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Resumo Abstract
O Programa Nacional do Livro Didático The National Textbook Program
(PNLD) firmou-se como uma política (PNLD) has established itself as a state
de Estado e seus resultados tiveram – e policy and its results made – and keep on
seguem tendo – importantes impactos making – an important impact in teach-
não só no âmbito do ensino, mas tam- ing, but also in the entire production
bém em toda a cadeia produtiva da in- chain of book industry, whose revenues
dústria do livro, cujo faturamento é for-
are heavily dependent of the public pur-
temente dependente das compras
chases. Professor Holien Gonçalves Be-
públicas. O professor Holien Gonçalves
Bezerra participou, por mais de uma dé- zerra participated, for more than a de-
cada, do processo de avaliação e fornece cade, in the evaluation process and
testemunho precioso dos caminhos tri- provides a valuable testimony of the
lhados pelo Programa, dos momentos paths taken by the Program from the
iniciais ao processo de consolidação. start until its consolidation.
E em termos profissionais?
No debate foi difícil, mas todos acabaram por concordar, uma vez que são
critérios claros, óbvios, que expressam o mínimo que se espera de um livro
didático, de uma obra que vai servir de instrumento de trabalho para profes-
sores, e que os alunos vão utilizar, vão levar para casa. Ela tem que ser uma
obra de qualidade, e a qualidade se estabelece tanto do ponto de vista da au-
sência de erros conceituais e de informação, quanto com o respeito à cidadania
e a coerência das metodologias de aprendizagem e ensino de História. Houve
relutância exatamente pelo fato de que os livros de 5ª à 8ª série seriam exami-
nados pela primeira vez, e à luz de critérios mais específicos e claramente enun-
ciados. Acredito que foi por isso também que a aceitação foi mais difícil.
Eram dois programas novos e uma das dificuldades que nós sentíamos
dizia respeito à interlocução, que era muito difícil, principalmente porque,
naquele momento, o que estava em pauta e com mais evidência eram os
Parâmetros da 1ª à 4ª série, só depois se estendeu para o segundo ciclo do
Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Nesse momento trabalhava-se
muito intensamente com o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. O apoio
do MEC aos Coordenadores foi total e havia grande expectativa de que os
Programas dessem certo. Daí o alto investimento com a distribuição de cinco
livros didáticos (para as cinco áreas que compõem o currículo) aos estudantes
das escolas públicas; uma distribuição gratuita e universal para todas as áreas,
eles conversavam sobre o livro analisado, pois, até aquele momento, não
sabiam quem era o seu parceiro na análise. Eles discutiam de modo a gerar
um parecer sobre o livro, com a participação ativa da coordenação. Se hou-
vesse discrepância forte entre os dois avaliadores, a regra era chamar outro
avaliador para dar um terceiro parecer. Assim, juntamente com o parecer da
coordenação, nós tínhamos quatro opiniões. Se não houvesse grandes diver-
gências, a coordenação começava a trabalhar no parecer produzido pela du-
pla, tendo em vista a revisão da linguagem, do conteúdo e sua apresentação.
Enfim, era um trabalho enorme.
Você poderia nos relatar como foi o impacto dessa primeira avaliação rea-
lizada pela equipe do PNLD? Houve reação entre os autores e também entre os
editores?
Pode-se dizer que foi pedagógico para o futuro, desestimulando outras edi-
toras a fazer a mesma coisa em outros momentos...
Ah, o impacto entre os autores foi grande também, porque alguns deles
foram a revistas, como Veja, Época etc. Houve reportagens com os autores
criticando o programa. Eu, pessoalmente, recebi telefonemas de rádio para
responder a objeções.
Telefonemas de jornalistas?
De jornalistas, mas que deviam ter conversado com autores. Houve de-
bates e eu procurei responder sempre. A meu ver, não houve problemas maio-
res de contestação. O envolvimento da imprensa até foi bom, porque muitos
jornalistas conheceram o PNLD e viram que era importante. O outro lado da
moeda é que, como toda a questão da mídia, uma vez falado, fica falado, e nem
sempre é possível dar uma resposta. Agora, houve um impacto forte para a
área de História e, principalmente, para nós, encarregados do programa.
Explico. Eu tinha uma grande esperança de que a Anpuh estivesse de acordo
com esse processo de avaliação de livros didáticos, considerasse uma coisa boa
para a área. Mas não foi assim. No Encontro Nacional na Anpuh, procurou-se,
de certo modo, descaracterizar o programa...
foi feita a avaliação. Quais os erros cometidos nesses livros, em razão dos quais
eles foram excluídos etc. Eu lamento, até hoje, ter perdido essa oportunidade. Em
compensação, recebi também muitos elogios de professores da própria USP, que
era a universidade desse interlocutor. O PNLD, quando começou, foi realmente
algo corajoso. Muitos livros tinham que sair de circulação, mas ninguém tinha
coragem de falar ou fazer isso. Alguns autores eram grandes nomes, grandes pro-
fessores universitários, reconhecidos e tudo o mais. Tinham até poder de fogo
econômico nas instituições de fomento. Então, pelo menos tive a glória de enfren-
tar essa situação. No final, na própria imprensa, houve elogios à saída de livros que
não eram bons. Avalio como produtivo o impacto dessa primeira avaliação.
No seminário, ficou evidente que era preciso contar com a experiência das
universidades para avançar no processo de avaliação, uma vez que era muito
complexo centralizar tudo no MEC, em Brasília. Houve insistência, por parte
da SEF, para efetivar a descentralização. No PNLD/1999, toda a equipe ficou
uma semana em Brasília e depois cada um terminou o trabalho em casa. No
PNLD/2000, tentou-se o processo de internação, ou seja, toda a equipe passou
o mês inteiro de julho em Brasília, na Academia de Tênis, e a ideia era acabar
tudo nesse período. Passar as férias de julho inteiras num hotel em Brasília
tampouco se mostrou uma solução totalmente adequada. Era evidente a ne-
cessidade de mudanças. Daí a ideia de procurar outra dinâmica para o pro-
cesso avaliativo. Foi preciso estipular o novo papel do MEC e o da universi-
dade, e estabelecer critérios para a escolha de uma instituição. E não era o caso
de se fazer uma licitação pública, porque todo o processo era e é sigiloso. Os
Coordenadores de Área ficaram encarregados de fazer as sondagens para es-
tabelecer as universidades que estariam aptas e dispostas a fechar convênio
com o MEC para realizar o processo de avaliação. A USP, mais especificamen-
te a Fundação para o Vestibular (Fuvest), ficou com a avaliação da Área de
Ciências, e eu tentei então a Unesp, pois conhecia o professor José Ribeiro
Júnior, que ocupava cargo de diretor da Fundação para o Vestibular da Unesp
(Vunesp). Ele me aconselhou a procurar a Fundação para o Desenvolvimento
da Unesp (Fundunesp) e foi o que eu fiz. O MEC fechou o convênio com a
Fundação da Unesp.
Certo, o que facilitou muito, tanto para a avaliação, pois se via o conjunto,
do ponto de vista metodológico etc., como para as escolas. Isso porque antes
da escolha ser feita por coleções, havia a maior confusão. Um professor podia
escolher um livro de primeira série com uma orientação e o de segunda com
outra, para dar um exemplo.
Quer dizer, no final podia não haver coleção completa nas escolas. Bem,
essa mudança deve ter sido igualmente interessante para as editoras, que colo-
cavam sua coleção nas escolas.
Você poderia comentar sobre a exclusão? Imaginamos que sempre foi uma
questão difícil...
Isso é algo importante, sobre o que você podia falar mais um pouquinho.
Havia um trabalho coletivo, feito com os avaliadores. Eu [Tânia] me lembro que
não se recebia uma ficha para preencher. Existia todo um debate, que começava
com a ficha e continuava, ao longo do tempo, nas reuniões gerais da equipe.
Sim, cada um fazia seu trabalho sozinho e somente depois sabia quem era
o seu parceiro. Isso era feito para não contaminar a percepção de cada um. A
partir da ficha consolidada, gerava-se um parecer, que considerávamos o pri-
meiro produto. Este era enviado à SEF, onde era lido pelos técnicos e, uma vez
pronto e aprovado, no final do processo de avaliação, era remetido às editoras.
Esse produto tinha, em média, mais de uma vintena de páginas. Eu fazia revi-
sões constantes nesse texto, que era uma peça importantíssima e que, inclusive,
fornecia muitas orientações para que os editores pudessem refazer ou elaborar
Com o tempo, foi crescendo a qualidade das próprias fichas e das rese-
nhas. A partir de determinado momento, houve necessidade de mudanças na
nomenclatura. Trabalhávamos com quatro categorias: Recomendado com
Sim, esse negócio de estrela lembra, a mim [Angela] meus tempos de curso
primário...
das diferenças lendo a resenha. Havia esforço para que as resenhas tivessem a
mesma estrutura, de modo a facilitar o trabalho de escolha do professor e de
compreensão das diferenças entre as Coleções disponíveis para adoção.
Ou seja, cada gráfico ponderava no que a coleção era mais forte, ou mais
fraca. E isso ajudava o professor a escolher, conforme a sua preferência. Se a
coleção era forte em metodologia da História ou no manual do professor, mesmo
sendo fraca em outros pontos, tinha boas chances...
Claro, só depois dessa etapa é que os livros podiam ser impressos. Esse
certamente era um momento crucial, em função do montante de livros que cada
Editora ia produzir, o que afetava os custos desses livros, obviamente.
Tem que ser um bom negócio para as duas partes... Para as editoras é uma
maravilha, porque recebem de uma vez só, o que garante quase sua existência
em um ano. Mas para o MEC também é muito interessante.
brasileiro entra firmemente. Toda a distribuição tem que ser feita antes de as
aulas começarem, para que o livro esteja disponível para o professor e o alu-
no, desde o início do ano letivo. Isso é o que eu queria frisar: é importante
avaliar o processo em sua totalidade. Desde o planejamento e elaboração das
fichas de cada livro até a chegada desse livro na escola em que o professor o
escolheu.
Então essa perspectiva do livro como instrumento tem que ser muito bem
trabalhada e analisada. Daí a questão do uso e não só da escolha do livro didá-
tico. O uso do livro didático me parece ainda o grande problema. E não só do
livro, mas de qualquer ferramenta educacional: os chamados materiais didá-
ticos, que são muito mais variados hoje. Não se pode ignorar o computador e
a internet. As plataformas educacionais que poderão disponibilizar aos pro-
fessores muitos instrumentos de trabalho daqui a poucos anos têm que ser
pensadas, pois oferecerão muito material para se trabalhar com os alunos. Isso
requer preparação dos professores e vai demandar uma mudança radical nas
condições de trabalho nas escolas, para seu gerenciamento que, por sinal, é
geralmente muito ruim. Falta aos gestores formação ampla para lidar com a
complexidade do ensino-aprendizagem.
quem respondia pelo PNLD era o MEC, em todos os sentidos: jurídico, aca-
dêmico, social. A Equipe Técnica funcionava com menos intensidade do que
antes da descentralização, se bem que permaneceu com a mesma composição.
A cada 4 anos, ela era renomeada pelo presidente da República, e até 2002 eu
permaneci. Vejo que não houve grandes mudanças. Já na questão do processo
de avaliação, de escolha e de uso do livro didático, fizemos muitos progressos,
à medida que ganhamos experiência e o Programa do Livro Didático tornou-se
uma questão de Estado. Fazendo um parêntese, o grande problema que nós
tínhamos, no final do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique,
era exatamente se haveria ou não a continuidade da avaliação. Batalhou-se pela
criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb)
para dar sustentação econômica para o Ensino Básico, até a 8ª série (agora vai
até a 9ª), abrangendo tanto o Ensino Fundamental quanto o Médio. As verbas
do Fundeb precisavam ser votadas no Congresso e então se trabalhou, desde
aquela época, para transformar em lei a avaliação qualitativa dos Livros
Didáticos. Acompanhamos, inclusive, a elaboração e tramitação de projeto de
lei para a criação desse mecanismo necessário à continuidade e obrigatoriedade
das Avaliações, para que não se restringisse às políticas de governo e se trans-
formasse em política de Estado.
Eu acho que por força da própria experiência e por força da amplitude que
o PNLD assumiu, não houve solução de continuidade. No governo Lula man-
teve-se o Programa, com mudança das universidades parceiras somente a partir
de 2006. Aliás, o que é uma política saudável, a do rodízio das universidades.
Essa continuidade é uma conquista enorme do PNLD, pois não se trata de
política de um governo apenas. Temos consciência da dimensão da problemá-
tica do ensino no Brasil, que, evidentemente, não será resolvida apenas com o
PNLD. Mas esse Programa faz sua parte nesse processo mais amplo. Precisamos
avançar para o bom e proveitoso uso do livro, o que ainda não foi feito.
Parece que a divisão do Guia por disciplinas tinha esse objetivo de facilitar
a consulta dos professores.
Não se trata de cobrar, menos ainda, de culpar o professor por isso... Mas
é preciso reconhecer a situação em que ele está, para se poder fazer algo. E a
chegada de bons livros nas escolas é um recurso estratégico para qualquer pro-
fessor e para a educação no país.
Realmente, deve variar muito, até porque são poucas as aulas de História
e os professores podem ser poucos, dependendo do tamanho da escola.
ganho alcançado. Afirma-se que, no Brasil, ninguém lê, até porque ninguém
tem livro. Mas o livro didático chega às mãos de crianças de todo o país, em
algumas áreas onde, realmente, não há outros livros. Além disso, acoplado ao
PNLD tem outro programa do MEC, que é o de fornecer às escolas uma bi-
blioteca básica com livros para os professores. Houve também um projeto, com
vistas a fornecer aos alunos da quarta série livros para serem levados para casa.
Enfim, acho que são processos diferenciados, mas complementares, de grande
importância para o enfrentamento de uma questão de difícil solução.
Fica a interrogação. É claro que não se pode fazer um estudo com todos os
professores dos 5 mil municípios brasileiros. Porém se poderia fazer algo que
você por várias vezes sugeriu, como sabemos. É perfeitamente possível fazer
algumas pesquisas pilotos, em regiões diferentes do país, em grandes e pequenas
cidades... Estudos de caso, que seriam um excelente começo para uma tentativa
de resposta a essa questão crucial.
De fato. Nesse estudo da Unesp, era escolhida uma escola bem localizada
dentro de uma cidade, com todos os equipamentos, e uma escola de periferia,
com todo tipo de dificuldades. Então se entrevistava o professor e se perguntava
como é que ele fazia sua escolha. Foi quando começamos a descobrir que, em
certos locais do país, era a Secretaria de Educação que escolhia o livro, porque
se o aluno mudasse de uma escola para outra ia pegar o mesmo livro. Essa era
a lógica.
Só que isso desvirtua a ideia do PNLD, que diz que o livro precisa ser
escolhido em função da realidade, e a realidade de um município não é igual
em escolas do centro e nas da periferia. Não se têm os mesmos alunos; muita
coisa muda.
Exatamente. Houve muita insistência junto ao MEC para que esse estudo
fosse feito. Lembro-me que quando eu integrava a Comissão Técnica havia a
insistência para que fosse desenvolvida uma pesquisa para acompanhar o uso
de alguns livros de maneira mais efetiva e constante. Mas o projeto não avan-
çou enquanto a avaliação estava sob a responsabilidade da Unesp. Depois dis-
so, a partir do PNLD/2006, a UFRN passou a se responsabilizar pelo PNLD
em História. Não tenho informação se, a partir de então, houve ou está haven-
do alguma pesquisa em relação ao uso do livro didático nas escolas.
Pelo que você nos diz, o trabalho, nessa área, estava começando e parecia
dar resultados. Mas aí você saiu do PNLD. Foi você quem resolveu sair?
Nosso interesse era o de traçar o perfil dos autores dos livros didáticos.
Por exemplo: qual a formação básica desses autores; se tinham pós-graduação
e que tipo de pós-graduação; se atuavam ou atuaram no ensino fundamental,
em cursinhos pré-vestibulares, na universidade; quais outras obras haviam
publicado na área de História; verificar se eram novos no mercado editorial de
didáticos, pois a diversificação de novos autores cresceu enormemente a partir
do final dos anos 90; se era possível perceber as principais tendências historio-
gráficas analisando seus livros inscritos nos PNLD anteriores. Enfim, a tenta-
tiva era a de caracterizar um pouco os autores de livros didáticos.
Você parou?!
Bem, vamos aproveitar essa deixa para retomar um ponto. Você nos contou
que começou a fazer uma pesquisa sobre autores de livros didáticos, mas ela foi
interrompida. Queríamos saber se sentiu, ao longo do período em que atuou no
PNLD, mudanças na produção editorial dos livros didáticos. Quer dizer, o pró-
prio processo de avaliação do MEC vai exigindo mais dos livros e fazendo com
que eles se tornem mais coletivos. Obviamente, não deixaram de ter autor/
autores, mas a Editora foi forçada a ter novos cuidados. Qual a sua percepção
sobre esse tipo de transformação, hoje, muito evidente?
Quer dizer, o ano da virada para você foi o de 2000, quando essa avaliação
descentralizada começou. Daí em diante, a coisa mudou mesmo.
Certo.
Isso foi muito bom, porque a equipe toda começou a perceber melhor essa
questão que existe em relação ao ensino de História. Seria apenas a transmissão
do que é feito na universidade? Seria a transposição didática, como era chama-
da? Ou seria um saber especial? O que foi sendo discutido nas equipes que
tratavam do ensino de História, na avaliação, era que, realmente, devíamos
considerar como um saber específico. Ele tem metodologia própria e que não
foge, de forma alguma, da metodologia da História como disciplina, como
conhecimento produzido. Mas ensinar é mediar, e esse aspecto é muito
importante.
Foi. Trabalhei com as Coleções excluídas, por duas vezes. Numa primeira
ocasião, fui rever as fichas consolidadas, porque era uma responsabilidade
enorme excluir livros, até porque era a primeira vez que se estava fazendo uma
avaliação desse tipo para Ensino Médio. Foi no PNELEM/2007. Participei ain-
da uma segunda vez, quando Andréia Delgado, da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), foi a coordenadora. Ela também me pediu para fazer
essa checagem e ajudar a resolver alguns problemas mais intrincados. Foi um
mês de trabalho intenso, porque a responsabilidade era enorme. Foram as ex-
periências que tive com o PNELEM.