. Tem de haver
uma negociação para fornecer os fármacos mais necessários e benéficos para o indivíduo, dando uma quantidade
de fármacos que sabemos que vai tomar. Se receitarmos muitas classes de fármacos, o indivíduo pode não os tomar
todos ou pode ainda mentir afirmando que os toma quando não o faz.

As condições mentais como a depressão, nos idosos normalmente são subdiagnosticadas, e, se não forem
diagnosticadas, estas patologias continuam a não ser tratadas.

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Para a maioria dos doentes, é mais importante ser autónomo, ter uma boa qualidade de vida e felicidade do
que ter mais x meses de vida ao final de uns anos. Convém matar o mínimo possível de doentes, mas também
convém torturar o mínimo possível de doentes. Relativamente à medicina cardiovascular, de 28 estudos clínicos
que comparavam idosos com uma dieta hipolipídica ou idosos que trocaram as gorduras saturadas por gorduras
não saturadas com idosos que tinham uma dieta normal, apenas 2 estudos alteraram minimamente os resultados
relativamente às taxas de enfartes, etc. Assim, devemos ser menos rigorosos com as dietas que prescrevermos,
pois, a dieta confere um grande prazer às pessoas. A hipótese de uma pessoa morrer devido à sua dieta é muito
reduzida, logo, mais vale as pessoas comerem o que querem e serem felizes neste aspeto.

A maioria das questões que foram discutidas são problemas ambulatórios havendo agora uma grande
tendência para tratar os idosos no seu próprio ambiente, primeiro, por reduzir complicações em ambientes
hospitalares, como infeções nosocomiais, e segundo, para não os retirar do ambiente familiar.

Os melhores exercícios para os idosos são exercício físico (adequado ao indivíduo) e exercício mental. Estes
exercícios nem sempre são fornecidos num lar, por isso esta pode não ser a solução ideal.

Pontos-chave a reter:

• Envelhecer não é uma doença. As alterações normais do envelhecimento geralmente não causam sintomas,
mas aumentam a suscetibilidade a muitas doenças e condições devido à diminuição da reserva fisiológica. O
envelhecimento também está associado a uma maior heterogeneidade em praticamente todas as variáveis
mensuráveis. Os valores do laboratório fora da faixa "normal" são mais comuns e podem não refletir patologia;
• As condições médicas são geralmente múltiplas (“multi-morbidez”) e de origem multifatorial, exigindo uma
abordagem abrangente para avaliação e gerenciamento;
• Muitas condições potencialmente reversíveis e tratáveis são subdiagnosticadas e subestimadas nesta
população, como risco de queda, incontinência urinária e abuso e negligência de idosos; ferramentas simples
de triagem podem ajudar a detetá-las;
• Os distúrbios cognitivos e afetivos (por exemplo, comprometimento cognitivo leve, demência, depressão e
ansiedade) são comuns e podem não ser diagnosticados nos estágios iniciais, no entanto, ferramentas simples
de triagem podem ajudar a detetá-las;
• As doenças iatrogénicas são comuns, principalmente relacionadas a reações adversas a medicamentos e
imobilidade e descondicionamento relacionado e outras complicações;
• Habilidade funcional e qualidade de vida, em oposição à cura, são os principais objetivos do tratamento;
• A história social, o apoio social e as preferências do doente são fundamentais para tratar as pessoas idosas de
maneira segura e centrada na pessoa;
• O tratamento geriátrico eficaz requer colaboração interprofissional entre muitas disciplinas diferentes.
• Os cuidados geriátricos são prestados em grande parte fora do hospital (em casa, em enfermagem
especializada e em ambientes de vida assistida) sendo que a atenção às transições de cuidados entre os locais
é essencial para um atendimento eficaz;
• Questões éticas, cuidados paliativos e cuidados no final da vida são aspectos críticos do atendimento à
população geriátrica.

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Aula 2 – Conceitos Básicos de Geriatria
João Gorjão Clara – 23/09/2019

Os conceitos em relação aos velhos mudaram muito desde o tempo dos nossos avós ou até mesmo desde o
tempo dos nossos pais para a atualidade. No tempo de Eça de Queirós, um indivíduo com 60 anos era muito velho,
no entanto, a idade do “velhinho” tem vindo a aumentar, sendo que Júlio Dantas já considerava um indivíduo de
73 como velho.

Em Portugal, em 2050, 1 milhão de portugueses terá mais de 80 anos e 32% terá 65 ou mais anos de idade. No
último Censo (2011), a percentagem de indivíduos com idade superior a 65 anos foi de 19% o que significa que 2
milhões e 23 mil portugueses são idosos.

Esta realidade foi sentida por todos nós, sendo que nas últimas décadas os médicos de medicina interna e
outros médicos que trabalham em meio hospitalar viram-se confrontados com uma população de doentes cada vez
maior. Este problema é conhecido há muito tempo, sendo que Charcot afirmava os problemas dos idosos em 1881.

A Gerontologia foi definida em 1901 pelo Elie Metchnikoffé e corresponde ao estudo do processo de
envelhecimento. Abarca desde investigações de biologia molecular até estudos socioeconómicos ou mesmo sobre
as consequências da reforma, ou seja, estuda o velho inserido na sociedade não tendo relação com doença.

Geriatria foi definida em 1909 pelo médico norte americano Ignatius Leo Nascher (Fundador da American
Geriatric Society em 1915) como a subdivisão da medicina referente aos idosos e às suas doenças e definiu Geriatra
como o médico melhor preparado para assistir os doentes idosos.

Marjory Warren, considerada a mãe da geriatria, conseguiu convencer o Ministro da Saúde do Reino Unido
que era necessário criar unidades de geriatria, criando a primeira consulta em 1948. Publicou um artigo em 1949
sobre a importância de uma unidade de geriatria. Criar-se esta unidade em Portugal foi uma grande dificuldade,
sendo que nesta altura não havia nenhuma destas unidades por “falta de necessidade e importância”.

Manusear e tratar doentes idosos é muito complicado, tendo que aprender a tratá-los como deve de ser, sendo
que Robert Butler, diretor e fundador do National Institute on Aging of the National Institute of Health, e do
primeiro Serviço de Geriatria dos EUA, no Mount Sinai School of Medicine, em 1982, afirmou que ninguém se deve
formar num curso de medicina ou numa residência médica sem ter adquirido o conhecimento necessário para
tratar pacientes idosos.

Nos próximos 20 anos (dito em 2000) nos EUA serão necessários 2400 professores de geriatria e será preciso
um grande investimento para apoiar a clínica, a investigação e o ensino nas áreas relacionadas com o
envelhecimento. Na altura havia 1 professor em Portugal e não se achava necessário haver mais. Apenas em 2010,
a faculdade começou a ensinar geriatria como disciplina obrigatória, e devemos isto ao professor João Lobo
Antunes.

O porquê da geriatria?

Os idosos têm muitas doenças (pluripatologia), tomam muitos remédios (plurimedicação) e têm manifestações
clínicas diferentes de múltiplas diferenças, que não são iguais às de um indivíduo de 40 anos. O comportamento
farmacológico nestes indivíduos também é diferente, tal como acontece nas crianças, e tudo isto vai condicionar a
decisão terapêutica e farmacológica com objetivo de melhorar o estado físico e cognitivo e não de aumentar a
esperança de vida.

O problema da multipatologia é que não podemos ignorar uma doença em detrimento de outra, sendo difícil
tratar um doente na sua totalidade quando este tem 5 patologias. Tratar de uma patologia esquecendo-nos de
todas as outras concomitantes é correr riscos de iatrogenia e provavelmente tratar mal, ou seja, ao fazermos isso
podemos oferecer uma terapêutica que é pior comparativamente à doença.
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A menor eficácia da medicina tornou-se evidente desde os trabalhos pioneiros sobre o sub reconhecimento
da doença nos idosos quando se concluiu o aumento da mortalidade e internamento na fratura do colo do fémur
e ainda quando se provou o tratamento ineficiente da depressão no idoso, mesmo depois de identificada a doença.

Nem todos os doentes velhos precisarão ser tratados por geriatras, mas o mínimo devem esperar é que aqueles
que lhes prestam cuidados tenham treino básico e competência em medicina geriátrica, no entanto, a persistência
de um diletantismo infeliz e não científico entre alguns médicos ("todos nós cuidamos da síndrome de doentes mais
velhos") ainda permanece.

Organismos internacionais como a UNICEF diziam que, tal como a pediatria se desenvolveu no final do século
XIX por resultado da incapacidade de a medicina geral fazer face às necessidades de assistência às crianças, a
Geriatria chegou como resultado da falência da medicina geral em fornecer a assistência apropriada aos idosos.

Porque é que se desenvolveu a geriatria nestes mais de 100 anos?

Porque é eficaz. Em nenhum sítio do mundo se a geriatria não fosse eficaz esta se teria expandido. Múltiplos
estudos demonstraram que é mais eficaz e menos dispendiosa a assistência prestada por geriatras aos doentes
idosos na doença aguda, no ambulatório, na assistência domiciliária e na reabilitação.

Em 1984 foram comparadas 2 populações de doentes idosos: uma população com 63 doentes foi tratada numa
Unidade Geriátrica e outra população equivalente de 60 doentes idosos foi tratada num serviço de medicina
convencional (população controlo). Os doentes da Unidade de Geriatria tiveram menos transferências para lares
após a alta (12,7% vs 30%) ou estiveram menos tempo internados em lares durante o período de “follow up” (26,0%
vs 46,7%). O grupo controlo teve substancialmente mais dias de internamento hospitalar, mais tempo de
internamento em lares e maior número de reinternamentos. Os doentes da Unidade Geriátrica revelaram maior
recuperação funcional e cognitiva do que os doentes controlo e, ao fim de um ano, os doentes seguidos na Unidade
de Geriatria tiveram muito menor mortalidade do que os doentes controlo (23,8% vs. 48,3%). Os custos diretos
durante o internamento foram inferiores nos doentes da Unidade Geriátrica, especialmente depois de ajustados à
sobrevivência.

Outro trabalho publicado em 2011 avaliou 22 ensaios com mais de 10 000 doentes em 6 países, evidenciando
os benefícios de uma unidade de Geriatria. O que é curioso é verificar-se que nos doentes que não estavam nestas
unidades, mesmo havendo geriatras que andaram de serviço em serviço “à procura” de doentes, os resultados não
foram tão bons porque um doente não necessita apenas de um médico, mas sim de uma equipa capaz com
enfermeiros e auxiliares treinados.

O doente idoso não é um doente fácil, necessita de mais tempo, a história não é fácil de colher (muitos
sintomas, muitas queixas, muitas doenças), estabelecer um ou mais diagnósticos é difícil e as opções terapêuticas
são complexas, com reações imprevisíveis aos fármacos. O grande desafio é distinguir doença de envelhecimento
normal. As doenças do coração e a doença de Alzheimer, por exemplo, são mais frequentes no envelhecimento,
mas nem todos os idosos sofrem destas doenças. Devemos então falar não em “doenças dos velhos”, mas sim de
“doenças nos velhos”. Uma máxima geriátrica útil é recordar que os idosos doentes estão doentes porque têm
doenças e não porque são velhos.

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O idoso perante a doença

O próprio idoso aceita que uma pessoa idosa é uma pessoa doente, sendo que a sua atitude perante a doença
é influenciada por razões:

• Sociais – Demora em referir incontinência;


• Éticas – Demora em procurar o serviço de saúde para não sobrecarregar os familiares;
• Psicológicas – O medo de voltar a cair conduz à imobilidade prolongada;
• Culturais – A depressão é inconfessável em determinadas classes culturais;
• Clínicas – Experiências prévias desagradáveis com cuidadores de saúde;
• Funcionais - Pode considerar mais grave um transtorno funcional do que a doença que o pode levar à morte.

O médico perante o idoso doente

É frequente que os médicos desvalorizem as queixas dos velhos existindo o mito de que o idoso é
hipocondríaco, que procura os serviços de saúde com queixas triviais e que usa e abusa do recurso aos cuidados de
saúde, mas a realidade mostra o contrário. 90% dos idosos têm algum sintoma de doença, mas só 30% consultam
o médico. A taxa de internamento é de 2 a 4 vezes superior nos indivíduos com mais de 65 anos.

O conceito de “velhicismo”

Este e outros tipos de atitudes fez nascer o conceito de velhicismo que se define como a atribuição errónea de
todas as alterações que ocorrem no idoso à sua idade sem considerar outras hipóteses e a assunção de decisões
clínicas em função deste conceito errado. Noutro estudo, desta vez português, apurou-se que 82,3% dos idosos
portugueses com mais de 65 anos não têm défice cognitivo e que 73,6% dos idosos portugueses são independentes
para a execução das atividades instrumentais da vida diária. Estes resultados demonstram que assumimos que um
idoso tenha estes tipos de disfunções devido à sua idade, mas na verdade não é o que se verifica.

Características das doenças dos idosos

As 4 características da doença no idoso são: a pluripatologia, a cronicidade, a incapacidade funcional e as


apresentações atípicas. A coexistência de várias doenças dificulta o diagnóstico, por exemplo, quando um sintoma
se revela pelo esforço e outra doença impede a realização de esforços, pelas interações medicamentosas e pela
anulação ou agravamento dos sintomas. Nos primeiros 100 doentes internados em 1999 no serviço de Medicina II
do Hospital Pulido Valente, a média de patologias coexistentes em cada doente foi de 5,6. Noutro estudo, em 100
doentes com uma idade média de 80,6 anos, sendo que 35% destes 100 doentes tinham mais de 85 anos, a
concomitância de patologias foi de 7,9.

A comorbilidade no idoso

Os doentes idosos com hipertensão arterial e diabetes, seguidos por MGF têm em média 6 problemas de saúde
crónicos em simultâneo e 25% destes doentes tem mais de 8 problemas, havendo necessidade de mudança de
orientação de um modelo tradicional baseado numa abordagem por doença, para um novo modelo de cuidados
crónicos.

Patologias mais frequentes em coexistência no idoso

• Hipertensão arterial;
• Insuficiência respiratória crónica;
• Incontinência urinária;
• Insuficiência vascular periférica;
• Obstipação;
• Diabetes;
• Osteoartroses;
• Osteoporose;
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• Alterações sensoriais;
• Alterações do sono;
• Anemia;
• Insuficiência renal crónica;
• Insuficiência renal congestiva;
• Fibrilhação auricular;
• Angor pectoris;
• Depressão;
• Demência.

Se não se considerarem todos os aspectos da patologia presentes no idoso, as iniciativas terapêuticas poderão
originar mais prejuízo do que benefício.

A cronicidade da doença

Por definição, doença crónica é a que persiste por mais de 3 meses. No Public Health Report de 1977 afirmava-
se que na população com mais de 65 anos, 80% tinha pelo menos uma doença crónica. No Public Health Report de
2004 a percentagem de americanos com uma doença crónica era de 50% e os gastos com estes doentes atingiram
83% das despesas do serviço de saúde do país. Na Alemanha, no ano de 2012, a percentagem de indivíduos com
uma doença crónica, com mais de 55 anos, era de 37% e nestes, dois terços, tinham mais do que uma doença
crónica.

A recolha da história clínica

O grande objetivo da geriatria não é prolongar a vida dos velhos, mas sim melhorar a vida destes. Numa
consulta, não devemos deixar o familiar “ultrapassar” o doente, devemos sempre ouvir o indivíduo idoso e só
depois colmatar as falhas com o familiar. Frequentemente é necessário ouvir outros membros da família ou amigos
e ler relatórios de outros colegas. É importante, contudo, que sempre que possível seja o doente a fornecer a
história e não um familiar solícito que ultrapassa o doente e o coloca numa situação de incapacidade cognitiva,
emocionalmente desagradado da situação. O ideal seria iniciar a história com o doente e depois completá-la com
a colaboração de um familiar.

Sintomas legítimos de doença podem ser ocultados pelo doente porque ninguém gosta de estar doente, mas
sobretudo porque ao referir sintomas que atribui apenas ao envelhecimento entende que está a reconhecer que
está velho e diminuído. À medida que se envelhece os sintomas de doença são aceites como fenómenos próprios
do envelhecimento e o idoso reage-lhes passivamente aceitando-os, negando-os, minimizando-os e adiando a
consulta ao médico. A tolerância em relação aos sintomas que conduz a que os mesmos não sejam referidos ao
médico e associa-se à assunção de que o envelhecimento se acompanha de dores, mal-estar, e de sensação de
doença. Para a maioria existe o conceito de que de ser velho é ser doente.

Valorização dos sintomas

Na recolha dos sintomas, muitas vezes temos nós de priorizar as doenças do doente. O sintoma dominante (o
que pode mais incomodar o doente) nem sempre é o mais importante para o diagnóstico da situação clínica
subjacente. Por outro lado, a frequência de múltiplas patologias, muitas delas crónicas, originam um grande
número de queixas cuja importância relativa o clínico tem de saber hierarquizar.

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Particularidades nas formas de apresentação da doença nos idosos

Um princípio da medicina geriátrica é de que muitas doenças se podem manifestar de modo diferente no
idoso, sendo que muitas vezes a doença base manifesta-se não pelos sintomas que são próprios, mas por sintomas
gerais, absolutamente inespecíficos (agravamento da confusão mental, anorexia, quedas, incontinência urinária,
prostração, incapacidade de andar, etc.) sem que os sintomas clássicos da doença se apresentem facilitando o
diagnóstico correcto.

Nos idosos as manifestações das doenças têm, com frequência, uma particularidade: pode fracassar o órgão
ou sistema mais vulnerável (o órgão ou sistema com menor reserva fisiológica para responder ao estímulo agressor)
e a doença pode manifestar se num órgão afastado daquele que sofre o processo patológico.

As quedas, a confusão, a incontinência urinária, a deterioração funcional podem ser as manifestações de quase
todas as doenças substituindo os sintomas clássicos que podem estar ausentes.

A frequência de sinais e sintomas de uma doença varia ao longo do envelhecimento e acontece muitas vezes
os sintomas de disfunção cognitiva predominarem sobre os sinais e sintomas funcionais e orgânicos de grande
número de doenças como enfarte do miocárdio, pneumonia, infecção urinária, desidratação, etc. Por outro lado,
as doenças podem ter manifestações diferentes nos idosos, sendo que a classificação das diferentes doenças pode
ser menos precisa ao basear-se habitualmente em indivíduos jovens e raramente em investigações no idoso. Por
exemplo uma infecção urinária pode demorar em originar sintomas e sinais locais e manifestar se por deterioração
da marcha, confusão mental e quedas.

Doenças de apresentação atípica

• Enfarte agudo do miocárdio sem angor;


• Pneumonia sem tosse, dor torácica e febre;
• Hipertiroidismo apático com marcha de pequenos passos, lentificação cognitiva e incontinência urinária;
• Retenção urinária com agitação e confusão;
• Infeção urinária com desequilíbrio e quedas.

Exemplos de doenças que se apresentam de modo diferente no idoso em relação ao jovem

• Diabetes – Estado hiperosmolar sem cetoacidose


• Tirotoxicose – Apatia, lentidão psicomotora, demência sem sinais de hipertiroidismo
• Depressão – Incapacidade cognitiva. Muitas vezes confunde-se depressão com demência ou incapacidade
cognitiva, sendo uma tratável e a outra não.

Doenças que habitualmente se apresentam de modo inespecífico no idoso

• Pneumonia
• Meningite
• Tuberculose
• Enfarte do miocárdio
• Embolia pulmonar
• Intoxicação digitálica
• Mixedema
• Alcoolismo
• Hipotermia

Exame objetivo no idoso

Limitar o exame objetivo ao aparelho ou sistema que origina o sintoma mais incómodo para o doente,
esquecendo o exame geral “de todo o doente” é correr o risco de ter uma visão incompleta do problema.

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Erros grosseiros da prática clínica em relação ao idoso

1) As alterações normais do envelhecimento podem ser erradamente consideradas doença e originarem atitudes
terapêuticas desnecessárias e eventualmente prejudiciais ao idoso;
2) Verdadeiros estados de doença podem ser interpretados como manifestações normais do envelhecimento e
não serem objecto da terapêutica correcta aconselhada.

Informação Laboratorial

1) A velocidade de sedimentação sobe com a idade, mas valores superiores a 22mm sugerem doença e não
envelhecimento e podem obrigar a investigação.
2) Importa sublinhar que no idoso, as doenças que cursam nos mais jovens com velocidade de sedimentação
elevada, como doenças auto-imunes, doenças neoplásicas ou doenças infecciosas, podem no idoso decorrer
com valores normais. A velocidade de sedimentação só terá significado se for elevada. Valores normais não
excluem doença.
3) Existe redução da albumina sérica. A glicémia é mais elevada no idoso, particularmente a pós-prandial, por
aumento de intolerância à glicose. A ureia e a creatinina poderão não traduzir o verdadeiro compromisso da
função renal.
4) A fosfatase alcalina sobe com a idade. Poderá este aumento traduzir doença de Paget incipiente, osteomalacia,
artrite reumatoide. Quando é a fração hepática da fosfatase alcalina que está elevada, então a causa mais
frequente é a calculose vesicular.

Diferença da resposta à infeção do idoso em relação ao jovem

• Menor resposta (ou ausente) leucocitária.


• Menor ou ausente elevação da velocidade de sedimentação.
• Menor ou ausente síndrome febril.
• Menor síndrome doloroso.

As decisões das grandes opções diagnósticas e terapêuticas serão menos influenciadas pela idade e mais pelo
estado emocional e cognitivo do doente, ou seja, teremos de definir quando vamos intervir ou não com base não
na idade do doente, mas sim no estado cognitivo.

A terapêutica medicamentosa no idoso

No envelhecimento existem alterações da absorção, distribuição, metabolização e excreção. Relativamente à


metabolização e excreção, pode dizer-se que a abordagem terapêutica do doente idoso é a abordagem de um
doente com diminuição da função renal e da função hepática, sem que haja evidência clínica de patologia renal ou
de patologia hepática. Porque a função renal e a função hepática constituem as principais vias de eliminação dos
fármacos, esperar-se-á observar no idoso uma diminuição constante de eliminação e aumento da semi-vida
plasmática para a grande maioria dos fármacos.

O conhecimento das alterações do perfil farmacocinético dos medicamentos no doente idoso permite
minimizar os riscos da terapêutica.

Princípios Gerais:

• Usar, em geral, doses menores do que as habituais;


• Rever mais frequentemente a terapêutica ajustando a dose de acordo com a resposta;
• Estar atento à possibilidade de ocorrência de efeitos adversos e interações;
• “Start low and go slow”.

Importa tomar medidas para a redução da polimedicação e também para aumentar a segurança da terapêutica
no idoso, através da otimização da prescrição e evitando a medicação inapropriada.

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Num estudo sobre a medicação potencialmente inapropriada na admissão hospitalar, a idade média dos
doentes foi 81,8 anos (65-102), sendo a maioria mulheres (65%), de acordo com os critérios de Beers, 58% dos
doentes tomava medicamentos potencialmente inapropriados, pelos critérios STOPP, 74% dos doentes tomava
medicamentos potencialmente inapropriados e pelos critérios START, 29% dos doentes não tomava medicamentos
recomendados.

É importante também fornecer guias terapêuticos de fácil leitura para orientar a toma dos medicamentos pelo
doente.

Há também acrónimos para otimizar a prescrição de fármacos em geriatria como o MEDICARE:

• M – Medicação. Conhecer todos os medicamentos que o doente idoso está a tomar sem esquecer os
medicamentos naturais;
• E – Excesso. Verificar se a terapia medicamentosa é adequada às comorbidades existentes e se não é excessiva;
• D – Duplicação. Prestar atenção à possibilidade de o doente estar a tomar medicamentos idênticos, com a
mesma composição, mas com nomes de marcas diferentes;
• I – Interações. Investigar a possibilidade de a terapia ser responsável pelas interações medicamentosas;
• C – Contraindicações. Verificar se algum ou alguns medicamentos são inapropriados;
• A – Ações auxiliares. Identificar possíveis ações auxiliares decorrentes de vários medicamentos;
• Re – Reações. Procurar sinais de sintomas de reações adversas.

Quando o estado de um doente idoso se agrava subitamente, temos de nos perguntar se esta reação pode ser
um efeito adverso de algum fármaco que foi recentemente prescrito. O principal objetivo da geriatria não é
aumentar o tempo de vida, mas minimizar as incapacidades e a menor valia da velhice.

A atitude do idoso perante a doença. Como procede o idoso quanto se sente doente?

Nos idosos inquiridos, 90% tinham tido sintomas de doença no mês que precedeu o inquérito, mas menos 1/3
informaram o médico desse facto ou o consultaram com esse objetivo. Nesse mesmo estudo mais de 4/5 dos
doentes ao perguntar-se-lhes quem consultariam se adoecessem subitamente responderam que procurariam o
apoio de um familiar, menos de 10% declararam que consultariam o médico.

Noção subjetiva de saúde do idoso

A afirmação de que ninguém gosta de estar ou ser doente é particularmente importante no idoso. A sociedade
tem reforçado a ideia de que envelhecer acarreta incapacidades múltiplas e declínio funcional generalizado. A
afirmação é verdadeira, mas contém o risco de o próprio médico, para além do doente, subestimarem o verdadeiro
grau de saúde do idoso.

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Normas gerais da terapêutica farmacológica no idoso:

1) Colher uma história farmacológica o mais detalhada possível;


2) Conhecer bem os fármacos prescritos assim como os efeitos do envelhecimento na sua acção farmacológica;
3) Não medicar antes de ter o diagnóstico evitando a terapêutica sintomática;
4) Atender às prioridades de acordo com a situação clínica lembrando que nem todas as doenças necessitam de
terapêutica farmacológica;
5) Iniciar o tratamento de doses baixas e ajustá-las de acordo com a resposta do doente;
6) Rever regularmente os medicamentos prescritos tentando simplificar a terapêutica sempre que possível
nomeadamente com o recurso a fármacos de toma única diária;
7) Fornecer ao doente um plano escrito da terapêutica a efetuar, com referências ao horário e doses das tomas;
8) Evitar receitar mais de cinco fármacos diferentes, para reduzir o risco de interações medicamentosas e
aumentar a aderência à terapêutica;
9) Estar alerta para o aparecimento de possíveis ações e fármacos;
10) Estar atento à resposta clínica que se pretende obter, equilibrando-a com os riscos conhecidos do “excesso
terapêutico”;
11) Lembrar que o ideal nem sempre é inócuo, e que uma das nossas principais preocupações deverá ser preservar
ou até mesmo melhorar a qualidade de vida do doente idoso.

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Aula 3 – Alterações Fisiológicas do Envelhecimento
Sofia Duque – 30/09/2019

Nas imagens acima conseguimos identificar algumas alterações próprias do envelhecimento:

• Desregulação geral da melanina, no entanto há alguns “pontos” mais escuros – Pode gerar preocupações
estéticas e de saúde;
• Rugas – Pode gerar preocupações estéticas;
• Ptose palpebral – Não tem grande significado clínico;
• Descoloração do cabelo;
• Orelhas descaídas e maiores devido ao desenvolvimento da cartilagem;

Estas alterações têm essencialmente carácter estético, mas podem haver problemas importantes ao nível da
saúde do indivíduo idoso.

O que é um idoso?

Um idoso corresponde a um indivíduo com idade superior a 65 anos. Este é um critério burocrático e muito
subjetivo visto que a idade cronológica não é o principal determinante na idade do idoso mas sim a idade funcional.

Se tivermos uma assistência geriátrica limitada, recursos limitados e por isso, tivermos de limitar a nossa
intervenção, vão haver 3 faixas de idades onde podemos intervir:

• Entre os 65 e os 75 anos;
• Entre os 75 e os 85 anos;
• Superior a 85 anos.

Quem vai beneficiar mais são os


indivíduos de entre os 75 e os 85 anos, e
é nas faixas etárias mais velhas que se
encontram as típicas características de
um idoso. A idade cronológica não é por
si factor preditor de dependência,
morbilidade e mortalidade. Assim, dois
indivíduos com 85 anos, um senhor
saudável a jogar golf e uma senhora
institucionalizada e de cadeira de rodas,
não têm os mesmos riscos, níveis de
autonomia e qualidade de vida, sendo
que o senhor deve ter menos riscos e mais autonomia e qualidade de vida comparativamente à senhora.

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O envelhecimento é a perda progressiva de funções biológicas e dos mecanismos de reserva fisiológica do
organismo, ou seja, perde-se a capacidade de manter a homeostasia e a capacidade de voltar ao estado basal
diminui. Um exemplo que demonstra esta perda da reserva fisiológica do organismo é o exemplo do elástico:
quando compramos um elástico, este estica muito, ou seja, tem muita reserva, mas à medida que o tempo passa,
a sua elasticidade diminui. É este aumento da vulnerabilidade a eventos adversos pela capacidade de homeostasia
limitada que gera fragilidade, o principal sintoma da unidade de geriatria.

Há várias teorias que explicam o envelhecimento, sendo que as várias teorias se complementam umas às
outras. As causas do envelhecimento podem ser primárias (fatores intrínsecos) dependendo da nossa genética e
correspondem a causas que em princípio não as podemos mudar, é algo inevitável e de natureza humana. Há ainda
as causas secundárias (fatores extrínsecos ou fatores ambientais), como a alimentação, os estilos de vida, o
ambiente propriamente dito, as agressões (tóxicas ou traumáticas), as infeções, as doenças, as cirurgias, o stress e
fatores psicológicos e sociais, que são passíveis de prevenção, ou seja, se tivermos de focar a nossa atenção médica,
focamo-nos mais nos fatores preveníveis. Estes fatores extrínsecos ou ambientais podem ainda afetar a maneira
como os fatores intrínsecos se expressam, ou seja, por exemplo, o ambiente à nossa volta consegue alterar a
expressão génica podendo assim alterar os fatores intrínsecos.

Na literatura está descrito que 25% do nosso envelhecimento depende dos genes e 75% depende do ambiente.
O envelhecimento causado pelos genes (envelhecimento primário) é universal, progressivo, intrínseco e deletério,
tendo consequências negativas que culminam em incapacidade e mesmo na morte.

Teorias do envelhecimento

• Teorias estocásticas – Defendem que o envelhecimento é causado por forças externas que têm ação nas células
do corpo, havendo assim maneiras de atrasar este processo. Exemplos destas teorias correspondem à teoria
dos radicais livres em que as células são danificadas pelos radicais livres levando ao envelhecimento, à teoria
da mutação somática em que os cromossomas são danificados por exposição a toxinas ou radiações, e à teoria
do desgaste em que o dano proveniente do desgaste diário eventualmente excede a capacidade do corpo se
regenerar e reparar.
• Teorias não estocásticas – Defendem que o envelhecimento é regulado internamente por um relógio biológico
e nada o pode mudar. Exemplos destas teorias são a teoria do envelhecimento programado em que o tal
relógio biológico controla o comportamento celular e a sua duração de vida, a teoria do pacemaker em que os
cromossomas no cérebro (neurocromossomas) regulam o desenvolvimento e o envelhecimento durante a
nossa vida e a teoria imunológica em que alterações no sistema imunitário são responsáveis pelos efeitos do
envelhecimento.
• Teorias psicológicas – São tentativas de explicar o comportamento, papéis e relações no processo de
envelhecimento. Exemplos destas teorias são a teoria do desengajamento em que os idosos e a sociedade se
afastam mutuamente, sendo que o idoso se torna mais introspetivo e centrado em si mesmo, a teoria da
atividade em que se tem de continuar as atividades sociais da meia-idade ou estas atividades devem ser
substituídas por outras para haver um envelhecimento bem-sucedido, e a teoria da continuidade em que a
personalidade e o comportamento que se desenvolvem ao longo da vida são um fator crucial para a forma de
como uma pessoa se ajusta ao envelhecimento.

Como já foi dito, estas teorias complementam-se umas às outras e nenhuma teoria isolada é universalmente
aceite como “a teoria do envelhecimento”.

Ao longo do envelhecimento, temos alterações morfológicas, mas também bioquímicas que têm repercussões
funcionais. As rugas podem perturbar muito determinadas pessoas, mas o que tem impacto são as alterações que
têm repercussões na função. Às vezes é difícil estabelecer o limite onde uma alteração é fisiológica ou patológica.
As alterações fisiológicas aumentam o risco de surgirem alterações patológicas e isto tem uma implicação clínica.

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Há assim vários conceitos são importantes:

• Envelhecimento – Condição humana de envelhecer;


• Incapacidade – Este termo não é muito usado em geriatria, mas, na literatura em geral, este termo surge
muitas vezes. É explicado pela OMS que define a incapacidade por um conjunto de compromissos, limitações
nas atividades e restrições na participação social. Se pensarmos na pessoa idosa que cai e fratura o fémur, a
incapacidade é a fratura e as limitações correspondem à marcha. É assim a interação entre indivíduos com
uma condição de saúde e fatores pessoais e ambientais;
• Gerontologia – Estudo do processo do envelhecimento numa vertente mais social;
• Geriatria – Disciplina que lida com aspectos médicos, mentais, funcionais e sociais do idoso;
• Esperança de vida saudável – Número de anos de vida sem incapacidade. Em Portugal, o panorama neste
aspeto é muito mau, pois em comparação com outros países na Europa, a nossa esperança de vida é
semelhante, mas a esperança de vida saudável é muito inferior, ou seja, vivemos mais tempo, mas sem
qualidade de vida;
• Esperança de vida – Tempo médio que é expectável um organismo viver;
• Duração máxima dentro de uma espécie – A duração máxima de vida de uma espécie, nos humanos estima-se
que sejam 120 anos;
• Longevidade – Duração da vida individual de um indivíduo;
• Multimorbilidade – Acumulação de várias doenças crónicas. Corresponde à coexistência de duas ou mais
doenças crónicas (não totalmente curáveis) ou de longa duração (pelo menos 6 meses) diagnosticadas
clinicamente (somáticas ou psiquiátricas), das quais pelo menos uma é de natureza principalmente somática;
• Senescência – Processo endógeno de alterações acumulativas com a passagem do tempo, resultando em
deterioração funcional. O termo senescência senil não é correto pois com o passar do tempo há senescência a
qualquer nível.

Na literatura mais moderna vamos encontrar o termo “older person” que tem uma conotação menos negativa
que “elderly”.

O processo do envelhecimento é natural, inevitável e irreversível. Sendo o envelhecimento natural e não


correspondendo a uma doença, o termo anti-envelhecimento não é possível e cria falsas expectativas aos doentes.
O envelhecimento corresponde a uma degradação lenta, progressiva e diferenciada, uma vez que os órgãos se
deterioram a tempos diferentes, havendo um compromisso da homeostasia. Por exemplo, um indivíduo com
doença de Alzheimer pode não ter mais nenhum problema físico, tendo uma integridade de por exemplo todo o
tubo gastrointestinal, mas apenas uma deterioração cerebral. Acontece a nível celular, mas também a nível
extracelular nos tecidos conjuntivos e abrange todos os órgãos. Finalmente, tal como já foi dito, o envelhecimento
depende de fatores intrínsecos e de extrínsecos.

Composição Corporal

Relativamente à composição corporal geral, o que


acontece é que com o envelhecimento há o aumento da
massa gorda e diminuição de massa magra (água, músculo,
ossos e vísceras). Isto vai ter repercussões funcionais sendo
que a perda de água aumenta o risco de desidratação, a perda
de músculo provoca a diminuição da força muscular,
mobilidade e autonomia, a perda de tecido ósseo aumenta o
risco de fratura e a perda de tecido parenquimatoso e de
volume dos órgãos leva à diminuição da reserva funcional
(capacidade do organismo de voltar ao seu estado basal).

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Relativamente ao aumento da massa gorda, esta habitualmente distribui-se predominantemente no abdómen
e aumenta o risco de doença cardiovascular, diabetes e neoplasias do cólon e mama. Exerce uma maior pressão
nas articulações, originando o seu desgaste e levando à doença osteoarticular degenerativa que pode por sua vez
levar a um declínio funcional. São poucos os idosos a quem devemos recomendar perda ponderal de peso.

Antropometria

Em termos de antropometria (medidas do corpo), são poucos os órgãos que


aumentam no envelhecimento. A altura reduz 1cm por década a partir dos 40 anos
devido a um achatamento das vértebras por osteoporose, à redução dos discos
intervertebrais que desidratam, à cifose dorsal, ao arqueamento dos membros
inferiores com flexão das suas articulações (joelhos e ancas) e ao achatamento do
arco plantar. O peso tende a diminuir a partir dos 65 anos à custa da massa magra,
particularmente do osso e do músculo, o que contraria o aumento do peso ao
longo da vida, havendo ainda um planalto aos 60-65 anos de idade. Assim é preciso
haver ajustes do IMC no idoso pois estes não têm a mesma composição corporal
de um adulto.

Há uma diminuição das pregas cutâneas dos membros, um aumento do nariz e pavilhões auriculares, aumento
da circunferência do crânio, aumento do distância ântero-posterior e diminuição da distância transversa do tórax,
e ainda um aumento da distância ântero-posterior e bi-ilíaco do abdómen.

Pele e Anexos

A nível da pele há palidez cutânea, devido à diminuição dos melanócitos, com manchas hiperpigmentadas,
particularmente nas mãos devido a uma produção anormal de melanócitos nesta zona. Há ainda uma maior
probabilidade de equimoses por trauma minor devido à atrofia da pele e à fragilidade capilar. A pele das pessoas
idosas é naturalmente seca estando associada xerose, prurido e ainda a uma maior suscetibilidade a infeções pois
esta barreira protetora está comprometida devido à diminuição das excreções sebáceas e sudoríparas. Há ainda
edema da pálpebra inferior por retenção de água e gordura e também rugas que correspondem à degenerescência
do tecido de suporte e fibras de colagénio.

Há um tempo surgiu o conceito de dermatoporose (doença), que corresponde a um envelhecimento acelerado


da pele com fissuras. Como resultado da intervenção terapêutica desta doença, há um aumento das camadas da
pele. Ocorre ainda a despigmentação do cabelo e dos pêlos, o cabelo fica mais enfraquecido e cai havendo assim
uma diminuição da pilosidade, mas pode haver um aumento destes pêlos noutros sítios nomeadamente no nariz e
nas orelhas nos homens e no lábio superior e no mento nas mulheres. As unhas no idoso ficam ainda enfraquecidas
e menos brilhantes.

Sistema Nervoso Central

No SNC, no global, as alterações levam a uma lentificação das funções cerebrais e a uma deterioração cognitiva.
Há sempre alterações, podem é ser fisiológicas ou patológicas. Há deterioração motora com diminuição da
coordenação motora, reflexos e equilíbrio. De facto, um dos parâmetros usados na avaliação da resistência física e
que tem um prognóstico em termos de mortalidade é a velocidade de marcha. Quem anda mais devagar tem um
pior prognóstico. Em termos de funções cognitivas, que não são sinónimo de demência, temos o funcionamento
intelectual, a atenção, as funções executivas, a memória, a linguagem, a capacidade visuoespacial e funções
psicomotoras. Relativamente a estas funções cognitivas, vamos ter funções que são preservadas com o
envelhecimento enquanto outras funções ficam comprometidas. Relativamente à atenção, a capacidade de
atenção é mantida se esta estiver focada num alvo, no entanto, se forem colocados elementos de distração, esta
já é comprometida, tendo também dificuldades em manter o alvo.

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Vão ocorrer alterações estruturais e funcionais. Ao
nível das alterações estruturais vai ocorrer atrofia do
córtex pré-frontal, do lobo temporal e do hipocampo, vai
haver uma diminuição de volume total da substância
branca e ainda a perda de neurónios subcorticais com
consequente dilatação dos ventrículos, havendo assim
atrofia cerebral com sulcos mais definidos e ventrículos
aumentados. Ao nível das alterações funcionais vai haver
uma diminuição dos neurotransmissores,
nomeadamente do sistema colinérgico, dopaminérgico,
noradrenérgico, serotoninérgico, aminérgico e GABA,
mas particularmente do sistema colinérgico.

Osteoarticular

Em termos osteoarticulares, há uma diminuição da massa óssea (osteopenia), que se for grave pode gerar
osteoporose, aumentando assim o risco de fraturas, nomeadamente fratura vertebral, do colo do fémur e do rádio.
Isto vai causar assim uma cifose dorsal que por sua vez causa uma alteração funcional afetando a estabilidade da
coluna. Há ainda uma diminuição da cartilagem articular, do líquido sinovial e uma diminuição da fibrose. Vai assim
haver redução da amplitude articular, deformação articular e rigidez articular, particularmente nas mãos, joelhos e
pés, sendo que tudo isto aumenta o risco de artrose.

Os fatores de risco para a osteoporose podem ser não


modificáveis (idade, sexo feminino, raça caucasiana e asiática,
hereditariedade familiar e peso baixo) ou modificáveis (consumo
deficiente de cálcio e vitamina D, exposição solar reduzida,
sedentarismo, imobilidade, tabagismo, cafeína, bebidas
gaseificadas, corticoesteróides, anticonvulsionantes e hormonas
tiroideias). Assim, a osteoporose e as artroses vão ter um
significado importante na qualidade de vida do idoso, gerando dor
crónica, compromisso da marcha, declínio funcional, dependência
e problemas de mobilidade.

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Sistema Músculo-Esquelético

A nível do músculo, mais um tecido magro, há diminuição da massa muscular por diminuição do tamanho das
fibras musculares, do seu número e da força muscular. Há também uma conversão do músculo para tecido fibroso
e tecido adiposo a um ritmo de 1-2% por ano, aumentando assim a fibrose, o tecido adiposo e o risco de sarcopénia.
Isto leva a um declínio funcional com problemas da mobilidade e dependência.

A diminuição da força, as alterações da estática vertebral, as alterações osteoarticulares de grandes


articulações, as alterações dos reflexos e alterações do sistema nervoso periférico levam a alterações na marcha
com uma concomitante limitação de deambulação, aumentando o risco de quedas e fraturas. Pode haver também
atrofia do cerebelo, importante na manutenção do equilíbrio, e provavelmente um atraso do transporte nas fibras
nervosas.

Cardiovascular

A nível cardiovascular, o coração aumenta de tamanho e de peso, havendo hipertrofia ventricular esquerda
que aumenta 30% entre os 25 e os 80 anos e é acentuada pela hipertensão arterial. Há uma diminuição do número
de miócitos da contratilidade cardíaca e o aumento do tecido fibroso, assim como dilatação da aurícula esquerda.
Isto significa que há uma diminuição do índice cardíaco assim como da reserva cardíaca, razão pela qual a
insuficiência cardíaca é tão frequente no idoso.

A nível das válvulas mitral e aórtica é comum haver fibrose, estenose e insuficiência das válvulas, aumentando
o risco de endocardite. Assim, é possível ouvir-se sopros cardíacos num idoso, o que pode ser fisiológico devido à
calcificação valvular, não significando necessariamente doença. É então importante saber se há implicações
funcionais, procurando-as. Se a intensidade do sopro for fraca, pode não ser preocupante. Há também alterações
da condução elétrica podendo originar arritmias e fibrilhação auricular.

A nível dos vasos, a aterosclerose pode ser mais ou menos acelerada, mas mais tarde ou mais cedo vai haver
calcificação das artérias. A hipertensão arterial é principalmente sistólica pela diminuição da elasticidade das
artérias. Na hipotensão postural, se nos levantarmos muito rápido a tensão baixa e está presente em 30-35% dos
idosos com idades superiores a 75 anos. Um jovem tem reflexos rápidos (barorecetores) que a corrigem, mas os
idosos não têm estes mecanismos tão rápidos e se se levantarem e tentarem andar vão cair. Temos de ter atenção
a este fator no ato de medicar e também no ato de prevenção, sendo que devemos avisar os indivíduos idosos para
este aspeto.

Respiratório

A nível do sistema respiratório há um aumento da rigidez e uma diminuição da mobilidade da caixa torácica
pois diminui-se a quantidade de elastina, há alteração da conformação torácica com aumento do diâmetro ântero-
posterior e diminuição do diâmetro transverso e da altura e há calcificação das cartilagens condrocostais que leva
a uma diminuição da força dos músculos respiratórios e uma diminuição da mobilidade do diafragma. Há ainda uma
redução dos alvéolos e da superfície alveolar, e isto em conjunto com as outras alterações leva a uma menor função
respiratória.

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Por outro lado, para além das alterações anatómicas torácicas, há
um aumento das secreções brônquicas, mas diminuição da atividade
ciliar. O reflexo de tosse também está reduzido, razão pela qual os
idosos tossem mais e têm mais probabilidade de aspirar os alimentos.
Há ainda imunodeficiência e tudo isto leva ao aumento da probabilidade
de ocorrerem infeções nos idosos.

A nível dos parâmetros de espirometria há aumento do volume


residual e uma diminuição do volume expiratório forçado num segundo
(FEV1), do volume corrente (ou tidal), da capacidade vital, da capacidade
pulmonar, da compliance, da resposta à hipoxemia/hipercapnia e da
capacidade vital forçada.

Digestivo

No tubo digestivo, há anorexia fisiológica, uma alteração comum. A nível da boca há perda de dentes, não
havendo a possibilidade de comer o mesmo tipo de alimentos, havendo também uma diminuição a saliva, do
paladar e do olfato, por isso é que os idosos gostam de sabores muito doces e muito salgados. No esófago, há
alterações do músculo esquelético e liso, havendo descoordenação muscular que resulta em disfagia,
engasgamento, regurgitação e dor retrosternal. No estômago, há diminuição da produção de ácido clorídrico e
diminuição do fator intrínseco com diminuição de vitamina B12 podendo originar uma anemia. Há ainda um
esvaziamento gástrico diminuído, gerando a sensação de saciedade, sendo esta muito precoce. No intestino, há
diminuição do peristaltismo havendo obstipação que pode contribuir para o aparecimento de divertículos. No
fígado, há diminuição do parênquima hepático, do débito sanguíneo hepático, síntese de albumina e secreção biliar
e pancreática.

Renal

A nível renal há glomerulosclerose, sendo que o número e o tamanho dos glomérulos reduz, havendo uma
menor taxa de filtração glomerular e uma menor perfusão, o que leva a uma menor taxa de excreção de produtos
nitrogenados e a uma diminuição da excreção de fármacos havendo assim um maior risco de toxicidade, sendo
necessário ajustar-se a dose destes fármacos no idoso. Por outro lado, há alterações na vasculatura, e o rim tendo
muita vasculatura, isto vai levar a uma diminuição da perfusão renal, não contribuindo positivamente para a função
excretora do rim. Há assim disfunção tubular com uma menor capacidade de concentrar ou diluir a urina, com uma
menor capacidade de excretar potássio e ainda uma diminuição da excreção de valências ácidas, originando
desidratação, sobrecarga hídrica, hipercaliemia e hiponatremia.

Se um adulto beber 2 garrafões de 5L de água, vai a correr direitinho para a casa de banho e resolve-se
facilmente o problema porque o rim tem uma grande capacidade de diluir urina. No entanto, no idoso, este não vai
conseguir excretar a água, provocando edemas e provavelmente insuficiência cardíaca por aumento da volémia.

Sistema Urinário

Na bexiga vamos ter uma degeneração muscular e neuronal, havendo uma menor compliance, uma maior
hiperatividade do músculo detrusor, mas ao mesmo tempo uma menor contratilidade deste músculo, um maior
volume residual pós-miccional e ainda uma maior fraqueza do colo vesical. Na uretra vamos observar uma maior
fraqueza dos esfíncteres uretrais, havendo uma menor pressão de encerramento na mulher. Há ainda uma menor
concentração de estrogénios, de uretrite atrófica e de vaginite, uma maior produção noturna de urina devido à
diminuição da produção de ADH à noite nos idosos o que impede a reabsorção de água durante a noite, um
aumento da fraqueza dos músculos do pavimento pélvico e ainda alterações neurológicas e imunitárias
relacionadas com o envelhecimento.

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5 Sentidos

A audição no idoso é o sentido mais afetado, podendo haver acufenos (zumbidos) uni ou bilateralmente. Os
idosos vão também ter mais dificuldade a perceberem sons agudos e uma alteração na audição pode levar a
alterações no equilíbrio. A nível da visão pode haver presbiopia que corresponde à condição ocular associada ao
envelhecimento do olho humano e é caracterizada por diminuição progressiva da capacidade de focar nitidamente
objetos a curta distância, pode haver uma secura do globo ocular, degenerescência macular relacionada com a
idade e enoftalmia que corresponde ao afundamento do globo ocular dentro da órbita. A nível do tato vai haver
uma menor sensibilidade térmico-álgica. A nível do paladar vai haver um aumento do limiar dos sabores,
nomeadamente o doce e o salgado, o que vai gerar um impacto na alimentação do idoso. A nível do olfato, as
alterações deste sentido podem ser marcadores de doenças neurodegenerativas nomeadamente Alzheimer e
Parkinson. Vai assim haver uma perda de olfato originando um maior risco de intoxicação alimentar,
nomeadamente por ingestão de comida estragada.

Hematológico

A medula vai ter uma menor capacidade de regeneração, podendo originar anemias em situação aguda.

Endocrinológico

Vamos ter uma maior concentração de ACTH, mas uma menor secreção de ACTH em situações de stress. Ao
nível da hipófise vamos ter uma menor concentração de hormona do crescimento que vai diminuir a síntese
proteica e a lipólise, vai haver um aumento da ADH, exceto à noite, o que provoca diurese noturna e altera o ritmo
circadiano. Ao nível da tiróide vamos ter um menor tamanho desta glândula devido a fibrose e nódulos o que leva
a hipotiroidismo. Ao nível do pâncreas vamos ter uma menor secreção exócrina correspondendo às enzimas
digestivas e uma menor secreção endócrina, nomeadamente uma diminuição de insulina que leva a
insulinorresistência e consequentemente diabetes. Ao nível das glândulas suprarrenais vai haver uma maior
concentração de cortisol, mas uma menor secreção de cortisol em situações de stress. Ao nível do rim, vamos ter
uma diminuição do sistema renina-angiotensina-aldosterona, levando a uma menor concentração tanto de renina
como de aldosterona, logo, não vai haver uma reabsorção de sódio originando hiponatremia.

Sistema Reprodutor

No homem vai haver um aumento do volume dos testículos, mas uma diminuição da produção de hormonas
sexuais e de espermatozóides. Vai também haver um aumento do tamanho da próstata por aumento do tecido
fibroso, havendo diminuição do tecido prostático, e este aumento de tamanho vai levar a condições como retenção
urinária, disúria, infeção urinária, hidronefrose e insuficiência renal pós-renal.

Na mulher vai haver atrofia nos ovários assim como aparecimento de quistos nestes. Vai haver também uma
diminuição do tamanho do útero e da sua elasticidade podendo levar ao prolapso uterino por fraqueza ligamentar.
Vai haver também uma diminuição do tamanho da vagina e da sua elasticidade sendo que o seu epitélio vai estar
atrófico e seco, o que potencia infeções vaginais e dispareunia.

Imunológico

As doenças imunológicas são mais frequentes nos jovens, no entanto na idade idosa há um novo pico de
incidência destas doenças. No idoso vamos ter imunosenescência devido a uma diminuição da imunidade celular
(mediada por células T), da imunidade humoral (mediada por células B) com diminuição da produção de
imunoglobulinas, mas com aumento da produção de auto-anticorpos, uma menor produção de anticorpos em
resposta à estimulação antigénica e ainda um aumento das células natural killer. Vai haver ainda uma menor
resposta inflamatória, uma menor resposta ao stress e uma menor eficiência das barreiras físicas. Tudo isto
predispõe ao aparecimento de infeções, neoplasias e doenças auto-imunes, havendo também uma menor resposta
às vacinas.

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Causas de Instabilidade Postural

A estabilidade postural é mantida pela integração


dos estímulos somatosensoriais, visuais e vestibulares
que chegam ao sistema nervoso central fazendo com
que este envie estímulos ao sistema músculo-
esquelético. Com o avançar da idade, todos estes
componentes deterioram-se.

Implicações Farmacológicas

A diminuição do tamanho corporal, da água corporal e do volume plasmático vai levar a uma diminuição do
volume de distribuição de fármacos hidrossolúveis, mas, por outro lado, o aumento da massa gorda vai levar a um
aumento do volume de distribuição dos fármacos lipossolúveis. A diminuição da albumina plasmática vai aumentar
a fração livre de fármacos ácidos enquanto que o aumento das alfa globulinas plasmáticas vão diminuir a fração
livre de fármacos básicos. A diminuição das reações metabólicas leva a uma diminuição do metabolismo dos
fármacos e a menor perfusão hepática assim como a menor quantidade de massa hepática leva a uma menor
excreção hepática. Assim, temos de ter em conta todas estas alterações antes de prescrevermos um fármaco a um
indivíduo idoso.

Pontos-chave a reter:

• O envelhecimento determina alterações fisiológicas nos vários órgãos, com redução da capacidade funcional
e da reserva fisiológica;
• A distinção entre alterações fisiológicas e patológicas nem sempre é clara;
• As alterações fisiológicas do envelhecimento têm várias implicações clínicas.

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Aula 4 – Síndromes Geriátricas
Sofia Duque – 30/09/2019

As alterações fisiológicas do envelhecimento aumentam o risco doenças crónicas como diabetes, DPOC, AVC,
doenças oncológicas, insuficiência cardíaca e insuficiência renal que envolvem vários sistemas de órgão, mas depois
surgem condições como a imobilidade, instabilidade, obstipação, quedas, alterações comportamentais e cognitivas,
que não correspondem a doenças, mas sim síndromes geriátricas. Outros exemplos de síndromes geriátricas são a
incontinência fecal e urinária, défices sensoriais (visuais e auditivos), precariedade económica, isolamento social,
delírio, dor, insónias, desnutrição e perda ponderal, anorexia, depressão, disfunção sexual, fadiga, fragilidade,
problemas dentários, retenção urinária, sarcopénia e úlceras de pressão.

Muitas vezes sentimo-nos constrangidos a perguntar se a pessoa tem incontinência urinária ou fecal, sendo
que por sua vez o doente pode sentir-se frágil, mas temos de o perguntar porque isto tem um grande impacto na
qualidade de vida e no bem estar das pessoas, podendo afetar a sua autonomia nas atividades de vida diária, a sua
capacidade física, a sua vida social e ainda o seu humor. Há pessoas que têm incontinência fecal e, devido a esta
condição, para além de terem disfunções na absorção de nutrientes, esta condição tem um peso social muito
importante. Mesmo que usem um dispositivo absorvente, nomeadamente uma fralda, esta pode desenvolver um
odor que não é confortável.

O que são síndromes geriátricas?

São condições de saúde frequentes nos idosos que resultam do efeito acumulado de múltiplos fatores
predisponentes (multifatoriais) podendo ser precipitadas por um evento agudo. A incontinência urinária, por
exemplo, tem 5 causas (várias naturezas multifactoriais) e precisamos de tratar o que for preciso, necessitando os
idosos de uma avaliação global.

Os 5 gigantes da geriatria são os 5 “I”s, que foram transmitidos por Isaac Bernard – a instabilidade, a
imobilidade, a incontinência (fecal e urinária), a iatrogenia (por medicamentos e intervenções, nomeadamente um
aconselhamento errado acerca de determinados alimentos e exercícios) e alterações cognitivas. Apesar de se dizer
que há 5 “I”s, a geriatria tem vindo a desenvolver-se e ao longo do tempo, sendo que esta lista tem crescido
progressivamente.

Epidemiologia

Em termos epidemiológicos, as síndromes geriátricas são frequentes em idosos em todos os níveis


assistenciais: na comunidade, numa instituição e em ambiente hospitalar. Na comunidade, em 62 829 indivíduos
entre os 65 e os 81 anos, 34,4% possuíam uma síndrome geriátrica e 8,2% possuíam duas ou mais síndromes
geriátricas.

No internamento há um aumento da frequência das síndromes geriátricas, quer estas já estejam presentes no
internamento quer por aquisição destas síndromes. As mais frequentes são as úlceras de pressão, a incontinência,
a imobilidade/instabilidade e as quedas. Isto vai comprometer a qualidade de vida do doente aumentando o risco
de incapacidade, o risco de institucionalização e o risco de deterioração da qualidade de vida.

As síndromes geriátricas são muito frequentes nas urgências, sendo que, relativamente ao motivo de vinda,
25% dos motivos são síndromes geriátricas. Com este internamento há uma maior permanência no serviço de
urgência, uma diminuição da probabilidade de alta para o domicílio, um maior risco de institucionalização, um
maior risco de incapacidade e um maior risco de deterioração da qualidade de vida. Síndromes geriátricas em
contextos de urgências são indicadores de um mau prognóstico.

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Etiologia e Fisiopatologia

Relativamente à etiologia e fisiopatologia, estas síndromes não são doenças bem estabelecidas, apresentam
manifestações de diferentes doenças e a apresentação clínica de uma doença aguda ou crónica/crónica agudizada
é geralmente atípica.

Quando falamos de síndromes geriátricas estamos a falar de uma condição com vários fatores causais, várias
vias patogénicas e estas várias vias estão todas em interação. Por exemplo, relativamente à anemia falciforme, esta
tem uma etiologia e patogénese muito bem conhecida, assim como a sua apresentação clínica. Isto é uma doença
tradicional e clássica, mas nas síndromes geriátricas as coisas são diferentes. Numa incontinência urinária, esta
pode ser causada por cistite, obstipação, cistocelo, mobilidade limitada, o uso de fralda, a insuficiência do esfíncter
uretral (alteração fisiológica), ingestão de diuréticos e má acessibilidade ao WC. Assim, numa síndrome geriátrica,
temos de ter em conta os fatores de risco, as doenças agudas e crónicas, outras síndromes geriátricas, insuficiência
de um ou mais órgãos (quer esta insuficiência seja fisiológica ou patológica), fármacos e ainda fatores ambientais.
Há depois interações, nomeadamente o uso de fralda que, apesar de necessário, ajuda a diminuir a mobilidade e
aumenta o risco de cistites.

Assim, as síndromes geriátricas não são explicadas por um modelo linear, mas sim por um modelo interativo.
Alguns fatores de risco, nomeadamente idade avançada, declínio cognitivo e funcional, compromisso da
mobilidade, desnutrição, sexo feminino e depressão, estão por trás de várias síndromes geriátricas nomeadamente
incontinência, quedas, úlceras de pressão, delirium e declínio cognitivo que por sua vez conduzem ao síndrome
geriátrico major que corresponde à fragilidade.

Síndromes Geriátricas Consequências negativas

Fatores de • Incontinência • Incapacidade


risco • Quedas Fragilidade • Dependência
partilhados • Úlcera de pressão • Institucionalização
• Delirium • Morte
• Declínio funcional

Há ainda associação de doenças crónicas a síndromes geriátricas, nomeadamente a diabetes com demência
(doença aterosclerótica, doença vascular cerebral, demência), compromisso da mobilidade, incapacidade, quedas,
incontinência urinária. Se não compreendemos estes esquemas complexos, não conseguimos fornecer uma solução
eficaz. Para além da associação de doenças crónicas a síndromes geriátricas há ainda a associação entre várias
síndromes geriátricas, por exemplo a malnutrição com demência (malnutrição, má absorção, diminuição de
vitamina B12, anemia, demência), depressão e dependência funcional.

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Como diagnosticamos síndromes geriátricas?

Diagnosticamos ao fazermos a história clínica e o exame físico. É ainda importante ter em mente que a pessoa
pode ter estas síndromes e que estas podem estar relacionadas a outras síndromes geriátricas ou ainda a outras
doenças crónicas. É importante também recolher a história colateral a partir de familiares e cuidadores e ainda
fazer uma pesquisa sistemática de síndromes geriátricas na revisão de órgãos e sistemas.

Há escalas que podem ser úteis no rastreio, avaliação e orientação das terapêuticas validadas. A forma como
escolhemos as escalas depende da experiência institucional e da experiência do profissional, do nível assistencial
onde o idoso se encontra e também temos de ter em consideração o tipo de doente.

É importante reconhecer que as síndromes geriátricas existem e que são importantes, logo, devemos realizar
uma avaliação geriátrica global incluindo as síndromes geriátricas na lista de problemas, nas notas de alta e nos
relatórios médicos, sendo que o diagnóstico destas síndromes não é o fim, mas sim o início da prática médica.

Dando um exemplo prático: Um homem de 85 anos, autónomo e que reside sozinho chega ao serviço de
urgência por traumatismo craniano com ferida do couro cabeludo. Realizou-se a sutura da ferida e deu-se alta ao
indivíduo. Semanas mais tarde este mesmo homem chega de novo ao serviço de urgência por fratura do colo do
fémur. Se se tivesse feito uma avaliação mais precisa e preocupada, saberíamos que as quedas são síndromes
geriátricas e que podem ter várias causas. Se tivéssemos colhido uma boa história clínica saberíamos que o senhor
andava com insónias devido ao falecimento recentemente um amigo, o que o levou a tomar sedativos que por sua
vez geraram instabilidade e desequilíbrio da marcha, o que estava a originar as quedas. Assim, podia-se ter
prevenido a segunda queda que trouxe o senhor ao serviço de urgência, prevenindo a fratura do colo do fémur.

Isto serve para dizer que é preciso prevenir e tratar as síndromes geriátricas, tratando os problemas
subjacentes quando possível, compensando os défices, quer sejam motores, funcionais, sociais, cognitivos, entre
outros, e é também importante minimizar a iatrogenia medicamentosa. Temos ainda de reconhecer situações de
risco para desenvolver síndromes geriátricas e individualizar estratégias de intervenção preventivas ou terapêuticas
baseadas no estado funcional e cognitivo prévio, no impacto na qualidade de vida, nas expectativas do indivíduo e
dos cuidadores, no benefício e nos riscos e ainda na comorbilidade.

Temos então de fazer uma avaliação geriátrica global das doenças crónicas e agudas, fatores de risco,
alterações fisiológicas, síndromes geriátricas e do contexto socioeconómico e a nossa intervenção deve ser global,
multifatorial, individualizada e integrada, não esquecendo a interação entre intervenções (sinergismo ou
antagonismo) e a potencial iatrogenia das mesmas (novos problemas ou agravamento dos existentes).

Em termos de prognóstico, estas síndromes aumentam a mortalidade e a morbilidade dos indivíduos tendo
um grande impacto na qualidade de vida, sendo que podem ser usados como indicadores de qualidade hospitalar
e das instituições. Pode ainda prever-se um declínio funcional e perda de autonomia, um prolongamento do
internamento, a institucionalização e aumento dos custos (recursos materiais e humanos). Para se diminuir as
complicações associadas às síndromes geriátricas é necessário o reconhecimento precoce e uma intervenção
preventiva e/ou terapêutica.

Pontos-chave a reter:

• As síndromes geriátricas, apesar de não serem doenças bem estabelecidas, são as condições que
potencialmente maior impacto têm na qualidade de vida e bem-estar dos idosos;
• Devem ser pesquisadas ativamente, sendo incluídas na lista de problemas e plano de intervenção;
• As síndromes geriátricas são condições multifactoriais exigindo um plano de intervenção também multifatorial,
individualizado e integrado.

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Aula 5 – Avaliação Geriátrica Global
Sofia Duque – 07/10/2019

Os idosos muitas vezes têm síndromes geriátricas que não são doenças mas que têm impacto na qualidade de
vida do indivíduo, sendo que estas condições não constam na abordagem médica tradicional.

Particularidades clínicas da pessoa idosa

Estas particularidades fazem com que seja necessária uma avaliação holística (global), daí surgir a avaliação
geriátrica global. Na população idosa há uma grande heterogeneidade clínica interindividual, não existindo um
idoso igual ao outro. Por exemplo, na pediatria existem curvas de percentil sendo possível definir padrões, mas isto
não é possível na geriatria pois cada idoso é um idoso diferente.

Outra particularidade da pessoa idosa é a variabilidade intraindividual, sendo que a pessoa envelhece, mas a
forma como os diferentes órgãos envelhecem não é igual. Uma pessoa com Alzheimer pode estar fisicamente bem,
enquanto que uma pessoa que tenha uma degeneração osteoarticular pode estar mentalmente bem, ou seja,
dentro do mesmo indivíduo há vários graus de envelhecimento de diferentes órgãos. Depois há ainda uma
apresentação atípica das doenças, sendo que estas não aparecem como são descritas nos livros, havendo uma
menor expressão semiológica, nomeadamente na pneumonia em que os sintomas são muito leves, a ausência de
sintomas habituais e a expressão de sintomas através de sintomas de outros órgãos. Por exemplo, uma pessoa com
uma doença que afete a cognição, se tiver uma infeção urinária, esta infeção pode agravar a cognição do indivíduo.

Há ainda a criação de ciclos viciosos, havendo a analogia com peças de dominós em que quando uma peça cai,
começam todas a cair sucessivamente, podendo haver várias cascatas (de doença, de prescrição e de iatrogenia).
A cascata de doença ocorre quando uma doença origina outra e assim sucessivamente, a cascata de prescrição
ocorre quando prescrevemos um medicamento para tratar um efeito secundário de outro medicamento e a cascata
de iatrogenia ocorre quando um erro clínico leva ao aparecimento de outros eventos.

Pode-se exemplificar estas cascatas através de um caso clínico: Um senhor com osteoartrite veio à consulta e
prescreveram-lhe AINEs. Por sua vez, estes medicamentos levaram a uma hemorragia digestiva que originou uma
insuficiência renal aguda e uma anemia. Estas condições levaram a que tivesse um enfarte agudo do miocárdio,
tendo sido hospitalizado, e devido ao facto de se encontrar imunodeprimido e em ambiente hospitalar, adquiriu
uma pneumonia nosocomial, morrendo desta condição.

A acrescentar à lista de particularidades do indivíduo idoso temos o grande risco de compromisso funcional
devido a problemas psicológicos, económicos e sociais, as alterações fisiológicas que decorrem do envelhecimento,
a menor reserva fisiológica, a menor capacidade de adaptação e a maior vulnerabilidade ao stress.

Devido a toda esta complexidade, precisamos de fazer uma avaliação geriátrica global, sendo esta global,
multidimensional (sendo que são necessários vários profissionais de diferentes áreas), centrada no doente,
interdisciplinar (não é um sinónimo de multidisciplinar, sendo que os vários profissionais comunicam entre si) e
com uma integração e continuação dos cuidados.

O que é a avaliação geriátrica global?

É uma avaliação global, multidimensional e interdisciplinar do indivíduo idoso, incluindo não só a avaliação das
patologias orgânicas, mas também as síndromes geriátricas dando ênfase à capacidade funcional e física, ao estado
cognitivo e afetivo, ao estado nutricional e à situação social identificando os problemas do idoso que comprometem
a sua qualidade de vida e bem-estar. Apesar de se chamar avaliação, esta serve para um fim que é estabelecer um
plano de cuidados que sejam coordenados e integrados. Não é só avaliar e fazer diagnósticos, é fazer diagnósticos
e estabelecer um plano de intervenção, sendo uma ferramenta que só termina quando é estabelecido um plano.

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Para que serve esta avaliação?

A avaliação geriátrica é o rastreio e a avaliação enquanto que a avaliação geriátrica global é quando já temos
uma avaliação e estabelece-se um plano. Esta avaliação serve para fazermos um diagnóstico preciso e completo
(sendo que avalia por exemplo a situação social), para diminuir o risco de iatrogenia, para obtermos um prognóstico
mais fiável, conseguindo escolher as intervenções mais fiáveis adequando e orientando as medidas assistenciais,
permite o planeamento de estratégias de compensação de défices, reabilitação e prevenção, tem como objetivo
atrasar o declínio funcional e a institucionalização, facilitar a prevenção e o acompanhamento e ainda melhorar a
qualidade de vida e a autonomia do indivíduo idoso.

A quem devemos aplicar esta avaliação?

Idealmente gostaríamos de aplicar a todos os idosos, mas há limite de recursos, tempo, e o inquérito biológico
do idoso não é igual ao cronológico, sendo que entre os 65 e os 75 anos de idade ainda há idosos muito autónomos,
por isso se tivermos de escolher uma opção, escolhemos idosos com idades superiores a 75 anos ou idosos com
idades superiores a 65 anos mas que estejam em situações de risco nomeadamente pluripatologia, polimedicação,
doença crónica, compromisso funcional, falta de apoio social e institucionalização. Há ainda autores que defendem
este tipo de avaliação também, por exemplo, para indivíduos com trissomia 21.

O grande alvo desta avaliação é o idoso frágil que já perdeu ou tem risco de perder a sua autonomia e
dependência, quer seja devido a compromisso funcional, cognitivo, psíquico, nutricional ou social. Podemos
encontrar idosos neste estado em todos os níveis assistenciais, quer estes estejam hospitalizados,
institucionalizados ou mesmo em ambulatório.

Quando é que fazemos esta avaliação?

Idealmente deveríamos fazer uma avaliação programada uma vez a partir dos 75 anos e repetir esta avaliação
periodicamente 1 a 2 vezes por ano, mas podemos antecipar se houver alguma interocorrência ou situações de
risco pelo caminho, nomeadamente perda de um familiar, alterações no modo de vida como por exemplo a
mudança de casa, pelo aparecimento de uma doença grave ou ainda quando é institucionalizado. Como já foi dito,
esta avaliação pode ser feita quer em ambiente hospitalar, seja nas enfermarias, consultas ou serviços de urgência,
num centro de saúde ou ainda no domicílio ou lar do indivíduo em questão.

Esta é uma avaliação global, sendo constituída por um exame que consiste na:

• Avaliação clínica - Incluindo a história clínica e os exames complementares de diagnóstico;


• Avaliação funcional - Avaliando atividades de vida diárias básicas (aquelas que são fundamentais para
sobrevivermos como vestir, comer, tratar da higiene) e das atividades de vida diárias instrumentais
(necessárias para sobrevivermos sozinhos na comunidade) permitindo avaliar a autonomia e a independência
do idoso. As atividades de vida instrumentais são atividades mais complexas requerendo capacidades
cognitivas mais complexas. Um indivíduo com doença de Alzheimer pode ser capaz de fazer as atividades de
vida diárias básicas e não as atividades de vida diárias instrumentais enquanto que um indivíduo com
osteoartrite consegue realizar as atividades de vida diárias instrumentais e não as atividades de vida diárias
básicas;
• Avaliação física - Avaliando a capacidade física, da marcha, do equilíbrio (também envolvido nas atividades de
vida diárias básicas) e da nutrição;
• Avaliação cognitiva - Avaliando a vertente cognitiva e afetiva;
• Avaliação social - Avaliando a relação coma família, os recursos económicos e a sua rede social.

Estas informações não são normalmente perguntadas numa história clínica normal, sendo que usamos escalas
simples, fiáveis, fáceis, pouco demoradas, aceites pelo idoso e reprodutíveis, ou seja, que dão o mesmo resultado
com diferentes observadores.

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A avaliação geriátrica global é realizada por quem?

Quem faz esta avaliação são os profissionais de saúde,


sendo que idealmente temos uma equipa multidisciplinar com
médicos, enfermeiros, psicológicos, nutricionistas,
fisioterapeutas e técnicos de serviço social/gerontólogo. No
entanto, o médico tem de ter capacidades de todos estes
profissionais mas tem também de saber quando necessita de
ativar outros profissionais, estando estes idealmente à
distância de um clique ou de uma chamada. Podemos ter
todos estes profissionais disponíveis, mas apenas se ativam os
profissionais à medida do necessário para se ter um plano de
cuidados direcionado para o doente. Assim, a constituição da
Equipa de Avaliação Geriátrica depende das possibilidades da
instituição.

Se um idoso com demência chegar ao serviço de urgência e não estiver acompanhado, vai-se ao processo
clínico a ver se encontramos alguma coisa sobre ele e tenta-se ligar à família ou a algum cuidador, mas temos de
fazer isto pró-ativamente. Quando o doente não conta nada, vamos à procura da história colateral, e temos de ter
em conta que, por exemplo, num indivíduo com doença de Alzheimer, o seu cuidador pode sentir-se cansado e ter
algum viés na forma de como nos transmite a informação, não necessariamente porque queira, mas porque pode
estar em burnout. O doente até nos pode fornecer muita informação, mas se tiver demência avançada pode não
transmitir a informação correta, tendo sempre de confirmar a história com a família. Pode ainda haver problemas
de comunicação por défices como audição e fala.

Internacionalmente tem havido muita discussão sobre se esta avaliação vale a pena ou não, tendo sido
publicada uma metanálise de 22 estudos com um total de 10 315 participantes que tinha como objetivo avaliar a
eficácia da avaliação geriátrica global no hospital para idosos admitidos com emergência. Os resultados desta
metanálise afastaram qualquer dúvida de que esta não vale a pena, mostrando que, comparativamente à
abordagem médica clássica, a avaliação global geriátrica leva a uma redução da institucionalização, a uma redução
da mortalidade, a uma redução do declínio funcional, a uma melhoria da função cognitiva e à redução de custos.

Porque é que avaliamos com escalas?

Há muitas vantagens de se usar escalas. Constituem uma avaliação objetiva e sistemática, têm uma linguagem
universal e institucional, são simples, fiáveis e económicas, aumentam a precisão do diagnóstico, fazem uma
comparação inter e intraindividual permitindo avaliar diferentes indivíduos e avaliar o próprio indivíduo ao longo
do tempo, proporciona-nos uma medição da evolução, servem para treinar competências e servem de auxiliar de
memória e de integração de mnemónicas. São vários aspectos que temos de avaliar e ou temos muito treino ou
pode falhar alguma coisa. Com a prática isto torna-se automático e não precisamos de ter a escala ao lado, mas
numa fase inicial é mais rápido se tivermos as escalas à mão.

Também há desvantagens, sendo que têm conteúdos rígidos, há perguntas limitadas para fazer, mas uma
pergunta puxa outra pergunta e assim conseguimos ter mais informação. As escalas podem servir apenas como
ponto de partida para obtermos mais informações. As escalas podem ser inapropriadas para alguns grupos
específicos de doentes, podem ser morosas se houver inexperiência na sua aplicação, há o risco de avaliação
errónea se a pessoa que a estiver a aplicar não tiver ideia da importância da escala não sendo esta vista como um
instrumento de avaliação e diagnóstico, e pode haver ainda o risco de despersonalização dos cuidados uma vez que
fazemos as mesmas perguntas sistematicamente.

Tudo isto é possível de fazer sem escalas. Existem vários instrumentos de avaliação, sendo difícil dizer que um
é melhor do que o outro, logo, temos de ver qual funciona melhor para nós e temos de ter em conta aquele que a
nossa instituição utiliza.

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Se os doentes são diferentes, temos de ter escalas diferentes que tenham em conta diferentes tipos de
doenças, precisando assim de uma avaliação geriátrica personalizada ou individualizada, havendo então escalas
específicas para doentes oncológicos, com défices de audição, etc. À partida a avaliação aplica-se a todos, mas
alguns parâmetros podem não ser bem assim.

Avaliação Clínica

Temos de fazer a avaliação num ambiente calmo, aquecido e bem iluminado, com o doente sentado ou
deitado, estando o médico ao nível do idoso para evitar posição de superioridade. Temos de fazer um interrogatório
claro, objetivo e aberto, havendo a possibilidade de o idoso demorar a perceber. Temos de dar primazia ao doente
e só depois aos seus familiares e cuidadores e temos de reformular questões com termos diferentes se o idoso não
compreender a pergunta à primeira tentativa. Uma coisa muito importante que temos de ter cuidado é o facto de
não gritar, pelo que o idoso sofre de presbiacusia e não ouve sons de alta frequência. Temos ainda de procurar
ativamente sintomas, doenças e síndromes geriátricas e valorizar o que mais incomoda o idoso, e não o médico,
sabendo quais são os objetivos e preferências daquele idoso em questão.

Para obtermos esta informação detalhada é necessário termos a história médica prévia, os cuidados de saúde
habituais como o estilo de vida, a dieta, os hábitos alcoólicos, tabágicos e toxifílicos e o PNV. Temos também de
avaliar a história farmacológica e a medicação habitual assim como a história profissional e social inquirindo sobre
a escolaridade e profissão, o agregado familiar, a habitação, os interesses e hobbies, a religião e o rendimento.

É necessário mais tempo e mais atenção , tendo em consideração que o idoso pode não se queixar por défices
sensoriais, cognitivos e funcionais que são muitas vezes confundidos com demência, por medo da hospitalização
ou da institucionalização, sendo isto muito comum, por preocupação com os custos que os cuidados vão acarretar,
por tendência a menosprezar sintomas que acha serem devidos ao envelhecimento normal (ageism/idadismo/
velhicismo) e ainda por vergonha e pudor ou negação da velhice.

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Estratégias para otimizar a comunicação

• Reduzir o barulho de fundo;


• Aproximação do doente e do “melhor ouvido”;
• Usar voz baixa;
• Usar frases e questões curtas e falar devagar;
• Articular bem as palavras;
• Começar a conversação com frivolidades;
• Captar a atenção do doente com temas interessantes;
• Evitar mudanças bruscas do conteúdo;
• Leitura labial, não tapando a boca;
• Falar de frente para o doente e usar gestos;
• Escutar e permitir tempo extra para o idoso responder;
• Se houver incapacidade para compreender a pergunta, repetir o conteúdo com uma nova frase.

Avaliação Funcional

Nesta avaliação temos de avaliar a autonomia


para realizar as atividades imprescindíveis à vida,
sendo que as atividades de vida diárias básicas são
avaliadas na sequência habitual de
deterioração/recuperação. Adquirimos esta
informação através da observação ou de um
questionário direto ao idoso, aos seus familiares ou
aos seus cuidadores. Nas atividades de vida diárias
básicas há várias escalas.

A escala de Katz permite avaliar a autonomia do


idoso para realizar as atividades básicas e
imprescindíveis à vida diária, designadas por
atividades básicas da vida diária (ABVD): banho,
vestir, utilização da sanita, transferência do
cadeirão/cadeira de rodas para a cama, controlo de
esfíncteres e alimentação. As ABVD são avaliadas na
sequência habitual de deterioração ou recuperação.
A informação pode ser obtida através da observação
direta do idoso e/ou do questionário direto ao idoso,
familiares ou cuidadores. Pode ser aplicado por
médicos, enfermeiros ou outros profissionais de
saúde. Para cada ABVD o idoso é classificado como
Dependente (0) ou Independente (1). Se o idoso
recusa ou não está habituado a fazer determinada
ABDV, classifica-se como Dependente nessa
atividade. A pontuação final resulta da soma da
pontuação das 6 ABDV e varia entre 0 (dependente)
a 6 pontos (independente), correspondendo a
pontuação ao número de ABDV em que o idoso é
dependente. Tem um tempo de aplicação de 5
minutos.

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A escala de Lawton & Brody permite avaliar
a autonomia do idoso para realizar as atividades
necessárias para viver de forma independente
na comunidade, designadas por atividades
instrumentais de vida diária (AIVD): utilização do
telefone, realização de compras, preparação das
refeições, tarefas domésticas, lavagem da roupa,
utilização de meios de transporte, manejo da
medicação e responsabilidade de assuntos
financeiros. A informação pode ser obtida
através da observação direta do idoso e/ou do
questionário direto ao idoso, familiares ou
cuidadores. Pode ser aplicado por médicos,
enfermeiros ou outros profissionais de saúde.
Cada AIVD tem vários níveis de dependência (3 a
5). Para casa AIVD o idoso é classificado como
Dependente (0 pontos) ou Independente (1
ponto). No caso dos homens não se contabilizam
a preparação das refeições, as tarefas
domésticas e a lavagem da roupa. A pontuação
final resulta da soma da pontuação das 8 AIVD e
varia entre 0 a 8 pontos (5 pontos no homem),
correspondendo ao número de AIVD em que o
idoso é dependente. Tem um tempo de
aplicação de 5 minutos.

Avaliação Física

Dentro da avaliação física avaliamos:

• A marcha;
• O estado nutricional (usando o mini-nutritional assessment);
• O estado cognitivo (mini-mental state examination – analisa vários domínios como a orientação, a retenção –
é uma ferramenta de rastreio, não faz diagnósticos);
• O estado afetivo (escala de depressão geriátrica de Yesavage – inclui perguntas muito diretas e íntimas que
podem ser constrangedora tanto para o médico como para o doente, sendo necessário preparar o doente para
a natureza das perguntas e tirar a família do consultório para tonar as respostas o mais verdadeiras e honestas
possíveis);
• A avaliação social vários aspetos têm de ser incluídos, temos de saber a rede social na qual o indivíduo está
incluído (perguntar sobre o suporte social, as condições habitacionais, a localização do domicílio e recursos
necessários como o supermercado, centro de saúde, etc.)

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Marcha

Relativamente à marcha temos a classificação funcional de Holden que avaliar a autonomia na marcha de
acordo com o tipo de ajuda física ou supervisão necessárias, em função do tipo de superfície (plana, inclinada,
escadas). A informação é obtida através da observação ou questionário direto ao idoso, aos seus familiares ou aos
seus cuidadores. São estabelecidas 6 categorias, tentando classificar o idoso na categoria que mais se aproxima da
sua capacidade para a marcha. O tempo de aplicação é de 3-5 minutos.

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Estado Nutricional

Para avaliarmos o estado nutricional usamos o mini-nutritional assessment. Esta escala permite detetar a
presença ou o risco de malnutrição sem recurso a parâmetros analíticos e a informação é obtida através do
questionário direto ao idoso ou a familiares e cuidadores (excluindo as questões sobre a auto perceção). Pode ser
aplicada por médicos, nutricionistas/dietistas, enfermeiros ou outros profissionais de saúde. A primeira parte
(Triagem ou Rastreio) é constituída por 6 questões. Caso não seja possível determinar o IMC (por exemplo em
doentes acamados) pode usar-se em alternativa o perímetro da perna: se o PP <31 cm corresponde a 0 pontos e
se PP ≥31 cm corresponde a 3 pontos. Caso a pontuação da triagem seja sugestiva da presença ou risco de
malnutrição é realizada a segunda parte do questionário. Na segunda parte (Avaliação Global) é aprofundada a
avaliação através de 12 questões. A cada questão é atribuída uma pontuação cuja soma permite identificar 3
categorias: estado nutricional normal, sob risco de malnutrição e malnutrição. O tempo de aplicação é de 5 minutos
para a triagem e de 10 minutos para a avaliação global.

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Avaliação Mental

Para fazermos a avaliação mental usamos o mini-mental state examination (MMSE) de Folstein. Permite fazer
uma avaliação sumária das funções cognitivas. É constituído por várias questões que avaliam a orientação, memória
imediata e a recente, a capacidade de atenção e cálculo, a linguagem e a capacidade construtiva. A informação é
obtida através de um questionário direto ao idoso que pode ser aplicado por médicos, psicólogos, enfermeiros ou
outros profissionais de saúde. É atribuído 1 ponto à resposta correta a cada questão, perfazendo a pontuação final
o máximo de 30 pontos. A interpretação da pontuação final depende do nível educacional do idoso. O tempo de
aplicação é de 5 a 10 minutos.

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Estado Afetivo

Avalia-se o estado afetivo através da escala de depressão geriátrica de Yesavage (forma curta). É uma escala
utilizada para o rastreio da depressão, avaliando os aspetos cognitivos e comportamentais tipicamente afetados na
depressão do idoso. A informação é obtida através de um questionário direto ao idoso e esta escala pode ser
aplicada por médicos, psicólogos, enfermeiros ou outros profissionais de saúde. A escala de Yesavage tem uma
versão completa, com 30 questões e uma versão curta com 15 questões. A versão curta está validada pelo autor e
os seus resultados são sobreponíveis aos da versão completa, pelo que é a mais utilizada. É constituída por 15
questões com resposta dicotómica (Sim ou Não). As respostas sugestivas de existência de depressão correspondem
a 1 ponto. A pontuação final resulta da soma da pontuação das 15 questões, correspondendo a uma de 3 categorias.
O tempo de aplicação é de 6 minutos.

Avaliação Social

Esta avaliação é uma avaliação complexa pela quantidade/diversidade


de fatores que envolve (idoso, família, comunidade, redes sociais) e permite
analisar o suporte social formal ou informal, as condições habitacionais
como a presença de escadas e o acesso ao wc, a localização do domicílio e
recursos necessários como o supermercado, centro de saúde/hospital e
centro de fisioterapia, a disponibilidade de serviços de apoio domiciliário e
de centros de dia, a disponibilidade de transportes e os recursos financeiros.

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Mitos da avaliação geriátrica

• A avaliação geriátrica é muito morosa por isso só pode ser feita na consulta ou no internamento – Esta pode
ser útil mesmo na urgência, precisamos de saber como o doente era fisicamente e cognitivamente assim como
outras informações. Não reanimamos alguém se esta pessoa não tiver condições de vida.
• A avaliação geriátrica pode ser feita exclusivamente pelos enfermeiros – Quando falamos com um doente,
estamos a ouvir informação e a retirar informações pensando num diagnóstico e num plano de tratamentos,
sendo necessário fazer estas escalas cara a cara com o doente.
• A avaliação geriátrica é apenas mais um grupo de escalas.

Pontos-chave a reter:

• A Avaliação Geriátrica é a metodologia fundamental para diagnosticar de forma precisa e completa todos os
problemas do idoso comorbilidade e síndromes geriátricos;
• A Avaliação Geriátrica foca se na capacidade funcional e física, estado cognitivo e afetivo, estado nutricional e
situação social do idoso;
• A Avaliação Geriátrica pode basear se na aplicação de escalas validadas dependendo das especificidades da
população avaliada;
• A Avaliação Geriátrica permite identificar os síndromes geriátricos para planear estratégias de compensação,
reabilitação e prevenção, visando a autonomia, a qualidade de vida e o bem-estar do idoso, atrasando o
declínio funcional e a institucionalização.

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Aula 6 – Fragilidade
Sofia Duque – 07/10/2019

A fragilidade é a principal síndrome geriátrica, sendo o principal enfoque da geriatria os idosos frágeis. No
entanto, podemos ter idosos frágeis e robustos. A fragilidade é um conceito relativamente intuitivo mas pode ser
subjetivo.

Podemos afirmar que os senhores robustos da


imagem a correr a maratona não são frágeis, mas
podemos estar apenas a avaliar a sua condição física. Se
por outro lado soubermos que o primeiro senhor tem 78
anos, demência de Alzheimer com défice cognitivo
moderado, reside sozinho no meio rural e numa casa
isolada e apenas tem uma reforma de 256€, este é
claramente frágil. O segundo senhor de 76 anos depois da
corrida teve uma queda de baixo impacto que resultou na
fratura do colo do fémur e num traumatismo craniano com
hemorragia cerebral, foi internado e teve complicações
devida a um tromboembolismo pulmonar e a delírio.

Isto para dizer que, quando pensamos em fragilidade, tendemos a pensar em algo muito físico relacionado
com os domínios da força, resistência, energia, mobilidade, doenças e estado nutricional, mas há outros aspetos
que condicionam muito a vulnerabilidade das pessoas idosas como a dimensão social, a situação financeira e
espiritual, o estado afetivo e cognitivo e o estado emocional. Assim, quando falamos de fragilidade devemos pensar
nesta figura completa e em todos os fatores. Mais uma vez, a fragilidade é importante pois não é a idade cronológica
que diz qual o destino e o prognóstico dos indivíduos, sendo mais importante a sua capacidade funcional que tem
um poder de prever o prognóstico muito forte.

À volta disto da fragilidade tem havido muitas incertezas e dúvidas. As primeiras definições surgiram nos anos
80 sendo que a primeira, no modelo de Brocklehust criado em 1985, centrava-se na capacidade funcional sendo
que a fragilidade correspondia ao risco de perder a capacidade de viver na comunidade, e a depedência dos idosos
levava à sua institucionalização que poderia culminar na morte. Uns anos mais tarde surgiu o modelo de Buchner
sendo criado em 1992, sendo que este já era mais centrado na biologia e, portanto, considera que há fragilidade
quando há perda da reserva fisiológica e quando há perda da capacidade de as pessoas se adaptarem às
adversidades e de manter a homeostasia. Esta fragilidade depende muito de fatores biológicos, genéticos,
psicossociais, de doenças crónicas e dos hábitos e estilos de vida, mas no fundo o resultado é o mesmo, originando
dependência.

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A verdade é que não devemos ver a fragilidade segundo um ou outro modelo, mas sim como a integração dos
dois. Um ponto muito importante a reter é que a fragilidade por si só não é sinónimo de dependência mas sim de
vulnerabilidade e risco de desenvolver dependência. Podemos ter pessoas independentes que têm fragilidade mas
que ainda são autónomas.

Definição de Fragilidade

Segundo a Sociedade Americana de Geriatria, fragilidade é definida como uma síndrome caracterizada pelo
declínio da reserva fisiológica e da resistência a eventos stressores devido ao declínio progressivo e cumulativo da
função dos vários órgãos e sistemas causando vulnerabilidade a eventos adversos (complicações médicas, morte).
Assim, é uma síndrome que resulta da diminuição da reserva fisiológica dos vários órgãos que leva a uma menor
resistência aos eventos adversos (novo medicamento, institucionalização, mudança de casa, doença aguda) e esta
diminuição de reserva torna as pessoal vulneráveis a estes eventos de tal forma que esses eventos podem culminar
em resultados graves como complicações médicas, dependência ou até mesmo a morte.

Estima-se que a prevalência de fragilidade seja de 7-25% nos idosos com idades entre os 65 e os 85 anos e de
30-46% nos idosos com idades superiores a 85 anos, no entanto, esta varia muito de acordo com os países e níveis
assistenciais, mas quanto mais velhas as pessoas, maior é a prevalência e maior é o risco de estas terem fragilidade.

A fragilidade é um equilíbrio instável, fazendo-se a


analogia com a rocha. A rocha até parece estar estável, mas
a qualquer momento e com qualquer evento, este
equilíbrio pode ser rompido e a rocha cai. A fragilidade não
é mais que o inverso de robustez correspondendo a uma
situação de grande vulnerabilidade. A fragilidade é o risco
de ter incapacidade, até se pode manter muito mais tempo
num equilíbrio instável, mas de repente este equilíbrio é
comprometido e é quando surge incapacidade. Há alguns
peritos que afirmam que fragilidade é quando a
incapacidade já está estabelecida, mas por definição,
fragilidade é o risco de desenvolver incapacidade.

A fragilidade resulta da diminuição da reserva fisiológica que por sua vez resulta, por um lado, de fatores
biológicos dos nossos genes. No entanto o nosso envelhecimento só depende 25% destes. Esta diminuição da
reserva fisiológica depende também muito daquilo que vai acontecendo ao longo da vida, os nossos estilos de vida,
o alcoolismo, o tabagismo, a desnutrição, a exposição a fatores ambientais como por exemplo a poluição e a
presença de doenças crónicas. Tudo isto
junto vai levar à diminuição da reserva
fisiológica e a situações de fragilidade.
Quando as pessoas já têm a tal fragilidade,
quando há uma interocorrência aguda
como uma pneumonia, uma infeção
urinária ou uma queda, essa
interocorrência pode culminar no
aparecimento de incapacidade e de
muitos outros síndromes geriátricos, mas
no fundo resulta em mais custos de saúde,
num maior risco de morte, numa
institucionalização ou numa
hospitalização, portanto, a fragilidade
tem um prognóstico muito mau, sendo o
principal alvo de interesse dos geriatras.

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Os principais fatores protetores da fragilidade, que além de fazerem com que esta não aconteça mantêm a
reserva fisiológica o mais elevada possível, são a nutrição e o exercício físico.

Neste gráfico está um outro esquema muito útil para vermos como evolui e como se instala a fragilidade. À
medida que a idade aumenta, a capacidade de realizar atividades do dia a dia diminui, porque a sua capacidade de
manter a homeostasia e a reserva fisiológica são menores. Podemos ainda tirar mais conclusões deste gráfico: esta
condição é dinâmica, ou seja, a pessoa pode estar numa situação de fragilidade, mas com as intervenções corretas
pode voltar ao estado prévio, logo, a condição é reversível. Nos cuidados paliativos, muitas vezes fala-se no doente
frágil como se estivesse no final da linha, mas temos de pensar no que é possível fazer para reverter esta situação.
É mais fácil de reverter se a pessoa estiver menos deteriorada, ou seja, temos de diagnosticar a fragilidade o mais
cedo possível quando esta ainda não for visível a olho nu. Outro aspeto interessante é que nos mostra que há um
estado de pré-fragilidade em que a pessoa ainda consegue recuperar o estado prévio, mas quando é frágil não só
a recuperação leva mais tempo como também provavelmente vai ser incompleta, perdendo capacidade funcional.

Ainda sobre o esquema, há o conceito


de condição transitória, ou seja, fazer vincar
a ideia de que a fragilidade pode andar para
trás e para a frente. Quando a pessoa é
internada a fragilidade acentua-se, mas
depois é possível voltar atrás no caminho e
reverter esta fragilidade. A fragilidade
estabelece um contínuo, indo desde o estado
de robustez em que não há fragilidade até à
morte. Depois vai instalando-se a
dependência, a capacidade de recuperação
reduz e temos a pré-fragilidade subclínica,
que é onde devemos intervir e diagnosticar,
a fragilidade ligeira, a moderada e a grave
culminando na morte.
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Consequências da fragilidade

• Compromisso funcional (Incapacidade) nas ABVD e AIVD (Dependência);


• Quedas;
• Hospitalização e prolongamento da demora média;
• Institucionalização;
• Doença aguda;
• Aumento dos encargos económicos;
• Mortalidade (300-500%).

Quando as pessoas têm fragilidade, a esperança de vida reduz 2 a 5 anos.

Há uma certa sobreposição de fragilidade, comorbilidade e dependência, sendo tudo isto coisas diferentes. O
que é certo é que as pessoas com dependência e co-morbilidades têm maior risco de terem também fragilidade.
Fragilidade não é sinónimo de doença uma vez que pessoas sem doença nenhuma podem ter fragilidade. 7% dos
idosos frágeis não têm doenças e 25% dos idosos frágeis têm apenas uma doença. Por outro lado, as doenças
crónicas e agudas aumentam o risco de ter fragilidade.

Falamos de fragilidade primária quando surge e não há nenhuma doença associada, mas podemos falar de
fragilidade secundária que é associada à doença avançada. Por exemplo, a diabetes é uma doença que pode ocorrer
com fragilidade, e quando temos esta doença crónica associada à fragilidade, o prognóstico é pior, havendo um
risco de mortalidade 600% maior e um risco de morbilidade 1000% maior.

Têm sido identificados fatores de risco nomeadamente o sexo feminino, a presença de doenças crónicas, a
depressão, a incapacidade, o baixo rendimento e a situação socioeconómica, o baixo nível social e o pertencer a
uma minoria étnica. Relativamente às mulheres, estas apresentam uma maior prevalência de fragilidade mas uma
maior resistência ao declínio funcional e portanto, apesar de os homens terem menos fragilidade, esta evolui
rapidamente. Assim, quando temos homens frágeis estes são muito frágeis. Isto vê-se na clínica, sendo que nas
fraturas do colo do fémur, 80% dos casos são de mulheres devido à osteoporose, mas quando há homens
internados, estes têm uma gravidade muito superior.

Temos aqui o modelo fisiopatológico da fragilidade física, ou seja, a fragilidade relacionada com as doenças e
com a força. Alguns fatores fisiopatológicos relevantes que levam à fragilidade são a desnutrição, a sarcopénia, a
inflamação, sendo que há quem defenda que o envelhecimento é um estado inflamatório crónico, as alterações
neuroendócrinas, nomeadamente a
anorexia fisiológica e as alterações
músculo-esqueléticas. A
fisiopatologia assenta assim em 3
fenómenos principais: sarcopénia,
alterações neuroendócrinas e
inflamação crónica com aumento
das citocinas pró-inflamatórias e
com uma diminuição das citocinas
anti-inflamatórias. Mas no fundo, a
fragilidade é uma desregulação
multissistémica que leva à
diminuição da reserva fisiológica
para a manutenção da homeostasia.

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Gostávamos de identificar marcadores de fragilidade para fazermos análises aos doentes e vermos se estes
têm fragilidade ou não. Se as alterações dos marcadores inflamatórios e bioquímicos precederem o fenótipo de
fragilidade, isto poderia dar-nos oportunidade de prevenção e tratamento precoce, no entanto, isto ainda não
existe apesar de haverem algumas investigações no sentido de encontrar estes marcadores.

O conceito de fragilidade gera muita controvérsia, sendo que em 2013 houve um grupo espanhol que chegou
à conclusão que a fragilidade é uma síndrome clínica e não é sinónimo de incapacidade, representa é uma
vulnerabilidade grande de tal forma que ao stress mínimo pode haver declínio funcional. Estabelecem também que
ela pode ser revertida ou atenuada por intervenções, e por isso é fundamental a deteção precoce, sendo esta útil
nos cuidados primários e em doentes ambulatórios.

Há um artigo que veio sistematizar recentemente recomendações para a identificação e para a abordagem da
fragilidade. Eles dão-nos 15 recomendações, muitas delas sem grande evidência, resultando da experiência prática.
Na verdade, isto não muda muito aquilo que já se sabia.

No que diz respeito ao diagnóstico, existem essencialmente duas escolas, a primeira foi a da senhora Linda
Fried que é americana e a segunda, do senhor Kenneth Rockwood, é canadiana e inclui o seu índice de fragilidade.

A Linda Fried, com base num estudo epidemiológico de grandes dimensões, tentou identificar e definir o
fenótipo de fragilidade, ou seja, as características físicas de fragilidade, de forma a que consigamos identificar o
fenótipo na prática clínica. Isto permitiu a operacionalização do conceito e uma aplicação uniforme na prática clínica
e na investigação da definição de fragilidade. Estabeleceu 5 critérios de fragilidade verificando-se esta condição
quando 3 ou mais são preenchidos:

• Perda de peso não intencional de 5kg ou 5% do peso corporal no último ano, sendo este o último sintoma a
manifestar-se e o de reversão mais difícil depois da perda ponderal;
• Fraqueza muscular com uma força de preensão inferior a 20% do normal;
• Baixa resistência (cansaço/fadiga/exaustão) que corresponde a uma sensação subjetiva mas que pode também
ser detetada por escalas e é o primeiro sintoma a manifestar-se;
• Marcha lenta com uma velocidade para percorrer uma distância de 4,5 metros inferior a 20% do normal;
• Nível baixo de atividade física com um consumo de calorias semanais inferior ao quintil interior.

O que é interessante é que as pessoas podem ter uma combinação diferente destes sintomas, mas o primeiro
a manifestar-se é a baixa resistência e a sensação de cansaço, fadiga ou exaustão. Nos cuidados primários de saúde,
é muito fácil de perguntarmos se o doente se sente cansado e sem forças, sendo um bom primeiro passo para o
diagnóstico de fragilidade, sendo também uma boa altura para intervir.

Os métodos de avaliação são vários para cada um dos critérios, alguns testes são complicados na prática clínica
não sendo exequíveis. Assim, estes critérios aplicam-se melhor numa investigação do que num consultório. Para
avaliação da perda de peso podemos avaliar o estado nutricional, o que não é difícil, para a avaliação da fraqueza
muscular podemos fazer o teste da força de preensão palmar utilizando um dinamómetro, o teste de elevação da
cadeira e o teste da força dos extensores do joelho e para a avaliação da marcha podemos calcular a velocidade da
marcha e o teste “time up and go”. A avaliação da resistência, de facto, é avaliada de uma forma relativamente
subjetiva, sendo avaliada através do consumo de O2 e da sensação subjetiva de falta de energia e cansaço, sendo
que a avaliação do nível de atividade física também é subjetiva sendo avaliada de acordo com a frequência e
duração da marcha e bicicleta na semana anterior e com o tempo médio mensal gasto em desporto, hobbies,
jardinagem, etc.

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A Linda Fried falava também na pré-fragilidade quando já havia 2 critérios de diagnóstico e identificou outros
critérios que não são propriamente físicos, sendo características secundárias também associadas à fragilidade
nomeadamente o declínio cognitivo, a diminuição do equilíbrio, a diminuição da capacidade motora, a alteração
do estado emocional, a auto perceção do estado de saúde comprometido, sendo que a forma como vemos a nossa
saúde tem muito a ver com isto, e a precariedade social.

O modelo do outro senhor, do Kenneth Rockwood, também resultou de um estudo epidemiológico de grandes
dimensões, mas o que ele fez é mais prático em termos de aplicação no consultório no dia-a-dia. Considera-se
fragilidade como a acumulação de um conjunto de doenças, sintomas, sinais, défices de problemas de uma lista de
70, sendo um estado de saúde dinâmico e multifatorial condicionado pela acumulação de vários défices. Isto num
consultório não é simples nem fácil de aplicar. Como não era prático, definiu-se em 2005 uma escala de fragilidade
clínica de aplicação mais fácil no consultório mas que acaba por ser mais subjetiva, a Clinical Frailty Scale. No
entanto, têm surgido outras escalas.

A verdade é que a fragilidade tem despertado muito interesse na comunidade científica, tendo sido publicados
vários instrumentos de avaliação e de diagnóstico. Apesar disto, a fragilidade, a principal síndrome geriátrica,
continua a ser subdiagnosticada porque, sendo uma síndrome geriátrica, não segue o modelo clássico da doença.
As alterações instalam-se de uma maneira muito subtil e muito difíceis de perceber e se num consultório não
perguntamos se está cansado ou não, não conseguimos diagnosticar, porque há um declínio gradual que pode não
ser valorizado, nomeadamente da força, da função e da nutrição, porque há um preconceito das próprias pessoas
assim como dos profissionais de saúde o cansaço é devido à idade, e também porque há ainda sobreposição de
comorbilidades, não se sabendo se aquilo é uma doença crónica ou fragilidade. Se não diagnosticarmos a
fragilidade, também não vamos tentar prevenir nem compensar os problemas que daí advenham, sendo que o
diagnóstico tardio da fragilidade determina o insucesso das estratégias de intervenção no atraso ou prevenção das
consequências adversas.

A fragilidade deve ser rastreada por testes simples e validados e deve-se rastrear com pessoas com mais de 70
anos. No entanto, o outro documento recente diz que deve ser a partir dos 65 anos.

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O que é que devemos usar?

A sociedade britânica de geriatria recomenda o “Fit for Frailty” que cobre um conceito amplo de fragilidade
(física, cognitiva, emocional e social), mas para cobrir a fragilidade física incluem o teste físico ou a velocidade da
marcha e depois juntam o questionário PRISMA, aferindo se há problemas da esfera ambiental e social. Juntando
o teste físico ao teste prisma há possibilidade de diagnosticar fragilidade. A junção destes dois permite então o
diagnóstico de fragilidade. A velocidade da marcha é incluída no exame físico pois há estudos que a relacionam à
mortalidade, sendo que as pessoas que andam mais devagar morrem mais, tendo um significado de prognóstico.

Então, voltando ao documento que saiu recentemente, devemos rastrear pessoas com 65 ou mais anos, com
um instrumento rápido, fiável e adaptado ao contexto. Quando o rastreio é positivo fazemos a avaliação clínica da
fragilidade, feita através da avaliação geriátrica global e é recomendado realizar um plano de abordagem global,
sendo importante ir à procura de condições reversíveis, nomeadamente sarcopénia, causas tratáveis de perda
ponderal de peso, as causas de fadiga como depressão, anemia, hipotensão, hipotiroidismo e deficiência de
vitamina B12. Quando houver fragilidade deve-se referenciar ao geriatra.

Tratamento/Prevenção da Fragilidade

É bom que fique claro que o nosso objetivo não é fazer com que as pessoas cheguem aos 120 anos, mas sim
melhorar a qualidade de vida e o estado funcional do idoso, satisfazer o doente e a sua família e preparar a família
para o que o futuro trás. Vamos olhar para os elementos físicos da fragilidade: a perda ponderal, o cansaço (o
primeiro sintoma a aparecer), a fraqueza muscular, a lentidão e inatividade.

O grupo de peritos já em 2013 afirmava que a fragilidade física pode ser combatida através de:

• Exercício físico - Nomeadamente atividade física multicomponente estruturada com a ajuda de um


profissional. Esta atividade física deve incluir componente de resistência (exigindo força e treinando
particularmente as extremidades inferiores estando estas relacionadas com a marcha), exercícios aeróbicos
(tentar aplicar atividades prazerosas ao indivíduo como a dança que até melhora a capacidade cognitiva por
decorar os passos) e tai-chi (melhora o equilíbrio e consequentemente o risco de quedas). Não vale a pena
fazer exercício apenas uma vez tendo de ser um exercício continuado, idealmente devem ser feitas sessões de
30-45 minutos 3 vezes por semana, pelo menos durante 5 meses. Em doentes muito frágeis a fisioterapia pode
substituir estes programas, e em pessoas que não tenham acesso a um programa deste tipo, recomendamos
caminhadas e outro tipo de exercícios
• Suporte calórico e proteico;
• Vitamina D;
• Menos polimedicação.

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A evidência mostra que para a atividade física ter benefício deve ter intensidade mínima e ser prolongada no
tempo, que a atividade física melhora a velocidade da marcha, o equilíbrio, a força muscular, a capacidade funcional
e as quedas, o treino multicompetente melhora a força muscular, o equilíbrio, a incapacidade e as quedas e que as
atividades em grupo têm mais sucesso. A atividade e a intervenção nutricional parecem ter um efeito aditivo,
potenciando o efeito benéfico.

Um dos pilares da prevenção da fragilidade está relacionado com a nutrição, sendo que os autores das
guidelines sugerem a suplementação de vitaminas e proteínas em caso de desnutrição, e quando não houver, temos
de ter cuidado com as dietas e com as necessidades que as pessoas têm, nomeadamente o aporte proteico e
calórico. É incluído nestas normas aconselhamento de saúde oral, um fator muito importante na fragilidade, sendo
que uma pessoa sem dentes não come sólidos, não come as proteínas que são mais importantes para o músculo
pois são alimentos mais rijos, aumentando assim o risco de sarcopénia e de fragilidade.

Assim, relativamente à alimentação, não devemos ser restritivos, devemos ser liberais. Ao chegar a estar faixas
etárias, o promover perda ponderal é o risco de promover fragilidade e sarcopénia, sendo que só quando há uma
doença osteoarticular degenerativa é que excecionalmente recomendamos a perda ponderal de peso, tendo de ter
cuidado com isto pois a primeira coisa a ser perdida é o músculo. Assim, devemos oferecer uma dieta liberal e
polifraccionada, uma dieta rica em proteínas com 1,2-1,5 g/kg por dia distribuídas em 3 refeições diferentes e com
o aminoácido leucina, embora esta necessidade seja difícil de preencher. Se as proteínas forem dadas todas ao
mesmo tempo, o músculo não tem capacidade de integrar estas proteínas. Se for diagnosticado desnutrição temos
de fazer suplementação hiperproteica/hipercalórica entre as refeições, temos de supervisionar as refeições pois se
uma pessoa estiver acompanhada vai ter muito mais vontade de comer e vai ter uma refeição mais prazerosa, e
temos de olhar para aspetos funcionais como as próteses dentárias e a disfagia. As pessoas com uma dentadura
desajustada, às refeições tiram esta dentadura não conseguindo mastigar bem. A dentadura tem um aspeto
estético, mas essencialmente tem um aspeto funcional.

Assim, a evidência diz-nos que em idosos com fragilidade a suplementação proteica melhorou a performance
e força física (evidência moderada) e a velocidade da marcha e a fragilidade (evidência baixa) e que a qualidade da
alimentação pode influenciar a progressão da fragilidade (dieta mediterrânica, folatos, beta carotenos, vitaminas
A, C e E) e que a saúde oral está relacionada com fragilidade.

Aqueles autores que inventaram 15 recomendações afirmam que não há tratamento farmacológico eficaz
contra a fragilidade, que a suplementação de vitamina D não está recomendada a menos que haja deficiência desta
vitamina, que não há evidência que a terapêutica cognitiva tenha efeito, que a terapêutica não tem interesse, que
deve haver uma abordagem global e que as pessoas podem ser referenciadas para um treino na sua própria casa.

Relativamente à deficiência de vitamina D, se houver deficiência temos de suplementar com 800-1000


unidades por dia, havendo uma associação entre défice de vitamina D e fragilidade. A eficácia da suplementação
na prevenção/reversão da fragilidade não é clara (estudos heterogéneos e enviesados), o papel da vitamina D tem
um papel na prevenção de quedas, no entanto, há estudos de que mais de 2000 unidades por dia aumenta o risco
de quedas.

Devemos também minimizar a polimedicação, sendo que 59% idosos com fragilidade tomam 5 ou mais
medicamentos, havendo uma maior probabilidade de efeitos secundários, malnutrição, interferência no paladar e
um aumento dos custos de saúde. Assim, devemos fazer a desprescrição e revisão da terapêutica com base nos
critérios de Beers ou STOPP/START.

Outras medidas que podem ser úteis são o diagnóstico e o tratamento de anemia, hipotensão ortostática,
síncope, dor, défice de visão e audição e depressão. O aumento da socialização reverte a fragilidade, ou seja, o
conviver faz bem. Não há grande evidência de que estimulantes do apetite revertam a fragilidade, mas têm efeitos
antidepressivos. As guidelines negam completamente o uso de hormonas como a testosterona, hormona de
crescimento e esteróides anabolizantes (exceto em homens que tenham sensação de cansaço por baixo nível de
testosterona), e há alguma evidência de que os IECAs possam reverter a fragilidade.

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No que diz respeito aos estimuladores do apetite, usamo-los mais como antidepressivos e são indicados no
tratamento de doentes com depressão, no entanto, se usarmos a Mirtazapina exclusivamente como estimulador
do apetite devemos apenas dar 5mg/dia (não existe em Portugal, só existem comprimidos de 15mg/dia). O
Megesterol é um medicamento muito comercializado e prescrito no âmbito da oncologia, mas para os idosos não
se usa muito pois causa um aumento do risco tromboembólico, hipocortisolismo e diarreia.

A testosterona só se deve mesmo dar em homens com níveis baixos de testosterona, aumenta a massa magra
(osso e músculo) mas há estudos que demonstram que estes aumentam a massa muscular sem aumentar a força,
aumentando também o risco de insuficiência cardíaca e de neoplasia da próstata.

Há doentes em que não conseguimos reverter a fragilidade, têm cansaço extremo e temos então de arranjar
estratégias para conservação de energia.

Estratégias para conservação de energia:

1) Modificação do ambiente diminuindo as distâncias;


2) Ajustar a temperatura do quarto;
3) Reorganizar tarefas (refeição -> descansar -> banho);
4) Modificar procedimentos, por exemplo, tomar banho sentado para diminuir o grau de cansaço;
5) Suspensão de fármacos sedativos ou que comprometem o equilíbrio, nomeadamente β-bloqueantes, anti-
histamínicos, antidepressivos tricíclicos, anticolinérgicos e benzodiazepinas;
6) Provas terapêuticas nomeadamente atividade física, psicoestimulantes (administração matinal).

A nutrição, a atividade física e a polimedicação são os grandes pilares da fragilidade.

Pontos a Reter:

• A Fragilidade corresponde à vulnerabilidade da pessoa idosa à ocorrência de eventos adversos.


• Todas as pessoas com 65 ou + anos devem ser rastreadas através de escalas simples.
• A Avaliação Geriátrica Global é a metodologia standard para avaliação da pessoa Frágil.
• A Fragilidade pode ser prevenida e revertida se detetada precocemente.

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Aula 7 – Prescrição Farmacológica em Geriatria
Maria Augusta Soares – 14/10/2019

Muitas vezes, temos de identificar reações adversas a determinados fármacos. No entanto, no idoso, estas
reações são mais difíceis de identificar, aparecem com características diferentes do esperado e muitas vezes são
consideradas como uma nova patologia uma vez que os idosos têm várias comorbilidades. Consequentemente, é
prescrito um novo medicamento para aliviar as reações adversas, o que é completamente errado, por isso, temos
de ter noção do risco no idoso. Se não houver alternativa, podemos ter de administrar um determinado fármaco,
mas vamos ter de vigiar o doente mais de perto.

A terapêutica medicamentosa do idoso é complexa, havendo vários estudos em que a média de medicamentos
que os idosos tomam é 7, potenciando as interações e reações adversas. Esta complexidade é devida a alterações
fisiológicas relacionadas com a idade, comorbilidades, polimedicação e a existência de vários prestadores de saúde,
sendo que o idoso vai a vários médicos e não informa o clínico geral, não dando também informações sofre a
terapêutica que já esta a fazer, logo, temos de ser nós a perguntar ativamente estas coisas. Por vezes podem
adquirir chás nas ervanárias (o que não corresponde a um produto natural uma vez que também sofreu extração
química) e como não consideram isto como sendo um medicamento, não dão informações sobre a ingestão deste
produto. Assim, temos também de inquirir também sobre a ingestão destes produtos que podem interagir com a
terapêutica que o doente já está a tomar.

No idoso, devido às alterações relacionadas com a idade e com as doenças, há alterações farmacodinâmicas e
farmacocinéticas que se somam às alterações cognitivas e funcionais, erros e problemas de adesão à terapêutica.
Uma situação que acontece muitas vezes é que, devido à existência de medicamentos de marca genérica, os idosos
podem estar a tomar o mesmo medicamento duas vezes. É imperativo que os médicos saibam minimizar as reações
adversas e as interações medicamentosas, fazendo a eliminação de fármacos duplicados parte deste processo.

Vitkil conclui que à medida que o número de medicamentos aumenta, aumenta também número de problemas
relacionados com o medicamento, a probabilidade de se tomar medicamentos inapropriados e ainda o risco de
ocorrência de reações adversas que duplica de 1 para 4 medicamentos, mas é 14 vezes superior se o doente tomar
7 medicamentos. Assim, está comprovado que há uma desproporcionalidade muito grande à medida que o número
de medicamentos aumenta.

Há assim o problema da polimedicação, tendo exemplos com dados nacionais. Foram feitos estudos nos centro
de saúde de Queluz e do Lumiar, avaliando-se um total de 571 utentes com uma idade média de 58,2 anos e
verificou-se que o número médio de medicamentos era de 2,2, mas se avaliássemos apenas os idosos, essa média
passava para 3,9. Relativamente à prevalência da polimedicação minor (2 a 4 medicamentos), esta no global era de
30,8%, aumentando para 39,6% se avaliássemos apenas a população idosa. Finalmente, relativamente à
prevalência da polimedicação major (mais de 5 medicamentos), 37% dos doentes idosos tomavam 5 ou mais
medicamentos, enquanto que na globalidade dos doentes esta percentagem desce para os 17,2%.

Reações adversas medicamentosas

As reações adversas são muito mais prováveis no idoso e englobam-se nestas aquelas que surgem como
resultado de interações medicamentosas. Na literatura temos muita dificuldade em obter uma resposta clara,
sendo que os estudos que estudam as diversas reações usam metodologias diferentes e podem também usar
desenhos de estudo diferentes, sendo assim difícil de comparar estudos. A dimensão do problema na literatura é
assim devida ao desenho do estudo, ao tipo de doente e à definição de reações adversas medicamentosas,
nomeadamente por inclusão de erros, sobredose e redução de dose. As reações adversas resultam do declínio
fisiológico, de múltiplas morbilidades, das contraindicações farmacológicas e das interações pela polimedicação.

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Num estudo avaliou-se os resultados de reações adversas e verificou-se que 46,2% dos doentes apresentavam
reações adversas na administração hospitalar e em 11,3% estas reações adversas foram causa de internamento.
No total, quase 25% apresentavam estas reações adversas a medicamentos potencialmente inapropriados, ou seja,
estão a tomar medicamento que deveriam ser identificados.

A identificação destas reações no idoso não é fácil por se confundirem com outras patologias. Se estas reações
não forem identificadas levam à cascata da prescrição, sendo que não devemos tratar reações adversas com
medicamentos, mas sim perguntar toda a terapêutica que o idoso está a fazer. Temos de pensar que qualquer
medicamento pode provocar uma reação adversa, e temos de ver se um dos medicamentos pode estar relacionado
com as manifestações que o doente apresenta, se não, podemos administrar um medicamento para tratar uma
reação adversa aumentando a possibilidade de interações farmacológicas e de mais reações adversas.

Farmacoterapia no idoso

Alterações farmacocinéticas

A absorção não é muito alterada pelo aumento do pH gástrico uma vez que a absorção é principalmente
intestinal. O metabolismo hepático altera-se sendo que reduz devido à diminuição da massa hepática e do fluxo
hepático, importante para fármacos de estreita margem, não avaliada pelos testes da função hepática (Varfarina,
teofilinas e fenitoína), havendo também a redução do metabolismo pelo CYP.

A eliminação renal é a mais afetada, sendo que todos os doentes devem ser avaliados no estudo da depuração
da creatinina. A maior parte dos idosos nem um pedido de creatinina tinham ao terem estado internados. A
creatinina no idoso traduz algo completamente diferente do que se for avaliada num indivíduo de 20 ou 30 anos.
O idoso não produz tanta creatinina, logo os valores são baixos dando a ideia que a função renal está bem, mas
pode não estar. Assim temos de pedir a creatinina e calcular a depuração da creatinina, e só depois de ajusta a
dose. Fármacos que requerem a avaliação da depuração da creatinina são a digoxina, a gentamicina e o lítio.

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Medicamentos potencialmente inapropriados

Um conceito importante que temos de ter em conta é o de medicamento potencialmente inapropriado, que
corresponde a um medicamento em que os riscos são superiores aos benefícios quando administrados a um idoso,
havendo alternativas terapêuticas mais seguras. Diz-se potencial porque nem todos os idosos que tomem um
medicamento como este vão ter efeitos adversos. Os medicamentos potencialmente inapropriados estão entre as
causas mais importantes de reações adversas, independentemente do número de medicamentos e dos fatores
confundentes.

Um estudo europeu avaliou o uso dos medicamentos potencialmente inapropriados, sendo que na República
Checa a percentagem de prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados era superior a 40% enquanto
que na Dinamarca, esta percentagem era inferior a 10%. Assim, começaram a ser criados critérios para avaliar a
prescrição.

RCM – no site do Infarmed, vai-se ao ficheiro dos medicamentos comercializados em Portugal. Aparece-nos
todos os medicamentos com um nome comercial, clica-se numa lupazinha e vamos a um outro ecrã em que nos
aparece o folheto informativo e o RCM, sendo que este tem toda a informação do medicamento. Esta informação
é aprovada pela comissão técnica e pela equipa científica, tendo toda a informação necessária. Nas reações
adversas tem a escala da frequência dos sintomas.

Critérios de prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados

Há critérios implícitos que requerem a avaliação clínica do doente em 10 parâmetros diferentes, o leva muito
tempo. O mais conhecido é o MAI, mas tem uma certa subjetividade na avaliação dos doentes. Os critérios explícitos
são tabelas de fármacos que são considerados potencialmente inapropriados, sendo fácil de consultar e não
requerem avaliação clínica. As primeiras tabelas criadas foram as de Beers, depois surgiram outras com pequenas
alterações e em 2008 surgiu a STOPP/START que é europeia, enquanto que a Beers é americana. Os critérios
explícitos identificam medicamentos de alto risco através de tabelas criadas por painel de peritos que incluem o
balanço negativo benefício/risco e apresentam alternativas aos fármacos.

Aqui temos uma tabela entre os critérios de


Beers (explícito) e os MAI (implícito). Se um
medicamento for muito caro já pode ser
considerado como inapropriado, sendo que se o
doente idoso tiver de comprar uma caixa muito
cara e tiver de tomar 2 medicamentos, este pode
decidir tomar apenas 1 para durar mais tempo,
podendo até mesmo mentir ao seu médico e
afirmar que está a tomar tudo direitinho só para
que este não saiba dos seus problemas
financeiros. Relativamente aos critérios de
Beers, a primeira tabela foi em lançada em 1991
e a última foi feita em 2015. É necessário
atualizar-se as tabelas pois a medicina está
sempre a evoluir, os dados científicos mudam e
os medicamentos no mercado também mudam.

Fez-se a atualização de 2003 dos critérios de Beers e fez-se a sua operacionalização, ou seja, por exemplo, em
Portugal há muitas benzodiazepinas que temos no mercado mas que nos EUA não têm e vice-versa. Apesar de estes
terem nomes diferentes, têm as mesmas propriedades, e a operacionalização tem a lista dos medicamentos que
têm as mesmas propriedades e respetivos nomes.

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As limitações dos critérios de Beers são que estes que os critérios foram criados com base nos medicamentos
comercializados nos EUA e com base nos medicamentos prescritos na prática clínica americana, sendo que os
medicamentos que são comercializados em Portugal e na Europa são muito diferentes.

Outros critérios explícitos são o STOPP/STAR que são europeus, a 1ª versão saiu em 2008 e 2ª versão é de
2014-2015, e estão a ser operacionalizados. Nos critérios STOPP estão aqueles medicamentos que não devem ser
usados no idoso e estão relacionados com 65 situações clínicas. Os critérios START são relativos a medicamentos
que deveriam estar a ser utilizados mas não são, e estão relacionados com 22 situações clínicas. Um exemplo de
um medicamento START é: os médicos vão prescrevendo medicamentos e aparece um sintoma que não é tratado
por preocupação de o doente já estar a tomar muitos medicamentos. Se um doente tem fibrilhação auricular, é
indispensável tomar um anticoagulante. São critérios explícitos e este medicamento tem de ser dado.

O critério STOPP foi o primeiro a ser organizado por órgãos e sistemas:

• Cardiovascular (17): digoxina a longo termo > 125 μg/dia com função renal reduzida (IFG < 50 ml/min);
• SNS e psicotrópicos (13): antidepressivos tricíclicos na demência;
• Gastrointestinal (5): difenoxilato, loperamida, codeína na diarreia de causa desconhecida;
• Respiratório (3): teofilina em monoterapia para DPOC;
• Músculo-esquelético (8): AINEs na HTA moderada a grave;
• Urogenital (6): antimuscarínicos para a bexiga na demência;
• Endócrino (4): glibenclamida na diabetes mellitus tipo 2.

Outra coisa muito importante são os medicamentos indutores de quedas e a duplicação dos medicamentos,
que foram incluídos no STOPP.

Quanto ao START, também este está organizado por sistemas.

• Cardiovascular (8): varfarina na presença de fibrilhação auricular;


• SNS (2): antidepressivos na presença de sintomas depressivos moderados/graves por 3 meses ou mais;
• Gastrointestinal (2): inibidores da bomba de protões na presença de refluxo gastroesofágico grave ou
constrição péptica que necessita intervenção;
• Respiratório (3): agonistas beta 2 ou anticolinérgicos regulares na asma ou DPOC ligeira a moderada;
• Músculo-esquelético (3): suplemento de cálcio e vitamina D na osteoporose;
• Endócrino (4): metformina na diabetes mellitus tipo 2 ou síndrome metabólica.

Os critérios STOPP/START foram os primeiros a serem realizados com base fisiológica e baseiam-se nos
medicamentos mais comercializados e prescritos na Europa, é válido quando aplicado por vários avaliadores, é de
rápida utilização e incluem medicamentos indutores de quedas, duplicação de medicamentos e ausência de
prescrição para fármacos necessários. A 1ª versão foi em 2008, mas houve uma segunda em 2015, uma versão mais
alargada com mais 31% de fármacos. A aplicação dos critérios STOPP/START com intervenção farmacêutica reduziu
a incidência de reações adversas medicamentosas no hospital.

Convém o médico ter sempre ao pé os medicamentos indutores de quedas, os que provocam delírio e ainda
as indicações e interações de medicinas alternativas.

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Relativamente aos medicamentos alternativos, os doentes consomem-nos mas não consideram que sejam
medicamentos podendo não os referir quando perguntamos a sua terapêutica habitual. No entanto, estes
medicamentos possuem interações importantes que podem dar origem a efeitos adversos graves. Os doentes a
anticoagulantes que tomavam cápsulas de alho tinham imensas hemorragias à conta deste tipo de medicina
alternativa que tomavam.

Os critérios de Beers atualmente são desenvolvidos pela American Geriatrics Society, sendo que são
considerados tão importantes como os STOPP/START. Podem ser utilizadas em todo o tipo de idosos nos vários
níveis assistenciais, ou seja, quer estejam em ambulatório, institucionalizados ou hospitalizados (os critérios de
1991 eram só para aplicar em doentes hospitalizados). Estão disponíveis para clínicos, investigadores, gestores de
farmácias, legisladores e políticos. Têm como objetivos melhorar a seleção da prescrição de medicamentos, a
avaliação do perfil de uso dos medicamentos, educação médica e dos doentes, avaliação de resultados em saúde e
avaliação da qualidade de cuidados, custos e dados sobre a utilização de medicamentos.

Outros objetivos são a melhoria dos cuidados nos idosos reduzindo a sua exposição a medicamentos
potencialmente inapropriados, ser utilizado como instrumento educacional, porque anteriormente ninguém
alertava para este problema, e ainda ser usado como medida de qualidade de cuidados, sendo que estes critérios
devem ser aplicados não punitivamente.

Estes critérios têm tabelas independentes da doença ou dependente da doença. Como podemos ver, estão
organizados por órgãos e sistemas, há uma justificação da razão do medicamento ser inapropriado, a
recomendação (baixar a dose ou substituir) e a qualidade da evidência e a força de recomendação.

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Se a evidência for fraca é diferente se a evidência for forte, sendo que se for fraca pode usar-se e vigiar-se. Os
fármacos podem ser agrupados por patologias e a última versão tem uma tabela de fármacos que podem ser
usados, mas tem de se ter cuidado com a sua utilização e vigiar o doente.

Tabela independente da patologia

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Tabela relacionada com a doença

Tabela de precaução

A aspirina na recomendação tem que devemos usar com cuidado em adultos com idades superiores ou iguais
a 70 anos, não é em qualquer doente.

Há ainda tabelas surgiram nos critérios de 2012 e são importantes pois nas outras tabelas diz apenas
“anticolinérgicos”. Estas tabelas são úteis pois informam quais são os fármacos com propriedades anticolinérgicas.

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Numa análise de medicamentos potencialmente inapropriados de acordo com a evolução dos critérios de
Beers realizada em 2017, verificou-se que, à medida que se vai evoluindo, identificam-se mais fármacos
potencialmente inapropriados, logo, a sensibilidade dos critérios aumenta. Há também eliminações de
medicamentos que são baseadas na evidência científica, por exemplo, a administração de amiodarona com
anticoagulantes em doentes anticoagulados. Para além disto, houve inclusões, nomeadamente os inibidores das
bombas de protões, que foram incluídos uma vez que são comprados sem receitas médicas.

Resultados negativos pelo uso de medicamentos potencialmente inapropriados e polimedicação

1) Reações adversas medicamentosas específicas do medicamento;


2) Interações medicamentosas;
3) Contraindicações;
4) Alterações cognitivas/delírio;
5) Perda de peso, malnutrição;
6) Quedas;
7) Fratura da anca;
8) Incontinência Urinária;
9) Alterações funcionais, imobilidade;
10) Hospitalização;
11) Lar de idosos;
12) Redução da qualidade de vida;
13) Morte;
14) Redução da aderência ao tratamento;
15) Custos de saúde aumentados.

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10 recomendações do “International Group For Reducing Innapropriate Medication Use & Polypharmacy”

1) Rever a medicação de todos os idosos visando a desprescrição, quando adequado, particularmente nos
doentes vulneráveis a reações adversas medicamentosas;
2) Antes de iniciar a medicação, considerar se ela é adequada às características e preferências do doente;
3) Considerar cada medicamento para possível suspensão;
4) Aplicar abordagens implícitas e explícitas na polimedicação. Os critérios explícitos, embora úteis são
insuficientes se usados isolados;
5) Notar que o idoso está sub-representado nos ensaios clínicos;
6) Considerar a influência comercial na polimedicação;
7) A educação médica deve requer um foco mais forte nos medicamentos potencialmente inapropriados e
resultados negativos;
8) Os métodos do treino médico devem ser revistos quanto à paragem do tratamento e providenciar atenção
igual às reações adversas medicamentosas e benefícios dos medicamentos;
9) Quando os doentes possuem várias patologias o modelo de doença única não é aplicável;
10) As decisões nos idosos complexos devem considerar a sobrevivência esperada e a qualidade de vida dando
prioridade às preferências do doente e da família.

É importante saber que, tal como a criança, o idoso está muito pouco representado nos ensaios clínicos,
sabendo-se pouco das implicações, reações adversas e riscos no idoso. Se o medicamento não for muito seguro
para os adultos, pode ser pior para os idosos.

Em 2015 foi criada uma lista europeia baseada em vários critérios (6 listas de critérios: Priscus, Beers, USA,
Canadá, França) que considera ser o primeiro passo para a harmonização europeia de prescrição de qualidade. Esta
lista tem como aplicações a identificação de medicamentos potencialmente inapropriados em bases de dados,
comparações internacionais de utilização de medicamentos potencialmente inapropriados e ser um guia para a
prática clínica.

Esta lista não é muito simpática pois apresenta os grupos e subgrupos terapêuticos, os fármacos, a justificação
da inclusão, o ajuste de doses e considerações sobre a utilização e ainda sugestões de alternativas terapêuticas
sendo que, no final ,tem uma letra e isto porque é para nos dizer em que foi baseada a decisão de considerar um
fármaco, se for num B foi baseado nos critérios de Beers, se for um E foi baseado em peritos, etc, dando-nos
orientação da base científica.

Nesta lista não há uma lógica de agrupamento de fármacos, sendo estes difíceis de encontrar.

Exemplos de análises sucintas sobre uso de medicamentos potencialmente inapropriados

Neste estudo avaliaram a utilização de medicamentos potencialmente inapropriados em várias cidades


europeias usando o Beers e o STOPP/START, sendo que a sensibilidade é muito menor quando se utiliza a tabela
Beers, aumentando com a tabela STOPP e START. Na Europa devemos usar a STOPP and START.

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Nm estudo na Roménia analisou-se medicamentos adquiridos em 2 farmácias (doentes ambulatórios e
institucionalizados) e usou-se os critérios STOPP/START e PRISCUS para identificar medicamentos potencialmente
inapropriados e para os classificar como mal prescritos, subprescritos e sobreprescritos. Os resultados basearam-
se em 345 prescrições em doentes ambulatórios e numa análise de 91 fichas de doentes institucionalizados.

Foram identificados 159 medicamentos potencialmente inapropriados em 34,49% das prescrições


ambulatórias com subprescrição de terapêutica cardiovascular, 140 medicamentos potencialmente inapropriados
em 82,41% dos doentes institucionalizados sendo a má prescrição e a sobreprescrição os medicamentos
potencialmente inapropriados mais frequentes. Em ambos os grupos verificou-se AINEs em 56,66% das prescrições
ambulatórias e 35,63% nos doentes institucionalizados, benzodiazepinas eram geralmente mal prescritas em
26,66% dos doentes ambulatório e 24,13% nos doentes institucionalizados, anticolinérgicos eram usados
raramente em 0,62% dos medicamentos potencialmente inapropriados de ambulatório e em 2,14% nos doentes
institucionalizados.

Avaliação da prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados

O número de doentes ambulatórios foi de 570, o número de medicamentos foi de 3021 e o número médio de
medicamentos era de 5,3 indo de 0 a 13, sendo que o grupo de fármacos mais frequentes foram do sistema
cardiovascular e os do SNC.

Na avaliação MAI, os parâmetros menos adequados foram as indicações, as instruções corretas e o preço dos
medicamentos. Quando aplicada a escala de Beers, cerca de 10% dos medicamentos eram inapropriados e 37%
dos doentes tomavam medicamentos potencialmente inapropriados, sendo os mais frequentes do SNC e do
sistema locomotor (AINEs).

A unidade universitária de geriátrica criada pelo professor Gorjão Clara, na análise feita de Março quando
abriu, de 70 doentes, o número médio de medicamentos era de 8, sendo que apenas 4 doentes tinham
polimedicação minor (quantidade igual ou inferior a 4 medicamentos) enquanto que 66 doentes correspondendo
a 94% tinham polimedicação major ((quantidade igual ou superior a 5 medicamentos).

Na verdade, não existe uma definição de polimedicação minor ou major. Há autores que defendem que o
limite são 5, mas oficialmente não existe.

Neste estudo, o tipo de medicamentos mais usados são os do sistema renina-angiotensina-aldosterona e os


antitrombóticos.

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Medicamentos potencialmente inapropriados na Unidade Universitária de Geriatria

Segundo o STOPP/START e Beers, 40% destes doentes na primeira consulta tomavam medicamentos
potencialmente inapropriados e 13% tomavam pelo menos 2 e identificou-se também que em 70 doentes, 5 tinham
duplicação da terapêutica. Estas consultas tinham o apoio de farmacêuticos clínicos e com a intervenção da equipa,
e de 38 medicamentos potencialmente inapropriados em 70 doentes, recomendou-se a alteração de 29 fármacos
e a manutenção de 9. Foram mantidas benzodiazepinas de longa semi-vida que não devem ser utilizadas, mas estas
foram prescritas pela psiquiatria, assim como antidepressivos tricíclicos, tendo sido 2 prescritos pela psiquiatria e
outro porque a doente estava a tolerar bem, a amiodarona porque não havia melhor opção e antagonistas dos
canais de cálcio em doentes com obstipação crónica. Há situações que não se podem alterar, tem é de se vigiar.

Medicamentos potencialmente inapropriados num grupo de idosos admitidos num hospital português em 2013

Outro estudo em doentes internados. Temos valores diferentes se usarmos a escala de Beers e a STOPP/START.
Após a 1ª consulta, os doentes seguidos por medicina interna, quando passaram a ser seguidos por consultas de
geriatria, houve uma redução dos medicamentos potencialmente inapropriados e a introdução de omissões que
eram indispensáveis, eliminando-se 16 das 18 duplicações. No que diz respeito às benzodiazepinas (dão origem a
quedas, diminuição da função cognitiva com perda de memória), verificou-se uma redução muito grande da
utilização de benzodiazepinas de longa semi-vida.

Fala-se muito do perigo, mas estudos sobre reções adversas há poucos. Estudou-se as notificações de reações
adversas em idosos, sendo que de 1236, 425 ocorreram em idosos. O grupo de medicamentos que originou mais
reações adversas que foram notificadas foram os agentes neoplásicos e imunomoduladores, os do sistema nervoso
central, do aparelho cardiovascular, os anti-infeciosos gerais para uso sistémico e os do sistema músculo-
esquelético.

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Considerações sobre a prescrição

Que medicamento?

1) Obter com rigor a história médica e medicamentosa para evitar contraindicações e interações farmacológicas;
2) Considerar terapêutica não medicamentosa, se possível;
3) Considerar causas psicológicas para os sintomas;
4) Tratar da patologia de base e não os sintomas;
5) Avaliar risco/benefício.

Como prescrever?

1) Prestar informação e educação ao doente e cuidador;


2) Avaliar a via de administração mais adequada;
3) Iniciar com a dose mais baixa para todos os medicamentos e elevar lentamente;
4) Considerar fatores individuais: função renal, hepática, ingestão álcool, dieta, gordura corporal, tabagismo;
5) Considerar aspetos práticos: esquema terapêutico, embalagem.

Como seguir o doente?

1) Monitorizar o benefício clínico e reações adversas medicamentosas no início;


2) Garantir avaliação dos níveis dos fármacos e marcadores bioquímicos;
3) Rever a terapêutica, pelo menos uma vez ao ano incluindo os OTC e avaliar aderência;
4) Atenção a medicamentos sem benefício ou que provoquem reações adversas medicamentosas inaceitáveis;
5) Considerar critérios STOPP/START;
6) Prestar informação clara na mudança de regime (ambulatório/hospitalização) envolvendo o farmacêutico.

Concluindo, a prescrição do doente idoso requer avaliação cínica do doente e efetividade e segurança da
terapêutica. Tem de se estabelecer objetivos terapêuticos e evitar prescrever e identificar medicamentos
potencialmente inapropriados, medicamentos indutores de quedas, duplicação, omissão, interações e tratar
reações adversas medicamentosas com medicamentos, dando origem à cascata de medicamentos.

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Aula 8 – Nutrição no Idoso
Sofia Duque – 14/10/2019

Quando falamos de nutrição, é bom estabelecermos uma definição. Assim, define-se nutrição como um
processo biológico em que, através dos alimentos, o ser humano obtém os nutrientes necessários às funções vitais
como o crescimento (não o mais importante em geriatria), manutenção (metabolismo em geral e processo em que
se obtém energia para funcionarmos) e reparação do corpo. Tem várias etapas incluindo a ingestão, a digestão, a
absorção, a circulação, a assimilação (metabolismo) e a eliminação.

Muitas vezes pensamos na alimentação, mas a nutrição


também é muito importante e corresponde à obtenção de
energia para funcionarmos e à obtenção de nutrientes
plásticos (correspondem a proteínas pois estes são
nutrientes que são usados para constituírem tecidos). Os
lípidos e os hidratos de carbono são mais usados para se
obter energia.

Todos os grupos de macronutrientes são usados no ciclo


de Krebs. Os idosos têm necessidades proteicas mais
elevadas, no entanto, ingerem menos alimentos proteicos o
que leva à degradação do músculo e ao aumento da
sarcopénia. Aqui, os vários nutrientes nos vários órgãos e
sistemas têm um papel importante.

O envelhecimento depende de fatores genéticos e ambientais na proporção de 25%/75%. Este depende de


vários fatores como as alterações fisiológicas do envelhecimento, da atividade física, dos estilos de vida saudáveis,
das condições socioeconómicas, dos avanços da medicina, de aspetos relacionados com a nutrição como o acesso
aos alimentos e a qualidade da alimentação (em África há mais desnutrição e menos idosos), das alterações
antropométricas e das composições corporais e nutricionais. Todos estes fatores podem pré-dispor a um aumento
do risco de desnutrição que por sua vez aumenta o risco de sarcopénia e de fragilidade.

Temos de ver a nutrição como um elemento chave no envelhecimento. No gráfico, podemos observar que com
o envelhecimento as calorias ingeridas diminuem. Há discórdia sobre a razão de isto acontecer sendo que há
autores que defendem que o metabolismo basal do idoso não consome tanta energia, enquanto outros autores
(hipótese mais aceite pela professora) constam que, se compararmos os idosos com 71 e 91 anos, quer nas
mulheres quer nos homens, a energia basal é idêntica, no entanto, a energia total é diferente. Assim, a energia total
depende da energia gasta na atividade, ou seja, se os idosos tiverem parados praticando assim menos atividade,
estes consomem menos energia tendo um gasto energético e um consumo calórico menor. Nos idosos a energia
basal gasta não difere muito dos jovens, a energia total gasta depende é da atividade física.

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Para manejarmos o estado nutricional, temos de compreender os fatores que o determinam, nomeadamente
os genes, as alterações fisiológicas do envelhecimento, as doenças médicas, a incapacidade física, as alterações
mentais e as alterações do estado socioeconómico. De uma forma genérica, podemos dividir a malnutrição em
desnutrição e obesidade, podendo também incluir-se outras condições como sarcopénia. Há também carências
nutricionais específicas.

Alterações corporais

Com e envelhecimento ocorrem alterações na composição nomeadamente diminuição da massa magra e


aumento da massa gorda. Com o envelhecimento há diminuição de peso, havendo um plateau nos 60 anos. O IMC
aumenta até uma certa idade, mas depois diminui. A água corporal diminui assim como a massa magra, e a massa
gorda aumenta até aos 60 anos e depois diminui ligeiramente. Com o envelhecimento, a massa magra é substituída
por massa gorda e a água corporal diminui.

Há ainda outro fenómeno relativamente à diferença entre jovens e idosos. Submeteram-se idosos e jovens a
um período de jejum e observou-se que depois do período de jejum, o peso diminuía mais nos idosos do que nos
jovens, tendo estes um maior risco de perder peso e um maior risco de desnutrição. Ao realimentar os dois grupos,
os jovens aumentaram de peso enquanto que os idosos continuaram a perder peso, não recuperando da
desnutrição prévia. Assim, se nós enquanto profissionais de saúde emitirmos um aconselhamento errado a um
idoso, isto pode ser muito grave. Em indivíduos com diabetes, em idade adulta recomenda-se terem um peso
normal, mas na idade idosa recomendam (erradamente) perda ponderal, havendo perda de massa muscular,
sarcopénia e fragilidade, quando os indivíduos diabéticos já têm maior probabilidade de terem outras síndromes
geriátricas.

O índice de massa corporal (IMC) corresponde a uma fórmula dada pelo peso a dividir pela altura ao quadrado,
sendo uma relação matemática. É uma equação que não traduz mais do que o peso e a altura. No entanto, a altura
e a estatura do idoso não é igual à do adulto devido, por exemplo, a cifose dorsal. Este IMC, um dos fatores de
maior risco de doença cardiovascular, no idoso pode não ter o mesmo significado. Acabou por ser demonstrado
que, quando os idosos têm um IMC entre 25 e 30 (considerado excesso de peso), na verdade parece que têm menos
mortalidade, podendo dizer que o excesso de peso é um fator protetor. Isto altera o paradigma do IMC, sendo
necessário um ajuste.

Na verdade, os indivíduos que tinham um IMC acima de 30 foram aqueles que sobreviveram mais tempo. Isto
acontece porque dois indivíduos podem ter a mesma altura e o mesmo peso, tendo assim o mesmo IMC, mas não
têm o mesmo risco cardiovascular, havendo maior risco num obeso do que num idoso. Não somos apenas uma
equação matemática, temos de ter em conta também a composição corporal do indivíduo e outros aspectos como
o aumento da massa gorda e a diminuição da massa magra no idoso e as alterações de estatura. Assim, se há a
alteração destes componentes, não devemos usar os mesmos limites que usamos nos jovens e nos adultos, sendo
então necessário diferentes pontos de corte no IMC. Abaixo do valor 22 de IMC no idoso temos desnutrição e o
intervalo correspondente a excesso de peso passa a ser mais pequeno. Segundo o Seneca Study, a perda de peso
ameaça mais a sobrevivência do idoso do que o ganho de peso.

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Desnutrição

A desnutrição corresponde a um desequilíbrio entre as necessidades


e o aporte energético, havendo uma maior necessidade do que aporte. As
alterações da composição corporal por privação absoluta ou relativa de
nutrientes leva a uma diminuição dos parâmetros nutricionais.

A definição do ESPEN em 2015 definia desnutrição por um valor de


IMC inferior a 18,5 Kg/m2, com perda ponderal não intencional de mais de
10% (independentemente do intervalo de tempo) mais o fator idade ou o
fator da massa magra dependente do sexo. No fator idade considerava-se
indivíduos com idade inferior a 70 anos com um IMC inferior a 20 e
indivíduos com idade igual ou superior a 70 anos com um IMC inferior a
22. No fator da massa magra, considerava-se mulheres com massa magra
livre de gordura inferior a 15 Kg/m2 e homens a massa livre de gordura
inferior a 17 Kg/m2.

Estas definição já está desatualizada, sendo que na nova e atual definição de desnutrição, antes de
diagnosticarmos temos de aplicar uma prática de rastreio. Primeiro rastreamos os idosos em risco de desnutrição
usando-se várias ferramentas de rastreio e depois, na etapa seguinte, realizamos a avaliação diagnóstica olhando
para o fenótipo e para fatores etiológicos (na história clínica). Só depois destes passos é que podemos estabelecer
o diagnóstico e a gravidade.

Critérios Fenotípicos

No fenótipo avaliamos uma redução da massa muscular, um parâmetro difícil de avaliar sendo necessário
avaliar-se a bioimpedância ou realizar uma TAC a todos os idosos (o que não é fazível), um baixo IMC havendo cut-
offs diferentes consoante a idade (para indivíduos com idade inferior a 70 anos considera-se um IMC inferior a 20
e para indivíduos com idade superior a 70 anos considera-se um IMC inferior a 22) e consoante a raça uma vez que
as estaturas podem variar (na raça asiática, para indivíduos com idade inferior a 70 anos considera-se um IMC
inferior a 18,5 e para indivíduos com idade superior a 70 anos considera-se um IMC inferior a 20) e avaliamos
também uma perda de peso não voluntária sendo necessário perda de peso superior a 5% nos últimos 6 meses ou
superior a 10% num período superior a 6 meses.

Fatores Etiológicos

Nos fatores etiológicos avaliamos o


consumo ou assimilação reduzida de comida
avaliando-se a quantidade de energia ingerida
comparativamente às necessidades energéticas
e considera-se um fator de desnutrição se
houver ingestão de 50% das necessidades
energéticas no período superior a uma semana
ou uma redução em qualquer percentagem num
período superior a duas semanas ou ainda
alguma condição gastrointestinal crónica que
afete a assimilação ou absorção de comida, e
avaliamos também a condição inflamatória da
doença, uma vez que várias doenças têm um
carácter inflamatório.

A prevalência da desnutrição é maior em idosos hospitalizados. Nestes gráficos devemos esquecer a


reabilitação porque é no fundo a continuação da hospitalização, sendo que as pessoas nesta categoria estão muito
doentes. Assim, o hospital é o sítio onde há maior desnutrição e risco de desnutrição.
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Se olharmos para as pessoas mais idosas, 30% das mulheres têm risco de desnutrição. Com o envelhecimento,
o risco de desnutrição aumenta devido alterações fisiológicas como a diminuição da massa magra e aumento da
massa gorda, a alteração do paladar com consequente redução do mesmo devido à diminuição da quantidade de
papilas gustativas e à diminuição do olfato ( a redução do paladar gera um menor apetite uma menor ingestão) e a
presença de uma anorexia fisiológica que corresponde a uma diminuição da fome e do apetite e tem muito a ver
com alterações neuroendócrinas que ocorrem com o envelhecimento. Outras alterações fisiológicas são a doença
periodontal como queda de dentes e alterações das gengivas, a diminuição da secreção da saliva sendo que os
idosos têm a boca mais seca, a diminuição da secreção gástrica, o atraso do esvaziamento gástrico sendo que o
estômago demora mais tempo a passar os alimentos para o duodeno originando uma saciedade precoce e a
diminuição do trânsito intestinal devido à diminuição do peristaltismo com distensão muscular que origina uma
sensação preenchimento, o que diminui a ingestão alimentar.

Há ainda outros fatores predisponentes da anorexia fisiológica nomeadamente o humor depressivo,


problemas económicos e sociais, o desconhecimento de técnicas culinárias sendo que alguns idosos não sabem
cozinhar, os fármacos que tomam, a má dentição e problemas de deglutição que levam a que os idosos não comam
pois gera dor, a solidão uma vez que habitualmente os idosos que estão sozinhos não têm vontade de se
alimentarem, a imobilidade que impede a deslocação para a comida fazendo com que não se consigam alimentar,
a multimorbilidade, ingestão de alimentos pouco variados e a diminuição do olfato e do paladar. Assim, a anorexia
fisiológica é um problema multifatorial, tendo nós de corrigir todos estes problemas, que podem progredir para
malnutrição, sarcopénia, quedas e eventualmente morte.

Nos idosos há diminuição do prazer de comer


ou, por outro lado, passam a ter prazer em ingerir
determinados alimentos, que são os alimentos muito
doces e muito salgados, por diminuição das papilas
gustativas. Isto culmina na diminuição da variedade
dos alimentos ingeridos, havendo um maior risco de
diminuição da quantidade, mas também da
qualidade dos alimentos.

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Há outros fatores que causam desnutrição nomeadamente os estilos de vida como preferências alimentares
limitadas, alcoolismo, desconhecimento sobre alimentação saudável, inatividade física, hábitos culturais e
religiosos e “desenraizamento”. Outro fator importante é a dependência na preparação e no fornecimento de
refeições quer por desconhecimento de técnicas culinárias, por isolamento social por solidão, meios rurais, e
transportes limitados, por barreiras arquitetónicas, por incapacidade económica ou mesmo por negligência dos
cuidadores.

As vária doenças orgânicas também podem originar desnutrição, nomeadamente alterações da cavidade oral
(perda dentição, xerostomia, candidíase oral e aftas), doenças com envolvimento da musculatura orofaríngea (AVC,
demências, doença de Parkinson, etc.), doenças digestivas, hepáticas, pancreáticas e biliares, doenças crónicas
(insuficiência cardíaca, DPOC, tuberculose, artrite reumatóide) e hipercatabolismo e aumento das necessidades
nutricionais (cancro, hipertiroidismo, diabetes descompensada, demência com hiperactividade, úlceras de
pressão).

Também é muito importante e não nos podemos esquecer de perguntar de há sintomas desencadeados ou
associados à ingestão de alimentos como dor, náuseas, vómitos, engasgamento ou disfagia, diarreia, obstipação,
etc. uma vez que estes levam a uma menor ingestão de alimentos.

Outras causas de desnutrição são a polimedicação (beta bloqueantes, ácido acetilsalicílico, digoxina,
diuréticos, antibióticos, AINEs, opióides, anti-histamínicos, antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos) e dietas
restritivas como acontece em doentes com doença renal crónica, diabetes mellitus, hipertensão arterial,
dislipidémia e insuficiência hepática. Estas dietas são prescritas principalmente por médicos, mas esta dieta nem
sempre é benéfica uma vez que, por exemplo, num doente com HTA não devemos restringir totalmente o sal pois
este pode deixar de comer de todo.

Fatores que podem levar à desnutrição

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Lembrarmo-nos disto tudo na prática clínica não é fácil, havendo mnemónicas, como a DETERMINE e a MEELS
ON WHEELS:

Consequências da desnutrição

• Fragilidade física;
• Incapacidade;
• Úlceras de pressão e dificuldade de cicatrização de feridas;
• Toxicidade farmacológicas;
• Depressão;
• Menor qualidade de vida;
• Maior mortalidade e morbilidade;
• Maiores custos da saúde.

Habitualmente é fácil perceber que doentes desnutridos sejam frágeis, mas são frágeis a nível físico, havendo
outros espetros de fragilidade como a fragilidade social e a fragilidade económica, sendo importante notar que
mais de 90% dos idosos a viver na comunidade com desnutrição são frágeis ou pré-frágeis. Como descrito
anteriormente, antes de diagnosticarmos desnutrição temos de a rastrear, sendo que basear o diagnóstico apenas
na nossa observação macroscópica pode ser falacioso uma vez que uma pessoa pode ser naturalmente magra não
estando desta forma desnutrida. Temos várias formas de rastrear desnutrição usando o geriatric nutricional risk
index, o SNAQ (Short Nutritional Assessment Questionaire), escalas, a mnemónica do DETERMINE ou a forma
abreviada do MNA (Mini Nutritional Assessment).

Para a avaliação do estado nutricional, temos várias ferramentas, e para avaliarmos este estado temos de
passar por 2 passos: a avaliação subjetiva que inclui a história clínica com a anamnese e o exame objetivo e a
avaliação objetiva em que avaliamos de forma muito precisa a ingesta alimentar, as medidas antropométricas, os
dados laboratoriais e podemos também recorrer a dados de bioimpedância. Na história clínica vamos olhar para o
doente no exame objetivo, procurar reduções de peso, alterações na ingestão alimentar e procurar várias etiologias
e sinais de risco como a diminuição do tecido celular e do tecido muscular, a presença de edema e ascite, o aumento
de proeminências ósseas como a proeminência da clavícula e da coluna, a atrofia dos músculos interósseos, etc.
Tudo isto são sinais de desnutrição que o médico deveria identificar, mas que nem sempre o faz.

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Ainda na história clínica, podemos avaliar sinais de deficiências específicas nomeadamente de ferro, ácido
fólico ou vitamina B12 avaliando a presença de, por exemplo, unhas quebradiças e queilite angular.

Relativamente à ingesta alimentar, podemos avaliar esta de várias formas como perguntando o dia alimentar
habitual (melhor maneira), fazer um inquérito alimentar de 24 horas, perguntar sobre a frequência de consumo de
um determinado alimento ou ainda fazer o registo alimentar.

Nas medidas antropométricas, podemos calcular o peso e a altura (aferido vs estimado), o IMC, avaliar a
circunferência do braço e da perna ( a circunferência do braço indica-nos a estimativa de tecido muscular e de
tecido adiposo, mas a mais importante é a circunferência ou perímetro gemelar que corresponde à medida
antropométrica mais sensível da massa muscular nos idosos, sendo que um perímetro superior a 31cm significa
eutrofia enquanto que o perímetro inferior a 31cm corresponde a um marcador de desnutrição) e ainda avaliar as
pregas cutâneas (pouco fiável nos idosos, os nutricionistas estão mais treinados a avaliar isto).

Os dados laboratoriais vêm coadjuvar o diagnóstico. A pré-albumina é um bom indicador quando estamos a
realimentar o doente e tem um resultado mais precoce do que as proteínas ou a albumina, no entanto, é mais caro.
A creatinina resulta da degradação da massa muscular, mas como os idosos têm menos massa muscular, também
vão apresentar níveis mais baixos de creatinina. Os níveis baixos de colesterol e os triglicéridos podem ser
marcadores bioquímicos de destruição, no entanto temos de ter cuidado pois isto pode estar a ocorrer por
estatinas. A bioimpedância é analisa a composição corporal, indicando a quantidade aproximada de músculo, osso
e gordura, no entanto, é pouco fiável, mas pode sempre ser usada para ajudar no diagnóstico.

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O ideal era termos sempre um nutricionista para nos ajudar neste processo complexo, fazermos o rastreio
nutricional e quando temos risco de desnutrição ou já desnutrição, chamamos os nutricionistas para fazer estes
passos. O MNA (Mini Nutricional Assessment) é uma ferramenta rápida e fácil de aplicar em que a parte da triagem
também nos permite diagnosticar. Está validade para idosos em níveis assistenciais distintos e avalia várias
dimensões e condicionantes da desnutrição, sendo assim uma avaliação multidimensional. Na avaliação global
permite-nos avaliar o consumo de determinados alimentos, permitindo-nos diagnosticar e criar estratégias de
intervenção. Se o idoso não ingere lacticínios, na intervenção temos de aumentar a alimentação deste tipo de
alimentos.

O MNA permite-nos avaliar a perda ponderal recente, a ingesta alimentar, os dados antropométricos como o
IMC, o perímetro braquial e o perímetro da perna, problemas neuropsicológicos, a mobilidade, a presença de
doença aguda, a localização do doente, a sua medicação e a sua capacidade funcional. Este teste é mais sensível do
que o IMC usado isoladamente na deteção precoce de malnutrição ou risco de desnutrição nos idosos. Isto significa
que não podemos esquecer o IMC, mas se associarmos o MNA short-form é melhor. Esta ferramenta tem sofrido
várias alterações, sendo que o IMC no MNA short-form pode ser substituído pelo perímetro gemelar (idealmente
fazer 3 vezes), que é mais fácil do que calcular do que o IMC.

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Tratamento da desnutrição

Baseia-se em dois conceitos: nutrição e atividade física. Não é algo fácil de tratar, em primeiro lugar temos de
determinar os alvos nutricionais, depois vamos proceder a aconselhamento nutricional, à fortificação da dieta e à
suplementação nutricional oral.

Necessidades Nutricionais

Temos de ter em conta valores praticamente iguais a todos os idosos, sendo que de energia devemos ter 25-
30 Kcal/Kg/dia. O valor necessário de proteínas muda consoante as necessidades sendo que no jovem é 0,9g/Kg/dia
mas no idoso este valor é de 1-1,5g/Kg/dia, uma vez que tem uma maior necessidade. Assim, quando o idoso não
quer comer carne, vamos tentar substituir esta aumentando o consumo de peixe ou, no caso dos vegetarianos,
temos de ter um aconselhamento nutricional muito mais rigoroso, referenciando para uma consulta de nutrição.

As recomendações genéricas para a distribuição dos macronutrientes na dieta dos idosos não diferem dos
adultos. Assim, os hidratos de carbono devem fornecer 50-60% da energia total e devem consumir hidratos de
carbono de absorção lenta, fibras insolúveis e evitar hidratos de carbono de absorção rápida. Relativamente aos
lípidos, estes devem fornecer 20-35% da energia total e deve-se privilegiar os monoinsaturados e evitar as gorduras
saturadas. Os idosos necessitam de maior quantidade de proteínas, no entanto, estes comem menos proteínas e
têm menor capacidade de usar, sendo que a integração das proteínas no idoso é menor do que no jovem. Por isso,
não vale a pena dar muitas proteínas numa refeição pois o músculo já não vai conseguir integrar. Uma estratégia
melhor é oferecer quantidades regulares nas 3 refeições do dia, com 25-30g de proteína por refeição.

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A anorexia e os problemas gastrointestinais levam a uma redução do consumo de proteínas, a
insulinorresistência, a imobilidade e a insuficiência esplâncnica levam a uma menor capacidade de utilizar a
proteína e a doença inflamatória assim como a oxidação de proteínas originam uma maior necessidade de
proteínas. Tudo isto leva à sarcopénia e consequentemente fragilidade.

Os idosos têm maiores necessidades proteicas para compensar a resistência anabólica e a doença
hipermetabólica, mas podem ter uma diminuição do consumo destas proteínas devido à falta de apetite, a
condições médicas e a limitações financeiras, tudo derivado do processo de envelhecimento. O consumo de pelo
menos 1,0 a 1,5g de proteína por Kg por dia é recomendado, sendo que as necessidades individuais dependem na
severidade do risco de desnutrição.

O exercício físico ajuda a manter a força e função do músculo esquelético no idoso, o treino de resistência tem
resultados positivos, mas limitados na recuperação do músculo em idosos, e a combinação do treino de resistência
com uma ingestão adequada de proteínas é recomendada para um envelhecimento saudável do músculo.

Aconselhamento Nutricional

Deve-se realizar 5 ou 6 refeições por dia e deve-se recomendar uma dieta liberal e polifraccionada rica em
proteínas (1,0-1,5g/Kg/dia), com 25-30 gramas de proteína de qualidade por refeição, ou seja, tem de ter uma
rápida e elevada absorção. Esta quantidade de proteínas deve incluir mais de 10 gramas de aminoácidos essenciais
e mais de 3 gramas de leucina. A dieta tem de ser atrativa havendo uma seleção de alimentos com várias texturas,
cores e paladar e esta dieta tem de ter acordo com as preferências individuais, culturais e religiosas. Tem de haver
uma supervisão das refeições e não nos podemos esquecer da avaliação funcional, nomeadamente da disfagia,
dentição e das próteses dentárias. Muitos idosos devido ao emagrecimento, ficam com a prótese desregulada
sendo esta dolorosa e tiram-na quando vão comer. Tem um significado estético, mas também funcional. Temos
também de ser ainda mais permissivos nos idosos com risco de desnutrição ou já com desnutrição, sendo que
“quando há desnutrição, vale tudo, o que interessa é a pessoa conseguir ingerir”.

A dieta deve incluir cereais, frutas e vegetais, 1 porção de peixe, carne ou ovos ao almoço e jantar
(principalmente de peixe) e 3 ou 4 porções de lacticínios por dia como leite, iogurte e queijo. O consumo de
gorduras, sal e açúcar deve ser reduzido, deve-se preferir os cozidos e grelhados e evitar os fritos, assados, guisados
e molhos, deve-se substituir o sal por especiarias e ervas aromáticas e deve-se beber muita água, aproximadamente
1,5 a 2,5 litros por dia. É autorizado consumir vinho à refeição, bebendo-se meio copo ao almoço e jantar,
perfazendo assim 1 unidade por dia. As refeições devem ser feitas em companhia e com eventual ajuda, por
exemplo para partir a carne, deve-se corrigir os problemas da cavidade oral, nomeadamente próteses dentárias e
deve-se minimizar os problemas de deglutição.

Fortificação da dieta

Mesmo com uma alimentação adequada, esta pode não preencher as necessidades da pessoa, pois pode estar
desnutrida ou pode ter uma anorexia fisiológica, logo temos de enriquecer a alimentação. Há estratégias
rudimentares para fazer esta fortificação e que podem ser facilitadas se recorrermos a suplementos alimentares.

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Para se aumentar a energia podem-se fazer coisas tão simples como adicionar natas e/ou azeite a sopas, purés,
molhos, sobremesas, batidos e iogurtes, adicionar de manteiga ou margarina a legumes, massas, ovos mexidos ou
ovos cozidos, adicionar geleia, mel ou xarope aos cereais de pequeno almoço ou pudins e ainda ingerir flocos de
aveia, sementes de linhaça, chocolate em pó, frutos secos e farelo de trigo. Para se aumentar a quantidade de
proteínas pode-se adicionar leite em pó aos alimentos lácteos, adicionar ovos ao puré de batata e a sobremesas
lácteas, adicionar ovo cozido triturado ou atum às refeições e adicionar queijo a puré de batata, sopas, vegetais,
saladas, arroz e massa. Estas estratégias demoram tempo, sendo que os suplementos nutricionais colmatam esta
falha.

Suplementação Nutricional Oral

Estes suplementos podem ser recomendados por profissionais de saúde, mas deve-se ter cuidado com o que
recomendamos e temos de ser específicos. Estes suplementos devem ser tomados entre as refeições ou à ceia e
devem ser direcionados para as necessidades do doente. Se tivermos um doente com sarcopénia e fragilidade
focamo-nos em dar um suplemento hiperproteico, enquanto que se tivermos um doente desnutrido damos um
suplemento hiperproteico e hipercalórico.

Resumo

Se não tivermos tempo na consulta para fazer muitas perguntas e se só podermos fazer uma pergunta é
perguntar o que o doente janta (vai-nos direto a uma lacuna muito comum) e se tivermos uma segunda pergunta
perguntamos o peso (apesar do IMC necessitar de ajustes, indica-nos muito sobre o estado nutricional do doente).
Outra pergunta útil é saber se houve perda ponderal de peso recentemente.

A nutrição é um elemento chave para o envelhecimento bem-sucedido e a intervenção nutricional pode


prevenir ou tratar a desnutrição.

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Aula 9 – Atividade Física e Saúde do Idoso
Manuel Teixeira Veríssimo – 28/10/2019

O envelhecimento faz-nos perder capacidades e o exercício físico, desde que seja bem praticado, contraria
essa tendência, por isso, o exercício físico é o antagonista natural do envelhecimento. Este exercício físico já há
muito tempo que é valorizado na prática de saúde e também pela OMS que em 1995 lançou um novo programa
para os idosos onde destacou a importância da atividade física na manutenção da saúde neste escalão etário. Para
além disto, de acordo com a definição de saúde da OMS que corresponde a um estado de bem-estar físico, mental
e social, talvez nenhuma outra medida possa contribuir de um modo tão global para este fim como a atividade
física.

Como é que o exercício físico pode contribuir para a saúde dos idosos?

Desde logo, por atrasar a involução dos vários aparelhos e sistemas, sendo que há vários estudos que
demonstram que a diminuição das capacidades de alguns aparelhos é mais devida ao desuso do que ao
envelhecimento em si. Isto é praticamente verdade em tudo: o que não se usa tem tendência a atrofiar. O exercício
físico tem também importância para prevenir as doenças agudas e crónicas, para tratar as próprias doenças crónicas
como a diabetes e ainda para promover a independência e o bem-estar dos indivíduos idosos. É bom termos uma
grande longevidade, sendo que Portugal é um dos países com mais longevidade da Europa, mas isto só faz sentido
se os idosos tiverem independência e bem-estar, tendo assim qualidade de vida, e o exercício físico é excelente
para manter esta autonomia e capacidade.

Atividade Física, Exercício Físico e Desporto

• Atividade Física – Contempla qualquer movimento realizado pela musculatura esquelética do corpo fazendo
mexer os segmentos do nosso corpo que resulta num gasto energético acima dos valores de repouso;
• Exercício Físico – Compreende toda a prática consciente de atividade física, realizada com um objetivo
específico (nomeadamente melhorar a saúde) e bem delineada no tempo, com ou sem prescrição. É assim
uma atividade física programada como as aulas de hidroginástica;
• Desporto – Associa-se ao jogo e à competição, correspondendo ao sistema organizado de movimentos e
técnicas corporais executados no contexto de atividades competitivas regulamentadas. Assim, corresponde a
um exercício físico com fim competitivo.

Benefícios da atividade física nos idosos

Os benefícios adquirem-se a nível físico,


ao nível das alterações na composição
corporal, na ingestão alimentar e nos sistemas
cardiovascular, locomotor, neurológico,
respiratório, digestivo, endócrino-metabólico e
imunológico. Também há benefícios a nível
mental como na cognição e no bem-estar
psicológico, e a nível social pois o exercício
físico proporciona hipóteses de contacto social.
Por exemplo, nas grandes cidades,
relativamente às pessoas que vivem sós, a
hipótese de terem contacto social e de fugirem
ao isolamento é precisamente as aulas de ginástica e as atividades físicas promovidas pelas autarquias e pelas
associações. O exercício físico é ainda benéfico a nível da longevidade e da mortalidade, sendo que há estudos que
mostram que quem faz regularmente exercício físico ao longo da vida tem tendência a durar mais tempo do que os
que não fazem. E mais uma vez, é benéfico na capacidade funcional e no bem-estar das pessoas.

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Composição corporal

Podemos dividir o corpo em duas partes: massa gorda e massa magra. Com o envelhecimento, diminui a massa
magra (água, músculo, osso e vísceras) e a proporção de massa magra na nossa composição corporal, e aumenta a
proporção da massa gorda tendo essa massa gorda uma localização central. Esta gordura migra da periferia, ou
seja, dos membros, para se depositar nesta região central.

Isto tem consequências em termos de saúde: a desidratação é mais fácil e perigosa nas pessoas idosas e o
excesso de gordura abdominal está ligado a problemas de saúde nomeadamente o aumento da diabetes, da
hipertensão arterial, da aterosclerose e da gota. Hoje temos mais de 1 milhão de diabéticos em Portugal, não só
devido ao estilo de vida das pessoas, mas em parte porque temos muitos idosos cuja migração de gordura leva à
insulinorresistência. Há também osteoporose, que aumenta o risco de fraturas nas pessoas idosas, e ainda a perda
da capacidade muscular com diminuição do rendimento do trabalho muscular, da capacidade funcional e da
independência e autonomia. Isto são as consequências do envelhecimento.

O que é que faz o exercício físico em relação a estas perdas? Aumenta a massa muscular, estando bem provado
que quem faz exercício ao longo da vida mantém maiores quantidades de massa magra mesmo na parte mais idosa
da vida, e mesmo aqueles idosos que já não fazem atividade física ou que nunca fizeram, se forem sujeitos a
programas de exercício físico, ganham massa muscular. O exercício físico aumenta também a proporção de água
do corpo (começa nos 70% e vai quase até aos 50%) e aumenta a reserva de água no exercício físico melhorando a
própria água corporal. Previne a perda óssea (osteoporose), diminui a gordura corporal havendo estudos que
demonstram que quando fazemos exercício físico há diminuição da gordura corporal, sendo esta
proporcionalmente maior na região central, e há ainda um aumento do consumo energético e do metabolismo
basal. Há estudos transversais que demonstraram que os idosos mais exercitados têm mais massa magra e menos
massa gorda, havendo também estudos que estudaram ex-atletas ao longo da sua vida e verificaram que, nos
atletas de alta competição que continuaram a fazer exercício físico, a perda de massa magra e o ganho de massa
gorda é mínima. Assim, se quisermos continuar a ter bons músculos e a menor proporção de gordura possível,
devemos fazer exercício físico ao longo da vida e quando se é velho também.

Aparelho Locomotor

O sistema locomotor é um dos que mais beneficia com o exercício físico e é um dos mais importantes para a
qualidade de vida nos idosos porque permite manter a funcionalidade e a autonomia. No envelhecimento, há
diminuição da densidade óssea, degeneração da cartilagem articular, sendo que todos os idosos têm artroses de
maior ou menor grau, há diminuição da elasticidade das cápsulas e tendões, diminuição da massa muscular e
diminuição da força muscular.

Quais são os benefícios do exercício físico? Este previne a osteoporose e as artroses. A cartilagem não é irrigada
por vasos sanguíneos, sendo irrigada pelo líquido sinovial, e o exercício ao criar pressão dentro da articulação
provoca uma melhor libertação de líquido sinovial irrigando melhor a cartilagem. É também importante porque
previne a perda de massa e força muscular. Por isso, em termos do aparelho locomotor, o exercício físico regular é
fundamental para a manutenção da capacidade funcional, autonomia e independência dos idosos.

Aparelho Cardiovascular

Este também beneficia significativamente com a prática regular de exercício físico. Com o envelhecimento há
diminuição da elasticidade das artérias devido ao desenvolvimento de aterosclerose e à perda da elastina, há uma
maior estimulação β-adrenérgica, um aumento da pressão arterial sendo que à medida que vamos envelhecendo
há tendência de haver um aumento da pressão arterial sistólica, e mais de 60% dos idosos tem hipertensão sistólica
devido a este enrijecimento das artérias, e há ainda fibrose do miocárdio em que os miócitos são substituídos por
tecido fibroso.

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As consequências clínicas do envelhecimento são assim a hipertensão arterial (especialmente a sistólica), a
insuficiência cardíaca, que é quase como uma praga (por uma lado é bom porque é um sinal que as pessoas
envelhecem e que vivem mais tempo) e depois temos os acidentes vasculares como o enfarte do miocárdio, o AVC
e a isquémia periférica que continuam a ser a principal causa de morte na população ocidental e particularmente
nos idosos.

O que é que o exercício físico faz em relação a isto? Diminui a pressão arterial, havendo vários estudos que
demonstram que a prática regular de exercício físico em idosos reduz à volta de 7-10mmHg em média na pressão
sistólica e 0,4mmHg na pressão diastólica, é importante para manter a função do músculo cardíaco visto que este
também é um músculo treinável: um exemplo disso é que hoje todas as classes de insuficiência cardíaca a partir do
IV grau beneficiam com a prática regular de exercício físico. O exercício físico controla os fatores de risco
cardiovasculares, tendo um efeito positivo na hipertensão arterial, na dislipidemia aumentando o HDL e diminuindo
os triglicéridos, no combate à obesidade, na hiperglicémia e na hiperinsulinémia. Tem também um efeito positivo
na trombogénese, ou seja, à medida que vamos envelhecendo, aumenta o risco de termos uma trombose devido
ao aumento da viscosidade do sangue e o exercício físico diminui os fatores de risco pró-trombogénicos diminuindo
o fibrinogénio, o fator VII, a agregação plaquetária, o PAI-1 e a viscosidade plasmática. Também por aqui é um fator
protetor em termos de acidente cardiovascular.

Aparelho respiratório

Com o envelhecimento há alterações da parede torácica havendo cifose por fraturas das vértebras, há
calcificações e fusão das cartilagens condrocostais que existem para dar expansibilidade à caixa torácica, fazendo
com que a caixa torácica se torne uma caixa rígida e, por outro lado, os músculos principais e secundários da
respiração também vão perdendo capacidade funcional e eficácia. Ficamos assim com uma caixa mais rígida e
consequentemente menos expansível. A nível dos brônquios há um aumento do número e tamanho das glândulas
mucosas que originam uma maior produção de muco, mas esse muco não é melhor retirado pois há diminuição da
função ciliar havendo uma maior tendência para o colapso brônquico porque há menos cartilagem. Assim, há no
fundo uma maior dificuldade de os idosos expelirem as secreções que têm na árvore traqueobrônquica. Nos
pulmões, mais ao nível do parênquima, sabemos que este é um dos órgãos com maior elasticidade, mas nos idosos
vai haver uma tendência de perder esta qualidade elástica tendo menos distensibilidade. Ao nível da circulação
pulmonar há tendência para o aumento da pressão pulmonar e há um aumento do espessamento capilar.

As consequências derivam destas alterações. As pessoas idosas têm piores valores espirométrico do que as
pessoas mais jovens em todos os parâmetros, que diminuem com exceção do espaço morto que por sua vez
aumenta. Há assim uma diminuição da compliance pulmonar, da capacidade vital, do volume expiratório máximo
por segundo e da capacidade de realizar trocas gasosas, há um aumento do volume residual, uma maior limitação
ao esforço e uma maior suscetibilidade às infeções.

O exercício físico melhora a ventilação com repermeabilização das bases porque à medida que vamos
envelhecendo há tendência para as bases deixarem de ser insufladas, mantém a eficácia dos músculos respiratórios
porque vão sendo treinados e mantém a expansibilidade da caixa torácica. Isto é ótimo se forem pessoas que
tiverem feito exercício físico ao longo da vida e que continuam a fazê-lo quando são velhos. De qualquer modo,
mesmo que o comecem a fazer só na idade idosa, há melhoria da expansibilidade, das trocas gasosas e permite
uma melhor limpeza da árvore traqueobrônquica. O próprio princípio da fisioterapia e reabilitação respiratória,
numa das partes, passa por treinar o movimento da caixa torácica. Este exercício físico provoca ainda um atraso
nos efeitos negativos a nível dos valores espirométricos. Resumindo, melhora a oxigenação dos tecidos.

Aparelho digestivo

Não tem tanta importância como os sistemas anteriores, mas ainda tem importância. As pessoas idosas,
relativamente ao aparelho digestivo, têm problemas de mastigação e de deglutição, têm uma diminuição das
secreções digestivas e da motilidade intestinal com obstipação e há ainda um aumento da incidência de
diverticulose e de cancro.

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A obstipação é um problema muito comum, e uma das razões para além da atonia do próprio intestino e do
cólon é a falta de atividade física. O exercício físico protege contra o aparecimento de cancro colorretal e tem
também importância na diverticulose que aparece nas pessoas idosas com mais frequência por enfraquecimento
da parede por um lado, e por aumento da pressão intra luminal do cólon por outro. O exercício físico tem tendência
a diminuir esta pressão e protege contra a própria diverticulose.

Os efeitos benéficos do exercício físico são o aumento das secreções digestivas, melhorando a capacidade
digestiva e aumenta a motilidade intestinal, e por isso, ajuda e contraria a tendência para a obstipação. Obviamente
isto também tem a ver com a alimentação, com fibras e com a água. É também muito importante em certas
patologias do envelhecimento como a obstipação, a diverticulose, o cancro e a má absorção.

Sistema imunológico

O sitema imunológico envelhece com a idade, principalmente a imunidade celular. Este sistema envelhece
como tudo, mas o que se verifica mais é a diminuição dos linfócitos T, principalmente os CD8, sendo que
normalmente o número de CD4 mantém-se e o número de NK mantém-se ou sofre um ligeiro aumento. Há também
uma manutenção do número de linfócitos B. Em termos de funcionalidade, todo o sistema imunitário e todos as
células têm tendência a responder mais lentamente. Não estamos a falar de idosos com ouros problemas, estamos
a falar no envelhecimento normal.

Em termos de consequências, há assim uma maior suscetibilidade a infeções, neoplasias e doenças auto-
imunes, sendo estas mais frequentes. Tudo isto tem a ver um pouco com esta ineficiência ou menor eficiência do
sistema imunológico associada ao reconhecimento.

O exercício físico regular aumenta o número de linfócitos CD8 e torna a resposta imunitária muito mais
eficiente. Tem um outro aspeto importante que é criar células novas e indiferenciadas, ou seja, células T naïves,
que são importantes pois dá capacidade a responder a novas infeções. Assim, os idosos que praticam exercício
físico mostram menor grau de imuno-senescência do que os sedentários.

Sistema Nervoso

Com o envelhecimento ocorre morte celular dos neurónios, embora hoje se saiba que os neurónios morrem
mas também se podem formar mesmo nas pessoas idosas, coisa que não se sabia há uns anos, sendo que em certas
circunstâncias, nomeadamente através do estímulo psíquico, é possível criar neurónios novos. Há ainda diminuição
da perfusão cerebral, diminuição da secreção dos neuromediadores e modificação das próprias células a esses
neuromediadores havendo uma modificação da sensibilidade a estes.

Como consequências temos uma lentificação das funções cerebrais, alterações cognitivas mesmo sem ser
demência, diminuição da coordenação neuro-muscular que é muito importante para coordenar os músculos com
a ação e evitar quedas, perda de reflexos e perturbações do equilíbrio. Por exemplo, quando os jovens caem fazem
mais frequentemente fraturas de Colles (fratura da extremidade distal do rádio) enquanto que os idosos quando
caem fazem fraturas do colo do fémur.

O exercício físico beneficia a coordenação muscular não só em velhos como em jovens. O exercício promove
um melhor desempenho em termos de coordenação neuro-muscular e nos idosos é particularmente importante
pois estes com o tempo têm tendência a perdê-la. É importante para manter os reflexos sendo que se as pessoas
forem treinadas vão perdendo muito mais lentamente estes reflexos, e melhora ainda o equilíbrio. Se um jovem
tropeçar num tapete este vai ter reflexo e músculos que o segurem, mas se for um idoso, este provavelmente cai.

Saúde Mental

Foi uma das últimas partes a ser estudada em termos dos benefícios do exercício físico. Problemas frequentes
nos idosos são os problemas cognitivos, a imagem corporal, sendo que a maioria das pessoas não gosta da sua
imagem porque ainda têm a ideia de como eram quando eram jovens, o que leva a uma diminuição da auto-estima.

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Há também uma diminuição da auto-eficácia, uma vez que os idosos acham que já não são capazes de fazer
nada, uma diminuição da satisfação do idoso consigo próprio e com a sua vida o que aumenta a ansiedade e a
depressão nos idosos.

O exercício físico tem efeitos positivos em todos estes aspetos, mesmo nas capacidades cognitivas e nas
pessoas com Alzheimer. Mesmo que no Alzheimer não consiga reverter a doença, consegue trazer bem-estar e
sossego à pessoa. No entanto, há estudos que têm sido feitos que mostram que o exercício tem um efeito de
contrariação da evolução da demência de Alzheimer. Não estamos a falar na hipótese de contacto social pois uma
das maneiras de contrariar a perda cognitiva e a evolução para demência tem a ver com o treino psíquico e com a
hipótese de as pessoas entrarem em programas de exercício físico com estimulação de realização de determinados
tipos exercício que exigem algum grau de compreensão e que envolvem raciocínio, e tudo isto pode atrasar a perda
cognitiva. O exercício físico ajuda a melhorar a imagem corporal pois muitas vezes faz com que os idosos sintam o
seu corpo e faz com que façam exercícios e tarefas que achavam que já não eram capazes de o fazer, aumentando
a auto-estima e mostrando-lhes que ainda servem para alguma coisa e que têm capacidades. Também estimula a
produção de algumas neuroendorfinas que dão sensação de bem-estar. Há vários estudos que demonstram que o
exercício físico regular tem efeitos na depressão e na ansiedade.

Nos primeiros estudos pôs-se a questão que o exercício fazia bem à saúde mental mais pela hipótese de
convívio do que propriamente pelo exercício em si. Então foram feitos estudos em que selecionaram 2 grupos
semelhantes: 1 deles fez um programa de exercício durante 6 meses e o outro teve a mesma hipótese de contacto
social, mas não fizeram exercício físico. O resultado foi que os dois grupos melhoraram, mas os do grupo que
fizeram exercício físico melhoraram mais. Assim, o efeito do exercício físico não é só pelo aspeto lúdico.

As pessoas com artroses também devem fazer exercício físico. Não há mais desgaste das articulações, o
exercício pode é ser intolerável se a dor for mais intensa. A atividade é fundamental e se não a houver, gera um
ciclo vicioso de quanto menos se faz menos se quer fazer. É preferível, dentro do razoável, dar algum tipo de
analgésicos, mas fazer com que os idosos se mexam. Temos de contrariar a tendência de fazer muito exercício na
idade jovem e depois de repente parar, tendo de aumentar o exercício que por sua vez aumenta a qualidade de
vida no final da vida.

Longevidade

A longevidade está a aumentar, sendo que Portugal é dos países com a maior esperança de vida e dos países
mais envelhecidos da Europa, e há alguns dados que apontam para que o exercício físico atrase o envelhecimento
e aumente a duração da vida. Há vários estudos que demonstram que o alto nível de atividade física é um fator
comum encontrado em comunidades com pessoas que tradicionalmente ultrapassam os 100 anos, ou seja, com
uma grande longevidade (Paquistão, Geórgia e no Equador), mas mais objetivamente há estudos que mostram que
os ex-atletas que continuaram a praticar desporto até à terceira idade mostram uma melhor capacidade funcional
e maior longevidade que os sedentários. Assim, há menor mortalidade e maior longevidade nos idosos fisicamente
ativos.

Exemplos de estudos

No Aerobics Center Longitudinal Study foram avaliados 6 878 homens e 2 054 mulheres com idades superiores
a 50 anos no início do estudo. Foram classificados à entrada em 3 níveis de capacidade física: baixo, moderado e
alto, tendo sido seguidos posteriormente. A conclusão deste estudo foi que a taxa de mortalidade geral foi
inversamente proporcional ao nível de capacidade física verificado à entrada.

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O estudo de Harvard é mais elucidativo. No Harvard Alumni Study, durante 16 anos foram avaliados 16 936
antigos alunos de Harvard com idades entre os 35 e os 70 anos à entrada para o estudo. O nível de atividade física
foi medido no início e periodicamente durante o estudo. As conclusões deste estudo foram que a mortalidade nos
que despendiam mais de 2 000 calorias por semana em exercício físico foi de 25-30% menor do que nos sedentários,
um valor significativo, e os que iniciaram a prática de exercício depois da entrada no estudo, apresentaram menor
taxa de mortalidade geral do que os sedentários: Isto é uma indicação muito importante: nunca é tarde para
começar. Não beneficiam tanto como os outros, mas também têm benefícios.

No Alameda County Study foram avaliados 6 928 adultos de 1965 a 1985 e a conclusão foi que a baixa atividade
física associou-se a um aumento da mortalidade a partir dos 70 anos, o que é normal porque a partir dos 70 anos é
que começam a aparecer os maiores problemas da saúde.

No Adventist Mortality Study foram avaliados 9 484 indivíduos durante 26 anos e a conclusão foi que a idade
média da morte foi de 76,3 anos para os que tinham um baixo nível de atividade física e de 79,1 para os que tinham
um elevado nível, ou seja, os indivíduos que faziam exercício físico regular duravam em média 3 anos mais, um
número significativo. Mas para além destes 2,8 anos que ganhavam, os indivíduos ganhavam também qualidade
de vida, tendo mais funcionalidade e autonomia.

Dicas sobre a atividade física

O que é que é mais rendível? Globalmente atividade física é boa para a saúde no geral, mas esta tem de ser
adequada ao indivíduo, se não for, pode ter efeitos negativos. Devemos aconselhar: “O que interessa é mexer”.
Esta atividade física pode ser inserida na vida quotidiana ou, se não gostarem de fazer exercício físico, de ir ao
ginásio ou se não tiverem possibilidades financeiras para o fazer, têm de inserir algum tipo de exercício programado
ou mesmo algum tipo de desporto. O importante é que a atividade física deve ser praticada com regularidade (só
traz benefícios enquanto se pratica, quando se deixa de praticar perde-se esse benefício) e deve ser adaptado à
capacidade física e disponibilidade do indivíduo. Tem também de ser praticado com prazer, se não, eventualmente
vai deixar-se de fazer.

Atividade física quotidiana

Em termos de atividade física quotidiana podemos propor usar escadas em vez do elevador, o deslocamento
a pé para o trabalho, para as compras e para o café, quando for necessário utilizar transportes devem sair antes da
paragem mais perto e ir a pé até ao destino, fazer trabalhos manuais como jardinagem, horticultura, bricolagem ou
limpezas que aumentam a destreza manual e a capacidade de raciocínio, e deve-se ainda criar o hábito de passear.
Assim, o exercício físico é importante para ocupar e estimular a parte psíquica das pessoas idosas.

Atividade física de forma organizada

A atividade física de forma organizada pode ser feita na forma de o exercício organizado que pode ser
orientado por um professor de educação física ou pode ser praticado autonomamente, sendo para isto necessário
alguns cuidados. Pode ainda ser feita sob a forma de desporto embora o desporto de competição não tenha
interesse nas pessoas idosas. As modalidades mais aconselhadas são a marcha, a corrida, o ciclismo, o golfe, a
natação, o remo, a dança e a ginástica. Estes são desportos que podem ser feitos por idosos, e, desde que gostem,
são excelentes visto que, por exemplo, a dança junta o efeito físico e o efeito psíquico. A natação também é muito
benéfica sendo que, se for feita numa piscina aquecida, diminui o peso da gravidade diminuindo os aspetos
negativos das artroses e permite também um nível de relaxamento ao aumentar a distensibilidade das articulações.

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Regras gerais para a prática de exercício físico no idoso

• Exame médico prévio e observação regular – Não se deve recomendar que uma pessoa qualquer corra sem
sabermos se tem alguma doença que contraindique esta atividade física, sendo necessário fazer uma avaliação
prévia como um ECG e uma prova de esforço;
• Mínimo de regularidade e intensidade – Idealmente deve ser realizado todos os dias, mas pelo menos deve
ser feito dia sim dia não e deve ter alguma intensidade para criar algum estímulo;
• Exercício aeróbico adequado a cada idoso – Embora também se deva fazer algum exercício físico de força para
contrariar o músculo fazendo com que este ganhe mais capacidade;
• Evitar os desportos de contacto físico – Para evitar lesões;
• Desporto sem fim competitivo (exceto o golf) – O golf e o ténis podem até ser competitivos desde que se jogue
com parceiros da mesma idade. Nada de juntar pais e filhos porque o mais velho quer mostrar que não ainda
não perdeu as suas capacidades;
• Não treinar com frio ou calor excessivos;
• Boa hidratação e usar equipamento adequado;
• Parar ao mínimo sinal de alarme, nomeadamente cansaço, tonturas, dor torácica, dispneia e perturbação
visual.

Conselhos práticos

• Ser capaz de conversar durante o exercício – Significa que os indivíduos não estão excessivamente cansados;
• Ter a sensação que pode continuar por mais tempo sem sacrifício;
• Fazer alguns minutos de aquecimento antes do exercício e alguns de arrefecimento depois;
• Para os sedentários começar com intensidade baixa aumentando depois progressivamente – Esta é uma regra
muito importante. No caso de uma caminhada ou corrida começa-se por fazer 100 metros e a cada semana
aumenta-se mais 100 metros, por exemplo;
• Preferir sempre nos idosos maior quantidade em vez de maior intensidade - É preferível dar mais tempo para
fazer a mesma distância do que estar a incentivar a intensidade. Nos mais jovens pode substituir-se mais tempo
por menos tempo deste que este menos tempo seja mais intensivo, mas isto não se aplica aos idosos.

Pontos chave a reter:

• Atividade física e envelhecimento têm efeitos antagónicos;


• Os seus benefícios no atraso do envelhecimento e na prevenção de doenças está bem demonstrado;
• Assim, como forma de manter a saúde e bem-estar, o exercício físico deverá ser estimulado em todos os
idosos.

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Aula 10 – Iatrogenia
Sofia Duque – 28/10/2019

Origem etiológica

Cuidado com o slide da origem etiológica, a sua leitura não é direta e pode ser mal interpretado. Às vezes é
bom olharmos para a etiologia das palavras. Relativamente à iatrogenia esta é formada por “Iatros” que está
relacionada com o médico e por “Genesis” que significa gerado por, ou seja, iatrogenia é tudo o que é criado pelo
médico. Assim, única e exclusivamente olhando para a origem da palavra, iatrogenia significa tudo o que resulta da
intervenção médica independentemente do resultado e do objetivo. Ou seja, se prescrevermos um diurético num
doente com insuficiência cardíaca, ele vai melhorar pois vai ficar com menos carga hídrica, e isto é considerado
iatrogenia pois foi algo gerado pelo médico.

No entanto, em medicina e na prática clínica, quando falamos em iatrogenia falamos só na parte negativa.
Quando se passa da origem etimológica para o uso do conceito na prática clínica, não consideramos aquilo que é
positivo nem aquilo que é neutro, mas sim apenas os efeitos negativos. Assim, iatrogenia é tudo o que é causado
pelo médico e que é negativo. Não é sinónimo de negligência médica ou erro médico, pode incluir erros médicos,
mas não é só.

Num exemplo prático, a prescrição de um anti-hipertensor para tratar hipertensão arterial é uma intervenção
correta e vamos conseguir à partida um efeito positivo que é a normalização da tensão arterial, mas se
prescrevermos um IECA podemos causar tosse e edema da língua o que é negativo. Isto é iatrogenia, mas não é um
erro médico.

Se tivermos um doente com uma bradicardia extrema com uma frequência cardíaca de 30bpm e
prescrevermos um β-bloqueante, esta intervenção é iatrogenia e erro médico. Ao falarmos de erro médico e
negligência, as barreiras muitas vezes não estão bem definidas e há dúvidas, por isso é que quando há estes
problemas, têm de haver peritos a analisarem a situação, no entanto, também há situações muito claras como esta
situação dos β-bloqueantes.

Assim, concluindo, iatrogenia corresponde aos efeitos negativos e que não desejamos para os nossos doentes
e pode ser erro médico ou não. O exemplo paradigmático disto são as reações adversas medicamentosas. É
importante falarmos de iatrogenia numa cadeira de geriatria porque os idosos são pessoas com um elevado risco
de iatrogenia, nomeadamente de reação adversas aos medicamentos. Mas não fica por aqui, relativamente à aula
anterior, se dermos um conselho não adequado sobre atividade física a um idoso por exemplo com insuficiência
cardíaca, podemos estar a causar iatrogenia.

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Por outro lado, se dermos um conselho nutricional errado, por exemplo, se no hospital passarmos dieta com
glúten a um doente que já tem doença celíaca conhecida, vamos causar diarreia e um agravamento da doença, e
isto é iatrogenia assim como erro médico, mas às vezes pode ser por esquecimento pois a avaliação do estado
nutricional ainda não está integrada na avaliação médica tradicional. Portanto, esta situação pode gerar dúvidas.

Uma pessoa que tem um AVC e que fica com uma incapacidade motora irreversível para a qual foi considerada
que só por ser velha não havia benefício em fazer fisioterapia, ou seja, a omissão terapêutica, também é iatrogenia.
Ou quando internamos um doente e o sujeitamos a períodos de jejum sucessivos por necessidade de realização de
vários exames que vão sendo adiados também levam à iatrogenia. Nesta situação, ficamos na dúvida se é erro
médico ou não, podendo apenas ser um erro de organização.

As barreiras entre iatrogenia e erro médico são muito ténues e não são fáceis de identificar. De qualquer forma,
outro aspeto importante é percebermos se a intenção do profissional de saúde era para o melhor interesse do
doente, ou seja, nós podemos causar iatrogenia, e no idoso isto é muito comum devido às suas características, mas
a atitude do médico ou de outro profissional de saúde poderia ter sido o melhor interesse do doente, não havendo
intuito de o prejudicar. Por exemplo, se um médico na urgência é notificado pela enfermeira a dizer que um doente
está instável e ele não o vai observar, isto é erro médico, mas se um doente fizer quimioterapia, ficar com anorexia
emagrecendo e ficar com uma infeção nosocomial, isto é iatrogenia, mas não é erro médico. Há situações que são
fáceis de distinguir e outras que são mais sensíveis e que podem obrigar a uma análise mais profunda.

A forma de como interpretamos a iatrogenia depende de quem vê, para alguns doentes ou cuidadores, o
evento iatrogénico pode ser visto de forma positiva e como algo bom. Por exemplo, um cuidador que trate de um
doente com demência de Alzheimer tendo alterações de comportamento graves ao qual lhe é prescrita uma dose
excessiva de um psicofármaco, nomeadamente um antipsicótico. Este doente vai ficar sonolento durante um
período de tempo excessivo, mas isto para o cuidador pode ser visto de forma positiva pois este finalmente
consegue descansar, mas não é algo positivo. Outro exemplo é um doente com incontinência urinária que
compromete o seu contacto social sendo que deixa de sair de casa e de conviver com os seus amigos devido a este
problema, é prescrito um nefrotóxico que leva a uma diminuição do débito urinário. Por um período de tempo
limitado ele até pode ver isto como algo positivo, mas não é o é de todo pois pode levar a uma lesão renal
irreversível.

Na prática, a definição de iatrogenia corresponde a um


resultado negativo e indesejável devido a uma intervenção
médica. E quando nos referimos a intervenção médica não nos
estamos a referir apenas ao que é causado pelo médico, mas sim
por qualquer profissional de saúde como enfermeiros,
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas,
dietistas, etc. Esta iatrogenia pode derivar da prescrição de um
medicamento através das suas reações adversas, da prescrição
de um medicamento que vá interferir com medicamentos que o
indivíduo já toma havendo interações medicamentosas, do
aconselhamento errado sobre estilos de vida ou tarefas diárias,
de um aconselhamento errado de exercícios de reabilitação,
nomeadamente fisioterapia, incluindo exercícios que não são adequados e que podem causar lesão, de uma
intervenção nutricional errada, da decisão errada de suspender um medicamento, por exemplo, suspender um
anticoagulante num doente com fibrilhação auricular só por que se assume que este tem um risco de hemorragia
superior cuja suspensão pode ser iatrogénica, da não medicação, da suspensão da fisioterapia de reabilitação e o
não ajustar o estilo de vida só porque as pessoas são velhas. Isto são exemplos de iatrogenias. Mas o próprio
ambiente pode ser iatrogénico, num hospital em que os pavimentos sejam irregulares ou com o uso das proteções
dos sapatos, isto aumenta muito o risco de quedas. No fundo, temos de analisar se há iatrogenia aplicada em
qualquer intervenção que foi implementada com o intuito de melhorar a saúde e o bem-estar do doente.

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A iatrogenia é de tal forma importante que tem sido mencionada pela OMS e tem sido definida doença
iatrogénica como reação adversa medicamentosa ou não medicamentosa em que há complicações induzidas pelas
mesmas. É um conceito tão antigo que já Hipócrates mencionava iatrogenia ainda que de uma forma dissimulada,
dizendo que “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar
dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza perda.”
Lá está, o médico que não vai ver o doente sinalizado pela equipa de enfermagem, não nasceu para fazer bem ao
doente.

Qualquer intervenção, até às vezes por indivíduos que nem são considerados profissionais de saúde, podem
causar iatrogenia. Por exemplo, foi acompanhado um senhor idoso na sequência de um internamento por um
quadro de litíase biliar recorrente tendo sido depois submetido a cirurgia. O senhor ficou melhor e quando vinha à
consulta de reavaliação, achou que a esposa precisava de ajuda. Quando esta foi trazida à consulta referia
problemas relativamente básicos que eram dor por cifose dorsal e obstipação, que como já vimos é um problema
muito comum nos idosos. Feita a revisão terapêutica na primeira consulta, na segunda consulta trouxe todas as
substâncias que estava a tomar e víamos que os medicamentos que ela tomava não eram produtos vendidos na
farmácia, mas sim na ervanária. Tomava comprimidos de aloé vera e probióticos para a obstipação, 3 substâncias
diferentes para a memória quando fazendo uma avaliação sumária ela não tinha qualquer problema cognitivo e
tomava ainda comprimidos de polpa de papaia também para a obstipação. Os valores que ela gastava mensalmente
com estes “medicamentos” está disposto na tabela em baixo. Isto é iatrogenia se considerarmos que ela ficou com
uma incapacidade económica muito comprometida, por isso mesmo deixou de realizar atividades lúdicas pois não
tinha capacidade de pagar as aulas de hidroterapia, deixou de assinar a TV cabo dizendo que os canais normais da
televisão não lhe interessavam nada e tudo isto levou a um quadro de isolamento social, com agravamento de dor
pois deixou de ter a hidroterapia e provavelmente agravou a obstipação pois estava mais confinada ao domicílio.

Epidemiologia

Num hospital é muito frequente a iatrogenia, sendo que muitos dos internamentos são por problemas
iatrogénicos, mais concretamente 29%, mas é muito frequente também durante o internamento instalarem-se
complicações iatrogénicas como uma complicação devido a um cateter venoso periférico mal inserido, no jejum
devido aos exames complementares de diagnóstico que se marcam, nas infeções nosocomiais, nas quedas, etc.
Assim, o hospital é um sítio de risco e tem uma incidência de doença iatrogénica de 3,4 a 33,9%, sendo esta
incidência maior na população idosa.

Isto é mais assustador se tivermos em conta que mais de metade destes problemas iatrogénicos são evitáveis,
mais concretamente, 57,9% das reações adversas associadas aos medicamentos são evitáveis, quer sejam causa de
admissão ou se desenvolvam durante o internamento. Alguns dos eventos iatrogénicos mais comuns são a doença
cardíaca, a hipotensão, as doenças gastrointestinais nomeadamente as hemorragias digestivas muitas vezes
associadas à anticoagulação, e o efeito dos AINEs com hemorragia digestiva também e agravamento da função
renal.

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Nas unidades de cuidados intensivos, sendo doentes ainda mais graves, ainda há um maior risco de
complicações iatrogénicas. 10,9% a 19,5% das admissões são por doença iatrogénica sendo que 60% são por
iatrogenia farmacológica, 18% por iatrogenia de intervenções médicas e 22% de iatrogenia por complicações
cirúrgicas. Aqui alguns dos eventos iatrogénicos mais comuns são assim as reações adversas associadas aos
medicamentos, as quedas, as infeções nosocomiais, as úlceras de pressão, o delirium e ainda complicações
cirúrgicas.

Em dados americanos, que não são os mais atuais, mas que nos mostram a dimensão do problema da
iatrogenia nos velhos, há por ano 180 000 reações adversas medicamentosas que são fatais ou que apresentam
risco de vida, sendo números preocupantes principalmente por 50% serem evitáveis. Estes não são dados atuais,
pois ano após anos as estatísticas têm sido atualizadas e enquanto que estes dados representam que a iatrogenia
e os erros médicos são a 6ª causa de morte, passados uns anos a posição dos erros médicos subiu de 6º para 3º
lugar, ou seja, a iatrogenia tem vindo a aumentar devido à complexidade crescente das pessoas idosas que nós
tratamos. Assim, temos de a identificar e evitar a iatrogenia.

Porque é que há tanto risco de iatrogenia dos idosos?

Os idosos são mais vulneráveis à iatrogenia devido:

• Diminuição da reserva fisiológica e mecanismos de compensação menos


mantidos – Devido ao próprio envelhecimento, às doenças crónicas, ao
efeito da medicação crónica;
• Diminuição da função renal e hepática – Muitas vezes é difícil de
avaliarmos, sendo a função hepática mais difícil, mas inevitavelmente os
idosos têm menor reserva do que os jovens;
• Pluripatologia e doenças crónicas;
• Polimedicação;
• Síndromes geriátricos;
• Maior exposição a intervenções médicas – Os idosos frequentemente
estão expostos a muitos médicos e a muitos prestadores de cuidados. Se
estes não comunicarem, é muito frequente haver intervenções que se
antagonizam, que são agonistas e, portanto, exacerbam o efeito de uma
intervenção podendo ser excessiva e iatrogénica;
• Conhecimento insuficiente sobre geriatria – A nossa ideia ao incluir uma
cadeira de Geriatria no programa é fazer com que tenhamos uma visão
diferente dos colegas mais velhos, mudando a forma de vermos os idosos quer enquanto médicos quer
enquanto formadores de outros médicos;
• Expectativas dos doentes e dos cuidadores – A subjetividade que esta acarreta pode influenciar para
iatrogenia, se tivermos um cuidador a queixar-se que o seu familiar está muito agitado e que já não consegue
descansar e se prescrevermos antipsicóticos podemos provocar iatrogenia por isto.

Temos aqui um gráfico que deriva da


fármacogeriatria e que mostra que com o envelhecimento
a resposta aos medicamentes diminui, mas paralelamente
aumenta o risco de toxicidade e, portanto, a margem
terapêutica é mais estreita. A forma como encaramos o
medicamento deve ser também transportada para outras
intervenções como a fisioterapia e as recomendações
alimentares.

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Temos de ter muito cuidado com a palavra do médico, particularmente com as pessoas idosas porque apesar
de se dizer que estas são hipocondríacas e que não têm em conta os nossos conselhos, isto não é propriamente
verdade. Ao suspendermos os medicamentos também temos de ter mais cuidado, e por isso é que é necessário o
desmame e a diminuição progressiva da dose dos medicamentos. Também no que diz respeito ao ambiente, se
encontrarmos uma barreira arquitetónica nos sítios onde vivem, temos mecanismos de compensação para os
ultrapassar, o que já não acontece no idoso uma vez que aquele ambiente adverso se torna muito mais perigoso.

Um medicamento que é passado para um determinado problema, nomeadamente um AINEs para a artrose já
agravada com artrite, pode ter um efeito negativo e iatrogénico em vários outros órgãos, isto é verdade para o
Diclofenac e para os outros AINEs, mas também para muitos outros medicamentos. Neste caso, os antinflamatórios
não esteróides podem precipitar o agravamento da doença coronária, a ocorrência de um enfarte, pode agravar a
insuficiência cardíaca, pode levar à hemorragia digestiva, pode agravar a hipertensão arterial e pode levar a lesão
renal aguda. Assim, quando passamos um medicamento não podemos pensar só se o medicamento é adequado
para aquela doença em questão, temos também de pensar nos outros problemas que há já instalados,
nomeadamente doenças crónicas já existentes ou, não havendo doenças crónicas, pensar nas alterações fisiológicas
do envelhecimento que tornam a pessoa pré disposta a que isto aconteça.

Isto significa que quando prescrevemos um medicamento temos sempre de pensar no que pode acontecer
paralelamente. E quanto maior o número de doenças crónicas, maior é o risco de o tratamento de uma doença
exacerbar ou agravar outra doença. É fácil tratar pessoas que só têm 1 doença crónica, mas quando têm 5 e 6
doenças crónicas ao mesmo tempo é inevitável que quando prescrevemos um medicamento estamos a correr o
risco de agravar outras doenças ou de interferir nos mecanismos de ação dos medicamentos prescritos para outras
doenças através de interações farmacológicas, ou antagonizando ou aumentando o efeito deles. E isto não é só
para os medicamentos, mas sim para todas as intervenções.

Se houver polimedicação, o risco de haver interações


medicamentosas é grande e quanto maior o número de
medicamentos, maior o risco de reações adversas medicamentosas e
de interações medicamentosas, maior o risco de um medicamento
interferir na resposta terapêutica a outro medicamento como anular
o seu efeito ou aumentar a toxicidade, e maior risco de exacerbar
doenças que já existem ou até mesmo de fazer aparecer outras
doenças.
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No esquema do Diclofenac, a senhora podia não ter nenhuma doença coronária não diagnosticada, podia não
ter insuficiência cardíaca, ter a hipertensão arterial controlada, não ter doença renal crónica diagnosticada e de
repente com a prescrição daquele medicamento durante um período de tempo prolongado, podia vir a ter estas
doenças ou elas tornarem-se evidentes já não havendo mecanismos de compensação que preservassem os vários
órgãos.

Como é que a participação de vários cuidadores de saúde pode ser prejudicial?

A participação de mais médicos não implica mais saúde, por vezes até pode implicar o contrário. Imaginemos
uma pessoa com 3 problemas: incontinência urinária, demência e hipertensão arterial. O urologista passa-lhe um
medicamento, o Trospium, no entanto este agrava a função cognitiva. Portanto, o neurologista recebe o senhor
por causa da demência e aumenta a dose de Donezepilo que o doente já tomava para contrariar o agravamento
cognitivo que se verificou. Mas o Donezepilo aumentado vai agravar a incontinência urinária gerando-se um ciclo
vicioso. Por outro lado, o cardiologista que trata a hipertensão arterial se prescrever um diurético ou um β-
bloqueante, com o diurético vai agravar a incontinência e o β-bloqueante vai agravar a função cognitiva.

Será que não há alternativas terapêuticas mais seguras? Será que se houvesse um médico que coordenasse
isto tudo não haveria mais benefícios? Se o doente viesse a uma consulta de Geriatria e se olhássemos para ele
como um todo, em vez de se prescrever logo um medicamento para a incontinência urinária, seria possível tentar
implementar alterações comportamentais como medidas não farmacológicas que vão ser discutidas com mais
detalhe na aula de incontinência urinária. Se calhar era preferível pôr o Donezepilo em baixa dose visto que este
medicamento não é assim tão eficaz e não reverte a demência, apenas diminui a gravidade dos sintomas e pode
atrasar ligeiramente a progressão da doença, se calhar suspendia-se o diurético e o β-bloqueante e usava-se um
medicamento mais seguro como um IECA ou um ARA, se bem que estes também podem estar associados a
iatrogenia.

Uma das causas de iatrogenia tem a ver com o conhecimento sobre Geriatria, sendo que muitos profissionais
de saúde desvalorizam o potencial iatrogénico dos fármacos e da polimedicação. Numa consulta de Geriatria não
há um modelo de avaliação geriátrica global em que em cada compartimento está um profissional de saúde, mas
sim uma consulta em que se olha para os doentes com uns olhos diferentes, por exemplo, de uma consulta de MGF
ou de medicina interna, valorizando estes problemas com a particularidade de ter um benefício, tendo a
farmacêutica ao lado que, antes da consulta, faz uma revisão e reconciliação da terapêutica. A parceria funciona
muito bem, no entanto, este projeto já foi apresentado a uma audiência de médicos havendo muita relutância
relativamente ao seu benefício. Há muita relutância em reconhecer que os médicos têm dificuldade em manejar
esquemas de medicação complexos e ter conhecimento de todas as interações pois estes são muito orgulhosos e
têm dificuldade em aceitar que a ajuda de outros profissionais como a farmacêutica é benéfico. No entanto, a
decisão final depende sempre do médico.

Muitas vezes as identidades não são diagnosticadas, por exemplo, a nutrição é um parâmetro que não faz
parte da avaliação médica tradicional, sendo necessário valorizar-se determinados sinais como a proeminência da
clavícula e a atrofia dos músculos temporais. Assim, muitas vezes os diagnósticos não são feitos ou são feitos de
forma errada bem como o seu prognóstico. A demência é muitas vezes diagnosticada quando estamos perante um
quadro de delirium, sendo isto muito preocupante. Por exemplo, uma doente foi internada por fratura do colo do
fémur, tinha 3 ou 4 psicofármacos prescritos porque alguém tinha colocado o diagnóstico de demência como forma
definitiva e tinham-lhe dado alta com Quetiapina, um antipsicótico sedativo que levou à queda e consequente
fratura. Assim, provavelmente a doente tinha um quadro de delirium e não de demência.

A não prescrição de fisioterapia num AVC só porque as pessoas são muito velhas e a não promoção de
autonomia, sendo que às vezes somos responsáveis por isso pois no hospital não temos tempo nem infraestruturas
para possibilitar que as pessoas façam a sua rotina normalmente, é tudo iatrogenia.

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É muito mais fácil oferecer a refeição a um doente do que estar a supervisioná-lo durante o tempo que leva a
tomar a refeição, é muito mais rápido dar banho a um doente do que levá-lo à casa de banho e vigiá-lo a tomar
banho. Assim, muitas vezes são os profissionais de saúde a promover esta perda de autonomia que leva a uma
perda da capacidade funcional e dependência. Outros exemplos de diagnóstico errado ou omisso de entidades
clínicas ou do seu prognóstico são a não promoção de autonomia nas atividades de vida diárias no AVC e ainda o
não diagnóstico de desnutrição.

Muitas vezes também é motivo de iatrogenia subvalorizar a dimensão psicológica, social e económica, sendo
que podemos passar um medicamento perfeito para um doente, mas se este não tiver capacidade de o pagar, não
estamos a fazer nada. É preferível optarmos por uma opção não tão eficaz, mas que o doente vai ter capacidade de
comprar e cumprir. Quando avaliamos um doente não quer dizer que o estamos a discriminar, temos é de avaliar
e ter em conta a sua dimensão psicológica, social e económica e as nossas escolhas têm de ser feitas de acordo com
esta situação, individualizando a terapêutica e centrando as opções no doente em questão.

Iatrogenia na prática clínica

Neste esquema há iatrogenia no


Tramadol, na prescrição de ferro oral
que levou à obstipação, nas
benzodiazepinas, portanto, em vários
sítios vemos iatrogenia, havendo uma
cascata de iatrogenia. Provavelmente
isto resultou de não se fazer uma
história clínica ou até mesmo de se
considerar que uma pessoa velha não
tem direito a ser operada. Se tivesse
sido feita a história clínica, poder-se-ia
ter evitado alguns destes fenómenos
de prescrição. Sempre que os nossos
doentes têm uma alteração aguda, ou
seja, se um doente aparecer na consulta com um novo sintoma ou queixa, primeiro pensamos no que é que nós
fizemos de mal e só depois é que tratamos ao pensar que tem uma nova doença. No entanto, não é isto que
geralmente acontece havendo a tentação de se prescrever um novo medicamento para o novo sintoma havendo
mesmo uma expectativa dos doentes que esperam que lhes acrescentemos um novo medicamento.

Exemplos de iatrogenia nos idosos

• Polimedicação excessiva que pode levar ao aparecimento de síndromes geriátricas;


• Sobrediagnóstico de demência;
• Subdiagnóstico de incontinência urinária ou outras síndromes geriátricas;
• Internamento desnecessário, podemos pensar que o hospital é o sítio mais seguro para os doentes, mas não
é, é o sítio mais perigoso;
• Imobilidade prolongada na cama, sendo que por vezes somos nós que dizemos para não se levantarem para
não caírem;
• Estímulo à dependência (não promoção à autonomia) quando, por exemplo, vestimos um doente só porque é
mais rápido;
• Perigos ambientais (barreiras arquitetónicas, inacessibilidade, obstáculos) quer seja nos hospitais, nas
instituições, nas casas e até nas próprias cidades.

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Para evitarmos a iatrogenia é necessário haver uma relação médico-doente boa, quer quando estejamos a
tentar prevenir, diagnosticar ou tratar.

No que diz respeito à iatrogenia farmacológica, esta é paradigmática pois qualquer efeito prejudicial produzido
por um fármaco usado na dose habitual e que requer tratamento é entendido como uma reação adversa
medicamentosa e habitualmente quando há uma reação deste tipo é necessário suspendermos o medicamento ou
diminuirmos a dose, ou se o continuarmos, temos de ter bem presente que há um grande risco de haver de novo
uma reação adversa medicamentosa. Às vezes é necessário e não temos outra hipótese como acontece nas
quimioterapias.

A iatrogenia farmacológica é o exemplo mais paradigmático porque é aquele que é mais comum, sendo as
reações adversas medicamentosas a causa mais comum de iatrogenia, são motivo de internamento em 15% dos
indivíduos com idades superiores a 60 anos, sendo que 62% destas reações são evitáveis e 25% são potencialmente
fatais. 25% dos idosos internados com mais de 80 anos tem uma ou mais reações adversas medicamentosas que
são graves em 20% destes idosos e são mais frequentes nas instituições sendo que 2/3 dos residentes das
instituições apresentam uma ou mais reações adversas medicamentosas por ano. A polimedicação dos idosos
torna-os ainda mais suscetíveis às reações adversas medicamentosas.

As reações adversas medicamentosas incluem vários exemplos nomeadamente as que resultam do efeito
direto de um medicamento ou fármaco, mas, as reações adversas medicamentosas podem resultar também da
interação entre medicamentos, como por exemplo a interação entre o clopidogrel e o omeprazol, ou ainda da
interação de medicamentos e nutrientes ou plantas que as pessoas tomem, por exemplo no chá. Estas reações
adversas medicamentosas podem agravar ou fazer surgir doenças crónicas, como por exemplo insuficiência renal
por AINEs, ou ainda agravar ou fazer surgir síndromes geriátricas, nomeadamente quedas associadas a sedativos.

Tipo de reações adversas medicamentosas por ação direta do fármaco

Dividem-se em quatro tipos: A, B, C e


D. As de tipo A intrínsecas são as mais
previsíveis e dose dependente, portanto,
se há algumas que não podemos falhar
são nestas. Significa também que temos
de prescrever o medicamento em doses
mais baixas e ir aumentando
progressivamente e quando estamos a
falar destes medicamentos temos de ter
um cuidado a redobrar. As de tipo B ou
idiossincráticas são mais difíceis de
prevenir e estão associadas a maior
mortalidade. Nestas, se ocorrerem, já não
temos tanta responsabilidade. É mais fácil nas de tipo A assumir-se que foi o profissional de saúde que foi causador
de um erro médico.
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Reações adversas medicamentosas tipo A ou intrínsecas (as mais frequentes)

São consequência de ação farmacológica exagerada, mas previsível do fármaco ou seus metabolitos de forma
dose-dependente. Apresenta como causas:

• Concentração plasmática elevada – Devido a sobredosagem, aumento da absorção intestinal, diminuição da


eliminação por insuficiência renal ou hepática e ainda a influência de variações genéticas do metabolismo
hepático, sendo que acetiladores lentos têm um maior risco de reações adversas medicamentosas. Exemplos
de fármacos que originam estas reações em acetiladores lentos são os Digitálicos, os psicofármacos,
antidiabéticos orais, insulina e dicumarínicos;
• Aumento da sensibilidade do recetor;
• Interações medicamentosas – Devido, por exemplo, a fármacos que competem pela mesma via de
metabolização hepática, nomeadamente o citocromo P450.

Reações adversas medicamentosas tipo B ou idiossincráticas

Ocorrem por hipersensibilidade, não são dose dependentes, são inesperadas e dependem da suscetibilidade
particular do indivíduo. Têm uma difícil previsão e prevenção o que se traduz numa alta mortalidade. Apresenta
como causas:

• Mecanismos imunológicos – Como nas reações alérgicas;


• Citotoxicidade por fixação celular irreversível;
• Causas farmacêuticas – Como decomposição de produtos ativos, ação de excipientes, aditivos ou
estabilizantes, sendo importante também verificar a data de validade;
• Causas genéticas – Podendo haver toxicidade por defeitos enzimáticos.

Reações adversas medicamentosas tipo C

São devidas a tratamentos prolongados e estão associadas a tolerâncias a determinados fármacos. Exemplos
são as insuficiências do sistema respiratório devido a corticoterapia ou ainda nefropatias devido a AINEs.

Reações adversas medicamentosas tipo D

São devidas a efeitos farmacológicos atrasados por exemplo o efeito carcinogénico ou teratogénico de um
determinado medicamento.

Causas de reações adversas medicamentosas

Na aula de fármacogeriatria foi dito que as alterações fisiológicas do envelhecimento têm impacto no sistema
ADME do medicamento, ou seja, na sua absorção, distribuição, metabolização e excreção. São várias as alterações
já mencionadas ao longo das aulas que podem determinar este sistema. Temos alterações ao nível do órgão em
que o medicamento atua, sendo que se tivermos menos parênquima a resposta vai ser diferente e temos também
alterações na composição corporal que é muito importante no que diz respeito ao volume de distribuição, na
diminuição da reserva dos órgãos alvo quer seja uma diminuição da reserva fisiológica ou patológica. Nunca
devemos esquecer a diminuição da função renal e hepática, sendo que devemos assumir que um idoso tem uma
diminuição da função destes órgãos.
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A distribuição nos tecidos e as alterações na composição corporal pode ter impacto, por exemplo, a nível da
via intramuscular, se administrarmos um fármaco desta forma e se o indivíduo tiver pouca massa muscular, a
absorção vai acontecer de forma errática, logo, esta é uma via que não é segura. Assim, por via intramuscular, o
idoso tem menos tecido muscular e menos perfusão tecidular, originando uma absorção errática, incompleta ou
prolongada. A absorção do medicamento por via oral é dependente do pH, do fluxo sanguíneo gastrointestinal, da
velocidade de esvaziamento gástrico, do trânsito intestinal e de várias patologias.

Em termos de distribuição, é muito fácil pensarmos que, se um indivíduo tem mais tecido adiposo, se
quisermos administrar um fármaco lipossolúvel, ele vai estar distribuído por um compartimento maior sendo assim
menos eficaz, por isso se queremos mesmo dar um fármaco lipossolúvel, temos de o dar em maior quantidade, e
o raciocínio inverso ocorre para os fármacos hidrossolúveis. Se o doente tem menos água e está naturalmente
desidratado, o volume de distribuição é menor e o fármaco vai estar mais concentrado, portanto vai ser mais eficaz.
Assim, se quisermos mesmo dar este fármaco hidrossolúvel, temos de reduzir a dose. É ainda importante
pensarmos que um indivíduo idoso tem uma menor função hepatocelular tendo menos proteínas plasmáticas, um
menor fluxo de sangue hepático e ainda uma menor ligação dos fármacos a estas proteínas plasmáticas.

Relativamente à metabolização, tal como foi dito o idoso tem uma menor função hepatocelular havendo uma
menor biotransformação, um menor fluxo de sangue hepático, uma menor clearance hepática e os fármacos
lipofílicos tem uma menor dose de manutenção e um maior intervalo de administração. Assim, tudo isto se junta
para aumentar o risco de interações farmacológicas. Os fármacos que atuam no fígado são os β-bloqueantes
solúveis como o propranolol, os antiarrítmicos como a propafenona, as benzodiazepinas, a teofilina e a fenitoína.

Finalmente, relativamente à excreção, os idosos têm uma menor taxa de filtração glomerular, uma menor
secreção tubular, um menor fluxo de sangue renal, e os fármacos hidrossolúveis têm uma menor dose de
manutenção e um maior intervalo de administração. Fármacos que vão ter efeitos no rim são, por exemplo, os
IECAs, os antibióticos, os β-lactâmicos, a digoxina e a vancomicina.

Causas de reações adversas medicamentosas relacionadas com a prescrição

São várias:

• Monitorização terapêutica inadequada – Por exemplo com o INR para a Varfarina, mas com para outros
medicamentos também temos de os vigiar, nomeadamente no que diz respeito à função renal;
• Polimedicação desnecessária – Muitas vezes os profissionais de saúde são responsáveis por isso;
• Dosagem inapropriada – É muito frequentemente olhamos para as bulas dos medicamentos e não ser nada
dito quanto ao ajuste de dose em idosos;
• Prescrição de fármacos antagonistas;
• Prescrição de fármacos com ação aditiva ou agonistas;
• Prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados;
• Subvalorização da situação socioeconómica;
• Ignorância das reações adversas medicamentosas – Por vezes prescreve-se um medicamento só porque ele é
novo e surgiu agora no mercado, e de repente, já o estamos a prescrever sem o conhecer a fundo.

Outras causas de reações adversas medicamentosas são associadas ao próprio doente, ou porque ele duplica
os medicamentos, compra vários genéricos de marcas diferentes mas do mesmo medicamento ou porque erra a
forma de tomar o medicamento devido ao horário diferente ou à dose. Antigamente havia um erro de prescrição
devido à letra do médico ser ilegível, mas hoje em dia isto já não acontece tanto porque as receitas são
informatizadas. Muitas vezes os erros de medicação surgem associados ao aconselhamento por um vizinho ou
amigo e a prescrição não deveria ocorrer desta forma.

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Existem ferramentas que nos ajudam a prever o risco de iatrogenia e reações adversas medicamentosas, sendo
fatores de risco a destacar a desnutrição, a insuficiência renal e hepática, a multimorbilidade, a polimedicação, as
reações adversas medicamentosas prévias, a precariedade social e económica e ainda a má adesão.

Regras básicas para evitar iatrogenia quando estamos a prescrever

• O fármaco deve ser bem tolerado, seguro e económico;


• Deve haver simplificação do regime terapêutico, sendo que, se possível, o fármaco deve ser de toma única;
• Deve-se manter a marca do medicamento mantendo também a forma e a cor do comprimido;
• Devemos de considerar o estado cognitivo, funcional, nutricional, as funções sensoriais e a capacidade
económica;
• Devemos ter um registo informático com alertas automáticos como ferramentas de medicamentos
potencialmente inapropriados, interações medicamentosas e ajuste à função renal;
• Devemos sempre rever a medicação toda incluindo suplementos e produtos da ervanária;
• Devemos fomentar uma boa relação médico-doente sabendo explicar, esclarecer e persuadir;
• Devemos envolver a equipa interdisciplinar, o doente e os cuidadores;
• Devemos fornecer um guia terapêutico com letra e símbolos legíveis e de fácil compreensão;
• Mais importante de tudo “Start low and go slow”, a regra básica em geriatria, é preferível começar com
doses baixas e progredir lentamente do que começar com uma dose alta, termos reações adversas
medicamentosas e de repente esgotarmos um medicamento;
• Outra regra muito importante é hierarquizarmos a medicação, se queremos começar vários medicamentos
temos de os começar um a um, pois se dermos todos ao mesmo tempo e houver uma reação adversa
medicamentosa, ficamos sem saber qual foi o responsável;
• O guia terapêutico deve ser simples e deve claro. Não devemos escrever ½ mas sim “meio comprimido”,
porque podem tomar um medicamento num dia e dois noutro dia;
• Para cada medicamento devemos esclarecer a sua indicação, ou seja, o doente tem de perceber para o que
é que o medicamento serve;
• Temos ainda de entender e aceitar que nem todas as doenças precisam ou podem ser medicadas.

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O acrónimo MEDICARE também mostra algumas regras de prevenção.

Não nos podemos esquecer que vários fármacos têm efeitos adversos mais reconhecidos, sendo que são
nestes que não podemos mesmo falhar.

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Devemos também reconhecer que vários medicamentos levam a várias síndromes geriátricas, e isto muitas
vezes não é valorizado.

Iatrogenia nos Hospitais

Uma mensagem importante desta aula é que o hospital é o sítio mais iatrogénico para os idosos, e não sendo
um sítio seguro, temos de evitar internar os nossos doentes. O hospital é um ambiente não familiar, o que é
particular para pessoas que já têm algum défice cognitivo, e não é familiar porque as pessoas que cuidam de um
indivíduo são diferentes havendo profissionais desconhecidos, os horários são diferentes, não há silêncio à noite
para se dormir havendo ruído e uma disrupção do ciclo sono-vigília, e até as próprias barreiras arquitetónicas são
diferentes aumentando o risco de acidentes.

Dentro de um hospital os doentes são inevitavelmente submetidos a procedimentos diagnósticos ou


terapêuticos, mesmo que não necessitem deles, é tradição do hospital fazer qualquer coisa. Estes procedimentos
aumentam o risco de lesão pelos procedimentos invasivos e aumentam o risco de desnutrição, infeções, toxicidade,
alergias a algo como o contraste originando uma anafilaxia e ainda toxicidade a radiação.

No hospital também há o uso de dispositivos invasivos, por exemplo, num doente desidratado, até se pode
fazer hidratação via oral, mas é muito mais fácil fazer um catéter venoso periférico e administrar soro o que é
iatrogénico. Assim, a filosofia do hospital vai contra a prevenção da iatrogenia. Há doentes que entram numa
urgência hospitalar e de repente, sem saber porquê e sem haver uma indicação clara é posto uma algália ao doente
e ninguém repensa esta decisão. Outro exemplo de dispositivos invasivos são as sondas nasogástricas.

Os fármacos que se dão no hospital também podem propiciar iatrogenia devido a erros de administração, a
interações e a reações adversas medicamentosas. As cirurgias e todas as suas complicações como a anestesia,
infeções, dor, complicações cirúrgicas, hipervolémia, hipovolémia ou anemia também são iatrogénicas. Claro que
a cirurgia pode ser inevitável e pode ser mesmo necessária, sendo que os benefícios compensam os riscos, e neste
caso, operamos, mas se calhar podemos ter alternativas menos agressivas, por exemplo, em vez de ter um
internamento de 3 dias, ser um internamento mais curto e ter soluções fora do hospital para fazer o resto do pós-
operatório.

A imobilidade e os meios de contenção também são iatrogénicos podendo causar tromboembolismo,


obstipação, desnutrição, descondicionamento físico, perda de massa muscular, síndrome confusional agudo,
úlceras de pressão, hipotensão postural e incontinência, e muitas vezes são os próprios profissionais de saúde que
incentivam o doente idoso a estar sossegadinho e a não sair do lugar.

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Os acidentes relacionados com as condições ambientais que podem originar quedas devido às botinhas azuis
que se dão para andar pelo hospital, o chão que é escorregadio. Depois dentro do hospital e das enfermarias as
pessoas ficam isoladas e mais tristes e ansiosas, aumentando o risco de isolamento social, depressão, ansiedade,
dependência e delirium. Também há maior probabilidade de terem uma infeção nosocomial e reações
transfusionais.

Acidentes relacionados com condições ambientais

Os dois grandes grupos são as quedas e as lesões traumáticas. Nas quedas estas podem ser devido a pavimento
escorregadio, a calçado inapropriado, a equipamento excessivo junto à cama, a equipamento danificado ou
utilizado inapropriadamente e ainda aos dispositivos de proteção das camas. Nas lesões traumáticas, estas podem
ser causadas pelas quedas, pelos dispositivos de proteção das camas e ainda devido aos meios de contenção
usados. Noutros países já existem alternativas a estes meios de contenção, mas em Portugal estamos muito
limitados pelo número limitado de staff, ou seja, se não há pessoas para vigiarem os doentes, às vezes temos de
recorrer a estes meios de contenção.

Fatores de risco para a iatrogenia

• Idade avançada;
• Polimedicação;
• Institucionalização prévia;
• Internamento prolongado;
• Doença complexa ou grave.

Por se conhecer que o hospital é um sítio perigoso para os idosos, há iniciativas como o “Hospital amigo dos
Idosos”, à semelhança do “Hospital amigo dos Bebés”, um projeto desenvolvido pelo Canadá para desenvolver
hospitais mais seguros.

Estratégias para prevenir iatrogenia nos hospitais

• Identificar doentes de risco;


• Minimizar psicofármacos;
• Evitar contenção mecânica e dispositivos invasivos procurando alternativas a estes;
• Uso de meias de contenção elástica;
• Promoção de mobilização e socialização precoces;
• Terapia ocupacional para a estimulação cognitiva, motora e das atividades de vida diárias;
• Manter rotinas prévias;
• Presença de familiares e/ou cuidadores assim como de objetos do doente;
• Tratar a dor;
• Minimizar o ruído;
• Adaptar a iluminação ao ritmo circadiano;
• Ambiente seguro tendo em conta o pavimento, calçado, equipamento adaptado a défice motor, cognitivo e
sensorial, cores contrastantes e letreiros.

Devemos ponderar sempre no benefício e risco da intervenção, pensando no que vai mudar a abordagem
terapêutica.

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Consequências da Iatrogenia

• Mortalidade;
• Morbilidade;
• Institucionalização;
• Dependência;
• Declínio cognitivo;
• Depressão;
• Isolamento social;
• Aumento dos custos.

Mais medidas para a prevenção da Iatrogenia

• Identificação de doentes de risco;


• Treino no diagnóstico de iatrogenia evitando o diagnóstico e tratamento de “novas doenças” dando origem a
uma cascata de iatrogenia;
• Revisão terapêutica duas vezes por ano e redução da polimedicação;
• Vigilância apertada da doença crónica e seu tratamento;
• Aumento da comunicação e a sua eficácia entre profissionais de saúde doentes e cuidadores melhorando a
história clínica, as barreiras linguísticas, os défices cognitivos e a relação médico-doente;
• Ser o gestor do doente;
• Fazer a avaliação geriátrica global com uma equipa interdisciplinar incluindo o farmacêutico clínico;
• Fazer uma educação contínuo sobre fármacos, reações adversas medicamentosas, contraindicações e
procedimentos invasivos.

A doença iatrogénica é o problema com maior potencial de ser evitado no idoso, temos é de o reconhecer.

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Aula 11 – Doença de Parkinson
Vítor Oliveira – 04/11/2019

A doença de Parkinson é uma doença muito comum e é cada vez mais importante, sendo importante
conhecermos as características principais, como a doença foi descoberta e descrita e no que consiste a doença de
Parkinson.

Como surgiu a doença?

A doença de Parkinson deve o seu nome o seu


nome ao médico inglês James Parkinson que
trabalhava em Londres. Este médico acompanhou
alguns doentes e a certa altura encontrou um
quadro um bocado bizarro que não era conhecido
na altura. 2 ou 3 doentes dele tinham certas
características de deslocação e de movimentos
involuntários como tremores, que nunca tinham
sido identificados nem descritos, e ele reparou que
haviam características próprias destes movimentos
e que todos os doentes tinham o mesmo quadro
clínico.

Nas ruas de Londres começou a observar mais algumas pessoas que apresentavam algumas destas
características que ele já tinha observado nos seus doentes e seguiu as pessoas pelas ruas para observar melhor o
seu movimento. Assim, pegou em 6 casos (3 de doentes seus e 3 que observou nas ruas) e fez uma descrição da
doença à qual deu o nome de “Paralisia Agitada”, um nome polémico e contraditório pois se uma pessoa está
paralisada não consegue estar agitada. O que se passa nesta doença é o facto de se verificar que a pessoa por um
lado está paralisada nos movimentos voluntários, não se conseguindo mexer devido à sua rigidez e tendo
dificuldade por exemplo a andar sendo que quando tropeça cai com facilidade e tendo também dificuldades a virar-
se na cama. Por outro lado, as pessoas apresentam muitos movimentos mas que são involuntários como o tremor
involuntário, estando “agitados” para este tipo de movimentos. Daí surge esta esta contradição da paralisia agitada
que posteriormente foi denominada de Doença de Parkinson.

Características da doença

Há duas características principais da doença de Parkinson. Uma é a rigidez, ou seja, os movimentos voluntários
condicionados, sendo que a pessoa começa por ter uma postura rígida, tem tendência para ficar inclinada para a
frente parecendo que o centro da gravidade está para a frente, havendo também uma tendência para cair para a
frente, tem dificuldade a mobilizar-se, tem uma lentificação dos movimentos que corresponde à bradicinesia e nas
fases mais avançadas chega mesmo a ter acinésia (ausência de mobilidade). Há uma certa flexão dos braços e das
pernas e há ainda o tremor de repouso. A doença faz com que a pessoa se mobilize com dificuldade e que se
desequilibre também com facilidade. Os indivíduos com doença de Parkinson tendem a ser pessoas idosas, embora
não seja 100% verdade, mas o que importa reter é que a grande incidência da doença de Parkinson é na população
com idades mais avançadas, podendo dizer que é uma doença do envelhecimento tal como o Alzheimer.

A bradicinesia faz com que a pessoa tenha dificuldade a mexer-se, a deitar-se e a levantar-se da cama, sendo
que a pessoa tende a atirar-se para a cama não tendo aquela elasticidade de uma pessoa normal e muitas vezes é
preciso a ajuda de familiares para realizar este movimento. E como as pessoas são tão rígidas deitam-se e acordam
na mesma posição, havendo desconforto associado a esta posição constante.

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Outra característica principal da doença de Parkinson é o tremor que corresponde a um movimento
involuntário, rítmico e com uma determinada amplitude e frequência. O tremor juvenil ansioso corresponde a um
tremor ansioso que é um tremor fino com pequena amplitude e frequência rápida, no entanto, na doença de
Parkinson o tremor é predominantemente das mãos e é um tremor lento, tendo uma grande amplitude e uma
frequência baixa, sendo que tipicamente tem um aspeto rotação do polegar sobre o indicador. O tremor do
Parkinson é um tremor de repouso, notando-se mais quando a pessoa está parada do que quando esta realiza
algum tipo de movimento. Também há tremores de intenção como o tremor senil que é mais amplo e agrava-se
quando o indivíduo tenta fazer algo. Se for um tremor de repouso, para se testar pode-se pôr uma folha de papel
em cima das mãos da pessoa e ver se o tremor se agrava ou se diminui com o tempo.

Deve-se perguntar às pessoas se treme mais quando está quieta ou quando está a fazer alguma coisa, por
exemplo, no movimento de meter a chave numa fechadura, um doente com Parkinson consegue fazer bem este
movimento enquanto que uma pessoa com tremor senil tem uma grande dificuldade. Há assim uma grande
diferença entre o tremor de repouso e o tremor de intenção. Nem tudo o que treme é Parkinson, tem de ser um
tremor de repouso para se enquadrar na doença de Parkinson, sendo que se tiver Parkinson quando vai comer a
sopa treme menos do quando está quieta, enquanto que o tremor senil agrava esta situação de tentar comer a
sopa. O tremor do Parkinson tem uma frequência de 4 a 5 ciclos por minutos e quando chamamos a atenção para
o tremor a pessoa treme menos ou para mesmo de tremer.

Há movimentos caóticos que não são tremores como movimentos distónicos que são irregulares.

Causas de tremor de intenção

• Tremor juvenil;
• Tremor ansioso;
• Tremor familiar;
• Tremor senil;
• Tremor idiopático;
• Privação de substâncias como etanol, fármacos e drogas;
• Hipertiroidismo;
• Alterações metabólicas como encefalopatia hepática.

O tremor senil é o mais frequente e é o tremor que mais se confunde com o tremor de repouso do Parkinson
porque é um tremor das pessoas idosas, abrangendo o mesmo grupo etário. O hipertiroidismo também dá tremor,
mas faz mais diagnóstico diferencial com outros tremores de intenção do que com o tremor do Parkinson. A ideia
chave é que o único tremor de repouso é o tremor de Parkinson.

Características principais

Há uma postura rígida tipicamente inclinada


para a frente, a pessoa geralmente tem uma
certa idade, no entanto o Parkinson não é
exclusivo de pessoas idosas havendo pessoas
com Parkinson a partir dos 40 anos, no entanto,
a partir dos 60 anos a incidência dispara. Assim, o
Parkinson é uma doença típica do
envelhecimento pois é uma doença
degenerativa, ou seja, é uma doença em que há
uma perda de função, a pessoa partiu do limiar
normal e depois foi perdendo a função. Exemplos
de doenças degenerativas são o Parkinson e a
demência em que há uma regressão ao longo do
tempo.
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Na imagem vemos um indivíduo idoso, com uma posição de flexão do tronco para a frente, braços e pernas
também fletidos e uma rigidez na marcha, sendo esta uma marcha de pequenos passos com pouca elasticidade,
tendo assim tendência para tropeçar e cair com facilidade. A pessoa tem os seus reflexos posturais diminuídos e
podemos testar isto nos doentes dando um pequeno empurrão à pessoa. Uma pessoa normal consegue equilibrar-
se facilmente, mas um doente com Parkinson cai logo para a frente ou para trás.

Na cara nota-se que a pessoa tem pouca mobilidade da face tendo uma fácies de esfinge com pouca
elasticidade tendo a aparência de “cara de pau”. Assim, a pessoa não consegue mobilizar a musculatura facial tendo
uma hipomímia facial. A pessoa também tem uma diminuição do pestanejar, piscando menos os olhos do que é
normal, há uma seborreia e oleosidade na cara, a pessoa tem dificuldade na deglutição engasgando-se com alguma
facilidade, e mesmo fora do contexto de comer há uma dificuldade em deglutir a saliva havendo assim sialorreia
sendo que a pessoa se baba. As pessoas ficam sem rugas na cara ficando com a pele mais lisa devido à hipomímia,
ficando também sem expressão facial. Estes doentes parecem muito mais velhos do que na verdade são, sendo que
podemos pensar que têm um problema cognitivo, no entanto, estes podem ser perfeitamente capazes de explicar
a sua doença e expor as suas preocupações.

Também pode haver descamação da pele devido à oleosidade, geralmente à volta da base do nariz e na
glabela. Ainda com esta rigidez temos uma obstipação muito típica dos parkinsónicos. Para além disto, tudo o que
tem a ver com o movimento está afetado, assim, a pessoa começa a articular as palavras com mais dificuldade,
falando com pouca articulação das palavras e aos empurrões devido à rigidez dos movimentos.

Quando olhamos para o indivíduo vemos esta postura, vemos também na marcha a diminuição do bamboleio
começando a andar com os braços parados. As manifestações iniciais geralmente são assimétricas e só depois é
que generalizam, sendo que um braço pode bambolear bem e outro não. Depois temos o tremor de repouso
sobretudo das mãos e num caso mais grave pode haver tremor também das pernas, mas nas mãos é mais nítido e
mais precoce. A pessoa tem de ser identificada o mais cedo possível para iniciar a terapêutica e evitar os
inconvenientes.

A pessoa tem também dificuldade a andar e temos de investigar a doença para prevenir as quedas pois isto
interfere na qualidade das pessoas, estas começam a tropeçar com muito mais frequência. Outra coisa importante
na observação do doente é o fenómeno de roda dentada, a pessoa tem uma hipertonia típica do Parkinson. Quando
mobilizamos um membro pomos o polegar em do bíceps, fletimos o músculo e ao estender sentimos uma
resistência e um tremor não regular. Podemos também rodar o punho e sentir o mesmo. Só esta doença é que
provoca esta manifestação. Há outras alterações como a letra que começa a ficar mais pequena o que corresponde
a micrografia, em que a pessoa agarra a caneta de uma forma diferente para não tremer.

O Parkinson é uma doença degenerativa


do sistema nervoso e o problema está nos
núcleos da base, na substância nigra, que vai
perdendo a sua pigmentação. Quanto mais
pálida estiver a estrutura, menos
neurotransmissores tem e mais sintomas a
pessoa vai apresentar. Tem a ver com a
transmissão sináptica de dopamina, e a
carência deste neurotransmissor faz com que a
pessoa tenha manifestações clínicas.

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As características principais do Parkinson são assim: bradicinesia, tremor, rigidez e a instabilidade postural,
sendo que a pessoa tem reflexos posturais diminuídos.

A doença de Parkinson é uma doença degenerativa que se dizia ser doença extra-piramidal, mas esta
designação caiu em desuso. Hoje, entra no grupo das doenças do movimento como o próprio tremor senil. A doença
de Parkinson é uma doença espontânea e idiopática que aparece não se sabe porquê. Há casos familiares, mas
estes não são frequentes.

Quando surge em sequência de algo, quando é secundário a algo, não chamamos doença de Parkinson, mas
sim Parkinsonismo. Isto ocorre nomeadamente nos doentes que têm uma patologia psiquiátrica e que estão
sujeitos a neurolépticos, podendo apresentar sintomas parkinsónicos que são iatrogénicos. Assim é uma doença
secundária. Uma lesão com monóxido de carbono também pode dar lesões semelhantes ao Parkinson, mas como
é secundário a algo denominamos de parkinsonismo.

Um AVC que afete a zona dos núcleos da base pode também provocar parkinsonismo, mas é muito raro. Outras
causas que podem causar este quadro são as intoxicações tóxicas e o traumatismo craniano. O exemplo
paradigmático foi a intoxicação por MPTP (uma substância alucinogénia) de pessoas novas que provocou um
quadro de parkinsonismo. A vantagem que isto trouxe foi que podemos usar esta substância para administrar em
animais provocando laboratorialmente um quadro parkinsónico servindo para estudar e fazer um modelo de
doença experimental.

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Com o envelhecimento da população cada vez vão haver mais doentes com Parkinson. O que é importante
reter é que os sintomas tipicamente aparecem pelos 50-65 anos, têm uma distribuição principalmente na Europa
e na América do Norte, há um duvidoso predomínio do sexo masculino, claramente aumenta com a idade, e parece
haver maior risco nos indivíduos caucasianos.

Sobre o tremor, este é mais comum como manifestação inicial (é o sintoma inicial em 63% dos casos) sendo
que a lentificação dos movimentos, ou seja, a bradicinesia vem em 2º lugar.

Há uma classificação da doença que corresponde à escala de Hohen e Yahr que classifica o grau de
compromisso num indivíduo com doença de Parkinson, dando ideia da gravidade da situação. Vai do estadio 0 ao
estadio V quando a pessoa já está imobilizada numa cadeira de rodas ou acamada.

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Relativamente à evolução da doença, há uma fase em que não há sintomas ou são inaparentes sendo estes
progressivos, depois aparecem os sintomas a pouco e pouco tendo uma evolução lenta começando a ser unilateral
e nos quadros mais avançados pode terminar com demência. Assim, as pessoas que desenvolvem Parkinson mais
cedo têm um maior risco de desenvolver demência e alucinações, pois dão um maior tempo para a doença se
desenvolver.

Terapêutica

A terapêutica é à base de levodopa e quando se começa há uma fase inicial que corre muito bem que dura
cerca de 3-5 anos (Honey-Moon), e a partir de uma certa altura, à medida que a doença avança e entra numa fase
mais avançada, começa a aparecer certos tipos de efeitos:

• Wearing off – A pessoa toma o medicamento, melhora um bocado, mas ao longo das horas seguintes o efeito
vai passando e vai havendo um esgotamento do benefício do medicamento sendo que este só aumenta com
uma nova dose;
• Efeito pico de dose – Há uma subida do efeito do medicamento ultrapassando o limite tóxico, a pessoa começa
a ter discinesias de pico de dose, mas depois quando o medicamento volta a entrar na janela terapêutica ele
já vai ter benefício, mas entra na fase do wearing off. Assim a pessoa já depende basicamente do medicamento
e não da produção endógena;
• Fenómeno on and off – A pessoa durante um determinado período do dia, nos períodos off, fica
completamente imobilizada e não se consegue mexer;
• Freezing – A pessoa fica imobilizada sem se conseguir mexer.

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Também sabemos que está doença está associada a uma diminuição do olfato (hiposmia) com consequente
perda de apetite e de peso. Assim, é muito raro vermos um indivíduo com Parkinson obeso, sendo quase sempre
pessoas magras.

Voltando à terapêutica, esta teve uma grande revolução com a levodopa em 1961. Havia uma terapêutica
errática com a apomorfina que agora se está a voltar a usar de uma forma mais estruturada, sobretudo para casos
mais complicados. Há uma série de outros medicamentos que têm surgido, no entanto, nada consegue substituir a
levodopa. Esta terapêutica começa sempre com o Sinemet e o Madopar que são os medicamentos que são
comercializados para esta situação. Depois temos adjuvantes para os efeitos secundários mais específicos,
nomeadamente mais para o tremor ou mais para a discinesia.

Alternativas que devemos conhecer é que neste momento tem havido algumas tentativas cirúrgicas para
tentar minimizar este tipo de situações sobretudo em doentes graves. Pode-se fazer palidectomia/estriadectomia,
transplantes celulares de células na mucosa nasal com implantação das células no local da substância nigra e o que
se está agora a usar-se mais nas situações graves é fazer estimulação elétrica profunda. A estimulação cerebral
profunda pode-se fazer em alguns casos de doença de Parkinson grave e em doentes com menos de 70 anos com
uma doença em fase avançada e grave tendo uma grande rigidez e um tremor muito acentuado. Há um pacemaker
externo que é regulado externamente para ligar e desligar.

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Alimentação na doença de Parkinson

Uma dieta hipo-proteica melhora os períodos “off pós-prandiais” sendo que se deve adotar uma dieta hipo-
proteica no princípio do dia enquanto que as ingestões normo-proteicas devem ser diferidas para o fim do dia.

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Aula 12 – Alterações Cognitivas e Demências
Frederico Simões do Couto – 04/11/2019

Falamos de alterações cognitivas definindo como a pessoa pensa ou a maneira como pensa por oposição àquilo
que a pessoa sente. As alterações cognitivas são aquelas a que temos um acesso consciente e que se referem
fundamentalmente ao pensamento. Têm uma diferença muito importante em relação às outras alterações pois são
quantificáveis, isto é, nós conseguimos saber, relativamente à memória, quanto é que a pessoa se deve lembrar,
quantas palavras a pessoa se deve lembrar ao fim de 20 minutos, quantas palavras a pessoa deve produzir num
minuto, quantas palavras é que a pessoa deve reconhecer, como a pessoa deve planear o raciocínio, etc. Assim,
são funções muito mais objetiváveis e quantificáveis do que, por exemplo, a tristeza, a angústia e a culpa.

Existem vários tipos de funções cognitivas, e as alterações cognitivas mais frequentes são as alterações de
memórias, sendo as queixas de memória algo extremamente frequente, é algo que toda a gente se queixa. Nas
consultas isto é extremamente frequente, os doentes queixam-se muito de falta de memória e existem múltiplas
causas para isso.

Num doente com falta de memória como é que nós estruturamos o nosso raciocínio e como é que abordamos estas
queixas?

• Depressão – Existem queixas associadas à depressão, as pessoas como estão deprimidas têm mais dificuldade
em puxar pela cabeça, o raciocínio está mais lento, a memória objetivamente está perturbada por causa da
tristeza, e as pessoas com depressão desistem mais facilmente de se tentarem lembrar das coisas. A pessoa
ainda faz algum esforço, mas não tem aquela tenacidade que uma pessoa não deprimida;
• Ansiedade – A ansiedade também é uma das causas de falta de memória, quando uma pessoa está ansiosa
tem mais dificuldade em lembrar-se e isso vê-se no desempenho dos exames em que o nível de ansiedade é
muito grande e o desempenho acaba por ser pior;
• Cansaço e fadiga – Também originam faltas de memória;
• Psicogénicas – Existem ainda as causas psicogénicas, sendo que as queixas psicogénicas são as queixas de
memórias que não seguem um padrão daquilo que é habitual, por exemplo “Eu estive um fim-de-semana todo
e lembro-me de toda a gente menos da minha tia”, aqui suspeita-se que haja alguma coisa, não há nenhuma
doença degenerativa que leve que as pessoas se esqueçam especificamente das tias, isto tem alguma razão
psicológica para que isto aconteça. Isto justifica o facto de as pessoas se esquecerem que foram violadas ou
de outro acontecimento grave que é excluído da memória, havendo uma amnésia com características seletivas
que nos permitem pensar que existem perturbações psicogénicas;
• Hipocondríacas – Há aquelas pessoas que se preocupam com tudo e que se queixam de tudo, e por isso, a
memória é mais um sintoma que surge numa doença hipocondríaca;
• Demências – Temos ainda as doenças neurodegenerativas como a demência que está associada especialmente
ao envelhecimento;
• Outras – Existem ainda outras causas como fármacos que podem originar faltas de memória.

Relativamente à demência, temos uma definição do DSM-5 que corresponde a uma perturbação das funções
cognitivas, pelo menos de uma delas, em que há uma deterioração relativamente a um nível prévio. Portanto, a
pessoa tinha um determinado funcionamento cognitivo e uma determinada performance de memória que depois
começa a diminuir mais ou menos abruptamente. Mas há sempre uma deterioração cognitiva de pelo menos um
domínio cognitivo. Pela definição de demência, sobre este domínio cognitivo e esta deterioração, tem de haver
uma perda desta capacidade cognitiva, que pode ser de vários tipos, mas esta perda de capacidade tem de ser
suficiente para a pessoa ter uma perturbação na vida diária, ou seja, tem de ter uma queixa de memória que faça
com que se perda em sítio que conhece, deixar de conseguir usar o cartão multibanco, ou outras coisas assim
complexas.

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Pode ter outro tipo de perturbações cognitivas que podem ser funções executivas ou funções de planeamento,
nomeadamente a pessoa ser incapaz de avaliar e planear corretamente as situações sociais, sendo capaz de se rir
durante um velório, bater nas costas das pessoas, levantar o morto para ver como é que ele está, etc. Portanto,
coisas que são inadequadas e que revelam uma falta de noção, surgem assim na sequência de um processo de
alteração de comportamento havendo uma incapacidade de avaliar as situações e de planear as suas ações
consoante o que avalia. Isto, para uma pessoa que faz isto num velório, obviamente que tem um impacto nas
atividades de vida diárias pois as pessoas ficam a olhar para ela e pensam que é maluca. Assim, resumidamente, o
que define a demência é uma perturbação cognitiva com uma perda em relação a um nível prévio e com impacto
nas atividades de vida diária.

O que eles dizem no DSM-5 é que esta avaliação pode ser subjetiva, isto é, até que ponto uma queixa de
memória é relevante? Até que ponto é que a deterioração cognitiva é relevante? Deve-se tentar objetivar esta
queixa cognitiva, isto é, a pessoa diz que se esquece, mas esquece-se de quanto? Até que ponto isto é valorizável
ou não? Há medidas padrão para se avaliar.

Uma coisa é esta deterioração cognitiva com interferência na via do dia-a-dia. Isto é um diagnóstico
sintomático, pode haver muitas doenças que provocam estas alterações estando aqui uma lista de algumas delas.

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Na abordagem destas situações de demência ou deterioração cognitiva importa perceber que a pessoa tem
uma deterioração cognitiva e depois perceber qual a causa dessa deterioração que podem ser variadíssimas
doenças. Existem hoje muitos avanços nesta área, sendo que muitas vezes as pessoas há 20 anos iam perdendo as
capacidades, sendo isto atribuído ao avançar da idade, e não havia preocupação com estas alterações. Passado
algum tempo começou a perceber-se que estas alterações podiam ser valorizáveis, mas não se ia fazer uma biópsia
por serem doenças neurodegenerativas, portanto não valia muito a pena fazer o diagnóstico se este não tivesse
aplicação no tratamento.

Mais recentemente surgiram algumas ferramentas diagnósticas e a possibilidade de algumas intervenções


terapêuticas que modificaram isto. Assim, interessa-nos perceber antes desta fase em que já é fácil fazer o
diagnóstico pois a pessoa já está completamente baralhada, o que é que se passa.

Como são doenças degenerativas, há uma parte em que as pessoas funcionam bem, depois começa o processo
degenerativo a correr havendo alguns sintomas, e depois é que se entra na fase da demência. Esta fase intermédia
entre a normalidade e a demência chama-se defeito cognitivo ligeiro ou “mild cognitive impairment”.

Isto sim tem sido um grande foco de investigação, perceber o que são estas pessoas porque depois da
neurodegeneração ter ocorrido e as pessoas já não terem cérebro devido à morte neuronal já ter acontecido em
grande extensão, já não há grande coisa a fazer. Este mild cognitive impairment tem recebido imensas investigações
e imenso interesse hoje em dia, e até deu direito a uma categoria do DSM a que se chamou perturbação
neurocognitiva minor. Esta é rigorosamente igual
à definição de demência exceto no impacto da
vida diária. O defeito cognitivo ligeiro ou mild
cognitive impairment ou perturbação
neurocognitiva minor, não tem que ter impacto na
via diária, portanto, a pessoa tem queixas de
memória e de deterioração cognitiva, mas
consegue fazer as atividades de vida diária. Pode
ser necessário algum esforço, como escrever uma
lista das compras para saber o que comprar, sendo
que antigamente esta não era necessária, ou
escrever o código do multibanco. No entanto, a
pessoa continua a conseguir trazer as compras
todas e continua a conseguir usar o multibanco,
precisa é de mais esforço ou de usar coisas que
antigamente não precisava.

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No caso de um mild cognitive impairment, temos de perceber qual a doença que está na base disto. Assim,
podemos falar de doença de Alzheimer com demência ou sem demência se estiver no estadio de defeito cognitivo
ligeiro. No final de contas, o estadio de defeito cognitivo ligeiro e de demência são uma classificação de gravidade
e uma definição sintomática, mas importa é perceber a doença na base disso. Portanto, doença de Alzheimer não
é igual a demência de Alzheimer, podendo haver doença de Alzheimer no estadio de defeito cognitivo ligeiro.

Abordagem Diagnóstica do Mild Cognitive Impairment

Um doente que vem com demência ou com defeito cognitivo ligeiro, a abordagem é relativamente
semelhante. Mas como é que investigamos isto? Fazemos este diagnóstico de demência ou defeito cognitivo ligeiro,
mas como é que percebemos o que se passa com esta pessoa? No caso do defeito cognitivo ligeiro é mais difícil
porque as queixas são mais subtis e a distinção da normalidade pode ser difícil. Se considerarmos a lista de causas
previamente demonstrada, com base nesta lista, preferíamos que o doente tivesse um défice vitamínico, sífilis ou
doenças endócrinas como o hipotiroidismo. Se a pessoa vier com um defeito cognitivo ligeiro, não devemos pensar
logo em lúpus, mas sim nas doenças mais frequentes e tratáveis.

Assim, o objetivo é excluir as causas tratáveis, pois para a maior parte das doenças neurodegenerativas como
a doença de Alzheimer ou a doença dos corpos de Lewy não há tratamento, mas para as outras há. Assim, faz todo
o sentido excluir os défices vitamínicos, o hipotiroidismo, a sífilis, O VIH que também é relativamente frequente e
fazer uma abordagem geral para ver se não há nenhumas análises que nos indiquem alguma doença associada. A
ideia é fazer uma avaliação através da história clínica, do exame objetivo e da requisição de algumas análises e
excluir as principais causas tratáveis.

Em termos das análises que se deve fazer, são


fundamentalmente umas análises gerais como o
hemograma, a glicose, a creatinina, o cálcio, os
eletrólitos, a função do fígado através das
aminotransferases, o colesterol e especialmente a
função tiroideia, a vitamina B12 o ácido fólico e os
marcadores para a sífilis (VDLR) e o VIH. São estas
as análises que são obrigatórias e que fazem parte
das guidelines e das normas pois são aquelas mais
frequentes e que têm um potencial de
reversibilidade. Depois de excluirmos as causas
tratáveis, uma coisa mais difícil é fazer o
diagnóstico diferencial com o envelhecimento
normal, pois se a pessoa tiver queixas muito
subtis, até que ponto uma pessoa com perdas
ligeiras de memória tem algo patológico?

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Objetivação do defeito

Existem alguns testes que nos dão a ideia global de cognição. Por exemplo, o Mini-Mental State Examination
(MMSE) é um teste fácil para o doente fazer, sendo que só quando os doentes têm uma deterioração cognitiva mais
ou menos acentuada é que se torna difícil de fazer. É um teste pouco sensível apesar de ser relativamente
específico, isto é, quando a pessoa demonstra alterações no Mini-Mental, muito provavelmente tem uma alteração
cognitiva do tipo demencial, mas para o defeito cognitivo ligeiro já é muito menos sensível.

Existe um teste de cognição global rápido que podemos aplicar logo que é o MoCA (Montreal Cognitive
Assessment) que é um teste mais difícil. O MMSE não é um teste útil pois é um teste pouco específico para o defeito
cognitivo ligeiro, enquanto que o MoCA é melhor pois tem valores de sensibilidade e especificidade melhores, é
mais complexo, abrange mais funções e há tradução e validação para a população portuguesa. Este tipo de testes
das funções cognitivas em particular, é muito importante que estejam validados para a população portuguesa.

Se pode ser difícil distinguir entre o envelhecimento normal e as doenças, podemos recorrer a uma avaliação
neuropsicológica mais extensa. Uma avaliação neuropsicológica são um conjunto de testes em que se estuda várias
funções cerebrais através do desempenho que é suposto as pessoas terem.

É suposto que uma pessoa, enunciando-se lista de 10 palavras, ao fim de 5 minutos de lembre de 5 das 10
palavras originais. Claro que depende da idade e da escolaridade, mas é uma coisa completamente normativa,
podemos normalizar isto. Desta forma, conseguimos ver qual a parte do cérebro que não está a funcionar em
termos cognitivos.

Exemplos de testes

Contamos a história à pessoa, sendo que lemos a história mas não a mostramos à pessoa, e depois pedimos à
pessoa para repetir a história que contámos e anotamos com um certo cada coisa que a pessoa se vai lembrando.
Depois, perguntamos passado meia hora. Sabemos que uma pessoa com 60 anos e 4 anos de escolaridade, ao fim
de meia hora, deve lembrar-se de 80% da história, sendo que se se lembrar de 70%, significa que tem um defeito
cognitivo. Este teste testa a função cognitiva da memória.

Temos outro teste que, novamente só se lê e não se mostra à pessoa. Lê-se uma lista de compras pedindo à
pessoa para ouvir com atenção para quando nós acabarmos de ler dizer tudo o que se lembra da lista, não sendo
necessário dizer as palavras por ordem. Depois faz-se uma segunda tentativa e vê-se ao fim de 5 tentativas como a
pessoa se comporta. Depois passados 20 minutos repete-se a pergunta. Este teste no início testa a função cognitiva
da aprendizagem, e ao fim de 20 minutos testa-se a memória a longo prazo.

O primeiro teste é mais fácil pois tem uma sequência lógica. A primeira testa mais uma memória lógica e
quando já está afetada é sinal de defeito cognitivo mais grave do que um defeito detetado no segundo teste, um
teste muito mais sensível para apanhar pequenos defeitos cognitivos pois é um teste mais exigente.

Existem ainda outros testes para se testar outras funções cognitivas. Temos um teste para se ligar os números
(1, 2, 3, 4, ...) que testa a função cognitiva da sequenciação e do planeamento sendo funções frontais dependentes
do lobo frontal, e ainda um para ligar números a letras (1-A, 2-B, 3-C, ...) que testa a função cognitiva da
sequenciação, planeamento e a tendência da pessoa. A tendência da pessoa seria ligar os números todos e as letras
todas, mas não o faz, pois, o córtex pré-frontal inibe este acontecimento. Estes são dois testes para testar funções
frontais, não fazendo muito recurso à memória. Um doente com doença de Alzheimer consegue fazer
perfeitamente este teste enquanto um doente com uma demência frontal não consegue.

Outro teste é mostrar ao doente palavras cujo significado traduz uma cor mas a própria palavra tem uma cor
que não corresponde à palavra sendo o objetivo do teste dizer a cor com que a palavra aparece e não ler a palavra.
Assim, tem te haver algum nível de inibição, sendo um teste ao lobo frontal.

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Quando pedimos estes testes avaliamos várias funções, vemos se há um desvio significativo em relação àquilo
que é normal, e isto serve para complementar a impressão clínica. Através da impressão clínica tiramos informações
de algumas alterações, fundamentamos nos casos mais difíceis com estas avaliações através de testes mais
específicos e depois percebemos se o doente tem uma demência, um defeito cognitivo ligeiro ou se está normal.
Se houver alguma alteração, depois disto tentamos através da relação destes exames todos perceber a doença que
está na base disso. Se houver um predomínio na falta de memória provavelmente será uma doença de Alzheimer
ou se houver um predomínio de alterações de comportamento ou de funções executivas provavelmente será uma
demência frontal.

Existe outro ponto importante que ajuda clinicamente na distinção, principalmente no caso da memória, entre
aquilo que é normal e aquilo que é patológico, sendo pontos indicativos e não absolutos. Se formos ver a
percentagem de doentes numa clínica especializada em perturbações de memória, a percentagem de doentes com
alterações neurodegenerativas é muito maior do que, por exemplo, numa consulta de clínica geral. Isto pode indicar
que as pessoas quando estão preocupadas e quando estão aflitas com a queixa, vão a centros especializados e dão-
se ao trabalho de ver quem são os especialistas, mais provavelmente terão uma doença neurodegenerativa. Isto é
diferente de uma pessoa no final de uma consulta dizer que está com faltas de memória e não sabe se é grave ou
não. Quando a pessoa se apercebe dos próprios défices e está aflita e preocupada com isso, isto é valorizável.

Outra coisa importante é a confabulação. Os doentes com alterações neurodegenerativas, especialmente


numa fase a seguir àquela primeira, tendem a disfarçar os défices de memória, porque percebem que aquilo não é
normal e inventam coisas para disfarçar os défices. Por exemplo, se perguntarmos que dia é hoje, a pessoa não se
lembra, mas não vai dizer que não se lembra, vai dizer com “toda a certeza” que é terça-feira quando não o é. A
pessoa tem uma consciência parcial, isto é, até pode aperceber-se que não se lembra, mas a tendência para
disfarçar é muito grande, é uma mentira honesta.

A fenomenologia dissociativa também é uma queixa. Se a pessoa diz “Ando muito esquecida, pus os sapatos
no frigorífico.” Isto não é bem uma queixa de memória, é demasiado disparatado para ser uma queixa de memória.
Há uma discordância, não é bem uma perda de memória. A pessoa não se esqueceu do que era um frigorífico nem
do que eram uns sapatos. Na realidade não há uma queixa de memória por trás disto, assim isto pode não indicar
que estamos perante um quadro degenerativo, mas sim de uma doença psiquiátrica.

Doenças neurodegenerativas que podem provocar defeito cognitivo

Doença de Alzheimer

Na doença de Alzheimer há depósitos de uma proteína chamada amiloide beta que formam placas senis e há
emaranhados neurofibrilares constituídos de proteína TAU fosforilada. Olhando para estas peças de autópsia,
vemos que a pessoa tem uma doença de Alzheimer. Não sabemos se tem sintomas, se está num estado de defeito
cognitivo ligeiro ou num estado de demência. Se colhermos vários pedaços do cérebro e já houver um estadio de
grande extensão das placas, provavelmente estaremos perante uma situação demencial. A ideia chave é que estas
placas começam a depositam-se muitos anos antes do aparecimento de sintomas. Depois começam a surgir os
sintomas quando há uma extensão para o interior do hipocampo, e depois quando se chega a outras partes do
cérebro já estamos perante uma situação demencial.

A grande dificuldade aqui é que, numa fase inicial a pessoa vem à consulta com algumas queixas de memória,
mas temos de saber avaliar isto. Têm aparecido vários critérios que são os critérios para defeito cognitivo ligeiro
devido a doença de Alzheimer. Tem de haver uma perturbação da deterioração cognitiva, essencialmente de
memória, tem de estar objetivado e não pode estar demenciado. Novamente temos de excluir outras causas
tratáveis e temos de ter um padrão compatível com uma doença de Alzheimer, que são queixas de memória que
começam insidiosamente e que se agravam com o tempo.

Pensa-se que a doença de Alzheimer resulte do fragmento amiloide beta, que deriva da clivagem da proteína
transmembranar que corresponde à proteína percursora do amiloide pela β-secretase e pela γ-secretase, que
liberta este tal fragmento e este acaba por provocar as lesões associadas à doença.
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Isto é o que sabemos até agora, no entanto, os ensaios clínicos que têm sido feitos com inibidores da β-
secretase, se inibirmos esta secretase impedindo a clivagem do fragmento amiloide beta, teoricamente já não
haveria doença de Alzheimer. Isto foi tentado e viu-se que os doentes continuam a piorar não tendo efeito nenhum.
Anticorpos monoclonais contra o amiloide beta, ou seja, que removem o amiloide beta do cérebro das pessoas
também não interfere e os doentes continuam a progredir e continuam a ter um percurso de doença igual. Isto tem
sido muito controverso e se calhar temos de repensar sobre isto tudo.

O que tem sido desenvolvido para esta doença não é em termos terapêuticos, mas sim em termos
diagnósticos, ou seja, nós conseguimos documentar a presença de amiloide beta e de proteína TAU fosforilada in
vivo, ou seja, já conseguimos ver a presença de amiloide beta na cabeça dos doentes que estão numa fase em que
ainda podem nem ter sintomas. Existem vários biomarcadores, nomeadamente a atrofia do hipocampo. As placas
de amiloide depositam-se especialmente no hipocampo destes doentes e observa-se claramente uma atrofia. A
figura A mostra um hipocampo normal, a B mostra uma atrofia ligeira e na C temos uma atrofia já bem marcada,
sendo que isto corresponderá muito provavelmente a uma doença de Alzheimer. Há radiologistas que quantificam
o volume do hipocampo. Com esta atrofia do hipocampo, provavelmente já haverá sintomas.

Há ainda a PET com marcadores para as placas de amiloide. Há um ligando que se liga à proteína amiloide que
depois liberta um positrão que é detetada, sendo possível perceber in vivo quais são os sítios que têm amiloide.
Enquanto que em cima há uma distribuição muito pequena e difusa, não tendo amiloide relevante (neste caso
vermelho é mau porque implica a marcação de amiloide), e na figura em baixo há manchas de amiloide muito bem
definidas e grandes, sendo sugestivo de doença de Alzheimer. Temos maneira de, antes de surgirem os sintomas,
conseguirmos ver se a pessoa tem amiloide.

Demências Frontotemporais

Outra coisa mais complicada são outro tipo de demências que não têm nada a ver com a doença de Alzheimer,
que são as demências frontotemporais. Neste caso, novamente também há este estadio de defeito cognitivo ligeiro
frontotemporal que evolui para demência sendo uma doença neurodegenerativa. Dependem da deposição de
outro tipo de proteínas, de outro tipo de coisas no cérebro dessas pessoas que em conjunto determinam lesão dos
lobos frontais e temporais anteriores e que depois têm várias classificações. As demências frontotemporais têm
dois tipos fundamentais, um deles que resultam com alterações do comportamento, não havendo mecanismos de
inibição. Exemplos: “O doente interrompeu a missa para fazer uma declaração à mulher e depois disse ao padre
que cheirava mal da boca tendo oferecido uma consulta de estomatologia”, são coisas que até podemos pensar
mas não o dizemos, assim os doentes perdem a noção da convivência social, predominando esta desinibição, ou
”Numa festa de família na piscina a avó de 70 anos apareceu em topless”, havendo claramente uma perda da
inibição, a pessoa não se esqueceu de pôr a parte de cima do bikini, foi meramente uma questão de desinibição.
Isto são alterações da porção frontal.

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Existem outros tipos que também se enquadram neste grupo de doenças que dão perturbações da linguagem
afetando os lobos temporais. Isto não é um AVC, mas sim uma degenerescência dessas áreas ou destas zonas
podendo provocar vários tipos de afasias que são progressivas, sendo que a pessoa vai perdendo a linguagem ou
esquece-se do significado das palavras. São um tipo de demências que não se relacionam nem com as alterações
de comportamento nem de memória, o processo fisiopatológico e a clínica são coisas muito diferentes.

Corpos Lewy

Outro tipo de demência que também tem uma fase de défice cognitivo ligeiro são os corpos de Lewy. Às vezes
confunde-se com doença de Alzheimer, podendo não ser fácil de distinguir, mas o que se depositam são proteínas
que não têm nada a ver. Em termos anatomopatológicos a doença é diferente e o quadro clínico também. A doença
com corpos de Lewy foi descrita pela primeira vez em 1978 pelo senhor Kenji Kosaka que descreveu estes corpos.
Os corpos são diferentes da doença de Alzheimer também tem manifestações clínicas diferentes.

Os principais sintomas da demência de corpos de Lewy são derivados da degeneração cognitiva que não são
de memória, são fundamentalmente das funções viso-construtivas pois os corpos de Lewy lesam principalmente o
lobo occipital. Têm dois sintomas que são muito típicos que são o parkinsonismo, ou seja, são doentes com
deterioração cognitiva e um tempo depois surgem com sintomas parkinsónicos. Na doença de Parkinson ocorre o
contrário, primeiro há sintomas parkinsónicos e só depois há evolução para demência. Outra característica típica
são alucinações visuais, os doentes vêm alucinações visuais bem formadas, recorrentes e detalhadas.

Há ainda outros sintomas como a perda da atonia no sono REM, ou seja, os doentes atuam durante o sono
REM, por exemplo, batem nas pessoas com quem estão a dormir pois, não havendo atonia, os doentes atuam em
função do sonho que estão a ter, e isto surge muitas vezes muito antes dos sintomas cognitivos. Ao fazermos um
estudo do sono isto aparece.

Como têm sintomas Parkinsónicos deve-se evitar os agentes antipsicóticos pois estes doentes pioram quanto
tomas antipsicóticos, o que pode ser uma tentação tendo em conta que eles têm alucinações visuais. Também tem
um biomarcador excelente que é a redução dos transportadores da dopamina pré-sinápticos no estriado. Os
neurónios vêm da substância nigra para o estriado, são neurónios dopaminérgicos, e estes neurónios têm à sua
superfície transportadores que são pré-sinápticos. Há libertação de dopamina e depois a dopamina é recaptada. Se
arranjarmos um marcador para estes transportadores podemos ver se estes transportadores existem ou não, sendo
que se não existirem, isto significa que não existem neurónios dopaminérgicos, traduzindo um desinervação
dopaminérgica do estriado, que é um diagnóstico também compatível com doença de Parkinson, mas se seguirmos
a história clínica podemos dizer que é doença de corpos de Lewy.

Num doente com Alzheimer não há alterações enquanto na doença dos corpos de Lewy não se vê os
marcadores e nos doentes normais está tudo normal.

Como os doentes têm estas alucinações visuais, isto traduz alterações occipitais posteriores, havendo uma
diminuição demarcada destes recetores. Na doença Alzheimer a perda é mais muito anterior sendo no lobo
temporal e mais concretamente no hipocampo. Na doença de corpos de Lewy a memória está relativamente
preservada estando muito melhor comparada com a doença de Alzheimer, mas as funções executivas como a
atenção e a capacidade viso-espacial construtiva estão muito diminuídas em relação à doença de Alzheimer. Assim,
o padrão neuropsicológico dá-nos luzes sobre qual a doença que pode estar por trás de um defeito cognitivo.

Tratamento

O tratamento é dos sintomas cognitivos. O tratamento das demências, uma vez que há neurodegeneração,
acaba por não ter muita coisa a fazer sendo um tratamento sintomático e de suporte. O grande foco que se tem
feito agora é focarmo-nos na prevenção fazendo com que as pessoas que tem estes estadios iniciais de défice
cognitivo ligeiro não progridam a demência. Muitas destas estratégias neuroprotetoras como o Donezepilo e a
Vitamina E não têm grande efeito.

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Farmacologicamente, até hoje, não há nenhum fármaco que mostre que previne a demência. As pessoas
tomam vitaminas e sais minerais, mas não têm efeito nenhum, tal como o ginkgo biloba não tem efeito nenhum.

As estratégias de prevenção são de tipo não farmacológico, por exemplo, o exercício físico tem vindo a
acumular várias evidências que mostram que parece prevenir e atrasar a deterioração cognitiva. Em termos de
evolução da deterioração cognitiva parecem ter efeito.

Depois é importante prevenir e tratar a depressão uma coisa que tem muita relevância da prevenção da
deterioração cognitiva associada às doenças neurodegenerativas, as atividades de tempo livre interessantes
mantendo-se ativo e com interesse nestas atividades o que parece diminuir o declínio cognitivo.

Atualmente, só existem fármacos para a doença de Alzheimer e talvez para a doença de corpos de Lewy, não
havendo evidência para as doenças frontotemporais ou para as outras doenças.

Depois, a partir do momento em que há demência de Alzheimer, há uma morte especialmente dos neurónios
colinérgicos, e a estratégia tem de ser aumentar a acetilcolina através da inibição da acetilcolinesterase. Ao
inibirmos a degradação da acetilcolina aumentamos a acetilcolina. Assim interferimos apenas no processo cognitivo
e não na neurodegeneração nem na progressão da demência. O processo neurodegenerativo continua a ocorrer,
mas melhoramos significativamente os sintomas.

Os efeitos adversos são colinérgicos resultantes da ativação do sistema nervoso parassimpático como náuseas,
vómitos, diarreia, anorexia, diminuição da frequência cardíaca (bradicardia) e aumento da incidência de úlceras. A
Memantina só está indicada para uso na doença de Alzheimer e o mecanismo baseia-se num melhor funcionamento
dos recetores NMDA do glutamato. Os efeitos adversos da Memantina são geralmente ligeiros e bem tolerados,
podendo originar cefaleias e convulsões.

Assim, temos como terapia não farmacológica o exercício físico que também ajuda a prevenir a depressão, a
alimentação saudável e outra coisa muito importante que corresponde à reabilitação cognitiva, sendo que a
entrada num programa de reabilitação cognitiva, há um atraso na progressão para a demência.

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Aula 13 – Depressão no Idoso
Carlos Góis – 11/11/2019

Epidemiologia

Na epidemiologia vimos um aumento da população geriátrica, sendo que vai haver uma rarefação que já se
nota nas escolas pois devido à crise as pessoas não tiveram bebés e as escolas neste momento estão com falta de
crianças. Vamos ter um agravamento em que ainda vai haver mais velhos.

Em termos das depressões, cerca de 11-12% de com depressão, nas pessoas não idosos temos cerca de 8-9%
e a prevalência total é cerca de 19%. Qualquer perturbação... e a partir dos mais de 65 temos cerca de ...

Esta associação com a doença somática, vai surgindo no idoso de forma natural e implica que ele tenha uma
capacidade de se adaptar psicologicamente a uma doença somática e, por outro lado, tem de ter em relação à
doença somática. A dor da depressão tem a ver, por exemplo, com as situações do envelhecimento cerebral. Nas
pessoas não idosas, há uma prevalência muito mais elevada, e isto significa que o HIV e outras doenças infecciosas,
há diversas doenças somáticas que atingem também os idosos, mas também afetam pessoas não idosas que
aumentam a depressão.

Sempre que vemos um idoso com depressão temos de pedir análises para ver se a depressão é ou não orgânica.

Depois temos a adaptação às doenças somáticas... tem como queixas depressivas. A comorbilidade muitas
vezes na população geral pode atingir os 44,5%.

Depois outro aspeto que é importante nos idosos e que tem a ver diretamente com as consequências da
depressão são as taxas de suicídio. O suicídio aumenta de uma forma progressiva, há estudos que apontam para
um aumento no início do aumento da idade adulta, mas claramente numa idade mais tardia vamos ter mais pessoas
a suicidarem-se. Isto afeta não só o valor do prognóstico ...

Sobre a epidemiologia, temos um artigo publicado em 2018 que afirma que o prognóstico na depressão tardia
do idoso é pior do que aquele que existe nos jovens. No tratamento que fazemos, vamos melhorar sintomas, mas
muitas vezes não conseguimos tratar a doença que está por baixo. Por outro lado, um curso mais desfavorável tem
a ver com a idade precoce da depressão, com a dor crónica que é a comorbilidade somática mais grave, pois é
aquela que toda a gente a partir de uma certa idade como dores osteoarticulares, portanto, a dor vai estar presente
e é um dos principais fatores que desencadeia depressão em qualquer fase da vida.

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O neuroticismo é quando as pessoas são mais ansiosas sendo que se preocupam mais. Se tiverem uma
preocupação excessiva com coisas que não conseguem mudar, esta ansiedade pode ser negativa. No entanto, a
ansiedade nem sempre é negativa, por vezes pode ser positiva, às vezes permite detetar de forma mais rápida e
mais precoce doenças como a diabetes tipo II que é uma doença que pode aparecer de uma forma quase natural,
não há sintomas que a permitem detetar, e as pessoas mais ansiosas que andam sempre a fazer check-ups detetam
a doença mais precocemente. O que é interessante é que ... adaptam-se com mais dificuldade à doença... as
próprias terapêuticas são mais complicadas.

Algo que é muito frequente, é as pessoas viveram sozinhas. Qualquer pessoa que viva sozinha tem mais risco
de depressão.

O que temos de pensar no idoso que é não temos só de tratar a depressão ou aquilo que tem a ver com o
desencadear da depressão, mas sim tratar estas doenças somáticas crónicas e tratar a solidão.

A depressão major é um conjunto de sintomas. Quando se fala de depressão temos um paradigma que é a
depressão major que corresponde a um conjunto de sintomas que duram pelo menos 2 semanas, têm de haver
pelo menos cinco sintomas, e destes cinco há dois que são cardinais. O humor tem de ser deprimido ou irritável,
não é estar triste, sendo que tristeza não é bem depressão ou então tem de haver anedonia.

Se tivermos dois destes sintomas é muito provável que a pessoa esteja deprimida. Vamos ver também
situações em que as pessoas não estão deprimidas, mas que têm, sobretudo nos idosos, situações que são muito
parecidas com o estar deprimido. Uma destas situações que se pode tornar patológica para além daquelas que já
falámos como as doenças somáticas com alguma incapacitação ou o próprio envelhecimento, e o luto que é uma
situação que se pode tornar complicada, o ICD11 há uma duas classificações, uma psiquiátrica só que é o DSM, um
sistema norte-americano e o ICD11 que também tem uma parte de perturbações mentais e essa parte é uma das
partes. As duas tem estado a tentar emparelhar-se e, de facto, hoje em dia há muitas mais analogias e semelhanças
do que diferenças, o que tem sido uma mais valia para todos podermos classificar as doenças da mesma forma.

O ICD11 pela primeira vez, ao contrário de outras versões anteriores e ao contrário da DSM-5 norte americana
que só propõem uma categoria de um luto complicado ou prolongado, o ICD11 veio introduzir esta variedade em
que classificamos como doença um luto prolongado, servindo esta doença como diagnóstico diferencial para a
depressão. Esta nova versão do ICD11 também deve incluir o burnout como doença.

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O luto nos idosos vai aparecer com algumas caraterísticas diferentes da depressão, uma delas é que as pessoas
não têm anedonia, as pessoas continuam a ter prazer no que fazem, mas estão essencialmente tristes, no entanto,
isto é variável. Assim, são síndromes parecidas com a depressão major mas não são iguais à depressão major. O é
um humor invasivo, mesmo que as pessoas queiram melhorar não conseguem, havendo uma invasão sistemática
do dia-a-dia com repercussões nomeadamente nas atividades de vida diária. Assim, para sabermos se é doença ou
não temos de perguntar se a pessoa controla a doença, sendo que se conseguir controlar provavelmente não terá
doença, e se a pessoa tem repercussões.

O humor deprimido com anedonia são os sintomas cardinais, há também sintomas cognitivos e
comportamentais.

Isto é importante para definir os graus de gravidade, havendo tratamentos para os vários graus.

Destes sintomas, quais são os mais complicados de determinar no idoso em relação a diagnóstico diferencial?

Isto é o que aplicamos em qualquer depressão. Num idoso, onde vai ser mais fácil encontrarmos estas
alterações? O idoso habitualmente dorme menos horas tendo o sono mais perturbado e tem uma falta de apetite
fisiológica. O idoso não tem a mesma memória e concentração. A depressão e a demência por vezes têm um
continuo.

Por outro lado, o idoso pode pensar na morte, sendo que uma começa a pensar na morte começa geralmente
no final da adolescência, mas uma pessoa a certa altura tem muitos mais pensamentos sobre a morte sendo que
isto é um processo adaptativo pois a pessoa tem de se preparar.

Há uma quantidade de terminologias: a depressão major, a minor (menos sintomas e mais tempo de duração
e menos consequências), sintomas depressivos, a síndrome da depressão com disfunção executiva que são
síndromes que aparecem numa depressão no idoso e que têm muito a ver com a parte mais central dos núcleos da
base. Podemos ter também uma depressão por condição somática, a depressão vascular que tem a ver com esta
função executiva e que muitas vezes tem a ver com atingimento frontal e os núcleos da base, e depois temos
depressão por tóxicos ou iatrogenia.

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Os tóxicos que os idosos consomem mais são os fármacos que podem consumir e que se podem converter em
autênticos tóxicos como as benzodiazepinas. Se imaginarmos um idoso que é internado por uma infeção
respiratória e que faz benzodiazepinas. Hoje em dia, se entrar um doente com certos tipos de infeções ou confusão
mental faz-se o doseamento das benzodiazepinas, mas se não se fizer este doseamento e o doente estiver a tomar
benzodiazepinas, o que pode acontecer é que estas podem dar uma síndrome de privação sendo que o idoso pode
ficar em delirium.

Clínica

Os sintomas depressivos são muito frequentes, muito mais que a depressão e são indicadores de grau I.

A depressão no idoso tem pior prognóstico, mais cronicidade, mais recaídas, mais comorbilidade médica, mais
deterioração cognitiva e maior mortalidade em relação a uma depressão que ocorra antes dos 65 anos. Em
síndromes depressivos específicos como a depressão vascular e a síndrome da depressão com disfunção executiva
existe um contínuo entre o défice cognitivo ligeiro e a demência, e quado há um défice cognitivo associado aumenta
claramente o risco da demência.

Assim, a depressão pode ser um fator de risco ou pode ser um sintoma. Os idosos reconhecem menos estar
tristes, têm mais queixas somáticas e hipocondria, mais agitação, mais desesperança, mais auto desvalorização e
mais apatia, sendo algo comum destas idades as pessoas ficarem apáticas como se nada as interessasse. Há ainda
menos culpa e menos interesse sexual.

Na depressão do idoso a idade será a partir dos 60 anos, há anomalias dos circuitos fronto-subcorticais. Pode
haver um início precoce ou tardio sendo isto
difícil de estabelecer, sendo que podemos
estar a falar da depressão que o idoso pode
ter ao longo da vida e que depois aparece, ou
seja, é uma depressão se manteve ao longo do
tempo, sendo difícil distinguir estas duas. Do
ponto de vista do tratamento este é muito
semelhante, mas podemos dar algo diferente
ao idoso do que daríamos a um jovem pois
este pode ter uma resistência à depressão.

Relativamente à resistência à depressão, se tivermos uma senhora de 70 anos claramente deprimida e com
muitas dificuldades em se organizar em que acontecem muitas vezes episódios de esquecimento como deixar as
luzes acesas, o que fazemos? Damos um antidepressivo, mas tem de haver uma depressão com alguma gravidade.

Temos de fazer o necessário para fazer um diagnóstico como pedir análises, uma TAC e algumas avaliações
que devem ser feitas. Depois de termos dado o antidepressivo, 15 dias depois a senhora poderia ter melhorado
profundamente estando até melhor da parte cognitiva, ou podia não ter melhorado de todo, mas não acontece
isto. Isto porque podemos ter uma demência que se inaugura por um episódio depressivo. Se não conseguimos
tratar uma pessoa com sintomas, temos de pensar que pela clínica podemos ter uma demência.

Quando há remissão ou melhoria dos sintomas após o tratamento, é muito sugestivo de termos uma depressão
e depois podemos confirmar a presença de depressão ou não. No início não temos uma depressão e uma demência,
mas podemos suspeitar que esta depressão evolua para um quadro demencial se a doente já tiver outros problemas
neurocognitivos ou até já sintomas.

Um aspeto importante para além deste é que as pessoas com demência e com depressão se queixam de forma
diferente. A pessoa quando está deprimida queixa-se mais pois as pessoas quando estão deprimidas estão
sobretudo pessimistas e negativas, transformando sintomas e situação em algo pior do na realidade são. E quando
as pessoas estão deprimidas, não vão tentar omitir que estão a perder capacidades.

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Por outro lado, uma pessoa com demência enquanto que se sente a deteriorar, não vai conseguir dizer o que
tem feito e o que se tem estado a passar com ela. Neste caso, as pessoas tentam omitir o que esse está a passar
cognitivamente. Assim as queixas subjetivas numa depressão vão ser maiores do que vamos encontrar numa
avaliação como o Mini-Mental ou no MoCA, encontrando alguém que se queixa muito, mas que afinal não vai ter
assim tantas alterações. Na demência vamos ter o contrário, vamos encontrar mais alterações do que queixas.
Assim, a componente subjetiva sobrepõe-se à componente objetiva numa depressão e o contrário ocorre na
demência.

Caso clínico

Senhora de 74 anos com hipertensão arterial. A filha diz que esta mãe está muito deprimida, com muitas vezes
chora com facilidade, parece ter problemas de memória mas não tem história de doenças psiquiátricas, vive sozinha
sendo viúva, nos últimos anos parou de ir à igreja, perdeu peso e tem dificuldade em dormir. Para além disto tem
a auto-estima baixa. Como é que ela deve ser tratada?

Teríamos de fazemos algo para solucionar o problema. Não sabemos o que terá acontecido nos últimos
tempos, no entanto não parece que esta pessoa tenha tido uma grande alteração da sua vida. Quando isto acontece
temos sempre de pensar que pode haver uma causa médica. Podemos dar antidepressivos e fazer psicoterapia,
mas podemos tentar descobrir o porquê de isto acontecer. Temos que pedir uma avaliação, dar antidepressivos e
temos de ver problemas que possam existir ou não. Temos também se há antecedentes psiquiátricos, fazer um
hemograma, medir a glicémia, a TSH sendo que o hipotiroidismo pode ser uma causa, a vitamina B12 e os folatos
e fazer o Mini-Mental State para ver se a pessoa tem alterações cognitivas. Podemos ainda pedir uma TAC.

Circuitos neuronais da depressão no idoso

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No perfil fronto-subcortical temos uma diminuição das funções executivas como planear, organizar,
sequenciar, resolução de problemas, etc., temos uma menor velocidade de processamento, aprendizagem e
memória havendo uma síndrome de depressão com disfunção cognitiva, os défices cognitivos perduram após a
resolução dos sintomas depressivos e o sistema límbico está ativado tendo muitas vezes um perfil ansioso. Além
disto, mais de metade das pessoas idosas com depressão (18-57%) podem ter uma deterioração compatível com
demência que não é bem assim. Assim temos de diagnosticar estas situações e tentar tratá-las nomeadamente com
fármacos inibidores da acetilcolinesterase.

Temos também a depressão vascular, em que temos de ver os fatores de risco, pois a pressão vascular está
associada à demência vascular que é a segunda demência mais comum a seguir à demência de Alzheimer.

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Neste quadro temos 3 fundamentais. A demência do idoso é a que que está nas 2 colunas da direita, e a outra
é aquela depressão que se inicia aos 20-30 anos, sendo natural e não relacionado com o quadro do idoso. De uma
forma mais genérica esta depressão jovem não tem uma causa e está associada aos fatores de risco.

Temos de saber identificar se a depressão apareceu antes ou depois dos 60 anos, sendo que se for depois
temos de saber se é uma depressão mais vascular ou se é mais neurodegenerativa.

Causas Psicossociais

Nas causas psicossociais o que é que pode determinar a depressão no idoso? O que pode terminar as o
neuroticismo (um dos cinco maiores traços de personalidade, sendo estes indivíduos mais propensos a
experimentar sentimentos como ansiedade, preocupação, medo, raiva, frustração, inveja, culpa, solidão e humor
depressivo), o suporte social e percebido sendo que a solidão aumenta 3,6 vezes o risco de depressão, os
acontecimentos da vida como a perda do confidente (pode não ser a companheira ou o companheiro mas sim
apenas alguém significativo) e a incapacidade ou até mesmo a doença orgânica somática.

Caso Clínico 2

Uma senhora de 82 anos reformada e com 3 filhas, o marido morreu à cerca de um ano com um AVC aos 87
anos. A senhora teve 3 anos a cuidar deste homem embora houvesse alguém a acompanhá-lo. Quando este morreu
fez uma privação de sono. Apresenta-se com queixas depressivas, não tem anedonia continuando a ter prazer em
estar com os netos e com as filhas. Sempre conseguiu lutar contra as adversidades. Tudo isto aconteceu após a
morte do marido.

Relativamente à medicação toma 2 SSRI que são inibidores da recaptação de serotonina aumentando a
concentração desta substância na fenda sináptica, um dos neurotransmissores fundamentais para tratar esta
doença. Ela fez pelo menos dois ciclos e não melhorou.

Diz que tem saudades do marido, não consegue ir ao escritório de casa estando este exatamente como o
marido deixou, mas consegue ir ao cemitério. Nunca dorme no quarto, nunca fala com ele e o marido é descrito
como um homem extraordinário. Tem dislipidémia, HTA, fibrilhação atrial tendo uma trombose e tem um défice
cognitivo ligeiro da memória de curto prazo e da concentração. A senhora tem um luto prolongado, não tem
depressão major e fez uma resistência à terapêutica.

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Terapêutica biológica

Os tratamentos farmacológicos são eficazes tendo um efeito ligeiro, qualquer família de antidepressivos é
eficaz, mas damos sobretudo os SSRIs que não têm efeitos colinérgicos e podem ser dados de forma a que possam
não interferir com cognição dos doentes. A resposta à terapêutica é mais lenta até porque no idoso as regras de
prescrição são diferentes, sendo a regra principal “start low and go slow” porque a farmacocinética destas pessoas
é diferente.

Devemos evitar antidepressivos tricíclicos e podemos dar SSRIs e outros medicamentos. A trazodona é um
medicamento que se dá muitas vezes para a insónia e é um antidepressivo com efeitos sedativos sendo usado desta
forma. Nos idosos temos sempre de ter cuidado com os efeitos secundários dos medicamentos, e estes
antidepressivos não fogem à regra.

Há neste momento medicamentos para os idosos que são bastante eficazes, e temos de saber se o idoso está
naquele grupo de pessoas que já foram medicadas, temos de fazer a titulação muito lenta e fazer um desmame
também lento, sendo que os SSRIs muitas fezes dão dispepsia e sintomas gastrointestinais como diarreia pois fazem
uma estimulação do trato gastrointestinal. Temos também de ter em conta o custo dos medicamentos pensando
em dar genéricos, devemos pensar nas interações sendo que os SSRIs aumentam a concentração de outros
fármacos através das mitocôndrias, devemos pensar no risco de suicídio e no aparecimento de situações
confusionais.

Terapêutica psicossocial

Vale sempre a pena fazer o apoio do idoso. Há terapias mais formais, terapias cognitivo-comportamentais mais
ao nível das crenças, desistem pode chegar a través de uma intervenção psicoterapêutica, a terapia interpessoal
que intenciona aumentar o suporte social das pessoas, a terapia de solução de problemas, o exercício físico em que
as pessoas devem exercitar o máximo possível e o treino cognitivo como fazerem sudoku.

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Aula 14 – Sono no Envelhecimento
Teresa Paiva – 11/11/2019

O que acontece ao sono durante o envelhecimento?

A primeira coisa que temos de ver é que os idosos, tal como as crianças, têm um grande desvio padrão, ou
seja, temos idosos que dormem normalmente (7 a 8 horas por noite) e idosos que dormem cerca de 5 a 6 horas,
havendo uma grande variabilidade nos idosos, como há nas crianças.

Os idosos ativos do ponto de vista físico e cognitivo têm um sono relativamente preservado, e são os idosos
com mais doenças ou que tomam mais medicamentos que têm um sono mais diminuído. As pessoas acham que os
idosos dormem menos, mas dormem menos relativamente ao que dormiam enquanto eram jovens, portanto se
um adulto dorme cerca de 7 horas por noite, quando for idoso vai dormir muito menos.

A grande diferença entre o sono dos idosos é que efetivamente as pessoas têm mais doenças e, portanto,
como todas as doenças do corpo, quer psiquiátricas, quer físicas, quer sistémicas, vão afetar o sono dos idosos. As
cataratas nos olhos afetam o sono dos idosos muito frequentemente pois as cataratas afetam um dos nossos
reguladores fundamentais que corresponde à luz, e a luz do sol é fundamental no ciclo vigília-sono. Assim, quando
a luz não entra nos olhos, ela não vai estimular o núcleo supra-quiasmático e a pessoa dorme pior.

De facto, aos 78 anos de idade com atrite reumatóide e grandes deformações das mãos conseguiu pintar este
quadro que são umas ninfas ao ar livre e um autorretrato que fez. Assim, há pessoas bastante idosas que fazem
coisas bastante diferentes do que normalmente se associa aos idosos. Esta variabilidade tem uma importância
fundamental na abordagem dos idosos.

O que acontece no envelhecimento?

Há um envelhecimento do sistema sono-vigília, ou seja, as pessoas dormem menos do que dormiam quando
eram jovens, mas não dormem necessariamente pouco, havendo assim uma modificação na arquitetura do sono e
um encurtamento fisiológico do tempo total de sono. Há uma alteração do ritmo circadiano, sendo que as pessoas
tendem a adormecer um pouco mais cedo do que quando eram jovens, embora possa acontecer o contrário, ou
seja, vai haver uma diminuição da amplitude do ritmo circadiano com tendência à sesta e pior qualidade do sono
noturno. Ainda há um envelhecimento do cérebro, predispondo a um aumento das doenças do sono. Assim,
quando vemos um doente idoso, muitas vezes o doente idoso diz que quer dormir como quando era novo, o que
não é impossível, e ninguém vai conseguir fazê-lo, mas pode dormir bem.

Um grande problema é que o sono é muito influenciado por fatores ambientais, nomeadamente fatores
familiares e sociais. Portanto, a reforma é um problema importante de muitas pessoas idosas em que estava tudo
bem até ali, depois reformam-se deixando de trabalhar e a coisa não corre bem. Quando um idoso se reforma, este
tem de ter um plano B para se manter ativo pois a manutenção da atividade tanto cognitiva como física é essencial
para as pessoas idosas. Os idosos com a reforma perdem horários e objetivos, e para aquelas pessoas muito focadas
no trabalho isto pode tornar-se num problema sério porque não têm interesses alternativos.

A outra coisa que se sabe que em Portugal é um enorme problema é o isolamento, sendo um isolamento da
família e um isolamento físico. Há muitos idosos que com medo de ser assaltados fecham-se em casa, fecham as
janelas não deixando entrar luz. Como a luz do sol é fundamental, se não apanham luz vão efetivamente dormir
pior. Assim, há um isolamento que é muitas vezes produzido pelo próprio que não quer sair à rua, tendo medo de
ser assaltado, de cair, de ser atropelado ao atravessar a estrada, etc. Há uma série de medos que os idosos têm e
que é preciso terem em conta. Assim, não é preciso um idoso estar numa aldeia no meio de nenhures para estar
isolado, é perfeitamente possível um idoso estar isolado numa grande cidade.

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O que é diferente?

Temos dados de Portugal recentes e deste lado temos as pessoas com menos de 14 anos que em 1971 eram
28% havendo apenas 11,7% de pessoas acima dos 65 anos, e em 2018 o padrão inverteu-se completamente
havendo 21% de idosos acima dos 65 anos e 13% de pessoas com menos de 14 anos. Isto é um problema português
e não só, devido às baixas natalidades do país por um lado, e devido ao aumento da longevidade dos indivíduos por
outro. Assim, houve uma mudança na organização da sociedade portuguesa devido a um grande mérito do ponto
de vista da medicina e a um grande mérito do ponto de vista da evolução social, mas que tem várias consequências
complexas e negativas.

O sistema sono-vigília tem uma série de atores que dizem para dormirmos ou para acordarmos. Há uma série
de estruturas que nos mantêm acordados como o tronco cerebral e o núcleo supra-quiasmático, e outras que nos
põem a dormir invertendo esta situação. Esta alteração é particularmente importante no sono pois a partir dos 60
anos as pessoas têm um sono menos profundo, um sono mais curto, sendo este encurtamento fisiológico, e têm
também uma diminuição da amplitude do ritmo circadiano, e esta diminuição provoca uma maior propensão para
os indivíduos dormitarem durante o dia. Isto é chato pois se dormem durante o dia, não vão dormir à noite.

Há muitos idosos que fazem exatamente aquilo que não devem fazer que é “Ir para a cama a ver de durmo”.
Assim vão para a cama às 20/21 horas da noite, sendo que há idosos que até vão às 18 horas para a cama. É evidente
que uma pessoa que vá para a cama às nove da noite, chega às quatro da manhã e está acordada pois já dormiu 7
horas. Assim, as pessoas irem para a cama cedo é um disparate pois acordam de madrugada e ficam aflitos por já
não conseguirem dormir mais. Estar na cama a ver se dormem para aproveitar o sono é outro disparate isto pois
aumenta os reflexos condicionado negativos em relação à incapacidade de dormir. Ou seja, se uma pessoa for para
a cama com o cérebro a pensar que tem de dormir, a pessoa não vai conseguir dormir. O sono é um processo bem
equilibrado e gosta de fazer tudo “sozinho”.

Depois dos 60 anos, temos estas alterações de várias maneiras


em relação ao sono que se podem ver neste gráfico. Temos em cima
o sono de uma criança, no meio o sono de um adulto jovem e no
final o sono de um idoso. O sono dos idosos não dura tanto como
os outros, é mais superficial não tendo tantas fases de sono
profundo, e é mais fragmentado, ou seja, a pessoa acorda mais
vezes durante o sono, e, portanto, há uma alteração fundamental.

As pessoas afligem-se muito por não dormirem tudo se


seguida, mas se não acordássemos durante a noite, teríamos sido
comidos por um tigre quando vivíamos nas cavernas, ou seja, este
é um mecanismo adaptativo e normal. Assim, todos nós acordamos
durante a noite, desde a infância até à idade idosa, o problema é
ficamos chateados ou não por acordar e se nos lembramos ou não
de acordar. Uma pessoa que durma bem acorda umas quantas
vezes durante a noite, mas não se lembra de ter despertado. Quem
se chateia com isto e acha que isto é um drama fica com uma
insónia e uma reposta comportamental negativa em relação ao
sono.

Outra coisa muito evidente é que a testosterona só é produzida durante a noite. O nível de produção da
testosterona está aqui demonstrado nas 24 horas e efetivamente um indivíduo idoso perde o padrão circadiano de
produção de testosterona produzindo menos testosterona. Esta é uma das hormonas que é produzida durante a
noite juntamente com a hormona do crescimento, a prolactina e o cortisol, todos a horas diferentes. O pico da
testosterona é de madrugada, o pico da hormona do crescimento é logo ao início da noite enquanto que o da
prolactina é mais tarde e o cortisol começa a subir mesmo antes de nós acordarmos. As alterações do sono no idoso
refletem também estes aspetos.
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Há também o problema da medicação, sendo que a professora é muito resistente à administração de fármacos
para dormir e hipnóticos, que muitas vezes são benzodiazepinas. É preciso saber que o dormir menos horas para
um idoso é normal e não se trata. No entanto, toda a gente que dorme menos de 5 horas tem de ser tratado. Se
uma pessoa durante a sua vida ativa dormir menos de 5 horas tem um risco aumentado para cancro, hipertensão,
diabetes, problemas cognitivos, depressão, acidentes, exaustão, esgotamento, AVC, enfarte agudo do miocárdio,
etc. Para se ter uma boa eficácia de trabalho as pessoas têm de dormir e descansar, o que não são necessariamente
o mesmo.

Aqui temos um exemplo da diminuição da amplitude do ciclo circadiano, um dos ciclos que temos aqui à
esquerda é o da temperatura com um mínimo em redor das 4 da manhã, e para irmos dormir temos de estar em
fase da descida da temperatura. Quando chegamos às 4 da manhã, temos um mínimo de vigilidade e de atividade
cognitiva, fazendo mais erros. Se tivermos privação do sono, vamos fazer muitos erros às 4 da manhã e depois
vamos ter brancas nos exames.

A outra coisa que acontece é que muitos idosos passam a vida a ver televisão, nomeadamente aqueles
programas da manhã e da tarde, chegando a ver 10 horas de televisão por dia, o que é uma barbaridade. O que
acontece quando as pessoas vêm mais tempo televisão, ou estão mais tempo ocupadas com o telemóvel, jogos ou
redes sociais? Acontece tanto nos idosos como nos indivíduos jovens uma diminuição da atividade física essencial
para a saúde, a ingestão de mais snacks comendo mais vezes e erros na escolha dos alimentos com tendência a
escolher alimentos mais calóricos. Com estas três alterações vai haver uma consequência direta que é o aumento
de peso. Depois há dificuldades em dormir pois ficaram todo o dia com uma luminosidade que inibe o sono e não
o estimula, e vão ter menos capacidade de dormir porque não efetivamente não fizeram atividade física e não
apanharam luz do sol. Assim, os jogos, televisão, redes sociais e computadores aumentam os comportamentos de
risco como deitar tarde, ter relações sexuais de uma forma bizarra, não realização de exercício físico, consumo de
álcool e drogas, etc.

Doenças

Uma das coisas muito importantes nos idosos é a nictúria que pode acontecer no idoso, nomeadamente por
problemas da próstata, mas em muitos idosos acontece porque adoram beber chás para dormir e depois acordam
a meio d a noite para fazer xixi. O problema da nictúria é que muitas pessoas reportam que quando acordam para
fazer xixi depois não adormecem. Mas no idoso, há um problema acrescido que é acordar um pouco confuso e cair
quando vai à casa de banho. As quedas são algo muito sérias no idoso, devem ser evitadas pelo risco acrescido de
fratura do colo do fémur. Assim são se deve beber líquidos a partir das 5 da tarde.

Outro problema é a falta da atividade física. Ao contrário do que se pensa, quanto mais velho o idoso é, mais
atividade física é necessária, no entanto as pessoas tendem a fazer o contrário, quanto mais velhas estão, mais
sedentárias se tornam. Efetivamente está provado que as pessoas que fazem atividade física dormem
significativamente melhor, têm melhor qualidade de vida e um melhor funcionamento cognitivo. A atividade física
deve ser sempre adaptada à pessoa, não podemos pedir a todas as pessoas idosa para fazer artes marciais, para
algumas até pode ser benéfico mas para outras já pode ser excessivo. O andar a pé é bom, mas tem de se ter
cuidado com uma série de coisas, nomeadamente com o equilíbrio que a pessoa tem, o sítio onde está, etc.
Portanto, a atividade física é sempre recomendada mas deve ser orientada. A atividade física piora também a
história da probabilidade de quedas.

Higiene do Sono Deficiente

O que é mau para um idoso é dormitar durante o dia, ir para a cama cedo demais, usar estimulantes e álcool,
erros alimentares, falta de exercício, a falta de luz, esta no idoso é tão possível quanto tomar o pequeno almoço à
janela com a janela aberta, sendo que a luz de manhã é uma luz essencial para toda a gente, não só para os idosos.
O défice de vitamina D é uma chatice para os ossos e para o sono. Outros erros é ver televisão todo o dia e
medicação excessiva, sendo que quanto mais medicação uma pessoa tomar, pior é o sono.

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Se formos ao Alentejo vemos montes de velhos sentados a olhar para o ar, mas depois podemos ver também
idosos com 80, 90 e 100 anos que fazem coisas extraordinárias, que são as façanhas dos idosos, como o Manoel de
Oliveira aos 102 fez um filme que se chama “O Gebo e a Sombra”. Os idosos não são todos iguais.

Dúvida de aluno: É normal os idosos terem um sono bifásico?

Não. A propensão para a sesta pode ser maior nos idosos, mas em princípio pode-se aconselhar a sesta se isso
for benéfico para a pessoa, tendo de se ver isto individualmente, mas em alguns casos pode ser prejudicial porque
depois o idoso não dorme à noite. Portanto a tendência para dormitar pode ser boa, mas temos de analisar todos
os parâmetros para termos noção do que é melhor para aquela pessoa e só depois é que tomamos uma decisão.

Insónia no Idoso: Prevalência e Riscos

A insónia é a sensação subjetiva de dormir mal ou de ter um sono não reparador. É importante saber que a
insónia é uma doença muito comum, pode estar associada a outras doenças, pode ser resultante da medicação
como antidepressivos ativadores, pode refletir o estilo de vida e não deve ser tratada sem um diagnóstico correto.

Na insónia, entre 19-38% dos idosos sofrem de insónia. O grande problema é que há uma série de erros que
se têm, um dos quais é que efetivamente há uns “remédios milagrosos” que nos fazem dormir. Este é um erro e
um mito porque efetivamente nunca se consegue dizer a ninguém que o remédio o vai fazer dormir, pode fazer ou
não fazer. Depois, quanto mais remédios a pessoa toma, menos dorme, pois, os medicamentos interferem nos
mecanismos do sistema do sono-vigília e impedirem os recetores normais de funcionarem. Foi assim que morreu o
Michael Jackson porque lhe deram propofol para dormir e fizeram um disparate. Assim, quando mais remédios se
toma, menos se dorme.

Depois, o outro grande problema efetivamente de uma insónia é que temos de garantir se aquela insónia tem
ou não por base um problema orgânico, sendo que a ideia de que todas as insónias são psicológicas é uma ideia
profundamente errada, e muitas têm causas orgânicas. Por exemplo, uma pessoa com cancro tem uma grande
probabilidade de vir a ter insónia, quer pelos problemas emocionais de ter cancro, quer pelos remédios do cancro,
quer pelo cancro em si. Uma pessoa que tem problemas cognitivos como a depressão, tem uma grande
probabilidade de ter insónia, mas também pode ter outras coisas.

Assim, os indivíduos que tomam mais medicamentos e os que utilizam mais consultas médicas têm maior
probabilidade de sofrer insónias. Estas queixas do sono são mais frequentes nas mulheres idosas, sendo 1,5x mais
frequentes em indivíduos acima dos 65 anos e várias doenças favorecem a insónia, nomeadamente doenças
cardíacas, reumáticas, AVC, fratura da cabeça do fémur e depressão. Foi feito um estudo em que os doentes que
tomavam hipnóticos tinham uma maior prevalência de cancro e de morte mais precoce.

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Movimentos periódicos do sono/Síndrome de pernas inquietas

Esta é uma queixa relativamente frequente nos idosos. O idoso mexe uma perna, depois fica quieto e de
seguida mexe a perna outra vez. Estes movimentos de 20 em 20 segundos chamam-se movimentos periódicos do
sono e estão muitas vezes associados a pernas inquietas. Se estiverem associadas pernas inquietas, temos de ver
se estas pessoas têm diminuição de ferro e de ferritina, assim como os níveis de vitamina D, não podemos logo dar
um medicamento para as pernas inquietas. Portanto, a insónia pode ser causa de uma doença médica, neurológica
e psiquiátrica. Se uma pessoa tem movimentos do sono pode ter uma polineuropatia ou apenas uma diminuição
da ferritina, e precisa de tratamentos específicos que não são os hipnóticos, mas sim fármacos dopaminérgicos.

Os movimentos periódicos são isto, as pessoas têm periodicamente movimentos não exuberantes, mas são o
suficiente um microdespertar, e se a pessoa tiver uma data de microdespertares de 30 em 30 segundos ou de
minuto a minuto, tem uma noite de sono lixada.

Assim, os movimentos periódicos do sono são movimentos repetitivos dos membros inferiores, surgem por
salvas e são mais frequentes na primeira metade da noite. Podem provocar despertares e um sono não reparador
e são frequentes em indivíduos idosos, estando presentes em 44% dos indivíduos com mais de 65 anos. São
associados a queixas de insónia ou de sonolência excessiva e estão muitas vezes associados a outras doenças do
sono como a apneia ou as parassónias do REM. O tratamento é farmacológico e envolve dopaminérgicos,
pregabalina e gabapentina, opióides ou antiepiléticos.

Relativamente às pernas inquietas, temos como características o desejo de mexer os membros inferiores
associado a disestesias (distúrbio neurológico que é caracterizado pelo enfraquecimento ou alteração na
sensibilidade dos sentidos, sobretudo do tato), inquietação motora, exacerbação com o repouso e alívio com a
atividade, variabilidade circadiana com agravamento ao fim do dia ou à noite (Min 9-15h e Max 0-4h), dificuldade
no início do sono, associação a movimentos periódicos do sono, discinesias da vigília, ausência de anomalias
neurológicas, início em qualquer idade sendo pior na meia idade e nos idosos, agravamento na gravidez, evolução
crónica e progressiva com eventuais remissões, agravamento com cafeína e bloqueadores dopa, tem um história
familiar autossómica dominante e a incidência familiar é mais baixa em doentes com polineuropatia.

Apneia do Sono

A apneia do sono aumenta a prevalência nos idosos, mas nestes pode ser associada mais frequentemente a
insónia tanto nos homens como nas mulheres, e o grande problema é que se o doente tem uma apneia de sono e
uma série de fatores de risco cardiovasculares (HTA, hipercolesterolemia, diabetes, obesidade, etc.) o doente tem
de ser tratado de imediato. O tratamento de primeira linha da apneia é o CPAP que é uma máquina, mas há outras
possibilidades como os dispositivos de avanço mandibular, etc.

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Toda a gente manda os ressonadores para o otorrino, mas as alterações provocadas pelas cirurgias para a
apneia de sono são contraindicadas. Muitas das uvulopalatofaringoplastias, em que se abre o palato e se tira a
úvula e as amígdalas, mas quando aquilo cicatriza faz uma cicatrização concêntrica e diminui o espaço. Estes
doentes podem ter imensas coisas durante a noite, e a apneia trata-se em função da gravidade e há regras
específicas para tratar uma apneia do sono.

Aqui vemos a apneia, a pessoa respira e depois pára de respirar. Só pára de respirar quando pára o fluxo aéreo,
sendo que o tórax e o abdómen continuam a contrair na apneia obstrutiva, temos um balão de ar em que o ar não
sai, mas o tórax e o abdómen continuam a contrair-se. Assim, vai haver um aumento da pressão intratorácica que
chateia o coração e um aumento da pressão intrabdominal que provoca refluxo esofágico e nictúria. Num idoso ter
as saturações de oxigénio diminuídas são más para as funções cognitivas.

Assim, na apneia do sono temos um ressonar de longa data, paragens e sufocação, agitação, soerguer abrupto
do tronco, movimentos erráticos dos membros, sonilóquia (fala durante o sono), grunhidos, gritos, quadros
confusionais, nictúria, refluxo esofágico, sudorese e sintomas matinais como boca seca e cefaleias.

Sono na Menopausa

Na menopausa temos alterações especiais. Temos uma senhora com um sono tipo Pato Donald, e se
repararmos ela é gordinha, e o que acontece com as mulheres na menopausa é que engordam e a probabilidade
de terem apneias começa a ser parecida com a dos homens. As mulheres são mais resistentes ao aumento do peso
do que os homens, por isso precisam de estar muito mais gordas que os homens para terem apneias. Assim, o
aumento de peso associado à idade e à menopausa é um fator de risco para apneia do sono.

As apneias nas mulheres são diferentes das apneias dos homens, principalmente na mulher jovem e na mulher
mais idosa, sendo que muitas doentes têm quadros de insónia e não de sonolência que é o caso dos homens. Assim,
uma mulher é capaz de ir a uma consulta dizer que não dorme há não sei quantos anos, mas, como dorme sozinha
e ninguém lhe diz que ressona, ela queixa-se de insónias e não do ressonar ou da apneia. Assim, há imensas causas
orgânicas de insónia entre as quais os movimentos periódicos do sono, as pernas inquietas, a apneia, as doenças
médicas e as doenças psiquiátricas.

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Quando temos um doente com insónia temos de perceber tudo isto, assim como os acontecimentos da vida
que também provocam insónias, temos de perceber um contexto altamente complexo de um doente, e não se trata
nenhum doente com insónia sem um registo de
sono. Os doentes até podem dizer que não dormem
nada, mas esta noção pode ser um erro de perceção
do sono, e muitas pessoas acham que não dormem
nada e depois fazem um registo de sono e observa-
se que até dormem 6 ou 7 horas, mas sentem que
só dormiram umas horas ou uns minutos. Isto é um
erro de perceção do sono e quando a pessoa tem
um erro de perceção de sono, a pessoa tem de
perceber que dorme, e é um erro prescrever
fármacos para dormir porque a pessoa já dorme.

Assim, a insónia (redução da eficiência do sono e maior número de despertares) associa-se à presença de
fenómenos vasomotores, no entanto, existe alguma discordância quanto ao efeito benéfico da terapêutica de
substituição sobre o sono. A melhoria do sono com terapêutica de substituição pode estar relacionada com o efeito
negativo dos estrogénios sobre o eixo insulin-like growth factor 1/ hormona do crescimento.

Demência

Um outro problema é a demência sendo que nesta há 3 alterações do sono: o síndrome do sol posto que
corresponde a uma agitação e confusão com o pôr-do-sol, ou seja, ao final do dia e ao início da noite, as confusões
noturnas em que uma pessoa acorda e sai à rua, sendo estas confusões muito assustadoras, e finalmente as
parassónias do REM.

Uma coisa interessante a saber é que os depósitos de amiloide depositam-se apenas quando estamos
acordados, ou seja, se estivermos a dormir eles não se depositam. Assim, se estivermos muito tempo acordados,
há maior risco de depósitos de amiloide, aumentando a probabilidade de demência.

Transtorno comportamental do sono REM (TCSR)

Na parassónia do sono REM ou transtorno comportamental do sono REM (TCSR), o senhor está a ter um
distúrbio comportamental do sono REM, uma coisa que acontece nos idosos, é mais frequente nos homens do que
nas mulheres e muitas vezes pode ser um pronúncio de doença, mas a demência pode acontecer 15 a 20 anos
depois. O que acontece é que quando estamos em sono REM, podemos sonhar que vamos a correr a maratona e
ganhámos a alguém, mas não nos mexemos na cama. Portanto, quando estamos em sono REM, uma pessoa normal
é protegida dos seus sonhos pois há uma inibição direta sobre os neurónios motores do corno anterior da medula.
Os doentes que perdem esta inibição começam a mexer-se e passam a executar o que estão a sonhar.

Em muitas vezes, isto são pessoas que não são agressivas, não têm nenhum distúrbio de comportamento, mas
que ao sonharem que estão a ser assaltadas, entram nesta luta, executam a luta e o idoso pode cair, magoar-se e
magoar a parceira ou parceiro. Estes comportamentos são muito violentos e são uma urgência, assim que tivermos
um doente com uma suspeita de uma coisa destas, tem de ser visto com atenção.

Assim, no transtorno comportamental do sono REM há movimentos violentos ou injuriosos sendo que os
movimentos do corpo ou dos membros estão associados a componentes oníricas, ou seja, relacionam-se e
correspondem ao sonho que o indivíduo está a ter no momento. Para dizermos que estamos perante este
transtorno, o comportamento no sono tem se ser perigoso ou potencialmente perigoso, tem de parecer existir uma
representação dos sonhos e os comportamentos têm de perturbar a continuidade do sono, sendo apenas
necessário observar-se uma destas três características. Na polissonografia verifica-se um aumento do tono no
mento e ativações fásicas musculares excessivas do mento ou dos membros sem atividade epileptiforme. É
importante termos noção que não corresponde a uma doença psiquiátrica e que podem haver outras parassónias,
mas que não causam aqueles comportamentos.
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Ao sair do episódio o limiar para o despertar é alto, sendo uma característica típica do sono REM com limiar
alto para o despertar provocado e baixo para o limiar espontâneo, a dificuldade em acordar leva à persistência dos
comportamentos e muitas vezes são os gritos da mulher que os acordam. Depois, o despertar é súbito e sem
confusão, sendo um diagnóstico diferencial com outras parassónias e com a epilepsia, há recordações e relato com
o sono e há preocupação sentida com o que aconteceu, servindo de diagnóstico diferencial com histeria, maldade
ou crime.

Isto distingue-se do sonambulismo pois este é um fenómeno do sono não REM e ocorre mais durante o início
da noite. Os sonâmbulos geralmente não se recordam dos sonhos e quando acordam não estão a sonhar, estando
apenas discretamente confusos. O sonambulismo ocorre cerca de 1 hora após a pessoa se ir deitar, é uma doença
familiar e ocorre mais nos rapazes do que nas raparigas. O transtorno comportamental do sono REM acontece com
os idosos, não havendo descrição disto em pessoas jovens exceto em epilepsias e acontece ao final da noite e a
pessoa tem um contexto onírico, sendo que quando acorda consegue descrever o sonho.

Estes transtornos comportamentais do sono REM são muito fáceis de tratar, depois de termos o diagnóstico
trata-se com Clonazepam que tem uma eficácia muito alta (96%) em doses muito baixas e melhora o
comportamento sem melhorar a falta de atonia. Há outros medicamentos disponíveis como a Melatonina que é
eficaz e reestabelece a atonia de REM e a DOPA e o Pramipexole que reduzem o REM. Provavelmente o Clonazepam
e a Melatonina afetam circuitos diferentes do TCSR e provavelmente a fisiopatologia implica circuitos de diferentes
neurotransmissores.

Para além do tratamento farmacológico temos de explicar à pessoa que tem de se proteger pondo almofadas
à volta da cama, que tem de proteger tudo o que é bicudo como as mesas de cabeceira porque podem bater lá com
a cabeça, que é melhor retirar tapetes devido ao risco aumentado de quedas e que a parceira ou parceiro tem de
dormir preferencialmente noutra cama devido às agressões que pode sofrer.

O problema é neste transtorno é saber se tem demência ou não, pois isto associa-se mais à demência de corpos
de Lewy e ao parkinsonismo, necessitando de métodos de imagens e de avaliações cognitivas.

Epilepsia

Os idosos podem não ter sonambulismo nem transtornos comportamentais do sono REM, mas terem crises
epiléticas noturnas com deambulação. As crises epiléticas, principalmente as crises do lobo frontal ou temporal,
podem levar a comportamentos noturnos, mas isto ocorre mais em jovens e ocorrem várias vezes por noite, e
implica que se faça um registo vídeo-EEG com 21 canais de EEG durante a noite toda. Nos idosos, a probabilidade
de terem crises epiléticas noturnas é grande pois podem ter tido AVCs que fizeram um foco epilético, e o sono ativa
as epilepsias focais e algumas generalizadas.

Assim, a prevalência de epilepsia aumenta nos idosos, sendo que 1/3 das epilepsias são exclusivamente
noturnas, e muitos destes idosos têm comportamentos complexos que parecem sonambulismo, AVCs e confusões.
O diagnóstico de epilepsia é fundamental porque é mandatário tratar.

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Aula 15 – Incontinência Urinária e Fecal, Retenção
Urinária e Obstipação
Paulo Sousa Almeida – 25/11/2019

Vamos falar de 4 síndromes geriátricas: incontinência urinária, incontinência fecal, retenção urinária e
obstipação. As ideias chave prendem-se essencialmente com geriatria, e devemos ficar com a ideia de quais são as
peculiaridades do doente geriátrico e do idoso.

Incontinência urinária

É uma situação frequente, afeta mais frequentemente o sexo feminino e é mais comum nos idosos. A
incontinência urinária não é uma situação normal nos idosos, se ouvirmos um idoso a queixar-se de incontinência
urinária temos de considerar aquilo como um problema. A incontinência urinária é sempre um problema, nunca é
normal. As pessoas podem queixar-se de incontinência urinária e os médicos dizem que é normal tendo em conta
a idade da pessoa, mas isto está errado. Para além disso, as pessoas raramente se queixam, e se os médicos
acharem que a incontinência urinária é normal, nunca vão perguntar ao doente se a tem.

A incontinência urinária tem um impacto muito negativo na vida das pessoas, sendo que muitas vezes as
pessoas são obesas, diabéticas, têm problemas cardiovasculares, mas aquilo que as incomodam efetivamente é a
incontinência urinária, e se não tratarmos esta condição não vamos estar a ser médicos para estes doentes.

O que nos vai distinguir das outras pessoas que não têm Geriatria é que vamos conseguir distinguir muito bem
o que é fisiológico e o que é senescência daquilo que é patológico. Se um doente chegar à consulta a dizer que lhe
estão a aparecer muitas manchas na pele, especialmente nos braços, vamos saber que aquilo é normal e fisiológico
e não vamos gastar dinheiro em análises. Por outro lado, aquele idoso que chegar à consulta e disser que tem
incontinência urinária, nós vamos saber que é patológico, vamos fazer exames, identificar as causas e vamos tratá-
las.

A incontinência urinária é considerada como uma função básica devendo-se manter no idoso saudável seja
qual for a sua idade, a perda desta capacidade deverá ser interpretada como um sintoma de uma disfunção ou
patologia e, portanto, não é um fenómeno normal do envelhecimento. Em 1976 falou-se pela primeira vez das
síndromes geriátricas e a incontinência fazia parte dos 4 I’s das síndromes geriátricas. Neste momento há centenas
de síndromes geriátricas, mas a incontinência era uma das principais.

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A definição de incontinência urinária é muito difícil, há múltiplas definições o que complicou os estudos, ou
seja, a homogeneidade da informação na cultura médica. A International Continence Society tentou homogeneizar
esta definição em 1976 e em 2002 definiu insuficiência urinária como qualquer perda involuntária de urina.

A insuficiência urinária tem repercussões reais, múltiplas e variáveis que são dependentes de fatores
individuais e também do tipo de incontinência. Relativamente aos fatores individuais, facilmente conseguimos
compreender que num idoso que está acamado o impacto da incontinência urinária é muito limitado sendo que vai
precisar de trocar de fralda e de posicionamento, mas por exemplo, num professor catedrático a incontinência
urinária tem um impacto social grave pois pode ter de interromper subitamente a aula para ir á casa de banho.
Dependendo do doente que temos à frente, a incontinência urinária vai ter ou não consequências.

Em termo de consequências temos as consequências médicas sendo que a incontinência urinária predispõe a
um aumento do risco de infeções urinárias, aumenta o risco das úlceras cutâneas principalmente pelo pH da urina
aumentando também o risco de infeção das próprias úlceras e aumenta o risco de quedas. Em termos psiquiátricos,
esta é uma função básica e se perdermos uma função básica isto corresponde a uma perda de autonomia enorme
e está associada muitas vezes a quadros de depressão e de ansiedade graves, à perda de autoestima e ainda a
insónias. Em termos sociais temos o isolamento e a diminuição das relações, a maior necessidade de apoio familiar
e social, maior risco de institucionalização e hospitalização.

Em termos económicos temos o elevado custo da investigação diagnóstica e da intervenção terapêutica, mas
também há um aumento dos custos para o próprio doente que tem de gastar dinheiro, por exemplo, em fraldas e
pensos higiénicos. Todos estes fatores têm um impacto negativo na qualidade de vida.

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O problema disto tudo é que continuamos a ver apenas a ponta do iceberg, as pessoas não se queixam (é
muito raro as pessoas se queixarem disto), os médicos não perguntam e assim ninguém trata esta condição até
porque, como o tratamento não é 100% eficaz tendo taxas de falência grande, os médicos também optam por não
tratar.

É um problema oculto em 30-50% dos casos, sendo que há estudos realizados em Espanha que têm uma
prevalência de mais de 50%, mas isto depende muito da população que se estuda: pessoas institucionalizadas,
pessoas na comunidade ou pessoas internadas por uma patologia aguda.

É um problema oculto porque as pessoas têm um sentimento de vergonha ou um estigma social, dificuldade
em falar sobre o problema, consideram que isto é uma condição inevitável do envelhecimento e acreditam que não
existe tratamento. Depois, os estudos disponíveis têm várias limitações de acordo com a população que estudam
pelo que a prevalência é muito difícil de estimar. No entanto, pela prevalência elevada em muitos estudos e pela
nossa prevalência empírica, conseguimos compreender que este problema tem uma prevalência elevada.

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10-15% dos doentes com mais de 65 anos não institucionalizados têm incontinência urinária, sendo que esta
prevalência sobe para os 50-60% nos doentes institucionalizados. A maior prevalência é nas mulheres e nos idosos
institucionalizados que são idosos muito mais dependentes e com mais co-morbilidades sendo mais afetados pelas
síndromes geriátricas. Apesar disto tudo, há um número reduzido de consultas, apenas 1/3 procura ajuda médica
e há influência de fatores individuais, socioculturais e também assistenciais. Para além disto, quando pedimos uma
consulta, por exemplo na urologia ou na ginecologia, sabemos que os idosos com incontinência urinária são mais
tardiamente chamados.

A incontinência urinária é uma função que não depende só do funcionamento da bexiga ou do sistema urinário
mas depende também do sistema nervoso central e do sistema nervoso autónomo. Para temos uma função urinária
normal precisamos de ter um armazenamento adequado do trato urinário inferior, um esvaziamento eficaz do trato
urinário inferior e, para além disto, uma motivação suficiente para ser continente e uma capacidade cognitiva
suficiente para perceber o desejo miccional.

Muitas vezes o que acontece é que a insuficiência


urinária é uma síndrome geriátrica que se associa a
outras, nomeadamente à demência, à depressão e à
ansiedade. Por isso, há doentes que acabam por perder
esta motivação para manter a continência.

No idoso, é ainda importante haver mobilidade e


destreza ou agilidade suficientes, assim como ausência de
obstáculos e barreiras arquitetónicas pois muitas vezes
isto são causas de insuficiência urinária funcionais, e se
resolvermos estes problemas resolvemos também a
incontinência.

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Conseguimos perceber que a incontinência urinária no idoso, ao contrário do indivíduo jovem, é multifatorial
e temos de ter uma abordagem multifatorial. Tem uma etiologia multifatorial e sabemos que há uma estreita
relação entre as várias síndromes geriátricas sendo que incontinência urinária, ao contrário de outras síndromes
geriátricas, é um marcador precoce de fragilidade. Os doentes que se apresentam com incontinência urinária
sabemos que vão ter mais facilmente fragilidade e um pior outcome.

Em termos de alterações relacionadas com o envelhecimento, temos todas estas aqui demonstradas e, devido
a estas, inicialmente pensou-se que a incontinência urinária era uma condição normal do envelhecimento. Na
bexiga há um padrão de disjunção das células, ou seja, as células que estavam muito juntinhas e que eram ativadas
mecanicamente, no envelhecimento, vão-se separar havendo assim um maior espaço intercelular e, por isso, vão
ter de ser ativadas eletricamente.

Este padrão de disjunção dá uma atividade que é muito importante no envelhecimento da bexiga que
corresponde à hiperatividade do músculo detrusor. O facto de as células terem de ser todas ativadas por um
estímulo elétrico, devido à perda do estímulo mecânico, vai levar a uma necessidade de se aumentar o número de
estímulos elétricos. Para além disto, perdemos também o efeito inibitório do sistema nervoso central sobre o
detrusor.

Assim, vamos ter uma bexiga que vai contrair muito mais vezes do que o normal mas vai ter uma contração
muito menos eficaz pois perdemos a eficácia da contratilidade e aumentámos a frequência das contrações. Como
a bexiga vai contrair mais vezes vamos ter menos capacidade, menos contratilidade e vai-se aumentar o volume
pós-miccional. Assim, as pessoas urinam e ficam com um bocado de volume pós-miccional acumulado. Este volume
vai facilitar a estase da urina aumentando a formação e cálculos assim como a probabilidade de infeção urinária.
Relativamente à uretra há uma menor pressão de encerramento e há fraqueza dos esfíncteres uretrais relacionados
com o envelhecimento.

Na próstata há um aumento da sua dimensão e há ainda alterações hormonais, principalmente nas mulheres,
que fazem com que se crie uretrite atrófica e vaginite.

A fraqueza dos músculos do pavimento pélvico não é assim tão evidente, se tratarmos corretamente a
obesidade e se tivermos atentos às mulheres que tiveram vários partos, ou seja, se eliminarmos estas variáveis,
sabemos que a idade não provoca assim tanta fraqueza dos músculos do pavimento pélvico.

Portanto, o que estas alterações relacionadas com o envelhecimento fizeram foi que esta relação entre
incontinência urinária e envelhecimento fosse aceite durante muitos anos e que o envelhecimento fisiológico
levava a esta incontinência.

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No idoso, para além destas alterações que são fisiológicas temos as alterações que nos vão permitir ter
incontinência urinária que são a deterioração funcional, as co-morbilidades e a polimedicação.

Relativamente à deterioração funcional vamos ter uma menor mobilidade, uma maior dependência nas
transferências e na utilização da sanita. Vamos ter ainda barreiras arquitetónicas sendo que normalmente as casas
dos idosos que estão cheias de móveis, tapetes e barreiras arquitetónicas que dificultam o acesso à casa de banho.

Depois temos as múltiplas co-morbilidades como a insuficiência cardíaca e a diabetes que aumentam a
probabilidade de incontinência urinária e que aumentam também a pressão intrabdominal, nomeadamente a
obesidade. Temos ainda a patologia neurológica que faz com hajam alterações neurológicas que facilitem a
incontinência urinária.

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Relativamente à polifarmácia, os psicotrópicos são muito associados à incontinência urinária assim como os
fármacos que interferem com o sistema renina-angiotensina-aldosterona que, por aumentarem a produção de
urina vão facilitar também a incontinência urinária. A polifarmácia é uma situação muito frequente nos idosos e
leva a muitas síndromes geriátricas.

Em termos de classificação, podemos classificar a incontinência urinária de acordo com o tempo ou de acordo
com o mecanismo responsável.

Relativamente ao tempo, o intervalo são 4 semanas, ou seja, se tiver menos de 4 semanas temos uma
incontinência urinária aguda, transitória e reversível que é dependente de patologia aguda, não está associada a
uma alteração estrutural, mas sim a uma alteração funcional. Esta é uma incontinência que se diagnostica
facilmente pela história, por exames complementares de diagnóstico básicos e não precisamos de fazer muito mais.
Temos aqui alguns acrónimos que nos ajudam a identificar as causas de incontinência urinária aguda como o delírio
e a infeção. A incontinência urinária é extremamente frequente em termos hospitalares, especialmente nos
indivíduos idosos, é muito facilmente diagnosticada e resolve-se facilmente sendo que se não a resolvermos pode
passar a ser crónica ou persistente tendo alterações estruturais e não só funcionais.

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Relativamente ao mecanismo responsável temos o esforço ou o stress, que é aquele mecanismo mais fácil de
perceber. É mais comum nas mulheres e relaciona-se com a fraqueza dos músculos do pavimento pélvico, com a
hipermobilidade uretral e com a obesidade. Clinicamente manifesta-se pela perda de um pequeno volume de urina
devido ao aumento da pressão intrabdominal. Muitos doentes queixam-se que, quando tossem ou quando riem,
têm perdas urinárias.

A urgência é o tipo mais comum de incontinência urinária crónica no idoso e relaciona-se com o mecanismo
que é a hiperatividade do detrusor. Há outras patologias que facilitam a incontinência urinária nomeadamente
patologias vesicais, obstruções do trato urinário inferior e ainda as patologias neurológicas. Os doentes queixam-
se de urgência miccional, ou seja, têm de ir a correr para a casa de banho e geralmente já perdem urina pelo
caminho, e queixam-se ainda de polaquiúria com perda de volume moderada a grave.

A regurgitação é um mecanismo que acaba por ser um pouco mais antagónico porque é uma retenção urinária
que vai levar a incontinência urinária onde há uma obstrução da saída. É como se tivéssemos um copo cheio de
água sendo que, se tentarmos pôr mais água, a água vai-se perder. Temos a bexiga cheia de urina mas, pela sua
obstrução, ela não consegue sair. Assim, pequenos acréscimos de urina pela produção normal dos rins faz com que
a urina saia aos bocadinhos havendo uma perda muito pequena de urina, no entanto, é uma insuficiência urinária
associada a muito desconforto devido à retenção urinária.

A funcional é um diagnóstico de exclusão porque frequente os idosos que as têm também têm probabilidade
de ter incontinência urinária de esforço ou de stress. O que acontece é que eles, na verdade, não as têm porque
quando resolvemos estas as barreiras arquitetónicas, a incontinência urinária desaparece. Assim, é uma
incontinência urinária funcional apenas por exclusão.

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Relativamente à abordagem ao doente, é importante termos ideia que a história clínica é essencial e é preciso
dar mais tempo e mais atenção ao idoso por causa dos défices sensoriais muitas vezes confundidos com demência.
Os idosos por vezes não veêm e não ouvem tão bem como nós e podem responder-nos coisas que não fazem
sentido nenhum apenas devido a isso. Os idosos têm ainda medo da hospitalização, queixam-se muito menos que
os adultos, têm tendência a menosprezar sintomas e têm frequentemente vergonha de ter estes sintomas,
portanto, no idoso temos de pesquisar ativamente os sintomas. Os doentes raramente se queixam de
incontinência, ou seja, se não perguntarmos se o doente tem incontinência urinária não a vamos diagnosticar.

Em termos de avaliação geriátrica global, esta é essencial, se nós não a fizermos não vamos perceber se o idoso
tem barreiras arquitetónicas ou se tem dificuldades na mobilidade.

Em termos de história urinária dirigida temos de saber o início e a duração, ou seja, quando iniciou a
incontinência urinária, há quanto tempo a tem, qual o impacto que tem na sua vida e depois, de acordo com estas
características conseguimos já classificar muito frequentemente o tipo e a frequência. O diário miccional ajuda-nos
a caracterizar e a monitorizar as nossas atitudes terapêuticas e, relativamente ao questionário de sintomas, apesar
de a maioria ser para homens ou mulheres, há alguns que são adaptados à população geriátrica e ajuda a classificar
o tipo de incontinência.

O exame físico dirigido à incontinência urinária deve ser minucioso e tem de incluir o exame abdominal, retal,
vaginal e neurológico. O cough test é um teste ginecológico em que pedimos ao doente para tossir e vemos a perda
de urina. No Pad test pomos pensos higiénicos fazemos um conjunto de tarefas com o doente e depois vemos por
pesagem dos pensos se houve perda urinária.

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Temos também a exames complementares de diagnóstico para excluir algumas causas reversíveis de
incontinência aguda nomeadamente glicosúria (muitas vezes a diabetes descompensada está associada a
incontinência urinária) e infeção (a bacteriúria é frequente no idoso e não deve ser tratada se for assintomática ou
se o idoso não for fazer nenhum procedimento urológico). Pode ser útil também fazer a medição do resíduo vesical
pós-miccional.

O plano de tratamento deve ser sempre centrado na melhoria da qualidade de vida. Se o idoso diz que tem
uma incontinência urinária mas esta não tem qualquer influência na sua qualidade de vida ou disser que vive
perfeitamente com isso, temos de ter mais cautela no tratamento que vamos propor a esse doente. Conseguimos
reduzir a gravidade e o número de episódios em 40-50% dos casos e recuperar a continência em 30-40% dos casos.

Fazemos isto através de alterações do estilo de vida que incidem principalmente na diminuição da pressão
intrabdominal, ou seja, perda ponderal, alterações dietéticas, atividade física, controlo da obstipação, evitar
alimentos mais diuréticos como cafeína e álcool, controlar a ingestão de líquidos perto da hora de deitar e evitar
certos tipos de roupa (mais
na incontinência urinária
funcional). Há ainda medidas
de suporte que se baseiam
na educação, na revisão de
terapêutica, na correção dos
fatores de risco e no uso de
dispositivos de contenção
que podem melhorar muito
a qualidade de vida do
doente.
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Em termos de intervenções comportamentais temos aquelas que são ligadas ao doente, ou seja, precisamos
de ter um doente com uma cognição intacta e que colabore connosco, e temos aquelas que são ligadas ao cuidador
em que o doente geriátrico é mais dependente. O treino dos músculos do pavimento pélvico que correspondem
aos exercícios de Kegel e que são exercícios que condicionam uma contração bastante repetitiva dos músculos do
pavimento pélvico e reforçam estes músculos diminuindo a probabilidade de o doente ter incontinência urinária. A
micção imediata é mediada por um cuidador e faz com que se promova a micção de 2 em 2 horas, aumentando-se
progressivamente esses períodos e reforçando-se positivamente sempre que o doente pedir para ir à casa de
banho.

Relativamente à intervenção farmacológica temos de ter em conta os recetores que existem ao nível da bexiga.
O sistema nervoso simpático relaciona-se com armazenamento e temos o relaxamento do detrusor através dos
recetores β e a contração do esfíncter uretral através dos recetores α. Se administrarmos agonistas vamos relaxar
mais facilmente o detrusor e impedimos aquela hiperatividade do detrusor, um dos principais mecanismos da
incontinência urinária no idoso. O sistema nervoso parassimpático relaciona-se como esvaziamento e vamos ter de
antagonizar os recetores muscarínicos no sentido de diminuir a contração do detrusor.

Os fármacos mais utilizados são os antimuscarínicos como a Oxibutinina e o cloreto de Trospium que tem um
perfil de segurança maior relativamente à Oxibutinina, mas ambos são anti-muscarínicos e, portanto, têm os efeitos
adversos associados aos anti-muscarínicos. Depois temos a Solifenacina, a Darifenacina e a Fesoterodina que são
antagonistas específicos dos recetores M3 e têm um perfil de segurança melhor do que a Oxibutinina assim como
menos efeitos adversos. Os α-antagonistas usam-se especialmente naqueles doentes com hiperplasia benigna da
próstata. A Duloxetina está mais associada à incontinência urinária de stress ou mista.

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Em termos de cirurgia temos de nos lembrar que no idoso, o que tem mesmo importância em termos
terapêuticos, são as alterações comportamentais e as alterações do estilo de vida. Assim, em termos terapêuticos,
devemos utilizar o mínimo de fármacos e usar a cirurgia em casos muito selecionados, principalmente as cirurgias
de suspensão do colo vesical e as cirurgias de Sling que são as mais utilizadas.

Aqui temos um quadro resumo que nos relembra quais são as principais intervenções de acordo com o tipo de
incontinência urinária. Se for uma incontinência de esforço, fazemos principalmente alterações comportamentais,
o treino dos músculos do pavimento pélvico, a Duloxetina pode ter algum efeito e a cirurgia também. Em termos
da incontinência de urgência temos o treino vesical e o uso de anti-muscarínicos. Na incontinência de regurgitação
temos o controlo cirúrgico da obstrução, nomeadamente a cirurgia prostática. Finalmente, na incontinência
funcional, temos a resolução das barreiras arquitetónicas.

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Ainda mais importante que isto é ter uma intervenção multidimensional e multicomponente, ou seja, temos
de fazer intervenções comportamentais, exercícios, e, associado ao exercício, o consumo de água e alimentos.

Aqui temos alguns indicadores que nos fazem referenciar os doentes à especialidade no sentido de avaliarmos
melhor em termos diagnósticos ou então para termos maiores proveitos em termos terapêuticos.

Temos aqui um quadro resumo sobre como lidar com a incontinência urinária nos idosos.

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Retenção Urinária

Relativamente à retenção urinária, este é um problema muito frequente na prática clínica, principalmente nos
homens de idade avançada. Na maioria dos casos apresenta-se de forma súbita e deve-se considerar o diagnóstico
quando o doente apresenta impossibilidade de urinar um volume de urina superior a 300 mL. Particularmente, nos
idosos com patologia urinária, deve-se considerar retenção urinária sempre que haja um volume reduzido de
diurese associado a alterações clínicas gerais e a agravamento da função renal.

A retenção urinária tem várias causas e geralmente há uma coexistência dessas causas. Em termos estruturais
temos a causa obstrutiva que é muito mais frequente nos homens e relaciona-se principalmente com a hipertrofia
benigna da próstata, mas também com impactação fecal, infeção ou esclerose do colo vesical. Em termos
neurológicos e em termos funcionais podemos ter várias alterações que nos condicionem a retenção urinária. A
revisão farmacológica é essencial e é a principal causa de retenção urinária aguda em contexto hospitalar.

A retenção urinária aguda manifesta-se por uma impossibilidade de urinar e associa-se a dor abdominal com
diversas repercussões no idoso como uma grande ansiedade, inquietude, agitação e muitas vezes quadros que
levam a delírio. Se não estivermos atentos, estes quadros podem acontecer, nomeadamente com os fármacos que
utilizamos, não vamos diagnosticar e, portanto, não o vamos resolver o problema principal que é a retenção
urinária.

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A retenção urinária crónica relaciona-se principalmente com a insuficiência renal e com o resíduo vesical
patológico que aumenta a formação de cálculos vesicais e de infeções.

Há várias situações mais comuns no idoso que levam a retenção urinária nomeadamente o internamento
hospitalar onde a retenção urinária acontece em cerca de 25-50% dos casos. Isto porque o idoso que é internado
tem a sua mobilidade muito mais restringida, tem múltiplos fármacos a serem iniciados frequentemente, muitos
deles estão associados à retenção urinária, e desenvolvem quadros de delírio que facilmente têm retenção urinária.
Outra situação é no período pós-operatório, principalmente pelos fármacos que são associados, mas também pela
diminuição da mobilidade.

Depois temos a neuropatia diabética e ainda a hiperatividade do detrusor que se relaciona tanto com sintomas
de armazenamento, ou seja, de incontinência urinária (muitas vezes incontinência urinária de urgência), como
também sintomas de esvaziamento, ou seja, de retenção urinária.
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Incontinência Fecal

A incontinência fecal corresponde à perda involuntária de fezes, independentemente da sua frequência ou da


gravidade. Segundo os critérios de Roma IV, define-se como incontinência fecal qualquer perda de fezes, sejam
sólidas ou líquidas, que ocorre pelo menos 2 vezes durante um período de 4 semanas. A prevalência é bastante
variável e pode atingir prevalências de 5-10% dos idosos não institucionalizados que aumenta para quase para 80%
nos idosos institucionalizados. É superior para mulheres até aos 70 anos sendo que a partir dos 70 anos não há uma
diferença significativa nos dois sexos.

É uma condição muito pouco reportada e, à semelhança do que acontecia na incontinência urinária, os clínicos
têm uma atitude muito passiva. Isto faz com que seja a 2ª causa mais frequente de institucionalização tendo um
grande impacto na qualidade de vida do doente.

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Em termos do mecanismo da defecação normal, ele é dependente tanto das características das fezes como
também da normalidade estrutural do cólon, da sigmóide, do reto e dos esfíncteres anais. Pelos movimentos
peristálticos as fezes chegam à ampola retal, a distensão da ampola leva à ativação do parassimpático e esses
reflexos locais sobre a parede do reto fazem com que haja um relaxamento do músculo puboretal, do esfíncter anal
interno, do esfíncter anal externo que é voluntário, assim como a contração do músculo elevador do ânus e dos
músculos abdominais que facilitam a defecação normal.

O que acontece nos doentes com incontinência fecal é há menor perceção retal ou anal, ou seja, há uma menor
ativação do parassimpático, há menor capacidade da ampola retal e uma menor pressão dos esfíncteres associados.
Assim, numa situação de diarreia, esta muito mais facilmente causa incontinência fecal do que do que uma situação
em que não haja qualquer facilitador. A diarreia causa incontinência fecal pois provoca um trânsito intestinal mais
acelerado sendo mais difícil de conter as fezes e também pelo facto de as fezes serem mais líquidas o que acarreta
uma maior probabilidade de originar incontinência fecal do que fezes com mais consistência. Os fatores de risco
para a incontinência fecal são a incontinência urinária, a imobilidade, doenças neurológicas, alterações cognitivas
e idade superior a 70 anos. À semelhança da incontinência urinária, também tem uma etiologia multifatorial.

Na incontinência fecal minor temos a incontinência verdadeira de fezes líquidas. A impactação fecal acontece
em cerca de 42% dos idosos e dos institucionalizados. Existe impactação de fezes, ou seja, fecalomas, e esse
contacto das fezes com a mucosa retal faz produção de muco e produz também fezes líquidas que saem entre a
parede e esse fecaloma. Esta impactação fecal é muito importante pois se acharmos que o doente tem diarreia ou
que o seu trânsito intestinal está acelerado podemos dar fármacos que são obstipantes e ainda agravamos o
problema da impactação fecal.

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A incontinência fecal major relaciona-se principalmente com patologia anal e do pavimento pélvico, mas
também se relaciona com a utilização dos laxantes e antibióticos e com doenças neurológicas.

Relativamente à abordagem, temos de saber as comorbilidades do doente, os fármacos que toma e o impacto
da incontinência fecal na sua qualidade de vida. Temos de saber muito bem a história médica prévia relativamente
à cirurgia, nomeadamente se houve cirurgias anteriores, se fez radioterapia e se há mecanismos facilitadores da
incontinência fecal. O toque retal aqui assume uma importância fundamental em repouso e em manobra de
Valsava para percebermos bem qual a funcionalidade dos esfíncteres.

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Depois, os exames complementares de diagnóstico devem ser muito bem ponderados no idoso de acordo com
as nossas suspeitas, ou seja, a decisão de se realizar um exame complementar deve ser individualizada de acordo
com o impacto e o estado funcional e a decisão deve ser individualidade e de acordo com o impacto, o estado
funcional e o estado cognitivo. Assim, para exames mais invasivos temos de ter uma atitude mais expectante e mais
condicionada pela história clínica.

Em termos do plano de tratamento individualizado e multidimensional, este depende de várias coisas


nomeadamente da situação funcional do idoso, das preferências do idoso, da residência onde ele vive e das
características do doente. O nosso objetivo é sempre melhorar a qualidade de vida e melhorar os sintomas, e isto
pode passar por restabelecer o ritmo defecatório para haverem fezes moldadas e sem esforço defecatório, evitar
complicações e corrigir a patologia causadora.

Falando nas medidas conservadoras, estas têm muito mais importância no idoso do que as medidas
farmacológicas. Dentro destas temos as medidas higiénico-dietéticas no sentido de programar o ritmo defecatório,
o tratamento do mal-estar perianal e o tratamento da impactação fecal e da obstipação crónica. Em termos de
medidas comportamentais, os exercícios de Kegel que fazem o reforço do pavimento pélvico podem ser bastante
importantes.

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Em termos de fármacos, temos de ter alguma precaução a usar fármacos que sejam obstipantes pois podemos
estar perante um quadro de impactação fecal e agravar ainda mais o problema. O tratamento cirúrgico é realizado
em condições muito particulares em que vamos precisar da ajuda de especialidades que se dediquem mais a este
assunto.

Obstipação

A obstipação é um sintoma com múltiplas definições.

Atinge 2-28% da população geral, é muito prevalente nos idosos com mais de 65 anos e nas mulheres e tem
maior prevalência dos idosos institucionalizados. Ao contrário da incontinência urinária que é responsável por
pouquíssimas consultas, a obstipação causa um número muito elevado de consultas médicas ao nível dos cuidados
de saúde primários e é também um motivo frequente de ida à urgência. O uso dos laxantes em lares de idosos pode
atingir prevalências na ordem dos 80%.

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Afeta a qualidade de vida de forma significativa e tem um impacto semelhante ao refluxo gastroesofágico e à
diabetes em relação a esta qualidade de vida. Os doentes com trânsito lento terão um maior impacto que se mede
a nível pessoal, família e a nível interpessoal.

O padrão intestinal não se modifica com a idade. Relaciona-se principalmente com hábitos alimentares,
fármacos e com as patologias anteriores. Na obstipação funcional nós não temos nenhuma causa e esta é
responsável por 60% da obstipação. A alteração da evacuação, ou seja, da perceção retal é responsável por 25%
dos casos enquanto que o trânsito intestinal lento é responsável por uma percentagem pequena.

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Há muitas causas para a obstipação, nomeadamente mecânicas que podem ser obstrutivas ou funcionais,
causas farmacológicas que é muito importante particularmente em idosos que tomam muitos analgésicos,
particularmente os fármacos opióides que estão muito associados a obstipação. Há ainda causas metabólicas e
endócrinas e também causas neurológicas como a neuropática autonómica e a diabetes.

Temos aqui a regra dos 10 D’s da obstipação, ou seja, 10 causas que podem estar a causar obstipação, e temos
aqui também os múltiplos fatores de risco.

Os critérios de diagnóstico de obstipação funcional segundo Roma IV, classifica as fezes segundo a escala de
Bristol que as classifica de acordo com a sua consistência.

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Uma coisa muito importante são os sinais de alarme que são sempre alterações de novo, ou seja, são ou uma
obstipação de novo ou então uma obstipação crónica que tenha uma alteração da sua sintomatologia (em que o
doente refere sintomas novos) ou uma alteração das suas características. Na obstipação de aparecimento recente
temos de estar atentos se houver astenia, emagrecimento, manifestações sistémicas, manifestações loco-regionais,
ou se houver alterações que nos façam pensar em neoplasias ou processos inflamatórios. A incontinência fecal de
aparecimento recente também se deve estudar melhor. Em termos de complicações, estas são múltiplas, e incluem
a retenção urinária e a incontinência fecal pelo mecanismo que já foi discutido, ou seja, através da formação de
fecalomas.

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Relativamente à abordagem do doente, temos de saber o ritmo intestinal do doente, as características das
fezes, o recurso prévio a laxantes e avaliar a situação funcional do idoso que nos pode indicar qual a causa de
obstipação.

As noções relativas aos exames complementares são as mesmas da incontinência fecal, ou seja, estes devem
ser muito bem ponderados e têm de estar de acordo com as nossas suspeitas e com a história clínica.

No tratamento, à semelhança da incontinência fecal, devemos estar focados sempre na melhoria sintomática
e na melhoria qualidade da vida do doente.

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Aqui as medidas não farmacológicas também assumem uma importância muito maior que as medidas
farmacológicas. Estas incluem medidas higieno-dietéticas como a ingestão hídrica e o consumo de fibras insolúveis
e o exercício físico adaptado às comorbilidades do doente e à sua situação funcional. Podemos fazer ainda
intervenções ambientais, a reeducação dos hábitos intestinais e o biofeedback também pode ter alguma
importância.

Devemos usar os laxantes em caso de obstipação persistente apesar do correto cumprimento das medidas não
farmacológicas, ou seja, quando nós instituímos todas as medidas que achávamos adequadas para aquele doente
mas este continua com obstipação. Também usamos laxantes na obstipação associada a patologias médicas ou
cirúrgicas, na obstipação com ingestão inadequada e com limitações da mobilidade associadas à fraqueza dos
músculos abdominais, em doentes sob tratamento com fármacos que reduzem a motilidade intestinal, o que
acontece muito nos cuidados paliativos no tratamento com opióides, e na necessidade de preparação intestinal
para procedimentos diagnósticos ou cirúrgicos. Contudo, a terapêutica com laxantes deverá estar devidamente
indicada, e esta medicação não necessita de ser para o resto da vida sendo que temos de ir avaliando esta indicação.

Temos múltiplos tipos de laxantes de acordo com o seu efeito predominante. Podem estar associados a
desequilíbrios hidro-eletrolíticos no idoso pelo que o seu uso deve ser muito bem ponderado. Geralmente iniciamos
com um laxante, titulamos a dose e depois é muito importante avaliarmos a sua resposta. Se o caso não se resolver,
em vez de aumentarmos a dose de laxante podemos adicionar outro laxante com outro mecanismo de ação. Temos
também de confirmar se as outras medidas estão a ser cumpridas, ou seja, confirmar se o idoso bebe água, come
fibras, etc. pois os laxantes são muito dependentes das outras medidas não farmacológicas.

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Pontos-chave a reter:

• A incontinência e retenção urinárias a obstipação e incontinência fecal não são fenómenos decorrentes do
envelhecimento fisiológico (senescência) devendo ser interpretados como patológicos.
• Representam Síndromes Geriátricas com elevada prevalência graves complicações e potencial impacto
negativo na qualidade de vida do doente geriátrico.
• A prevalência é difícil de estimar na população geriátrica por limitações nos estudos epidemiológicos,
subjetividade dos conceitos e falta de comunicação do problema por estigma social.
• Têm etiologia multifatorial com estreita relação entre os diversas Síndromes Geriátricas, representando,
nomeadamente a incontinência urinária, um marcador precoce de Fragilidade.
• Requerem uma investigação ativa e holística sobretudo em situações de risco elevado (idoso frágil,
deterioração funcional, polimedicação, alta hospitalar recente, patologia médica aguda).
• Dever-se-á ter particular atenção à correção de situações reversíveis que poderão resolver a sintomatologia.
• A abordagem deverá ser multidimensional avaliando os objetivos as preferências e impacto na qualidade de
vida a fim de hierarquizar e individualizar as prioridades de ação.
• As intervenções comportamentais são genericamente a primeira opção terapêutica, evitando a iatrogenia
farmacológica.
• Dever-se-á estabelecer e coordenar planos de cuidados e intervenções que respondam às necessidades,
incapacidades e prioridades individuais (relativamente à longevidade, conforto, qualidade de vida e
funcionalidade).

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Aula 16 – Instabilidade e Quedas
Lia Marques – 25/11/2019

Hoje vamos falar de uma das clássicas síndromes geriátricas que são as quedas. A ideia desta aula é perceber
o que é isto da instabilidade da marcha e como é que o envelhecimento contribui para esta instabilidade, perceber
qual é a importância e a epidemiologia das quedas na população idosa, quais são os fatores de risco e os fatores
precipitantes das quedas nesta população, que complicações surgem associadas às quedas e as propostas de
abordagem a estas quedas.

Assim, temos de compreender a importância das quedas enquanto síndrome geriátrica, perceber os efeitos do
envelhecimento sobre a estabilidade, identificar fatores de risco para quedas, identificar fatores de risco para
recorrência de queda, enumerar as complicações da queda, identificar a síndrome pós queda e ter uma noção de
como abordar o doente que acabou de cair.

É muito raro ouvirmos um médico perguntar a um doente com mais idade se teve alguma queda nos últimos
6 meses assim como é raro um doente queixar-se que anda a cair espontaneamente em casa. As quedas são uma
situação que é completamente desvalorizada na prática clínica, quer pelos profissionais de saúde quer pelos
próprios doentes que quando caiem acham que é normal devido à idade que têm. A noção de instabilidade e quedas
é importante.

As grandes síndromes geriátricas são extremamente prevalentes na população mais velha, são todas
multifatoriais e, por terem os mesmos fatores de risco, muitas vezes elas potenciam-se umas às outras. A
acumulação de síndromes geriátricas contribui para um aumento da suscetibilidade que uma pessoa tem de ter
efeitos adversos e de ter piores outcomes. Assim, é muito importante fazer avaliações geriátricas globais e fazer
intervenções multidimensionais no sentido de reduzir os fatores de risco. Temos ainda de abordar estas síndromes
geriátricas em conjunto e nunca devemos olhar para um problema de forma isolada, isto porque raramente um
problema explica tudo. Aqui é necessário olhar para os doentes de uma forma mais individualizada e mais holística.
Em Geriatria não há fórmulas, cada doente é um doente. Assim, temos de olhar para cada um com tudo aquilo que
ele tem e com tudo aquilo que ele traz.

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Relativamente aos conceitos de estabilidade e instabilidade, na prática, se pensarmos no controlo postural
estático, ou seja, o facto de conseguirmos manter uma postura em pé sem andar, este controlo não é
completamente estático, é um mecanismo adaptativo em que há sempre uma série de reflexos que estão a
acontecer que vêm de inputs sensoriais quer vestibulares, quer visuais, quer da sensibilidade propriocetiva. Esta
informação é processada pelo sistema nervoso central e é enviada pelo output para o sistema músculo-esquelético
de forma a que se consiga adaptar tudo aquilo que precisamos para manter a estabilidade e para manter, no fundo,
e de um ponto de vista mais simplista, aquilo que é o nosso centro de massa dentro da nossa base de sustentação.

Isto tem muito a ver, mesmo em termos de equilíbrio estático, com pequenas oscilações que são muito
pequenas e impercetíveis, mas que são fundamentais. Estas oscilações contribuem para que nós consigamos
manter-nos em pé e evitar a queda, ou seja, mantermo-nos naquilo que é o ângulo máximo vertical que é tolerado
sem que tenhamos de ter um mecanismo compensatório que implique alargar a nossa base de sustentação, ou
seja, dar um passo para a frente ou para trás para evitar cair.

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No fundo, a estabilidade e a manutenção da estabilidade tem a ver com a manutenção de todos os mecanismos
que contribuem para a sua manutenção. De cada vez que há a saída do centro da nossa base de sustentação, ou
temos um mecanismo compensatório que rapidamente atua, ou aquilo que vai acontecer é que descemos do nível
em que estamos e vamos para um nível mais baixo, ou seja, vamos cair. Esta é a definição, na prática, de queda.

É importante perceber que manter o equilíbrio implica manter este centro de massa dentro da nossa base de
suporte quer em situações estáticas quer em situações dinâmicas que é o que nos permite andar. O movimento de
andar implica que tenhamos de deslocar o nosso centro de gravidade. Para mantermos este controlo postural estão
envolvidos processos sensoriais (visuais, vestibulares e sensibilidade propriocetiva), há o tal mecanismo de
processamento pelo sistema nervoso central e depois há uma resposta neuromuscular.

Dentro dos componentes dos estímulos sensoriais, os inputs visuais dão-nos a noção do ambiente, da
localização, da direção e da velocidade de movimento, o sistema vestibular dá-nos noção das forças gravitacionais
quer em posições estáticas quer em aceleração do movimento e depois a sensibilidade propriocetiva permite que
o nosso sistema nervoso central perceba através de recetores cutâneos e musculares, de tendões, de ligamentos e
das articulações qual é a posição do nosso próprio corpo.

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Todos estes sistemas se alteram com o envelhecimento fisiológico. O sistema sensorial visual demonstra
amplamente os efeitos do envelhecimento sobre ele. Há a diminuição da transmissão dos meios oculares, o
aumento da dispersão na córnea, no vítreo e na retina, a diminuição do tamanho da pupila e o compromisso da
motilidade do músculo ciliar o que compromete fortemente a capacidade de acomodação.

Tudo isto contribui para um compromisso grave da acuidade visual e aquilo que está estimado é que há um
compromisso grave da acuidade visual em 1% das pessoas entre os 70 e os 74 anos, em 2,5% das pessoas com 85
anos e depois dos 85 esta percentagem sobe drasticamente para os 25%. Isto mesmo com lentes de correção e é
algo que compromete a qualidade de vida das pessoas.

Esta redução da acuidade visual está associada a pequenas reduções da sensibilidade ao contraste, à redução
da perceção de profundidade de campo e à redução da adaptação ao escuro e à luminosidade. Estes inputs são
extremamente importantes para que consigamos evitar quedas sobretudo nos idosos. A não perceção da
profundidade de campo, algo extremamente comprometido com estas alterações, origina o clássico da queda do
doente idoso que se levanta a meia noite.

É importante, e isto é uma regra básica quer em Geriatria quer em Medicina Geral, que quando temos um
problema, temos de o resolver. Assim, quando são identificadas alterações da acuidade visual, é fundamental que
estes doentes sejam avaliados e que o problema seja corrigido. A correção destas alterações é das medidas que
demonstrou que mais contribui para a redução do risco de queda.

É importante termos noção que esta correção não pode ser uma correção aleatória, sendo que muitas vezes
existe uma iatrogenia não farmacológica clássica que é a correção com lentes bifásicas ou multifocais. Nestes
doentes, a utilização das lentes vai comprometer ainda mais a capacidade da profundidade de campo assim como
a capacidade de acomodação acabando por aumentar o risco de queda.

Para além dos efeitos do envelhecimento, há uma série de doenças que afetam mais frequentemente as
pessoas mais velhas e que afetam a capacidade da atividade visual. Exemplos destas doenças são a degenerescência
macular, a retinopatia diabética, o glaucoma e as cataratas que são extremamente frequentes nesta população,
são de fácil deteção e mudam drasticamente a qualidade de vida das pessoas quando são corrigidas. Esta correção
é extremamente importante não só pela dificuldade em permitir o ajuste da estabilidade havendo um maior risco
de queda, mas também pela qualidade de vida em geral como pela capacidade de reconhecer pessoas familiares.
Quando um indivíduo não reconhece os familiares isto pode estar associado a um défice cognitivo, mas também
pode não ser um défice cognitivo mas sim um compromisso importante da acuidade visual.

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Quando falamos em alterações vestibulares, aquilo que está demonstrado existir com o envelhecimento
fisiológico é, de facto, um compromisso das células sensoriais, quer dos canais semicirculares, quer do sáculo, quer
do utrículo. Este sistema é responsável por manter a orientação espacial quer em repouso quer na aceleração. Com
o compromisso destas células sensoriais, o que vai haver é um aumento do risco da não capacidade de adaptação
a esta aceleração.

Com o envelhecimento fisiológico também há uma diminuição da sensibilidade propriocetiva e da


sensibilidade vibratória, sendo que isto vai contribuir para que seja mais difícil manter a tal estabilidade e controlo
postural. Também é extremamente frequente algumas situações de doença e patologia, mais frequentes nas
pessoas mais velhas, como as neuropatias periféricas quer na diabetes que no défice de vitamina B12 em que é
sempre fundamental pesquisar porque são situações que são tratáveis e preveníveis.

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Quando falamos do envelhecimento ao nível do sistema de processamento central, portanto, no sistema
nervoso central, acaba por haver a lentificação de todos os processos, há uma redução da condução nervosa e, na
prática, isto faz que todos estes processos juntos provoquem duas características naquilo que é o controlo postural
no envelhecimento. Por um lado, há um aumento das oscilações posturais, aquelas oscilações que são impercetíveis
para nós mas que muitas vezes nas pessoas idosas se conseguem detetar ao tentarem-se manter em ortostatismo,
e, por outro lado, estas oscilações são mais eficazes quanto mais distais são e, à medida que envelhecemos, elas
deixam de ser tão distais sendo cada mais proximais o que dificulta a manutenção postural.

O envelhecimento também tem efeitos sobre o sistema de resposta havendo um grande compromisso da
função muscular com perda de força e de massa muscular, há um aumento dos tempos de resposta aos inputs, há
estas oscilações mais proximais, uma redução da flexibilidade, uma maior rigidez do tecido conjuntivo e depois há
um agravamento, para além do sistema músculo-esquelético, dos sistemas de adaptação cardiovasculares. Assim,
os mecanismos de adaptação ao ortostatismo vão estar comprometidos e é por isso que nesta população é tão
frequente a ocorrência de hipotensão ortostática que ocorre em 30% das pessoas mais velhas.

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Só os efeitos do envelhecimento sobre o sistema de controlo postural não justificam que as pessoas caiam. De
facto, o envelhecimento não torna normais as quedas, elas são frequentes, mas não são normais. Isto é um modelo
que permite explicar todos os grandes problemas geriátricos. É pensado que para que ocorra um evento agudo,
neste caso, uma queda, tem de haver a conjugação de 3 tipos de fatores. Por um lado, os efeitos do envelhecimento
sobre o sistema envolvido, neste caso, sobre o controlo postural e a estes associam-se a existência de doenças
crónicas que podem estar ou não controladas e que podem ser ou não resolvidas. Isto contribui para uma maior
instabilidade da marcha, mas para que haja uma queda tem de haver sempre um fator desencadeante. Para que
haja uma queda, para que haja delírio, para que haja um problema geriátrico agudo, para além dos fatores de risco
tem de haver sempre fatores desencadeantes.

Assim, as pessoas mais velhas caiem, por um lado, pelos efeitos do envelhecimento sobre o controlo postural
e, por outro lado, existem fatores de risco podendo classificar os fatores de risco para as quedas em 3 grupos (há
quem os classifique só em 2): intrínsecos, extrínsecos e de interface. Os riscos intrínsecos são inerentes à própria
pessoa como o défice cognitivo, as disfunções e as doenças vestibulares, as neuropatias periféricas, a hipotensão
ortostática, os efeitos de alguns fármacos, o compromisso visual e a descompensação de doenças crónicas.

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Os fatores extrínsecos são os fatores próprios do ambiente, é aquela pessoa que vive numa casa que tem um
corredor extremamente estreito com fios de eletricidade típicos das casas antigas e que a pessoa não tem o
corredor iluminado, ou seja, estes fatores contribuem para que haja uma maior probabilidade de queda.

Os fatores de interface (que alguns autores englobam nos extrínsecos) têm a ver com o tipo de calçado, com
o tipo de roupa, com as restrições físicas e as contenções físicas e com o tipo de atividade desenvolvida porque
para se cair também é preciso haver uma oportunidade para se cair. A própria roupa muitas vezes contribui como
fator de interface sendo que saias compridas e calças largas aumentam a probabilidade de as pessoas tropeçarem.

Os fatores precipitantes podem ser uma situação de doença aguda. Num doente idoso as doenças têm
manifestações atípicas, são classicamente oligossintomáticos e um doente que venha à urgência por uma queda
pode ser a manifestação de uma pneumonia ou de uma infeção urinária. Assim, é preciso ter sempre presente que
uma queda é sempre um sinal de alerta e é sempre necessário saber a razão da queda porque apenas muito
raramente são quedas acidentais.

É importante falar de quedas nesta população porque as quedas são extremamente frequentes na população
idosa, ocorrem em 35-40% das pessoas com mais de 65 anos, ou seja, na prática, 1 em cada 3 pessoas com mais de
65 anos cai pelo menos uma vez por ano, e esta percentagem aumenta para 50% depois dos 85 anos. Portanto, há
uma associação clara entre as quedas e a idade mais avançada. A maior parte das quedas ocorrem em ambulatório
e em domicílio. É importante porque elas se associam a complicações e até 25% das quedas complicam-se com
lesões graves, 50% das quedas vão condicionar a necessidade de internamento hospital por uma lesão traumática,
por uma fratura ou pela causa da própria queda e, mais grave que isto é que, 40% dos doentes que são internados
na sequência de uma queda não regressam ao domicílio indo depois para uma instituição. Isto, em Geriatria, é
aquilo que queremos evitar ao máximo que é a perda de autonomia e a perda da capacidade de se manter no seu
ambiente.

As quedas são a quinta causa de morte depois dos 65 anos e são responsáveis por 20% dos casos de restrição
de atividade, estando extremamente relacionadas com outra das importantes síndromes geriátricas que
corresponde à síndrome de imobilidade. É importante falarmos nisto porque há fatores de risco que são
modificáveis, portanto, temos de os saber identificar para podermos interferir sobre eles e assim reduzir o risco de
queda e evitar as suas complicações. As quedas são negligenciadas e continuam a ser negligenciadas. São um
problema grave de saúde pública, são sempre situações graves sendo assim importante valorizá-las.

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Ao longo dos anos e nas últimas décadas a mortalidade associada a quedas na população idosa tem
aumentando exponencialmente. Quando analisamos os fatores de risco para quedas, isto é uma metanálise mais
antiga mas os resultados dos estudos recentes não são muito diferentes, há 3 fatores de risco de forma mais
consistente relacionados com o risco de queda. Estes fatores são a fraqueza muscular, a história prévia de queda
(ou seja, uma pessoa que caiu tem mais probabilidade de voltar a cair) e as alterações da marcha com a presença
de instabilidade da marcha.

Outros fatores associados são a história pessoal e queda, como já foi dito, a idade superior a 80 anos sendo
que a partir desta idade o risco de queda é maior, ou seja, à medida que a idade vai avançando o risco de queda
também aumenta, a presença de alterações da marcha e do equilíbrio e a presença de depressão e de deterioração
cognitiva, sendo que esta última está muito associada ao risco de queda. Estes dois fatores, quer por si próprios
quer por alguma terapêutica farmacológica, complicam muitas vezes o risco de queda.

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Outros fatores são a presença de fraqueza muscular, em que as mulheres têm maior risco de quedas do que
os homens por viverem mais tempo, a presença de fármacos nomeadamente os psicotrópicos, as alterações do
sistema osteoarticular quer artrite quer artrose, a história prévia de AVC com sequelas motoras, a presença de
hipotensão ortostática, a presença de anemia e a dependência funcional.

Se olharmos para isto conseguimos reconhecer aqui as síndromes geriátricas mais frequentes como a
imobilidade, o compromisso cognitivo, a iatrogenia, a incontinência, a desnutrição, e todas elas contribuem para o
risco de queda. Assim, é fundamental fazer uma avaliação geriátrica global a estes doentes.

Um fator extremamente importante e que também é um fator de risco é a iatrogenia. Enquanto clínicos não
podemos desvalorizar a iatrogenia, seja farmacológica ou não farmacológica, porque é um fator de risco major para
quedas. As definições de polimedicação são múltiplas, mas para esta população o mais frequente dizer é que a
toma de 4 ou mais fármacos já está associado ao aumento do risco de quedas sobretudo se estes fármacos incluírem
sedativos e hipnóticos, neurolépticos e antipsicóticos, benzodiazepinas, antidepressivos e vasodilatadores.

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Isto é de tal forma importante que o ano passado foi publicado um consenso em que chama a atenção para o
desconhecimento dos profissionais de saúde em relação a uma classe de fármacos, os fall-risk-increasing drugs
(FRIDs), que aumentam o risco de quedas. Isto é muito pouco valorizado na prática clínica e, portanto, há uma
grande necessidade de formação nesta área havendo a necessidade de haver uma sensibilidade dos cínicos para
esta situação.

Assim temos vários fármacos que aumentam o risco de quedas como os antipsicóticos, as benzodiazepinas, os
antidepressivos, e quando falamos em antidepressivos falamos nos tricíclicos pelos efeitos anticolinérgicos, mas os
inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRIs) que são os antidepressivos considerados mais seguros
também estão associados ao risco de queda muitas vezes pelas alterações hidro-eletrolíticas a que se associam,
sobretudo a hiponatremia que tem uma relação bem demonstrada com o aumento do risco de quedas. As
hiponatremias assintomáticas no idoso há alguns trabalhos que demonstram que elas estão associadas ao risco de
quedas.

Relativamente a fármacos cardiovasculares temos os diuréticos, sobretudo os de ansa pelas alterações hidro-
eletrolíticas também, os digitálicos, os β-bloqueantes, os anti-hipertensores e os anti-arrítmicos. Os laxantes, pelas
alterações hidro-eletrolíticas, também se associam ao risco de quedas e é extremamente fazer-se a cascata da
prescrição e prescrever um fármaco para tratar um efeito secundário de outro fármaco, o que não é bom para o
doente apesar de ser mais fácil dar um fármaco do que retirar um fármaco. Um mind-set que enquanto clínicos
temos de começar a ter é olhar para a folha terapêutica de um doente e perceber a razão dos medicamentos e
quais são as vantagens e as desvantagens desses fármacos.

Estes autores propõem um esquema baseado nos critérios de START/STOP na tentativa de identificar sempre
estes fármacos que aumentam o risco de queda, questionar a sua indicação e tentar suspendê-los, reduzi-los ou
fazer um desmame progressivo. Relativamente ao desmame, este é progressivo porque sabemos que há fármacos
que não podemos parar de forma abrupta como as benzodiazepinas, os β-bloqueantes, os antidepressivos, os
opiáceos e os inibidores da bomba de protões que muitas vezes os doentes estão a fazer sem qualquer necessidade
mas, se forem interrompidos de forma abrupta, começam a ter sintomas gastrointestinais. Temos de parar os
fármacos mas fazê-lo de uma forma consciente.

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Quando falamos de fatores de risco extrínsecos falamos de vestuário e calçado que também podem ser
considerados como fatores de interface. É muito frequente os doentes que são admitidos numa instituição, às vezes
já não saberem onde foi a roupa e o idoso pode estar a vestir as calças de alguém com mais 10 cm que ele. O calçado
que parece ser mais seguro são os sapatos com sola de borracha. Os antiderrapantes demasiado antiderrapantes
também se associam a um aumento do risco de quedas porque a própria sola pode ficar presa e o doente fica preso
pelo pé, deve-se evitar calçado com cordões porque o doente pode tropeçar nestes, e temos sempre de ter noção
de ter um calçado fechado que forneça apoio e estabilidade ao pé. Dois clássicos completamente errados são aquilo
que damos aos nossos doentes no hospital que são aqueles chinelos de plástico que não seguram o pé e
escorregam, e ainda as “meias” azuis.

Há ainda a questão da adaptação da casa e do mobiliário como as camas que são demasiado altas e as casas
de banho que não estão adaptadas tendo nomeadamente banheiras altíssimas e têm a ausência de barras de apoio.
Existem soluções simples e baratas para adaptar a casa de forma a que esta se torne mais segura. Finalmente temos
ainda a questão dos objetos no chão como tapetes e fios elétricos. Quanto mais fatores de risco existirem, maior é
a probabilidade de queda.

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Dizemos que um doente tem quedas recorrentes ou de repetição quando cai 2 ou mais vezes no espaço de 12
meses desde que estas não sejam quedas acidentais. Isto deve sempre ser perguntado aos doentes na consulta
pois as pessoas a menos que tenham complicações traumáticas das quedas vão desvalorizá-la e não se vão queixar.
Não se queixando, vão acumulando fatores de risco e vão caindo até terem uma consequência traumática grave
como uma fratura do colo do fémur.

Quando falamos em fatores precipitantes podemos ter mais ou menos o mesmo raciocínio que temos para os
fatores de risco e pensar em fatores intrínsecos que são as tais situações de doença aguda como uma situação
infeciosa (pneumonia ou infeção urinária), uma doença cardiovascular (fibrilhação auricular ou uma síndrome
coronária aguda), alterações neurológicas (AVC), doenças gastrointestinais (obstipação ou pseudo-diarreia devido
ao uso de laxantes que dão alterações hidro-eletrolíticas), alterações metabólicas (hipoglicémia), e a iatrogenia
(farmacológica ou não farmacológica), sendo importante perguntar se houve alguma alteração farmacológica
recente, quer seja início ou descontinuação da terapêutica.

Depois podemos pensar nos fatores extrínsecos como a cama alta, o chão escorregadio, a casa de banho não
adaptada, os fios elétricos, os obstáculos no caminho como os tapetes, a iluminação inapropriada, as escadas não
sinalizadas que são importantes, por exemplo, no trajeto até à casa de banho durante a noite, e ainda os animais
de estimação. É muito recomendável ter animais de estimação, mas estes são agentes causadores de quedas. Nem
sempre é fácil fazer estas adaptações para tornar a casa segura pois as pessoas estão habituadas a viver assim e
sentem-se confortáveis com a casa numa determinada disposição, sendo que a sua casa faz parte da identidade
delas.

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Relativamente às complicações da queda, podemos pensar em complicações a curto prazo, a médio e a longo
prazo. Nestas complicações temos de pensar nas lesões traumáticas, no risco do desenvolvimento de uma síndrome
de imobilidade após a queda (a pessoa era autónoma e deixa de o ser após ter tido aquela queda), o medo de voltar
a cair que é muito frequente nestas populações mais velhas, o desenvolvimento da síndrome pós-queda que é
considerada uma emergência em Geriatria quando esta procura a qualidade de vida , a autonomia e garantir que
os anos adicionais valem a pena. Temos de considerar ainda o descondicionamento físico, o risco de sarcopénia e
o risco de desnutrição.

A curto prazo temos de perceber quanto tempo a pessoa teve no chão pois isto pode-se complicar com a
ocorrência de rabdomiólise (lesão muscular por tempo prolongado em contacto com uma superfície dura), lesão
renal aguda consequente, se houver uma alteração do estado de consciência há o risco de aspiração de conteúdo
gástrico ou até de haver uma sobreinfeção bacteriana.

A médio prazo, os doentes que são internados no seguimento destas quedas poder ter a ocorrência de delírio,
que é extremamente frequente, sobretudo por dor não controlada ou por retenção urinária, e têm ainda risco de
tromboembolismo venoso. A longo prazo, temos o grande risco de desenvolvimento da síndrome pós-queda, de
depressão e ainda o risco de haver uma perda de autonomia.

Síndrome Pós-Queda

A síndrome pós-queda ou síndrome de regressão psicomotora tem na prática dois componentes: um


componente motor que é físico e fácil de reconhecer. Quando tentamos levantar o doente ele faz uma retropulsão
da bacia impossibitando o início da marcha, fica na chamada posição de “Wing Surf” com os joelhos semi-fletidos,
a bacia projetada para trás, agarra-se com força a um apoio, treme e é impossível iniciar a marcha porque o doente
não consegue fazer a verticalização do tronco, e isto é extremamente frequente.

Existe também um componente psicológico associado que tem a ver com uma enorme ansiedade e com um
enorme medo de voltar a cair. Esta intervenção tem de ser precoce e multidisciplinar, temos de fazer com que
aquela pessoa readquira o medo e o receio de assumir a posição ortostática e é importante estarmos atentos a esta
situação porque isto pode ser o primeiro sinal de que aquela pessoa não vai voltar a andar tendo uma perda drástica
da autonomia e da mobilidade.

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A imobilidade está associada a uma série de complicações cardiovasculares, respiratórias, cutâneas,
neuropsicológicas, urinárias, musculares e osteoarticulares.

Na prática, quando vemos uma pessoa no pós-queda, temos de pensar nos fatores de risco e nos fatores
predisponentes, pensar nos fatores desencadeantes ou precipitantes, questionar em que circunstâncias é que
aconteceu a queda e perceber as consequências desta queda, quer as complicações imediatas quer as
consequências pelo fator precipitante como por exemplo uma doença aguda grave que tem de ser tratada
imediatamente.

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É importante perguntarmos quais os sintomas que precederam a queda, se houve ou não perda de
conhecimento, traumatismo craniano, dor torácica, dispneia, alterações terapêuticas prévias, quando é que a
queda ocorreu, a posição do acontecimento, como a pessoa estava previamente relativamente à sua autonomia
para se ajustar o tratamento, e é importante perceber quanto tempo é que a pessoa permaneceu no chão e como
se levantou, se se levantou sozinha ou se não se levantou e precisou de ajuda, sendo este um indicador de pior
prognóstico e de aumento do risco de queda depois do acontecimento.

Temos também a questão das consequências que têm a ver não só com as complicações da queda mas com a
gravidade da situação que ocorreu. Na primeira imagem temos um encurtamento e uma rotação externa da perna,
na segunda temos um hematoma extenso, na terceira temos uma queda que provavelmente teve como causa uma
pneumonia, na quarta temos uma fratura do colo do fémur, na quinta temos a demonstração de uma dor pré-
cordial e na sexta temos uma doente que possivelmente tem hipotensão ortostática e é por isso que anda a cair.

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É fundamental no exame físico perceber o estado de consciência da pessoa, os sinais vitais, a perfusão
periférica, sinais de traumatismo físico, pensar sempre que se estiver no chão mais do que uma hora há uma maior
probabilidade de desenvolver rabdomiólise, pode ainda haver lesão renal aguda, desidratação, pneumonia pós-
aspiração e ainda o desenvolvimento de úlceras de pressão. Se um doente viver sozinho em casa e ficar no chão
durante 12/18 horas pode desenvolver uma úlcera de pressão.

Temos de perguntar sempre os fatores de risco de recidiva de queda, se já houve uma queda nos 3 meses
anteriores, se há história de quedas de repetição, se teve mais de uma hora no chão, se não se conseguiu levantar
sozinho ou se sofre de isolamento social ou geográfico.

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Devemos perguntar sempre se o doente caiu no último ano ou quantas vezes caiu no último ano. Se tiver até
1 queda, será uma boa ideia tentar identificar o principal fator de risco de queda que é a instabilidade da marcha e
fazer alguns testes simples e fáceis para ver se há ou não instabilidade da marcha, para ver se há ou não beneficio,
de trabalho dessa estabilidade. Se não tiver instabilidade voltamos a perguntar na próxima consulta o que se
passou.

Depois temos várias opções, ou há alterações da marcha e equilíbrio, ou o doente tem uma história de quedas
recorrentes (2 ou mais durante um ano), ou então estamos a ver o doente após uma queda. Neste caso, aquilo que
devemos fazer é uma avaliação completa dos fatores de risco da queda: fazer uma história completa, fazer a revisão
terapêutica, testar a acuidade visual, a marcha e o equilíbrio, fazer um exame neurológico completo e fazer um
exame cardiovascular.

Assim, tentamos identificar os fatores de risco da queda e tentamos intervir sobre eles reduzindo o risco de
queda através de uma intervenção interdisciplinar através da avaliação geriátrica global associada à história clínica
e associada ao exame físico em que é obrigatório a pesquisa de hipotensão ortostática em todas as consultar por
ser algo muito frequente nesta população.

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Em termos da avaliação da marcha na avaliação geriátrica global, existem algumas provas mais complexas
como a de Tinetti e a capacidade funcional da marcha (CFM) que, por norma, são feitas por fisiatras e
fisioterapeutas para se perceber onde está a instabilidade, se é uma questão de equilíbrio, se é uma questão de
falta de força muscular.

Depois há a classificação de Holden para a


capacidade funcional da marcha pois permite-nos
saber se o doente tem uma marcha eficaz ou se tem
uma marcha completamente independente.

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Depois há os tais testes funcionais muito informais que conseguimos fazer sem perder muito tempo na
consulta ou na urgência. Um deles é pedir para a pessoa se levantar da cadeira sem usar o apoio dos braços, sendo
que, se conseguir fazer isto, é um indicador de boa força muscular dos membros inferiores. Um teste clássico que
é o Stop walking when talking que consiste em irmos buscar o doente á porta do gabinete e vamos falando com ele
à medida que ele anda, e o que acontece é quando há instabilidade da marcha, quando começamos a falar com
doente ele pára.

Outro teste consiste em pedir à pessoa para fazer o apoio unipodal. Um teste clássico é o Timed up and go
Test que pode ser usado em vários contextos, para rastrear várias situações, mas aqui ele é útil para identificar os
doentes com alto ou baixo risco de quedas.

Para fazermos este teste precisamos de 3 metros, de uma cadeira e de um cronómetro. Os cut-off para este
teste são variáveis consoante aquilo que estejamos a rastrear. Para o risco de queda temos dois valores chave, se
o doente fizer o teste em menos de 10 segundos em princípio tem uma boa marcha e o risco de queda será reduzido,
e se demorar 14 segundos ou mais segundos significa que tem um alto risco de queda e tem de ter uma avaliação
do equilíbrio e da estabilidade da marcha.

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Relativamente à abordagem que fazemos quando os doentes caiem, há várias abordagens mas, até ao
momento, o que parece ser mais eficaz são as estratégias interdisciplinares e multifactoriais sendo estas
personalizadas, ou seja, vamos caracterizar o risco de queda de um doente de acordo com o seu perfil de fatores
de risco e vamos intervir em cada um dos fatores de risco.

Sabe-se que o exercício, de uma forma geral, reduz o risco de queda em cerca de 10%, se for um treino de
equilíbrio há uma redução maior do risco de queda e depois há algum efeito do Tai Chi que melhora o risco de
queda através do tipo de trabalho dos mecanismos de oscilação mais distais. Para que possamos intervir sobre isto,
é preciso, em primeiro lugar, identificar os fatores de risco de queda.

A nossa intervenção passa pela educação, por explicar às pessoas que não é normal caírem, por estratégias de
intervenção nutricional e social, perceber se há ou não alterações do humor e tratá-las, prescrever um exercício
adequado à pessoa, fazer sempre a otimização da terapêutica tentando reduzir as doses até à mínima dose eficaz,
corrigir os défices sensoriais, corrigir a hipotensão ortostática, tratar e estabilizar as doenças crónicas e corrigir
fatores de risco ambientais.

Existem exercícios específicos que se fazem em algumas classes de queda nomeadamente 2 tipos de exercícios
que são fundamentais: o aprender a cair e o aprender a levantar-se do chão após a queda.

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Pontos-chave a reter:

• A queda na população mais velha é sempre uma situação grave até prova em contrário;
• A queda pode ser uma forma de apresentação de doença atípica no idoso;
• As quedas são preveníveis, não é inevitável que o idoso caia;
• Têm um impacto enorme na qualidade de vida;
• Há um risco grande de perda de autonomia associado;
• É importante identificar se existe ou não existe instabilidade, e perceber o risco real de queda num
determinado doente;
• Tem de se realizar uma abordagem global e interdisciplinar;
• Temos de evitar sempre o desenvolvimento da imobilidade do doente.

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