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CADERNOS IPPUR

Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento


Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Editor O CADERNOS IPPUR é um periódico


Henri Acselrad semestral, editado desde 1986 pelo Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-
Con selh o Ed itorial nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico
interdisciplinar formado por professores,
Ana Clara Torres Ribeiro pesquisadores e estudantes interessados na
Henri Acselrad compreensão dos objetos, escalas, atores e
Pedro Abramo Campos práticas envolvidos na intervenção pública
Rosélia Perissé Piquet nas dimensões espaciais, territoriais e am-
bientais do desenvolvimento econômico-
Consel ho Cien tífico social. É dirigido por um Conselho Editorial
Aldo Paviani ( UNB ) composto por professores do IPPUR e tem
Berta Becker ( UFRJ ) como instância de consultação um Con-
Celso Lamparelli ( USP ) selho Científico integrado por destacadas
Inaiá Carvalho ( UFBA ) personalidades da pesquisa urbana e re-
Leonardo Guimarães ( FIJN ) gional do Brasil. Acolhe e seleciona artigos
Lícia do Prado Valladares ( IUPERJ ) escritos por membros da comunidade cien-
Maria Brandão ( UFBA ) tífica em geral, baseando-se em pareceres
Maurício de Almeida Abreu ( UFRJ ) solicitados a dois consultores, um deles obri-
Milton Santos ( USP ) gatoriamente externo ao corpo docente do
Neide Patarra ( UNICAMP ) IPPUR. Os artigos assinados são de respon-
Roberto Smith ( UFCE ) sabilidade dos autores, não expressando
Tânia Bacelar de Araújo ( UFPE ) necessariamente a opinião do corpo de pro-
Wrana Maria Panizzi ( UFRGS ) fessores do IPPUR.

IPPUR / UFRJ
Prédio da Reitoria, Sala 543
Cidade Universitária / Ilha do Fundão
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Tel.: (021) 590-1191 / (021) 260-5350
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CADERNOS IPPUR
Ano XII, N o 1
Jan- Jul 1998
Indexado na Library of Congress (E.U.A.)
e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

Cadernos I PP UR / UF RJ /Instituto de Pesquisa e Planeja-


mento Urbano e Regional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –
Rio de Janeiro : U FR J/ I PP UR , 1986 –

Irregular.
Continuação de: Cadernos P UR / U FR J
ISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-


to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional.
EDITORIAL

As concepções e práticas do planejamento territorial atravessam, em nossos dias,


substanciais mudanças, configuradas em novos sujeitos, novas arenas, representações
sociais e escalas, bem como nos papéis assumidos pelo Estado no ordenamento do
território. Oriundas de processos de reestruturação econômica e de redefinição do
espaço da política, tais alterações se fazem sentir nas orientações e metodologias
para o planejamento, na configuração espacial e político-administrativa dos países,
na composição técnica do espaço, nas formas assumidas pela ação política e na
organização da sociedade. Ao mesmo tempo que se observam transformações ao
nível das práticas, emergem novas categorias acionadas pelos agentes sociais para
organizar, orientar e legitimar suas práticas. Noções como “parceria”, “participação”,
“governança” fazem parte desse repertório de inovações discursivas, que ora reno-
meam e requalificam processos sociais reconhecíveis, ora lhes imprimem novos con-
tornos e conteúdos. A emergência de novas categorias de percepção e ordenamento
das realidades sociais desperta assim a necessidade do trabalho teórico e do exercício
da crítica, sem o que não se poderá dar conta da natureza específica das transfor-
mações em curso no campo do planejamento urbano e regional.

O presente fascículo do Cadernos IPPUR apresenta contribuições ao debate sobre


os limites dos novos corpos teóricos acionados, na atualidade, para orientar a for-
mulação de políticas de desenvolvimento regional, assim como trabalhos que buscam
caracterizar o sentido que os próprios agentes sociais vêm dando, no contexto do
planejamento urbano, a noções como “parceria” e “participação”. O estudo sobre
o orçamento participativo em Porto Alegre evidenciará, em particular, como a noção
de “participação” pode ser apropriada e construída pelos próprios sujeitos sociais,
inscrevendo-se, ao mesmo tempo, contra a atribuição de um caráter meramente
delegativo à democracia e contra o uso clientelístico das instâncias participativas.

Preocupados em expandir o alcance dos debates expressos no Cadernos IPPUR,


inauguramos, no presente fascículo, colaboração com Les Annales de la Recherche
Urbaine, importante periódico científico publicado pelo Secretariat Permanent du
Plan Urbain du Ministère de l’Équipement da França. Essa colaboração, que consiste
no intercâmbio de artigos e na publicação de textos simultaneamente no Cadernos
IPPUR e no Annales de la Recherche Urbaine, inicia-se com trabalhos que discutem
a relação entre tolerância e urbanismo e o papel da participação comunitária na
regeneração das cidades européias.
CADERNOS IPPUR

Ano XII, N o 1 SUMÁRIO


Jan-Jul 1998
Resumos e Abstracts , 7
Atualidade Te órica , 13
Carlos A. de Mattos, 15
Evolución de las Teorías del Crecimiento
Económico y Crisis de la Enseñanza
Urbano-Regional
A S S I S T E N T E D E C O OR D E N AÇ Ã O Artigos , 31
Dulce Portilho Maciel Carlos B. Vainer, 33
S EC R ET ÁRIA
Cidades, Cidadelas e a Utopia do
Jussara Bernardes
Reencontro - uma reflexão sobre
tolerância e urbanismo
R EVIS ÃO D E POR T U GU ÊS Rebecca Abers, 47
Claudio Cesar Santoro Do Clientelismo à Cooperação: governos
locais, políticas participativas e organização
P R OJ E T O G R Á F I C O E E D IT O R AÇ Ã O da sociedade civil em Porto Alegre
Claudio Cesar Santoro Rose Compans, 79
P R OJ E T O G R ÁF I C O D A C A P A
Parceria Público–Privado na Renovação
Urbana da Zona Portuária do Rio de
André Dorigo Janeiro
Lícia Rubinstein Rob Atkinson, 107
IL U S T R A Ç ÃO D A C AP A
Combatendo a Exclusão Social Urbana:
Frans Masereel
o papel da participação comunitária na
regeneração das cidades européias
“Mr. X. des Etats-Unis” (1926)
Opinião , 129
C O L A B O R A R A M N E S T E N Ú ME R O
Alain Bourdin, 131
Adauto Lúcio Cardoso
Mundialização, Unidade da Cidade e
Carlos Vainer Gestão Urbana
Giuseppe Cocco
Raquel Rolnik Resenhas , 147
Suzana Pasternak Taschner Catherine Larrère e Raphael Larrère, 149
Suzana de Souza Moura Du bon usage de la nature. Pour une
philosophie de l’environnement
(por Ana Maria Galano)
Maria Adélia de Souza, 157
A identidade da metrópole
Nadia Somekh
A cidade vertical e o urbanismo modernizador
(por Cêça Guimaraens )
Resumos A b s tr a c t s

Carlos A. de Mattos

Evolución de las Teorías del The Evolution of Economic


Crecimiento Económico y Crisis Growth Theories and the Crisis of
de la Enseñanza Urbano-Regional Urban-Regional Learning

Na história das políticas de crescimento In the history of regional growth policies,


regional, três grandes períodos podem three great periods can be established
ser estabelecidos do ponto de vista das from the point of view of the theories
teorias e modelos que as influenciaram: and models which influenced them. The
no primeiro, as políticas estiveram forte- first one is related to the time when poli-
mente influenciadas por idéias da ver- tics were strongly influenced by key-
tente keynesiana (1930 - anos 70), e no nesian ideas (from 1930 to the 70’s) and
segundo, a gestão territorial respondeu the second one deals with the period
principalmente às conclusões das teorias when territorial management responded
e modelos neoclássicos (anos 70 -1990). mainly to the conclusions of neoclassic
Nesses dois momentos, as suposições, theories and models (from the 70’s do
as explicações e as propostas básicas the 90’s). In these two moments, suppo-
que se inferem de cada um desses cor- sitions, explanations and basic prop-
pos teóricos incidiram decisivamente na ositions inferred from each of these
escolha dos critérios para a formulação theoretical bodies greatly influenced the
das políticas de crescimento e/ou desen- choice of criteria for the formulation of
volvimento regional. Hoje, parece estar growth and regional development poli-
se perfilando um terceiro momento, sob cies. Today it seems to be approaching
o influxo de um conjunto de novos mo- a third moment under the influx of new
delos, em que se prioriza a idéia de cres- models in which the main idea is that of
cimento endógeno, que, no âmbito da endogenous growth which, in the con-
economia globalizada, tem por objetivo text of a globalized economy, aims at
aumentar a competitividade dos produ- increasing competition of national, re-
tos nacionais, regionais ou locais, de gional and local products in such a way

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 7-12


8 Resumos / Abstracts

modo a maximizar suas possibilidades as to maximize its exogenous possibili-


exógenas. O texto discute o significado ties. The text discusses the meaning and
e o alcance desses novos modelos de the reach of these new growth models,
crescimento, sustentando que a crise do claiming that the crisis of the urban and
ensino de pós-graduação em questões regional planning learning is linked to
urbanas e regionais resulta do fato de the fact that the new growth theories
as novas teorias do crescimento não didn’t yet provide an acceptable path to
terem apresentado um caminho aceitá- address the problems of regions and
vel para enfrentar os problemas das cities at the periphery of a globalized
regiões e cidades da periferia de um world.
mundo globalizado.

Palavras-chave : Modelos de cresci- Keywords : Regional growth models /


mento regional / Educação para o plane- Education for planning / Development
jamento / Políticas de desenvolvimento policies

Carlos B. Vainer

Cidades, Cidadelas e a Utopia do Cities, Citadels and the Utopia


Reencontro - uma reflexão sobre of Reencounter - a reflection on
tolerância e urbanismo tolerance and urbanism

O texto discute as questões da cidade The text discusses the problems of con-
contemporânea ante os desafios da in- temporary cities that are facing the
tolerância crescente, tendo por base o challenge of a growing intolerance, from
pensamento clássico de Wirth e Simmel the perspective of the classical theory of
e as características recentes do urba- Wirth and Simmel and the recent charac-
nismo como prática e projeto. Buscando teristics of urbanism both as a practice
pensar os fundamentos de uma utopia and as a project. By an effort to think
urbana que inclua a cidade tolerante the foundations of an urban utopia
entre seus objetivos, sem fetichizar a his- which places the tolerant city within its
tória ou fazer do futuro a reiteração rea- objectives, without making a fetish out
lista do presente, o autor ressalta o papel of history and without considering the
transformador dos sujeitos sociais que future as a realistic reproduction of the
procuram fazer do direito à cidade uma present, the author highlights the trans-
condição da existência social. A cons- forming role of social subjects who try
trução da cidade justa e tolerante deverá to build the right to the city as a basic
Cadernos IPPUR 9

fazer-se acompanhar, porém, do exercí- condition for the society existence. The
cio da crítica dos processos que engen- building of a fair and tolerant city should
dram e reproduzem a cidade injusta e be done together with a critical view of
intolerante e do exercício de encontros the processes that generate and repro-
autênticos e irredutíveis ao simulacro do duce the unfair and intolerant city and
marketing urbano. also with the exercise of encounters that
are both truthful and irreducible to the
simulacrum of city marketing.

Palavras-chave : Urbanismo / Tolerân- Keywords : Urbanism / Tolerance /


cia / Planejamento urbano Urban planning

Rebecca Abers

Do Clientelismo à Cooperação: From Clientelism to Cooperation:


governos locais, políticas local governments, participatory
participativas e organização da policies and civil society
sociedade civil em Porto Alegre organization in Porto Alegre

Diversos trabalhos recentes sugerem que Much recent work has suggested that or-
o nível de organização da sociedade civil ganized civil society is most likely to de-
se desenvolve mais facilmente no con- velop in the context of a minimalist state
texto de um “Estado mínimo”, que exige that requires communities to help them-
que as comunidades se mobilizem para selves. This paper argues, however, that
suprir as próprias necessidades. Este ar- state action can play a positive and
tigo argumenta, no entanto, que a atua- proactive role in promoting community
ção estatal pode ter um papel positivo e empowerment. Through a study of the
direto no empowerment de comunida- “Participatory Budget” policy of the mu-
des. Por meio do estudo do “Orçamento nicipal government of Porto Alegre, the
Participativo” da Prefeitura Municipal de paper shows how participatory decision-
Porto Alegre, o artigo mostra como o making can promote the expansion of
processo decisório participativo pode civic networks. Focussing on one region
fomentar a expansão de redes cívicas. of Porto Alegre, the paper examines how
Focalizando uma região específica da the Participatory Budget weakened cli-
cidade, o artigo examina como o Orça- entelist traditions in neighborhood asso-
mento Participativo enfraqueceu tradi- ciations, pressuring them to open up to
ções clientelistas em associações de broader membership and more demo-
10 Resumos / Abstracts

bairro, pressionando-as a incorporar cratic forms of decision-making. It also


maior número de residentes e formas argues that the experience of collective
mais democráticas de decisão. Também decision-making promoted the forma-
argumenta que a própria experiência de tion of bonds of cooperation and sol-
decisão coletiva promoveu a formação idarity among participants. All this
de laços de cooperação e solidariedade occurred, however, not because of a
entre participantes. Tudo isso ocorreu, “retreat of the state” from community
porém, não por causa da retração do life, but because the local government
Estado da vida comunitária, mas porque found new, more fruitful ways of invest-
o governo local encontrou novas formas ing resources and technical capacity.
mais frutíferas de investir recursos e ca-
pacidade técnica.

Palavras-chave : Orçamento participa- Keywords : Participatory budget / Local


tivo / Políticas locais / Ação coletiva policies / Collective action

Rose Compans

Parceria Público–Privado na Public–Private Partnership in the


Renovação Urbana da Zona Regeneration of the Harbor Area
Portuária do Rio de Janeiro in Rio de Janeiro

Este artigo trata dos novos arranjos This article discusses the new institu-
institucionais entre os setores público e tional arrangements between public and
privado que estão sendo propostos para private sectors being proposed for im-
a implementação de um grande projeto plementation of a master project of
de renovação urbana na antiga zona urban renovation of the old port area in
portuária do Rio de Janeiro. Primeira- the city of Rio de Janeiro. First, the au-
mente, a autora contextualiza a difusão thor analyses the diffusion of the idea of
da idéia da parceria público–privado public-private partnership in the frame-
dentro de um quadro de crise econô- work of an economic crisis; the disen-
mica; o desengajamento dos estados gagement of national States from urban
nacionais nas problemáticas urbanas; a problematic; the amplifications of the
ampliação das responsabilidades dos responsibilities of local governments;
governos locais; e o acirramento da and the intensification of competition
competição entre cidades. Em seguida, between cities. Finally, the text examines,
no caso especificamente estudado, exa- in the case studied, the objectives, the
Cadernos IPPUR 11

mina os objetivos, o formato operacio- operational model, the agents involved


nal, os atores envolvidos e a abrangência and the social extent of partnership con-
social da parceria constituída entre au- stituted between government authorities,
toridades governamentais, proprietários landlords and real estate incorporators.
de terra e incorporadores imobiliários.

Palavras-chave : Renovação urbana / Keywords : Urban regeneration / Part-


Parceria / Planejamento estratégico nership / Strategic planning

Rob Atkinson

Combatendo a E xclusão Social Countering Urban Social


Urbana: o papel da participação Exclusion: the role of community
comunitária na regeneração das participation in the regeneration
cidades européias of European cities

O texto discute criticamente o conceito The paper discusses critically the concept
de exclusão social e seu uso na configu- of social exclusion and its use with refer-
ração de estratégias de regeneração ur- ence to urban regeneration strategies
bana, sugerindo que há falta de clareza that assign a central role to partnership
quanto ao significado de termos como and community participation. It suggests
parceria e participação comunitária, that too often there has been a lack of
notadamente pela desconsideração da clarity over the meaning of these terms,
natureza conflitual e dos limites das es- an unwillingness to acknowledge the po-
tratégias que têm por base tais noções. tentially conflictual nature of partnership
Nesse contexto, o sucesso das políticas and participation and the limitations of
de combate à exclusão urbana mostra- such strategies. It is argued also that the
se fortemente dependente do desenvol- success of policies to combat urban
vimento da economia internacional e social exclusion will be strongly influ-
das políticas econômicas e de bem-estar enced by developments on the interna-
de cada nação, requerendo estratégias tional economy and the economic and
regionais que tentem limitar os excessos welfare policies of individual nations.
maléficos da competição interurbana.

Palavras-chave : Regeneração urba- Keywords : Urban regeneration / Social


na / Exclusão social / Participação co- Exclusion / Community participation
munitária
12 Resumos / Abstracts

Alain Bourdin

Mundialização, Unidade da Cidade Globalization, City Unity and


e Gestão Urbana Urban Management

Em escala internacional, encontramos It can be found, in an international


hoje um verdadeiro mercado de mode- scale, a sort of market of city govern-
los de organização do governo das ci- ment organization models which deals
dades, que veicula técnicas de gestão, with management techniques, refer-
ideologias de referência e modos de de- encial ideologies and ways to define the
finição de grandes problemas. Nesse main problems. In this ensemble of ele-
conjunto de elementos, a noção de cida- ments, the notion of actor-city gains im-
de-ator ganha importância como condi- portance as a condition for the success
ção do sucesso das cidades. Mas se estas of the cities. But if in fact these cities
precisam de unidade para se tornarem need unity in order to become actors,
atores, as condições desta unidade estão the conditions of this unity have been,
mais que nunca ausentes, pois as cida- more than ever, absent, for the glo-
des mundializadas são marcadas pela balized cities are marked by diversity,
diversidade, pelas rupturas e pelas mu- ruptures and changes. The current text
danças. Frente a esse quadro, o presente highlights three domains of action that
texto destaca três domínios de ação que are crucial to the effort of strengthening
desempenham papel importante no es- the experience of unity within cities –
forço de fortalecimento da experiência the domains of socialization, urban ser-
de unidade das cidades – os domínios vices and the notion of project.
da socialização, dos serviços urbanos e
da noção de projeto.

Palavras-chave : Gestão urbana / Mun- Keywords : Urban management / Glo-


dialização / Diversidade intra-urbana balization / Intra-urban diversity
Atualidade Teórica
Evolución de las Teorías del
Crecimiento Económico y Crisis
de la Enseñanza Urbano-Regional *

Carlos A. de Mattos

Orígenes y antecedentes

Para poder analizar la situación, los pro- empezaron a implementar los primeros
blemas y las perspectivas de los progra- programas de esta naturaleza, quienes
mas de enseñanza sobre desarrollo y los impulsaron lo hicieron bajo la fuerte
políticas urbanas y regionales en Améri- influencia de las experiencias que enton-
ca Latina, resulta necesario situar clara- ces se estaban cumpliendo en los países
mente los orígenes de esta actividad, los centrales, donde progresivamente el
fundamentos que marcaron su naci- pensamiento y las recetas keynesianas
miento y los cambios que han afectado habían venido ganando espacio. De
su posterior evolución. hecho, la preocupación por hacer frente
mediante políticas públicas a los proble-
En lo que respecta a los orígenes mas urbano-regionales tuvieron consi-
importa destacar que, cuando hacia derable relevancia en las discusiones y
fines de los 50 y comienzos de los 60 se en las propuestas sobre crecimiento y

* Comunicación al 1997 Annual Meeting de la Association of Collegiate Schools of Planning,


realizado en Fort Lauderdale, Florida, USA, del 6 al 9 de noviembre de 1997. Una primera
versión de este trabajo fue presentado y discutido en el II Encuentro de Posgrados sobre
Desarrollo y Políticas Territoriales y Urbanas de los Países del Cono Sur (Montevideo, 21 y 22
de agosto de 1997). El autor agradece los comentarios y sugerencias recibidos de Antonio
Daher, Sergio León Balza y Francisco Sabatini. En diversas partes de este trabajo se ha
utilizado un trabajo anterior sobre nuevas teorías del crecimiento económico y política regional
(de Mattos, 1996).

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 15-29


16 Evolución de las Teorías del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urb.-Reg.

desarrollo que comenzaron a cobrar lución de las teorías de crecimiento a las


intensidad en los años posteriores a la que se recurrió a lo largo de este periplo.
Gran Depresión de 1929 1 . En los hechos, se trata de una historia
no demasiado larga, puesto que, como
Las convicciones entonces domi- afirma Solow (1987: 10-11), “la teoría
nantes postulaban que para superar las del crecimiento, como muchas otras cosas
desigualdades interregionales era ne- de la macroeconomía, fue un producto
cesario impulsar el desarrollo de las re- de la depresión de los años treinta y de
giones más pobres y que, para ello, el la guerra que finalmente la terminó”.
crecimiento económico era una con-
dición necesaria. En consecuencia, se En lo que específicamente concierne
puede afirmar que desde sus orígenes a las políticas regionales, sus orígenes
las políticas regionales y urbanas han te- se sitúan en una fecha todavía más pró-
nido como fundamento algún tipo de re- xima. Como señala Richardson (1973:
lación causal explicativa, modelo o teoría 1) en uno de los más completos estudios
sobre el crecimiento económico, los que existentes sobre este tema, “no ha ha-
desde entonces han estado, explícita o bido preocupación por los problemas re-
implícitamente, en el corazón mismo de gionales hasta fines de la década de los
las discusiones tanto sobre la práctica, 20 y los 30 y, aún entonces, ese interés
como sobre la enseñanza en esta ma- era más bien periférico a la cuestión del
teria. crecimiento regional”. En particular, en
lo que se refiere a los países latinoameri-
Si se acepta la existencia de esta co- canos, la política regional como tal re-
rrelación entre teorías del crecimiento, cién comenzó a esbozarse luego de la
políticas regionales y urbanas y la en- Segunda Guerra Mundial, para alcanzar
señanza respectiva, se deberá aceptar su expresión culminante en la década
también que para poder desentrañar el de los 60 2 .
por qué de la orientación y el contenido
que se ha asignado a las políticas regiona- Si se analiza este proceso a luz de
les y urbanas y, por lo tanto, a los corres- las teorías y de los modelos que marca-
pondientes programas de enseñanza, es ron las políticas regionales y urbanas,
necesario observar el contenido y la evo- se pueden delimitar tres períodos princi-

1
La experiencia cumplida por la Tennessee Valley Authority en la cuenca del Río Tennessee en
los Estados Unidos puede considerarse como pionera en esta materia. Encuadrada en el New
Deal impulsado por el Presidente Roosevelt para enfrentar las secuelas de la crisis del 29,
tuvo desde entonces una significativa y prolongada influencia en muchos países latinoame-
rica no s.
2
Si bien sería posible identificar algún tipo de “política regional” en la época de la Colonia y,
en especial, en el largo periplo oligárquico del Siglo XIX, especialmente en el esfuerzo por
lograr una mayor integración económico-territorial y por configurar mercados internos, ello
no puede ser asimilado a lo que actualmente se entiende como política de crecimiento (o
desarrollo) regional, cuyo propósito principal es atenuar las desigualdades interregionales.
Carlos A. de Mattos 17

pales (Ver Cuadro 1): el primero, cuando y las propuestas básicas emanadas de
la influencia procedió principalmente de cada uno de esos cuerpos teóricos inci-
las ideas y recetas keynesianas; el segun- dieron decisivamente en la elección de
do, cuando estas fueron desplazadas por los criterios para diseñar políticas orien-
teorías y modelos de corte neoclásico y tadas a promover el crecimiento y/o de-
el tercero, que parece estar perfilándose sarrollo regional. La revisión de los hitos
actualmente, donde el influjo procede centrales de esta historia puede suminis-
de un conjunto de nuevos modelos que trarnos elementos de juicio para com-
destacan el carácter endógeno del creci- prender la evolución de los procesos de
miento. Los supuestos, las explicaciones enseñanza en este campo.

Cuadro 1
Momentos de las Teorías del Crecimiento Económico

Momento Teorías y Modelos Hipótesis Básica Supuestos Básicos

Keynesiano Keynesianas y El libre juego de las Concurrencia imper-


postkeynesianas fuerzas del mercado fecta y rendimientos
1930 – (Harrod, Domar, genera desempleo y crecientes; externali-
med 70’s Kaldor, Robinson, etc.) acentúa las desigual- dades; tendencia a la
dades económicas divergencia

Neoliberal Neoclásicas de creci- El libre juego de las Concurrencia perfecta,


miento y movilidad de fuerzas del mercado rendimientos cons-
med. 70’s – factores (Meade, propicia la conver- tantes, rendimiento
1990 Ramsey, Solow, etc.) gencia económica decreciente del capital;
la demanda se ajusta
pasivamente a la
oferta; progreso técni-
co exógeno; tendencia
a la convergencia

Endógeno Nuevas teorías del El juego de las fuerzas Crecimiento depende


crecimiento o del del mercado no de acumulación de
1990 – ? crecimiento endógeno asegura la conver- capital físico, humano
(Romer, Lucas, Barro, gencia económica y técnico; externali-
Revelo, etc.) dades y rendimientos
crecientes; generación
endógena de progreso
técnico; tendencia a la
divergencia
18 Evolución de las Teorías del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urb.-Reg.

Primer momento:
“la era de oro del intervencionismo”
Aún cuando en algunos países latino- vención exógena al mercado, con el
americanos, las políticas de crecimiento propósito de sostener la demanda y pro-
de cuño keynesiano comenzaron apli- mover el crecimiento y el empleo. Ya
carse ya en la década de los 30, su mani- Keynes había destacado que el objetivo
festación más nítida y vigorosa, tanto a fundamental de la política económica
nivel nacional como regional, recién era el de aminorar el aumento del de-
puede observarse en los años de la pos- sempleo que era, al fin de cuentas, el
guerra y, especialmente, desde co- problema que más le preocupaba. En
mienzos del decenio de los 60. En ese consecuencia, desde entonces se asignó
proceso, jugaron un papel de indiscu- al Estado un papel central en el diseño
tible importancia las ideas de la CEPAL, y aplicación de la política requerida para
que adquirieron legitimidad formal al la conducción del proceso de desarrollo
amparo de la Alianza para el Progreso, económico y social, conforme a objeti-
cuyo documento medular sancionado vos preestablecidos.
en 1961, la Carta de Punta del Este,
preconizó la planificación del desarrollo El resto de las ciencias sociales no
económico y social como medio para fue ajeno a esta concepción general.
superar los principales problemas de los Tanto en el campo de la sociología como
países de esta región. en el de la ciencia política, también ganó
terreno la convicción de que era factible
Estos procesos constituyeron una el ejercicio de una suerte de ingeniería
natural prolongación de las ideas que social, fuese para cumplir el papel de
se habían ido imponiendo en los países “parteros de la historia” con capacidad
centrales desde los años siguientes a la para poder acelerar el “inevitable adve-
Gran Depresión. En los diversos mode- nimiento de la nueva criatura socialista”,
los keynesianos y poskeynesianos que o para asegurar, conforme a objetivos
marcaron el rumbo de las estrategias y previamente establecidos, un verdadero
políticas macroeconómicas, una con- “desarrollo económico y social” en el
vicción medular estuvo continuamente seno del capitalismo. En otras palabras,
presente: el funcionamiento espontáneo se aceptaba que era posible avanzar
de las economías de mercado desembo- hacia una mayor “racionalidad material”
ca casi inevitablemente en el desempleo, (la construcción del socialismo o el desa-
por lo que se debe poner en cuestión el rrollo económico y social), mediante la
carácter automático de los ajustes (y de utilización de una “racionalidad formal”
la reabsorción de los desequilibrios) en (la planificación) (ILPES, 1966: 31).
situación de plena concurrencia.
Durante la década de los años 60,
De allí, por lo tanto, la conclusión estas ideas tuvieron una amplia difusión
lógica fue que era necesaria una inter- en la mayoría de los países de la región
Carlos A. de Mattos 19

y lograron imponerse no solamente en el Estado debía recurrir a políticas dis-


los medios intelectuales, sino también criminadas territorialmente en lo que
en importantes círculos políticos. A la respecta a incentivos y desincentivos fis-
postre, su ascendente gravitación se tra- cales y financieros, subsidios, tarifas y
dujo en un desenfrenado esfuerzo de precios diferenciales, controles, empre-
multiplicación de oficinas (ministerios, sas públicas, etc., dando origen a lo que
en algunos casos) de planificación y de Del Río y Cuadrado (1994) han caracte-
elaboración de planes nacionales de rizado como la «antigua política regio-
desarrollo en prácticamente todos estos nal” (Ver Cuadro 2).
países.
Fue a la luz de esta concepción de
Fue en el apogeo de esta situación, planificación urbano-regional que se
que empezaron a proliferar los intentos concibieron los primeros programas de
de planificación regional del desarrollo, enseñanza en este campo, cuyo conte-
cuyos criterios y lineamientos básicos nido original estuvo marcado inicial-
por lo general también tenían sus funda- mente por las ideas básicas que fluían
mentos en los modelos de crecimiento de la vertiente keynesiana 4 . De hecho,
keynesianos o postkeynesianos. En la estos programas nacieron fundamental-
medida que estos fundamentos conside- mente con el cometido de formar a los
raban que el juego de las fuerzas del planificadores regionales y urbanos que
mercado no aseguraba la convergencia deberían hacerse cargo de elaborar las
interregional 3 , se multiplicó el número estrategias, políticas y programas de de-
de estrategias en las que se enlazaban sarrollo regional y urbano. Dado que en
propuestas de industrialización periférica este momento se tenía la certeza de que
y de polos de crecimiento, como vía para se sabía lo que había que hacer y de
promover el crecimiento (y/o el desarro- como tal cosa debía hacerse, los pro-
llo) de las regiones periféricas y, de esa gramas respectivos estuvieron orien-
forma, atenuar la brecha de las desigual- tados a enseñarlo 5 . Desde entonces,
dades. Para impulsarlas, se suponía que este pecado original ha marcado persis-

3
A este respecto, Myrdal sostiene: “la idea principal que quiero transmitir es que normalmente
el juego de las fuerzas del mercado tiende a aumentar, más bien que a disminuir, las desi-
gualdades entre regiones” (Myrdal, 1957: 38).
4
En un clima particularmente favorable a la planificación, era frecuente que estos programas
de enseñanza recurriesen a textos vinculados a la planificación socialista; tal es el caso, por
ejemplo, del libro de Bettelheim (1951) sobre problemas teóricos y prácticos de la planificación
que, traducido en 1962, tuvo una gran influencia en los años siguientes.
5
Esta confianza en la factibilidad de las recetas en boga, dio lugar a un conjunto de manuales
de enseñanza sobre teoría, métodos y técnicas de planificación en los que se detallaban
minuciosamente los pasos que era necesario seguir para elaborar un plan de desarrollo. De
ello son un buen ejemplo los textos elaborados por Jorge Ahumada y Pedro Vuskovic que, en
su momento, se utilizaron en numerosos cursos dictados en diversos países latinoamericanos
en el marco de los programas de capacitación de la CEPAL y que luego fueron adoptados por
no pocas universidades de la región.
20 Evolución de las Teorías del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urb.-Reg.

tentemente el desarrollo de este tipo de gramas de enseñanza. Ello no obstante,


enseñ anza. en muchos casos la orientación, el con-
tenido y la semántica de los mismos to-
Posteriormente, el fracaso de la de- davía conservan muchas reminiscencias
nominada planificación del desarrollo y de los que se establecieron en sus años
la crisis de las ideas y las recetas volun- iniciales. Se trata de una característica
taristas e intervencionistas, afectó dura- no solamente de posgrados existentes
mente a la gestión urbana y regional y, en América Latina, sino también en
consecuentemente a los respectivos pro- algunos países desarrollados.

Cuadro 2
Teorías del Crecimiento y Tipos de Política Regional

Modelo Tipo de Regulación Principales Políticas

Keynesiano Activa: intervención estatal, tanto Políticas públicas imperativas


directa como indirecta, orientada (inversión y empresas públicas) e
a promover el crecimiento indicativas (incentivos, subsidios,
económico; se requieren políticas precios, aranceles, etc)
específicas para impulsar el diferenciadas sectorial y
crecimiento regional territorialmente

Neoliberal Pasiva: Estado neutral y Políticas de liberalización


subsidiario vela por el libre juego económica y de desregulación
de las fuerzas del mercado y orientadas a asegurar el libre
asegura el orden económico juego de las fuerzas del mercado;
monetario y fiscal, pero no no se considera necesario aplicar
interfiere sectorial o políticas regionales específicas de
regionalmente carácter general

Crecimiento Interm edia: regulación con el Políticas públicas buscan asegurar


endógeno propósito de generar un ambiente gestión de externalidades y
atractivo para la inversión provisión de bienes públicos,
privada, incluyendo políticas para garantizar derechos de propiedad
promover el crecimiento regional intelectual y física, regular sector
financiero y relaciones
económicas externas, eliminar
distorsiones económicas y
mantener marco legal garante del
orden público; política regional
orientada a activar el potencial
endógeno del lugar
Carlos A. de Mattos 21

Segundo momento:
el interregno liberal-neoclásico

Tanto el agotamiento de los proyectos como en los desarrollos de la escuela


desarrollistas de corte keynesiano, como del “public choice”.
el inexorable fracaso de lo que quizás
haya sido la mayor aventura político- Desde otra vertiente teórico-ideoló-
intelectual del Siglo XX – el intento de gica, los aportes de Simon sobre racio-
edificar un tipo de sociedad alternativo nalidad limitada en los procesos de
al capitalismo – desembocaron en el decisión en sistemas sociales, marcan un
ocaso del culto iluminista a la raciona- hito fundamental en las nuevas con-
lidad sustantiva marcando, en conse- cepciones sobre políticas públicas. En
cuencia, el término de la ilusión sobre definitiva, lo que se impuso en estos
la factibilidad de “planificar el desa- años fue la convicción de la inviabilidad
rrollo”. De esta manera, se estableció un de una ingeniería social holística y de la
punto de quiebre con respecto a las con- posibilidad del óptimo social. Al recono-
cepciones racionalistas e intervencio- cer que los procesos sociales son modu-
nistas que habían prevalecido durante lados por una multiplicidad de actores,
los Treinta Gloriosos, produciéndose que deciden y actúan motivados por di-
una progresiva pérdida de confianza en versos valores, intereses y demandas,
la posibilidad de un manejo voluntarista recurriendo a estrategias frecuentemente
del destino de las sociedades nacionales. contradictorias entre sí, se ha terminado
por aceptar que la capacidad humana
En este nuevo escenario, la crisis de para decidir y actuar en el marco de siste-
la fe en aquella Razón que había estimu- mas sociales de complejidad creciente,
lado las principales ilusiones, creencias es limitada y sólo puede desenvolverse
y ritos de la ingeniería social, parece conforme a una racionalidad procesal.
haber ido estrechando el camino para
la aparición de nuevas utopías y de De esta manera, luego del fracaso
experimentos voluntaristas basados en de los experimentos voluntaristas de
ellas. Esta vertiente, que encuentra su mediados del Siglo XX, tempranamente
génesis en los primeros cuestionamien- anticipado por Popper (1944), se diluyó
tos a la ingeniería social formulados por la confianza en una concepción ilumi-
Popper y Hayek, habrá de tener conti- nada y stricto sensu autoritaria sobre la
nuidad en los planteos sobre incremen- gestión y el destino final de los sistemas
talismo inconexo de Lindblon 6 , así sociales. La visión alternativa sobre

6
Las contribuciones de Lindblon, según las cuales en los procesos de políticas públicas obser-
vables, en buena parte de los casos, los decisores apenas se conforman con intentar “salir del
paso a duras penas” (“muddling through”, Lindblon, 1959), marcaron un momento cierta-
mente importante en la evolución de las ideas sobre gestión pública.
22 Evolución de las Teorías del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urb.-Reg.

nuestra verdadera capacidad de inter- rado al capital, la demanda se ajusta


venir en ellos, queda resumida en las pasivamente a la oferta y los procesos
palabras de Habermas, cuando afirma productivos están ceñidos por retornos
que “cada intervención sobre estructuras constantes a escala. A ello habría que
sociales complejas tiene tales impre- agregar que autores tan influyentes
visibles consecuencias, que los procesos como Solow consideran que el rendi-
de reforma sólo pueden ser defendidos miento de la inversión y, por lo tanto, la
como escrupulosos procesos de prueba tasa de crecimiento del stock de capital
y error, bajo el cuidadoso control de per capita, disminuye a medida que este
quienes tendrán que sufrir sus conse- stock crece (Solow, 1987). En este con-
cuencias” (Habermas, 1985: 104). texto, la tasa de crecimiento del producto
per capita depende fundamentalmente
Al producirse este cambio de pers- de la tasa de incorporación de progreso
pectiva, ¿cuáles son las propuestas en técnico, en tanto que la acumulación de
materia de gestión pública que buscaron capital no produce mayor o menor cre-
reemplazar a las que habían perdido cimiento de largo plazo.
predicamento?. Favorecida por el fra-
caso de las experiencias de planificación Desde el punto de vista formal, estos
centralizada socialista y, también, por el nuevos modelos anticipan que en una
de los menos ambiciosos ensayos de economía de precios libres, si el progreso
planificación del desarrollo económico técnico se difunde por el mundo entero,
y social, una nueva vertiente tanto sobre es posible prever que habrá conver-
política económica, como sobre gestión gencia de las tasas de crecimiento per
pública en general, se impuso práctica- capita y, aún, de los niveles de ingreso
mente en el mundo entero. Tanto en el per capita, sean cuales sean las con-
plano de la ciencia económica, como en diciones iniciales. Esto, por cuanto se su-
el de las restantes ciencias sociales, los pone que las economías se diferencian
avances se orientaron en una nueva únicamente por la relación inicial entre
dirección: la de una versión renovada capital y trabajo, lo que permite alentar
de la teoría neoclásica, habitualmente que es posible esperar un crecimiento
reconocida bajo la denominación de más elevado en las economías pobres
neoliberalismo. que en las ricas (Sala-I-Martin, 1994:25).
En la medida que las previsiones indican
Algunas ideas e hipótesis centrales, que la evolución de los procesos econó-
claramente divergentes de las que inspi- micos regidos por el libre juego de las
raban a la concepción keynesiana, ca- fuerzas del mercado marchan inexora-
racterizan y distinguen a la explicación blemente hacia una mayor conver-
básica de esta vertiente y a las prediccio- gencia, la visión resultante termina
nes que de allí se derivan: el factor “nivel siendo alentadoramente optimista.
tecnológico”, cuya importancia se con-
sidera fundamental para el crecimiento, Cuando la profundización de la crisis
tiene carácter exógeno y viene incorpo- fiscal del Estado keynesiano obligó a
Carlos A. de Mattos 23

buscar nuevos caminos, estas ideas se Estado guiada por los principios de
ubicaron como un punto de referencia subsidiariedad y de neutralidad, una
obligado para las discusiones sobre cre- amplia apertura externa que permitiese
cimiento económico. Sin embargo, su integrar mercados a escala mundial.
influencia política sólo llegó años más
tarde, hacia fines de la década de los En lo que concierne a la gestión del
años 70. Desde entonces, sus hipótesis, territorio, bajo el predicamento de estas
explicaciones, predicciones y propuestas ideas, se asumió que para superar los
centrales, favorecidas por el aval de los desequilibrios interregionales no se re-
más poderosos organismos financieros quería de una específica política regional;
internacionales, terminaron marcando el el supuesto subyacente era que en un
rumbo de la política económica en mu- contexto en el que las fuerzas del mer-
chos países y regiones. Se impuso así la cado jugasen libremente, no sería nece-
convicción de que sería posible marchar sario recurrir a instrumentos específicos
hacia situaciones de mayor convergen- de política, pues ellos podrían interferir
cia, en la medida que hubiese voluntad en el camino hacia la convergencia y
política y capacidad para ajustarse a hacia un mayor equilibrio interregional.
unas recetas simples: una liberalización Desde esta óptica, las políticas debían
económica que permitiese restituir la estar orientadas a ayudar al mercado,
libertad en el juego de las fuerzas del para que éste pudiese conducir hacia la
mercado, una consecuente reforma del anhelada convergencia (Ver Cuadro 2).

Tercer momento:
endogeneidad en los impulsos al crecimiento
Sin embargo, el hecho de que algunas donde se destacan en especial las con-
regularidades empíricamente comproba- tribuciones de Romer (1986 y 1990),
bles (o “hechos estilizados”, en la termi- Lucas (1988) y otros, que han afirmado
nología de Kaldor) sobre la evolución de una nueva línea de pensamiento más
la nueva dinámica capitalista indicaban consistente con las tendencias de desa-
marcadas divergencias con las previ- rrollo capitalista observables en el marco
siones de los modelos tipo Solow, justificó de una economía globalizada.
hacia fines de los años 80 la irrupción de
un nuevo conjunto de modelos, que Aún cuando esta nueva vertiente to-
aceptaban la existencia de rendimientos davía no constituye un todo entera-
crecientes y de divergencias en la evolu- mente coherente, se puede afirmar que
ción de economías de desiguales niveles ella se mueve en torno a un eje central,
de desarrollo. Son los denominados cuya explicación indica que la tasa de
“nuevos modelos de crecimiento” o crecimiento depende básicamente del
“modelos de crecimiento endógeno”, stock de tres factores: capital físico, capi-
24 Evolución de las Teorías del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urb.-Reg.

tal humano y conocimientos (o progreso tribuir a generar un ambiente atractivo


técnico), que pueden ser objeto de acu- para la inversión privada. Como afirma
mulación y, además, generan exter- Sala-i-Martín (1994: 7), “la aparición de
nalidades. Al asumir la posibilidad de gobiernos que garanticen los derechos
existencia de externalidades positivas, de propiedad física e intelectual, que re-
estos nuevos modelos sustituyen los su- gulen el sector financiero y exterior y eli-
puestos neoclásicos sobre rendimientos minen las distorsiones, y que mantengan
constantes a escala y competencia per- un marco legal garante del orden es
fecta, por los de rendimientos crecientes deseable. El gobierno, por lo tanto, juega
y competencia imperfecta 7, con lo que un papel importante en la determinación
sus conclusiones descartan la predicción de la tasa de crecimiento a largo plazo”.
de la convergencia. Ello significa que se descarta la inter-
vención directa del Estado en la vida
A partir de ese eje central, se acepta económica, por lo que las funciones
que “el crecimiento [...] es impulsado asignadas al Estado están más próximas
por el cambio tecnológico que procede a las concepciones neoclásicas que a las
de decisiones intencionales de inversión keynesianas, lo que es perfectamente
tomadas por agentes maximizadores de comprensible dado que es allí donde
ganancias” (Romer, 1990: 71). Vale estos modelos tienen sus fundamentos.
decir, la tasa de acumulación de los
factores productivos (en especial, la de En concordancia con esta concep-
cambio técnico) y, por lo tanto, la tasa ción general, al tiempo que tienden a
de crecimiento, dependen en mayor reivindicar la importancia de cierto tipo
grado de las decisiones adoptadas endó- de políticas públicas en la promoción del
genamente en un determinado y con- crecimiento, los nuevos modelos intro-
creto sistema económico capitalista. En ducen la idea de la gestión endógena
esta dinámica, se concluye que el creci- como medio para activar el potencial de
miento a largo plazo es un fenómeno cada territorio (nacional o subnacional)
económico endógeno, resultante de y, de esta manera, estimular su creci-
inversiones motivadas por la búsqueda miento. En este enfoque subyace la con-
de ganancia y no de elementos exó- sideración de que, en el ámbito de una
genos, no explicados en el modelo. economía globalizada, el objetivo básico
de una gestión endógena debería ser au-
Establecidas estas coordenadas bási- mentar la competitividad de los pro-
cas del crecimiento, los nuevos modelos ductos nacionales, regionales o locales,
infieren que la política económica de- de manera de maximizar sus posibili-
bería tener como función principal, con- dades exógenas.

7
En la misma dirección, los nuevos modelos del comercio internacional consideran que “gran
parte del comercio es el resultado de una especialización arbitraria basada en la existencia de
rendimientos crecientes, en lugar de ser un esfuerzo consciente de aprovecharse de diferencias
exógenas o recursos o productividad” (Krugman, 1992:13).
Carlos A. de Mattos 25

Bajo la creciente influencia de estas innovación, la escasez de un saber hacer


ideas se ha venido estructurando un específico y la baja internacionalización
nuevo enfoque de política regional, el de las economías regionales poco desa-
cual al amparo de las concepciones sobre rrolladas” (Capellin, 1992: 37). En este
crecimiento y gestión endógenos, consi- enunciado están claramente perfilados
dera que “los modernos enfoques del los criterios básicos de la nueva política
desarrollo regional, tales como los del de- regional que, en lo esencial, se propone
sarrollo endógeno y el de redes, indican configurar ámbitos más atractivos para
que los obstáculos más importantes para la valorización del capital, de manera de
el desarrollo deberían buscarse en las promover el desarrollo de empresas más
bajas capacidades empresariales y de innovadoras y competitivas.

La crisis de la enseñanza regional-urbana: situación


actual, incertidumbres y peligros

La gestión regional y urbana y, por lo filando diversas respuestas. Ante todo,


tanto, los programas de enseñanza de cabe destacar que existen numerosas
esta materia, nacidos a la luz de las ideas experiencias en las que se pueden obser-
predominantes en “la era de oro del var significativos avances en la actualiza-
intervencionismo” (Beaud y Dostaler, ción de sus planes de estudio, producto
1996), han debido enfrentar y asimilar de un esfuerzo sistemático y riguroso por
esta compleja evolución, en la que se incorporar una nueva perspectiva de
han producido cambios fundamentales enseñanza, más acorde con la dinámica,
en las explicaciones sobre crecimiento y los condicionamientos y las restricciones
en las propuestas sobre modalidades de del nuevo escenario socio-económico.
regulación. No siempre esta tarea ha
sido enfrentada exitosamente, pues hay Sin embargo, también es posible en-
elementos de juicio que permiten soste- contrar un buen número de casos en los
ner que en muchos casos todavía la nos- que la opción ha sido por mantener la
talgia por los saberes del período de confianza en el papel de la razón y la
auge del intervencionismo estatista y de voluntad en el manejo de los procesos
la planificación normativa del desarrollo sociales y, por lo tanto, por conservar el
permanece viva en los planes de estudio énfasis en la enseñanza de una planifi-
respectivos. cación normativa – más específicamen-
te, en la planificación del desarrollo –
Cuando se analiza el contenido de con la certeza de que lo que estamos
los programas de posgrado regionales viviendo sólo es un circunstancial mal
y urbanos existentes, se observa que momento que no habrá de persistir por
frente al conjunto de cambios ocurridos mucho tiempo. Es fácil comprobar que
en las últimas décadas, se han ido per- en muchos de estos casos se continúa
26 Evolución de las Teorías del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urb.-Reg.

utilizando la denominación de planifi- posibilidad de aplicación práctica efec-


cación regional y urbana y que el len- tiva es otra historia.
guaje utilizado en las fundamentaciones
respectivas corresponde en buena medi- Sin embargo, cuando ahora, luego
da al utilizado en la época del “blueprint de toda la evidencia empírica que dejó
planning”. la experiencia voluntarista de la pos-
guerra, nos encontramos con asignatu-
Así, no resulta extraño encontrar que ras con denominaciones como las antes
muchos de tales planes de estudio con- señaladas, resulta lógico preguntarse,
tinúen incluyendo materias como “teoría ¿qué es lo que se puede enseñar actual-
y práctica de la planificación”, “métodos mente bajo tales rótulos?. No resulta
de planificación” o “planificación del desatinado sospechar que en muchos
desarrollo”, sin que las especificaciones casos siguen presentes las viejas ideas
sobre su contenido permitan aclarar si sobre “planificación del desarrollo” y,
allí realmente se ha optado por un nuevo por lo tanto, la misma ingenua confianza
enfoque. Durante el apogeo planificador en la posibilidad de la ingeniería social.
de la posguerra, este tipo de asignatura En tal caso, cabe cuestionar la utilidad
incluía la enseñanza del conjunto de ritos de un tipo de enseñanza que persiste
y liturgias conducentes a la elaboración en la transmisión de ideas y fórmulas
de los así denominados “planes de de- obsoletas, que no tienen posibilidad
sarrollo económico y social”. No cabe alguna de volver a ser aplicadas.
poner en duda que entonces había algo
concreto para enseñar, pues desde que Otra opción ha sido la de tratar de
se partía de una incuestionable convic- responder como sea, a través de una en-
ción sobre la efectiva viabilidad de la pla- señanza esencialmente instrumentalista,
nificación del desarrollo, no había mayor a una demanda por capacidades para
dificultad en transmitir la teoría, las téc- resolver problemas concretos, por saber
nicas y los métodos a seguir a tales efec- hacer, por formar “practitioners”. Este
tos, los cuales estaban perfectamente tipo de respuesta corresponde a los re-
establecidos en un conjunto de textos querimientos de una sociedad excesi-
guías 8 . En ellos se detallaba el papel y vamente privatizada, donde hasta la
contenido del plan, los procedimientos investigación debe ser “practice orien-
y rutinas a seguir para su elaboración, ted”. Hay elementos de juicio para
los tipos de proyecciones y cuantifica- pensar que en esta opción muchas veces
ciones requeridas, los tipos de modelos se termina transmitiendo “soluciones”
econométricos utilizables para ello, etc., o paradigmas de moda, de eficacia no
etc. El hecho de que posteriormente el probada, que supuestamente permiti-
producto de la utilización de estos proce- rían resolver problemas para los que to-
dimientos y métodos no tuviera ninguna davía no hay respuestas claras.

8
Ejemplo destacado de ello son los ya mencionados manuales producidos en el ámbito de la
CEPAL por Jorge Ahumada y Pedro Vuskovic, que constituían textos obligados para la
enseñanza en los cursos que por entonces se impartían por toda la América Latina.
Carlos A. de Mattos 27

En este sentido, parece justificado problemas de las regiones y ciudades de


cuestionar una enseñanza enfocada la periferia en un mundo en irrefrenable
hacia algunos nuevos paradigmas en globalización.
boga (distritos industriales, tecnopolos,
descentralización, desarrollo local, etc.) Sin duda, atendiendo a los cambios
y sobre las propuestas de crecimiento que hemos vivido en estas últimas déca-
endógeno, acerca cuya validez y efecti- das, es necesario proceder a una radical
vidad no se tiene mayor certeza, espe- revisión y actualización de los programas
cialmente para el caso de países de la de enseñanza en materia urbano-regio-
periferia capitalista. La debilidad de este nal. Reafirmando, en el seno de una so-
tipo de respuesta a la crisis de la en- ciedad en la que el instrumentalismo
señanza urbano-regional de posgrado tiende a desdeñar los enfoques críticos,
radica básicamente en el hecho de que la necesidad de fortalecer la capacidad
la propia evolución de las teorías del cre- de investigar, analizar y explicar como
cimiento aún no ha perfilado un camino atributos esenciales del quehacer univer-
aceptable para enfrentar los grandes sitario.
28 Evolución de las Teorías del Crecimiento Económico y Crisis de la Enseñanza Urb.-Reg.

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xico: Siglo Veintiuno Editores, 1966. my, v. 98, n. 5, out. 1990.
Carlos A. de Mattos 29

S ALA-I-M ARTIN , Xavier. Apuntes de cre-


(Recebido para publicação em maio de
cimiento económico. Barcelona:
19 98 )
Antoni Bosch Editor, 1994.
Car los A . de Mattos é professor
S OLOW , Robert M. (1987). La teoría del do Instituto de Estudios Urbanos de la
crecimiento. México: Fondo de Cul- Pontificia Universidad Católica de
tura Económica, 1992. Chile
Artigos
Cidades, Cidadelas e a Utopia do
Reencontro - uma reflexão sobre
tolerância e urbanismo *

Carlos B. Vainer

O exercício de uma reflexão sobre o diversidade e da tolerância urbanas. No


tema da Cidade Tolerante, ou, se se pre- segundo momento, alinhamos sintetica-
fere, das relações entre a cidade contem- mente algumas das principais caracterís-
porânea e o desafio que lhe vem sendo ticas do urbanismo contemporâneo,
lançado pela intolerância crescente, entendido tanto como prática quanto
conduziu-nos a três momentos, ou regis- como projeto para a cidade. Ao final,
tros. No primeiro deles, buscamos re- buscamos pensar acerca dos fundamen-
cuperar rapidamente em dois clássicos, tos possíveis de uma utopia urbana que,
Wirth e Simmel, fundadores de uma entre seus objetivos, contemplaria a
reflexão sociológica específica sobre a cidade tolerante.
cidade, como foi tratada a questão da

Momento I
Cidade: diversidade, tolerância e competição
Desde a Antiguidade, quando vemos diverso. Já Fustel de Coulanges desta-
surgir a experiência e a imagem da cida- cava que os termos cidade (cité) e urbe
de, encontramos vivências e represen- (ville), ambos, cada um a seu modo,
tações da diversidade e do encontro do evocam o encontro, a reunião.

* Uma primeira versão deste texto foi apresentada e discutida no Seminário Internacional “Ciên-
cia, Cientistas e a Tolerância”, promovido pela Universidade de São Paulo e pela Unesco, em
novembro de 1997; sua publicação faz parte da cooperação entre o Cadernos IPPUR e Les
Annales de la Recherche Urbaine.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 33-46


34 Cidades, Cidadelas e a Utopia do Reencontro

“Cidade e urbe não eram palavras de vida menos opressivos. A longa e tor-
sinônimas no mundo antigo. A cidade tuosa construção da modernidade pode
era a associação religiosa e política das ser vista como um inexorável processo
famílias e das tribos; a urbe, o lugar de de urbanização.
reunião, o domicílio e sobretudo o
santuário dessa sociedade.” (Fustel de Se Roma pode ser considerada
Coulanges, 1975, p. 106. Grifo nosso) como imagem mais acabada da cidade
antiga, certamente são os Estados Uni-
O ritual seguido por Rômulo e seus dos e suas cidades o melhor símbolo do
companheiros no ato de fundação de processo de urbanização – entendido
Roma, símbolo máximo da cidade an- como processo de instauração, dissemi-
tiga, ilustra muito bem essa construção nação e crescimento das cidades – que
da cidade como lugar do encontro de marca a emergência e o desenvolvi-
homens vindos de diferentes terras; mento do capitalismo. E qual a marca
assim é que, após ter cavado um pe- dos habitantes dessas cidades?
queno fosso de forma circular, o rei
“lança neste o torrão de terra por ele “Uma das principais características
trazido da cidade de Alba. Depois, do habitante urbano é a sua desseme-
aproximando-se, cada um dos seus lhança dos seus concidadãos. Nunca
companheiros lança, por sua vez, como dantes tantos povos de traços diversos,
Rômulo o fizera, um pouco da terra tra- como é o caso das nossas cidades, foram
zida consigo do país de origem.” (Fustel aglomerados em contato físico tão estrei-
de Coulanges, 1975, p. 107-108) to como nas grandes cidades da Amé-
rica.” (Wirth, 1973, p. 108)
Após terem depositado na cidade
que vai nascer a terra em que seus ante- Ao reunir homens e mulheres de
passados estavam sepultados, todos todas as partes, este urbanismo, que se
poderão assumir Roma como terra impõe como novo modo de vida, suscita
pátria, pois nos fundamentos da nova a constituição de uma sociologia urbana
cidade encontra-se agora a terra de seus cuja definição de cidade é inequívoca:
pais. Na verdade, mais que o encontro
daqueles homens, a fundação da cidade “Para fins sociológicos, uma cidade
celebra o encontro (pacto, associação) pode ser definida como um núcleo relati-
de suas famílias, linhagens e ancestrais. vamente grande, denso e permanente,
de indivíduos socialmente hetero-
A cidade moderna, que nasce como gêneos.” (Wirth, 1973, p. 96. Grifo
espaço ideal e idealizado da liberdade – n osso)
em oposição à servidão dos homens do
campo –, será, ela também, lugar de Ou ainda:
encontro. Para esta cidade, ao longo dos
anos, décadas, séculos, se dirigiram “O problema central do sociólogo
homens e mulheres em busca de modos da cidade é descobrir as formas de ação
Carlos B. Vainer 35

e organização social que emergem em ricanos da primeira metade deste século


grupamentos compactos, relativamente a metrópole politicamente correta? Na
permanentes, de grande número de verdade, a grande cidade é mais com-
indivíduos heterogêneos.” (Wirth, plexa ... e a sociologia urbana menos
1973, p. 97. Grifo nosso) ingênua.

Reunindo indivíduos heterogêneos, A leitura atenta do texto de Wirth


e não mais famílias ou linhagens, a cida- esclarece que a cidade “não só tolerou
de continua fiel a sua caracterização ori- como recompensou as diferenças indi-
ginal: lugar de encontro do diverso. viduais. Reuniu povos dos confins da
terra porque eles são diferentes e, por
Para a sociologia urbana da escola isso, úteis uns aos outros.” (Wirth,
de Chicago, dimensão, densidade e he- 1973, p. 98. Grifo nosso)
terogeneidade aparecem como variáveis
chaves que interagem na qualificação do Vemos assim que tolerância, longe
fenômeno urbano. De um lado, quanto de ter em Wirth o sentido corrente de
mais numerosa a aglomeração, ten- valor moral em si, aparece como atributo
dencialmente mais heterogênea será sua que permite acionar funcionalmente a
composição; por outro, quanto mais heterogeneidade: a cidade tolera a hete-
densa, tanto maior a probabilidade de rogeneidade por sua utilidade. Essa tole-
encontros entre grupos e indivíduos he- rância pragmática, ou esse pragmatismo
terogêneos. tolerante, que permite acionar utilitaria-
mente a heterogeneidade, pouco tem a
Se tal é a cidade, e este o ambiente ver com o que seria uma vivência com-
no qual estão postos os citadinos, o ur- partilhada das multiplicidade e riqueza
banismo, como modo de vida, impõe o propiciadas pelo contato (troca) intercul-
aprendizado da (con)vivência com o di- tural.
ferente e, por conseguinte, exige a tole-
rância. Se a diferença/heterogeneidade Tolerância, nesse contexto, não é
é a qualidade mesma que define a cida- interesse ativo pelo outro; antes, é seu
de, o citadino é por definição o indivíduo contrário, ou seja, indiferença. Isto é
tolerante. O contato continuado com dito de forma explícita: as grandes cida-
“personalidades e modos de vida diver- des, e as cidades americanas em primei-
gentes tende a produzir uma perspectiva ro lugar, “são formadas de uma gama
relativista e um senso de tolerância heterogênea de povos e culturas, de
de diferenças.” (Wirth, 1973, p. 103. modos de vida altamente diferenciados
Grifo nosso) entre os quais há apenas um mínimo
de comunicação, a maior das indi-
Relativismo cultural, perspectivismo, ferenças e a maior tolerância.”
tolerância... estaríamos diante de uma (Wirth, 1973, p. 108. Grifo nosso)
ingenuidade otimista que teria preten-
dido antever nos guetos urbanos ame- Na esteira de Simmel, Wirth vai
36 Cidades, Cidadelas e a Utopia do Reencontro

buscar o termo francês blasé para qua- Mas Simmel, que se mostra bem
lificar a disposição mental e o comporta- mais profundo que seus seguidores de
mento citadinos: a estreita proximidade Chicago, vai além:
física proporcionada pela densa aglo-
meração de pessoas, de diferenças, de “A essência da atitude blasé consiste
modos de vidas e culturas é acompa- no embotamento do poder de discri-
nhada de grande distância social, dis- minar. Isto não significa que os objetos
tância que o comportamento blasé, a não sejam percebidos (...) mas antes que
reserva, a indiferença ajudam a preser- o significado e valores diferenciais das
var. Isso explica por que “os contatos da coisas, e daí as próprias coisas (e pode-
cidade podem na verdade ser face a ríamos acrescentar aqui as pessoas –
face, mas são, não obstante, impessoais, CBV), são experimentados como desti-
superficiais, transitórios e segmentários.” tuídos de substância. Elas aparecem à
(Wirth, 1973, p. 101) pessoa blasé num tom uniformemente
plano e fosco (...). Esse estado de âni-
Definitivamente, a tolerância de que mo é o fiel reflexo subjetivo da eco-
aqui se trata não é a atitude mental que nomia do dinheiro completamente
valoriza o que é específico a cada grupo interiorizada.” (Simmel, 1973, p. 16.
e/ou indivíduo do mosaico urbano; Grifo nosso)
trata-se, sobretudo, de um mecanismo
que preserva o habitante da grande Estamos longe, pois, de uma visão
cidade dos infinitos face a face implica- indulgente da realidade do citadino e do
dos pela e na vida metropolitana. Em metropolita. Ao contrário, Simmel
Simmel, mais que em Wirth, a indife- adverte que sua disposição mental para
rença e o ar blasé, verdadeira segunda a tolerância, digo, para a indiferença,
natureza (mental) do citadino (e do me- está fundada antes no des-conheci-
tropolita, em especial), constituiriam me- mento que no re-conhecimento da di-
canismos de defesa graças aos quais ferença (“embotamento do poder de
seria possível manter o equilíbrio nervo- discriminar”).
so permanentemente ameaçado pela
superexposição a contatos, estímulos, Por outro lado, em Simmel, diferen-
situações e contextos cambiantes. A temente do que acontece com Wirth,
barreira interposta ao excesso e à rápida não são apenas, nem principalmente, os
sucessão de imagens e experiências, fatores ecológicos (dimensão, densida-
associadas às multiplicidade, densidade de, heterogeneidade) que explicam esse
e heterogeneidade de coisas e pessoas, modo de ser e de viver. Afinal de contas,
provocam “a incapacidade de reagir a a indiferença é, de forma direta e ime-
novas sensações com a energia apro- diata, o dinheiro transformado em na-
priada” (Simmel, 1973, p. 16) e, dessa tureza humana, ou, se se prefere, o
forma, ajudam a manter o equilíbrio... resultado subjetivo das relações obje-
mesmo se à custa de uma crescente tivas fundadas no dinheiro, que a tudo
indiferença. iguala. Equivalente geral, o dinheiro
Carlos B. Vainer 37

transforma todas as qualidades em do que nos damos conta, é uma leve


quantidades e, nesse sentido, funda aversão, uma estranheza e repulsão
objetivamente a indiferença frente às mútuas.” (Simmel, 1973, p. 17. Grifo
coisas (e aos outros) que constitui a n osso)
marca característica da subjetividade
metropolitana. Pode parecer Marx, mas A conquista da liberdade propiciada
está em Simmel: pela cidade, a explosão da individua-
lidade e a convivência com o diverso não
“O dinheiro se refere unicamente ao realizam a comunhão de homens que se
que é comum a tudo: ele pergunta pelo reconhecem, valorizam e fertilizam mu-
valor de troca, reduz toda qualidade e tuamente por sua diferença. No olhar
individualidade à questão: quanto? relativamente pessimista de Simmel, ao
Todas as relações íntimas entre pessoas qual não é totalmente estranha uma certa
são fundadas em sua individualidade, nostalgia de um mundo de relações inter-
ao passo que, nas relações racionais, tra- pessoais mais íntimas e afetivas, a hege-
balha-se com o homem como com um monia do dinheiro e do mercado impõe
número, como um elemento que é em um processo de racionalização que acaba
si mesmo indiferente.” (Simmel, 1973, por desqualificar a diferença – afinal, o
p. 13) único valor é o valor de troca.

Não estamos apenas num espaço No universo mercantil movido pela


ecológico caracterizado pela dimensão, competição, a diferença passa a ser bus-
densidade e heterogeneidade; estamos cada como vantagem competitiva: uma
também, e principalmente, sob o reina- espécie de darwinismo intencional, em
do do dinheiro, no espaço econômico e que cada competidor procura engendrar
social dominado pelo mercado. diferenças adaptativas que o posicionem
vantajosamente face à concorrência. “É
A proximidade ecológica pode ser, um fato decisivo que a vida da cidade
e muitas vezes é, a distância social e transformou a luta com a natureza pela
emocional. A reserva, que faz de nossos vida em uma luta entre os homens pelo
próprios vizinhos completos desco- lucro...” (Simmel, 1973, p. 22)
nhecidos, “aos olhos da gente da cidade
pequena, nos faz parecer frios e desal- Colocado num ambiente no qual
mados” (Simmel, 1973, p. 17). E como tudo é obra do próprio homem e do qual
esse conjunto de processos psicossociais a natureza, por assim dizer, foi expulsa,
se passa sob a égide do dinheiro, no o homem se comporta segundo o que
mundo do mercado e da competição se supõe ser a verdadeira lei (natural)
econômica e social “o aspecto interior da selva: a guerra de todos contra todos.
dessa reserva exterior é não apenas a O encontro é um permanente e tenso
indiferença, mas, mais freqüentemente confronto.
38 Cidades, Cidadelas e a Utopia do Reencontro

Momento II
Cidade do mercado, mercado de cidades:
as novas cidadelas

Qualquer leitura, mesmo que superfici- projeto urbano viável, e a produção


al, dos discursos políticos e técnicos que e disseminação de uma imagem po-
hoje dominam o debate sobre a realida- sitiva faz da cidade uma mercadoria
de e a projeção futura de nossas cida- como outra qualquer.
des, encontrará quase unanimidade em
torno a algumas idéias básicas: Embora esse padrão de gestão ur-
bana tenha larga trajetória nos Estados
a) o bom governo da cidade está fun- Unidos, através do que Harvey designou
dado na busca da competitividade, de entrepreneurialism (Harvey, 1996) 1 ,
no compromisso de explorar vanta- ele desembarca no Brasil, e de modo
gens comparativas que qualifiquem geral na América Latina, em sua forma
a cidade para competir vantajosa- mais sofisticada, pela mão de assessores
mente com outras cidades no mer- catalães que, junto com o sucesso de
cado globalizado; Barcelona, vêm vender às municipali-
dades brasileiras sua expertise. Sob o
b) para vender-se no mercado de ci- pomposo título de planejamento estraté-
dades, isto é, para tornar-se atrativa gico, eles têm ajudado a traduzir em es-
para os capitais que circulam no es- tratégias urbanas a lógica e dinâmica da
paço sem fronteiras do mercado glo- acumulação flexível e globalizada.
balizado, a cidade deve oferecer, aos
menores custos possíveis, infra-es- Na verdade, o discurso corrente do
truturas (particularmente de comu- planejamento estratégico se apresenta
nicações e transportes), qualidade como uma sistematização de bom senso
de vida e ambiente favorável aos ne- do que vem sendo praticado de forma
gócios; subsídios de vários tipos, cada vez mais generalizada. Assim, por
isenções, cessão gratuita de terrenos, exemplo, a constatação da concorrência
entre outras, são armas considera- entre cidades se transforma em pro-
das normais nesta guerra entre ci- posta: “as cidades européias competem
dad es; (como grandes empresas) para atrair
investimentos e tecnologias e, portanto,
c) a venda da cidade constitui um dos empresas multinacionais que possam
vetores centrais de todo e qualquer transferi-las.”

1
Uma visão geral, via de regra favorável, do que tem sido descrito como uma transposição dos
métodos de planejamento e gestão (estratégicos) empresariais para o setor público, em geral,
e para a gestão urbana, em particular, pode ser obtida, entre outros, em: Siembieda, 1994;
Mintzberg e Jorgensen, 1995; Bryson, 1988; Kotler et al, 1994.
Carlos B. Vainer 39

“A mercadotecnia da cidade, vender Em outros momentos, como desta-


a cidade, converteu-se, portanto, em camos, contraditoriamente, a cidade
uma das funções básicas dos governos aparece como sujeito: as cidades com-
locais.” (Borja, Forn, 1996, p. 33) petem, as cidades devem, as cidades
querem. Alçadas à condição de prota-
O que chama a atenção nesse tipo gonistas da aventura de nossa época
de elaboração é que, pensada como (Borja, Forn, 1996, p. 36), as cidades
sujeito em alguns momentos (como na convidam seus cidadãos, unidos na
primeira das frases citadas), a cidade é competição contra as outras cidades, a
imediatamente concebida como objeto/ se investirem de um novo “patriotismo
coisa/mercadoria (como na segunda de cidade”. E a própria definição de um
citação). Essa confusão ou ambigüidade “projeto de cidade mobilizador de recur-
talvez desvende um dos aspectos mais sos, energias e ilusões” torna necessária
sedutores, e simultaneamente mais peri- a “geração de um patriotismo de cidade
gosos, do novo urbanismo, uma vez que que permita a seus líderes, atores e con-
cada um dos usos encobre e, simulta- junto de cidadania assumirem com or-
neamente, expõe o lugar da cidade no gulho seu passado e seu futuro.” (Borja,
processo de globalização, tanto quanto Forn, 1996, p. 46) Um governo urbano
o lugar do novo urbanismo nessa recon- forte, carismático, estável torna-se indis-
figuração objetiva e subjetiva da cidade. pensável à concretização dessa mobili-
zação unificada e unificadora, em que a
De um lado, é claro, a redução da cidadania (!?) compartilha ilusões, cele-
cidade a coisa não deixa dúvida: a cida- bra o passado suposto comum, sonha
de não é representada como coisa em o mesmo futuro e segue os mesmos lí-
si, mas, claramente, como coisa para deres.
o capital, insumo e espaço de valori-
zação do capital. E não do capital em A transformação da cidade em sujei-
geral, do capital em abstrato, mas de to é fundamental para a subsunção do
uma forma muito precisa e específica de conjunto dos cidadãos numa entidade
capital: o capital transnacional, o capital superior que a todos inclui e encarna.
que lidera e dirige o processo de globa- Não é necessário grande perspicácia
lização 2 . para identificar no patriotismo de cidade

2
É importante observar que a proposta catalã, que pretende encadear nitidamente as cidades
à competição para seduzir e atrair o grande capital transnacional globalizado (e globalizador),
não é a única. Em alguns autores americanos voltados para o mesmo tema, encontra-se uma
posição mais matizada: há que criar um ambiente favorável para o negócio em geral. Para
Porter, por exemplo, “o governo deve deslocar seu foco do envolvimento e intervenção diretos
para a criação de um ambiente favorável aos negócios.” (Porter, 1995, p. 68) Kotler et al
(1994) propugnam que cada cidade identifique o mercado no qual tem maiores possibilidades
de sucesso competitivo, criticando os que acham que há um e apenas um modo de inserção
no mercado de cidades.
40 Cidades, Cidadelas e a Utopia do Reencontro

a faceta interna do marketing: marketing razão mesmo de sua generalização,


externo para vender a cidade no merca- perdem qualquer poder atrativo. Em
do globalizado de cidades, marketing outros termos, a competição entre ci-
interno para vender aos citadinos (tornar dades, na forma que tem assumido de
coesa a cidade) o projeto estratégico de luta pela atração de capitais, acaba
sua transformação em mercadoria. Sob tendo por resultado a minimização dos
a unidade enfim reconquistada, vemos custos de circulação e relocalização de
enterrados (para sempre? em toda par- empresas e capitais, constituindo-se,
te?) o reconhecimento e a valorização dessa maneira, em importante contri-
da heterogeneidade constitutiva das ci- buição (pública) ao próprio processo de
dades 3 . Pois para que serviu, no passa- globalização e deslocalização de capitais
do, e serviria, no futuro, o patriotismo, (privados).
senão para atualizar a operação ideoló-
gica que consiste em transformar a Embora permanentemente reitere
diferença em identidade, o confronto em seu compromisso com o lugar e suas es-
unidade, o antagonismo em harmonia? pecificidades, o planejamento estraté-
gico, de braços dados com o urbanismo
A cidade competitiva é a cidade ami- pós-moderno, iguala e homogeneiza
gável para o grande capital, globalizado, espaços 4 . O verdadeiro vencedor da
flexibilizado, fluido. Embora escape ao competição em que estão lançadas as
escopo deste ensaio, não há como não cidades não é qualquer uma delas, mas
mencionar que o esforço consagrado sim o capital deslocalizado, fluido, que,
por cada cidade particular a dotar-se de no processo, dispõe de um número cada
estruturas de acessibilidade e comunica- vez maior de cidades ofertando, mais
ção, de infra-estruturas e serviços avan- além de benefícios e gratuidades, ade-
çados, de ambientes sofisticados que quadas condições (objetivas e subjeti-
reproduzam o gosto e o padrão de con- vas) locacionais.
sumo de determinados segmentos
sociais eles também globalizados etc., E se lançarmos o olhar para dentro
acaba por generalizar determinadas das cidades engajadas neste processo?
amenidades e externalidades que, em O que têm apontado os estudos, mesmo

3
No limite, à heterogeneidade será reconhecido valor sempre que demonstrar valor comercial
em algum mercado solvável – turístico, de feiras e convenções etc. Nesses casos, como é
notório no que diz respeito ao turismo, a diferença é consumida sob a forma de exótico,
estereótipo destruidor ele também da vitalidade que subjaz à heterogeneidade.
4
A pretexto da valorização do específico, e na esteira da crítica ao padrão estandardizado do
modernismo, a arquitetura e o urbanismo têm produzido um novo tipo de estandardização,
induzindo à reprodução repetitiva de certos padrões de empreendimentos: centros de comércio
internacional, teleportos, áreas portuárias transformadas em centros de comércio e lazer,
espaços de consumo padronizados pelos gostos e modos de vida das classes médias e abas-
tadas etc. Para descrever esse movimento, Manuel Castells cunhou a feliz expressão
estandardização do não standard.
Carlos B. Vainer 41

os menos críticos, é o crescimento das contra o ingresso e permanência de es-


desigualdades e dos processos de seg- trangeiros.
mentação socioespacial no interior das
cidades. Desemprego, precarização do Assim, enquanto em 1976 apenas
emprego, cortes nos investimentos so- 6,4% dos países consultados pela ONU
ciais, priorização dos gastos públicos manifestavam ter políticas voltadas para
voltados para a atração de investimentos reduzir os níveis de imigração (United
e capitais externos, violência urbana, eis Nations, 1989, p. 369), em 1995 nada
o quadro urbano em que estão lançadas, menos de 83% diziam estar agindo para
cada uma a sua maneira, a maioria das interromper (73%) ou reduzir (10%) a
grandes cidades. entrada de estrangeiros (United Nations,
1995, p. 31). E, sinal de que o alvo
Embora em escalas e ritmos distin- dessas políticas ativas (de estados nacio-
tos, e, sobretudo, partindo de patamares nais que se pretendem cada vez menos
pouco comparáveis, em todas as cida- interventores, nunca é demais lembrar)
des assistimos ao aprofundamento das não se limita aos estrangeiros que acor-
desigualdades e à construção de barrei- rem às cidades, mas inclui os que nelas
ras crescentes à circulação e ao contato já se encontram instalados, mais de 50%
entre grupos sociais diferenciados. Os dos governos declaram ter políticas para
condomínios fechados, os espaços co- encorajar o repatriamento dos estran-
merciais fechados, os parques fechados, geiros residentes (United Nations, 1995,
as grades e muros são a metáfora inver- p. 31) 5 .
tida de um mundo globalizado que se
pretende cada vez mais sem fronteiras e O mais espantoso é que, de forma
que fez da queda de um muro – o de absolutamente análoga, encontramos
Berlim – seu estandarte. no interior do próprio território nacional
brasileiro o avanço de políticas de discri-
Muros, concretos ou simbólicos, minação contra migrantes pobres por
construídos dentro das cidades, são ape- parte de um número crescente de muni-
nas parte da verdadeira muralha da cipalidades. Em 1993 a revista Veja pu-
China que se está construindo em torno blicava matéria em que estimava em
das cidades. O fechamento interno dos 50% o número de prefeituras gaúchas
espaços urbanos se prolonga e se projeta com ações concretas voltadas para im-
no fechamento externo da cidade: fe- pedir a entrada ou expulsar migrantes
chamento ao imigrante, ao estrangeiro. pobres (Vainer, 1996). No Triângulo
E não nos referimos apenas ao avanço Mineiro, no interior de São Paulo, no
notório dos racismos e chovinismos nos Paraná e em Santa Catarina é também
países centrais, mas à evolução de polí- expressivo o número de cidades que
ticas governamentais ativas lançadas fecham suas portas.

5
Mais impressionante, posto que aqui tratamos de estatísticas, é constatar que, entre 1975 e
1995, o número de refugiados e pessoas deslocadas involuntariamente passou de 2,5 milhões
em 1975 para 23 milhões em 1993 e 27 milhões em 1995 (Vainer, 1996; Prencipe, 1996).
42 Cidades, Cidadelas e a Utopia do Reencontro

Cidadelas 6 , não mais cidades. Ci- de condições mínimas de sobrevivência.


dadelas constituídas de outras tantas Tampouco estamos diante de uma
cidadelas em seu interior. simples reiteração, ou mesmo aprofun-
damento, dos padrões de segregação
O que está em risco não é apenas social no espaço que, desde sempre, ca-
tal ou qual segmento das populações racterizaram a cidade burguesa. O que
dos países do terceiro mundo persegui- está em risco é a própria possibilidade
das e escorraçadas das grandes cidades de preservação das construção e expe-
do Norte, ou tal ou qual parcela das po- riência históricas que, mais que qualquer
pulações migrantes pobres que peram- outra, especifica a espécie humana: a
bulam pelo território nacional à busca cidade.

Momento III
Cidade e tolerância: a utopia possível contra o
darwinismo urbano

Diferentemente de todos os animais, diz- ser a marca distintiva da vida humana.”


nos Cassirer, o homem não vive dire- (Cassirer, 1994, p. 48) Essa marca distin-
tamente no mundo físico-natural. Isso tiva é a capacidade de simbolizar 7 .
significa dizer que homens e animais não
estão lado a lado, ou frente a frente, num “O círculo funcional do homem não
mesmo mundo. O mundo humano é ex- é só quantitativamente maior; passou
clusivo do homem, pois nele “encontra- também por uma mudança qualitativa.
mos uma característica nova que parece O homem descobriu, por assim dizer,

6
Marcuse, no esforço de produzir uma tipologia das formas de segregação de espaços intra-
urbanos, a exemplo de guetos e diferentes tipos de enclaves, propõe uma conceituação bem
mais precisa e delimitada do que seria uma cidadela: “Uma cidadela é uma área espacialmente
concentrada na qual os membros de um grupo populacional particular, definido por sua
posição, relativamente aos vizinhos, superior em termos de poder, riqueza ou status, se congrega
como meio para proteger e reforçar aquela posição.” (Marcuse, 1997) Embora reconhecendo
a utilidade do esforço de Marcuse e admitindo que muitas das nossas cidadelas são do tipo
proposto pelo autor, usamos aqui o termo cidadela em seu sentido mais usual, que remete à
noção de espaço (toda a cidade ou parte dela) fechado e protegido.
Segundo o Aurélio: “Cidadela. 1. Fortaleza defensiva duma cidade. 2. P. ext. Lugar onde se
pode estabelecer defesa.”
7
“A criação da significação é a qualidade distintiva e constitutiva do homem – a ‘essência’
humana de um velho discurso –, de modo que as relações entre os homens, assim como
entre eles e a natureza, são organizadas pelos processos de avaliação e significação diferen-
ciais.” (Sahlins, 1976, p. 133)
Carlos B. Vainer 43

um novo método para adaptar-se ao seu sando constantemente consigo mesmo.”


ambiente. Entre o sistema receptor e o (Cassirer, 1994, p. 48)
efetuador, que são encontrados em
todas as espécies animais, observamos Isso permite dizer que a cidade não
no homem um terceiro elo que podemos é apenas o lugar do encontro entre
descrever como o sistema simbólico homens, ou seja, o lugar do encontro e
(...). Comparado aos outros animais, o da afirmação possível da diversidade da
homem não vive apenas em uma rea- humanidade. Criada pelo homem como
lidade mais ampla; vive, pode-se dizer, mundo especificamente humano, a cida-
em uma nova dimensão de realidade.” de é ainda mais: é o lugar do encontro
(Cassirer, 1994, p. 48. Grifo do origi- do homem consigo mesmo; ou, se se
nal) 8 prefere, o lugar do encontro do homem
com sua humanidade.
A partir dessa formulação, não fica
difícil pensar a cidade como a metáfora Verdadeira metáfora que simboliza o
maior criada pelo homem, ao longo da mundo (material e simbólico) criado pelo
história, dessa sua especificidade – o ani- homem, a cidade que temos diante de
mal que vive num mundo à parte, num nós é um resultado da história. Talvez
mundo só seu... num mundo que não é fosse melhor dizer que ela assinala,
o mundo físico-natural. Na cidade, de marca, registra um momento na/da histó-
maneira evidente, o homem não está ria – passagem do passado para o futuro.
colocado diante de qualquer natureza: Ao funcionar como verdadeiro registro
ela constitui, de maneira clara e inapelá- de que a história não é o passado con-
vel, um mundo humano. Mundo de gelado e mistificado acionado normal-
objetos (coisas), mundo de necessida- mente por patriotismos de todo o tipo,
des, impulsos e meios tanto de acicatar ao oferecer-se a uma leitura que permite
quanto de satisfazer desejos, esse rememorar os conflitos e as revoltas, as
mundo é uma invenção humana. celebrações e os massacres, a cidade afir-
ma a história como mudança. E ao fazê-
Na cidade, mais que em qualquer lo sinaliza a possibilidade do futuro.
outro espaço-tempo, comprova-se a afir-
mação de Cassirer de que o homem E aqui, uma vez mais, a cidade rei-
“não pode mais confrontar-se com a rea- tera a humanidade do homem, único
lidade imediatamente; não pode vê-la, dentre todos os animais a ter futuro:
por assim dizer, frente a frente (...). Em “Pensar no futuro e viver no futuro é
vez de lidar com as próprias coisas o uma parte necessária de sua natureza.”
homem está, de certo modo, conver- (Cassirer, 1994, p. 92)

8
Em sua extraordinariamente rica e profunda polêmica com o pensamento de Marx, Sahlins
destaca que faltou a Marx a percepção de que “os homens começam enquanto homens, em
oposição aos outros animais, precisamente quando têm um conhecimento empírico do mundo
enquanto conceito (de maneira simbólica).” (Sahlins, 1976, p. 181)
44 Cidades, Cidadelas e a Utopia do Reencontro

Assim, não é apenas para usar uma turo não seja a reiteração realista do
noção cara a Lefèbvre, como obra (já presente.
realizada), que a cidade se afirma como
espaço-tempo inquestionável do encon- Para alguns a Utopia é uma fuga in-
tro do homem consigo mesmo e com fantil dos processos reais, uma inutili-
sua história. É também, e talvez sobretu- dade que apenas impede a ação e a
do, pelo fato de que suas várias marcas realização do possível. Preferimos ficar
e características, assim como a dinâmica com Cassirer:
social de que é portadora, tornam possí-
vel o futuro. E um futuro que “não é ape- “A grande missão da Utopia é abrir
nas uma imagem”, mas que “torna-se passagem para o possível, no sentido
um ‘ideal’ ” (Cassirer, 1994, p. 93). de oposto a uma aquiescência passiva
do estado presente real de coisas. É o
Enquanto invenção humana, a cida- pensamento simbólico que supera a
de recusa toda naturalização. A injustiça, inércia natural do homem e lhe confere
a desigualdade, a segregação que a uma nova capacidade, a capacidade de
caracterizam não são imposições de reformular constantemente o seu univer-
qualquer natureza, fosse a natureza hu- so humano.” (Cassirer, 1994, p. 104)
mana: são processos sociais, historica-
mente instituídos e, em conseqüência, Nessas condições, a utopia de uma
historicamente superáveis. Enquanto cidade justa e tolerante é fundamental,
morfologia (material) e representação sempre e quando seja acompanhada de
(simbólica) de nossa sociedade, essa dois exercícios constantes: o exercício da
cidade denuncia a barbárie contempo- crítica, teórica e prática, dos processos
rânea e a intolerância pós-moderna que concretos – sociais, econômicos e políti-
marcam este fim de século, mas simulta- cos – que engendram e reproduzem a
neamente sugere sujeitos sociais e práti- cidade injusta e intolerante; o exercício
cas passíveis de construírem um urbano da vivência não programada da cele-
em que o direito à cidade – para usar bração e da festa, em que encontros au-
uma outra expressão lefebvriana – seja tênticos se mostrem irredutíveis ao
uma condição de existência. simulacro da espetacularização tão ao
gosto do marketing urbano. Afinal, não
Ali onde as utopias foram concebi- será possível nem mesmo dar o primeiro
das, elas quase sempre tomaram a forma passo sem a rejeição e superação de um
de uma cidade ideal. Será um acaso? certo tipo de realismo que se tornou álibi
Certamente não. Toda utopia celebra, do novo modo de planejar e administrar
de uma maneira ou de outra, o encontro a cidade, e que instaura como regra e
dos homens, entre si e com sua própria modelo da cidade, de suas relações in-
humanidade. Um encontro em que a di- ternas e externas, a simulação publi-
ferença não seja desigualdade, em que citária do encontro, a competição e o
a tolerância não seja indiferença, em que neodarwinismo urbano.
a história não seja fetiche, em que o fu-
Carlos B. Vainer 45

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19 96 . do Rio de Janeiro - IPPUR / UFRJ
Do Clientelismo à Cooperação:
governos locais, políticas participativas
e organização da sociedade civil em
Porto Alegre *

Rebecca Abers

Um número crescente de estudiosos e gênese de organização cívica a partir da


de formuladores de políticas públicas ação do Estado.
concorda que a melhoria da qualidade
de vida em áreas urbanas pobres depen- Desde 1989, o governo municipal
de da capacidade dos moradores em de Porto Alegre tem implementado
formar redes sociais e organizações “Orçamentos Participativos”. Um dos
cívicas. Diversos trabalhos recentes ar- objetivos centrais da política de Orça-
gumentam que tal capacidade só se mento Participativo é transferir as deci-
desenvolve com a retração do Estado, sões sobre a alocação de investimentos
que tem historicamente impedido a for- municipais em infra-estrutura – pavi-
mação de capacidade de auto-ajuda em mentação, drenagem e rede de esgotos,
comunidades pobres, tanto ao prover construção de escolas etc. – para assem-
serviços de forma paternalista a indi- bléias de bairros. Tal política levou a um
víduos isolados quanto, especialmente aumento dramático no nível de partici-
no Terceiro Mundo, ao reprimir aberta- pação política nos bairros mais pobres.
mente as organizações cívicas. Outros A participação em assembléias de orça-
estudos, no entanto, demonstram que mento cresceu a cada ano, atingindo em
agentes e instituições do Estado podem 1995, à época de minha pesquisa, cerca
promover o empowerment de comuni- de 14.000 pessoas. Novas organizações
dades pobres. Este artigo examina um de bairro surgiram, em resposta ao
exemplo particularmente notável de Orçamento Participativo, muitas vezes

* Tradução de Alberto Lourenço.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 47-78


48 Do Clientelismo à Cooperação

em regiões antes dominadas por asso- examino brevemente a história das as-
ciações de bairro fechadas e fracas que sociações de bairro de Porto Alegre e
funcionavam quase exclusivamente descrevo a política de orçamento. O foco
como instrumentos de política cliente- central do artigo é uma região da cidade
lista. Ao substancial volume de investi- que, antes de 1989, não tinha virtual-
mentos em programas sociais se somou mente experiência alguma de partici-
o esforço do Estado em capacitar os pação ampla e de organização cívica.
grupos cívicos a controlar esses investi- Mostramos como a política de orçamen-
mentos, o que resultou em melhoria to desencorajou formas clientelistas de
substancial de suas condições de vida. ação e promoveu a participação de
grupos, que não apenas lutaram coleti-
Este artigo analisa como esse pro- vamente para conseguir investimentos
cesso de empowerment cívico ocorreu. 1 em seus bairros mas também apren-
A próxima seção irá examinar como deram a trabalhar em cooperação com
agentes do Estado puderam ajudar co- grupos de outros bairros em questões
munidades sem experiência a se orga- mais amplas.
nizarem coletivamente. Em seguida,

Clientelismo, associativismo e o Estado

Temos ouvido com freqüência que ins- conhecido, por exemplo, Putnam (1993)
tituições democráticas fortes só se argumenta que a principal explicação
formam quando fortes grupos cívicos para a emergência de instituições demo-
forçam o Estado a representá-los. Ou cráticas no norte da Itália é seu longo
seja, a organização da sociedade civil é passado de organização cívica, um lega-
vista como condição prévia para a de- do de quase mil anos. Tal visão do pro-
mocratização. Em estudo recente e bem cesso de democratização é fortemente

1
Ver Abers (1997) para um exame mais detalhado das questões aqui tratadas. O trabalho se
baseia em ano e meio de pesquisa de campo em Porto Alegre entre 1993 e 1997, financiado
pela Inter-American Foundation, Fullbright U.S. Student Program, e pelo UCLA Latin American
Center. A pesquisa envolveu entrevistas em profundidade com mais de 50 funcionários do
governo e com mais de 40 participantes do orçamento. Também participei da formulação e
da aplicação de uma pesquisa por amostragem que ouviu 622 participantes do Orçamento
de todas as regiões da cidade, além de ter conduzido pesquisa participante em mais de 100
assembléias e reuniões de bairro. A pesquisa participante e as entrevistas focalizaram espe-
cialmente duas regiões da cidade, uma com longa história de organização cívica e outra onde
as organizações eram frágeis. Este artigo focaliza a segunda. Uma versão do mesmo, em
inglês, será publicada em Politics and Society, pela Sage Publications, em Thousand Oaks,
CA, em dezembro de 1998.
Rebecca Abers 49

determinista: apenas as regiões dotadas cidades, as associações de bairro desem-


de uma cultura de associativismo pro- penham papel crucial nessa ligação.
fundamente entranhada teriam poten- Cabos eleitorais controlam talvez a
cial para desenvolver instituições de maioria das associações de bairro e as
Estado transparentes, ágeis e participa- utilizam na mobilização de votos para
tivas. Outros autores, contudo, sugerem seus candidatos e na intermediação de
que uma cultura de organização cívica promessas e favores aos residentes. 2
pode ser construída em regiões onde as
comunidades não se beneficiam de tais As associações clientelistas são ca-
tradições seculares. Em trabalho recente racterizadas por seu caráter fechado e
sobre “democracia associativa”, Cohen não-participativo. Ao contrário das orga-
e Rogers (1992) argumentam que am- nizações coletivas de protesto, que, para
bientes associativos são, na verdade, pressionar políticos, se valem do número
“artefatos”. Redes de organização cívica de participantes, as associações clien-
podem, segundo eles, ser criadas e trans- telistas obtêm benefícios através de uma
formadas, na medida em que o am- relação exclusiva entre os líderes comu-
biente institucional e o balanço de poder nitários e seus chefes políticos. Em sis-
também mudam. Este artigo tenta discu- temas clientelistas, a construção de laços
tir como, sob certas circunstâncias, o tra- sociais entre clientes é fortemente de-
balho de atores estatais pode ser a força sencorajada e substituída por relações
transformadora que ajuda a promover sociais “baseadas em laços individuais
o crescimento do associativismo. com superiores ao invés de em caracte-
rísticas comuns ou laços horizontais
Não dispondo da longa história cívi- entre seguidores” (Scott, 1972:97, em
ca do norte da Itália, o Brasil se asse- Graziano 1976:154). No contexto clien-
melha muito mais ao sul daquele país, telista, formas participativas de organi-
onde, argumenta Putnam, tradições zação civil são raras por duas razões: de
clientelistas têm inexoravelmente supri- um lado, porque existem poucos incen-
mido o esforço de organização da socie- tivos à organização coletiva, uma vez
dade civil. Em sistemas clientelistas, as que o meio privilegiado de obtenção de
facções no poder usam recursos do Esta- benefícios não são o protesto e a pres-
do como favores pessoais a uma vasta são, mas a relação pessoal de troca arti-
clientela que, em troca, mobiliza os votos culada por líderes comunitários isolados.
para seus benfeitores. No Brasil, a tradi- De outro, porque há muito pouco incen-
ção clientelista resultou no desenvol- tivo à organização coletiva; as pessoas
vimento de máquinas políticas que ligam têm pouca experiência prévia de
chefes locais a políticos estaduais ou na- ação cooperativa. Num contexto em
cionais através da troca de favores. Nas que “dois clientes de um mesmo chefe

2
Sobre clientelismo no Brasil, ver Hagopian (1996) e Diniz (1982). Sobre o papel específico
das associações de bairro nas máquinas clientelistas, ver Diniz (1982), Banck (1986) e Gay
(1990).
50 Do Clientelismo à Cooperação

político sem laços diretos entre si...não cracia mexicana puderam promover
têm a oportunidade de desenvolver políticas que fortaleceram e transferiram
normas gerais de reciprocidade e nem poder para organizações camponesas.
podem recorrer a um passado de cola- Em livro recente, Tendler (1996) revela
boração mútua” (Putnam, 1993:175), como o governo do Ceará evoluiu de
as pessoas têm pouca informação sobre “mau para bom” com a implementação
o comportamento dos outros e duvidam de políticas de assistência direta à orga-
de que a cooperação possa ser frutífera. nização da sociedade civil nos muni-
Para Putnam, a conjugação da falta de cípios. Em todos esses casos, tanto as
incentivos com a falta de experiência de relações próximas entre atores estatais
cooperação cria um círculo vicioso de e cidadãos, quanto o fato de que as polí-
não-organização muito difícil de se que- ticas públicas explicitamente encora-
brar. Onde a cooperação não é comum, jaram a organização cívica, levaram não
as pessoas se ressentem da falta de bases só ao fortalecimento de grupos cívicos,
para confiança mútua (pelo menos fora mas também ao aumento de sua capa-
do círculo da família). O resultado é um cidade política de pressionar pela trans-
alto nível de discórdia e de isolamento parência no governo e por políticas
individuais que torna a organização públicas efetivas. Esse círculo virtuoso
difícil (Ibid.:177). de comunicação e confiança, a que
Evans chama de “sinergia Estado–socie-
dade”, sugere que a relação entre so-
Recentemente, outros autores mos- ciedade civil e instituições democráticas
traram que certo tipo de instituições de fortes está longe de ser um processo sim-
Estado, em geral criadas de cima para ples, unidirecional, de baixo para cima.
baixo, pode induzir o ativismo cívico em
comunidades com pouca experiência
prévia de cooperação. Em um número Para entender como atores estatais
da revista World Development, Peter podem promover o associativismo,
Evans (1996) reuniu uma série de estu- convém examinar a literatura sobre
dos que relatam formas de empower- movimentos sociais, que desde há muito
ment induzido pelo Estado. Ostrom vem tentando explicar por que as pes-
(1996) e Watson (1995) descrevem a soas se mobilizam. Diversos autores assi-
política de construção participativa de nalaram que explicações econômicas
esgotos em Recife, que foi diretamente não são satisfatórias: a propensão a se
estimulada por atores estatais. Lam associar não está relacionada a certos
(1996) argumenta que o sucesso de uma níveis de miséria ou bem-estar. Fatores
política de irrigação descentralizada em políticos parecem explicar melhor por
Taiwan brotou das relações próximas e que a organização cívica eclode em
flexíveis entre atores estatais e agri- certos momentos e lugares e não em
cultores envolvidos. Fox (1991,1996) outros. Mudanças e descontinuidades
mostra que, mesmo em um contexto au- no cenário político geram “janelas de
toritário, setores reformistas da buro- oportunidade” das quais “ambientes
Rebecca Abers 51

propícios” que convençam as pessoas tantes de esquerda, organizações não-


de que a ação coletiva será frutífera governamentais e profissionais liberais
podem emergir (Tilly, 1978:98-142; têm historicamente desempenhado um
Tarrow, 1994). “Os movimentos sociais papel crucial de ajuda para que organi-
se constituem quando cidadãos comuns, zações populares se fortaleçam. 3
algumas vezes encorajados por líderes,
respondem às mudanças nas oportu-
nidades que reduzem os custos da ação Em sua maior parte, a literatura
coletiva, revelam aliados potenciais e sobre movimentos sociais vê o impacto
mostram onde as elites e as autoridades do Estado na organização cívica como
são vulneráveis.” (Tarrow, 1994:18) indireto. Considera-se pouco provável
que o Estado encoraje a formação de
grupos cívicos autônomos, e qualquer
Ao mesmo tempo, estudos têm mos- tentativa de agir como “agente externo”,
trado que em geral pessoas mais pobres intervindo diretamente em comunidades
só se mobilizam com ajuda externa. locais, ajudando associações a desen-
“Agentes externos” podem ajudar as volver capacidade de organização, não
pessoas a conseguir recursos financeiros é mais do que uma simples tentativa de
ou a adquirir o traquejo político neces- cooptá-las. Porto Alegre nos oferece um
sário para que possam tomar partido das exemplo raro. Atores estatais inovadores
“janelas de oportunidade”. Os mais do- assumiram um papel mais pró-ativo, não
tados de recursos, tais como setores insa- apenas ao criar um ambiente propício à
tisfeitos da elite e grupos organizados em promoção explícita de grupos cívicos,
busca de alianças, podem prover os mas também ao trabalhar próxima e
recursos e competência técnica que diretamente com as comunidades para
tornam a mobilização possível aos mais ajudá-las a se organizar 4 . O exame de
pobres e menos experientes (Jenkins, como isso ocorreu pode nos ajudar a
1983; McCarthy and Zald, 1977; Tilly, repensar o potencial da relação entre
1978:52-97). Na América Latina, a Estado e sociedade civil.
Igreja Católica, líderes estudantis, mili-

3
Para o Brasil, Jacobi (1989) argumenta que, enquanto a “janela de oportunidade” criada
pelo enfraquecimento da ditadura promoveu o crescimento dos movimentos populares no
início dos anos 80, o trabalho de uma vasta gama de agentes externos explica por que
alguns desses movimentos foram mais fortes em alguns bairros e regiões do que em outros.
4
Embora raro, o caso de Porto Alegre tem precedentes. Para um interessante estudo de política
similar em uma cidade norte-americana, ver o trabalho de Haeberle (1989) sobre um Programa
de Participação em Birmingham, Alabama. Como em Porto Alegre, Haeberle conclui que o
esforço do governo local na promoção da participação dos cidadãos fortaleceu dramaticamente
o ambiente associativo naquela cidade.
52 Do Clientelismo à Cooperação

Organizações de bairro e a política de Orçamento


Participativo em Porto Alegre

Nos vinte anos de democracia anteriores partido dos militares, a ARENA. As SABs
ao golpe de 1964, Sociedades de Ami- que continuaram ativas assim permane-
gos de Bairro (SABs) começaram a ciam para apoiar o regime e em geral
surgir nas cidades brasileiras. Essas pri- evitavam demandas ao poder. Quando
meiras associações de bairro, formadas o regime começou a se enfraquecer,
em grande parte por moradores pobres após 1974, novas possibilidades para
em busca da extensão de serviços públi- políticas clientelistas começaram a emer-
cos a seus bairros, raramente mobili- gir. A ARENA procurava amealhar apoio
zavam grande número de pessoas. para o regime e em troca distribuía favo-
Preferindo a negociação com políticos res aos correligionários (Hagopian,
locais, líderes comunitários arregimen- 1996). Mas, ao fim dos anos 70, o repú-
tavam votos na comunidade em troca dio aos militares se alastrava e uma
de promessas de investimento quando miríade de movimentos de protesto
seus candidatos fossem eleitos. Na me- ganhava força e momento. Durante o
dida em que ganhavam importância ao regime militar, intensa migração campo-
longo das décadas de 50 e 60, as SABs cidade causou o inchamento das cida-
se multiplicavam nas grandes cidades des e a proliferação de bairros pobres e
brasileiras, que então experimentavam favelas totalmente destituídos de infra-
crescimento explosivo (Alvarez, 1993: estrutura básica. Para a vasta maioria
195; Kovarick e Bonduki, 1988; Singer, dos bairros, as vagas promessas e a troca
1980). Em Porto Alegre, a maioria das miúda de favores com os líderes comu-
associações era ligada ao Partido nitários nem de perto satisfaziam as ca-
Trabalhista Brasileiro (PTB), partido po- rências de transporte, pavimentação,
pulista de centro-esquerda que tinha um água tratada, esgotos, postos de saúde
discurso de defesa dos direitos dos traba- e outros serviços. Ao mesmo tempo, o
lhadores e uma prática de cooptação a enfraquecimento político do regime mili-
qualquer preço de organizações cívicas tar o tornava mais atento às demandas
e sindicatos. Em 1959, foi criada uma da população. Essa brecha criou as con-
rede estadual de SABs, a Federação Rio- dições para o surgimento de um novo
grandense de Associações Comunitárias tipo de associação de bairro nas cidades
e de Amigos de Bairros, ou FRACAB. brasileiras, associações que recusavam
Essa organização passou a coordenar as o jogo clientelista.
relações clientelistas entre as associações
e os líderes políticos do PTB (Baierle, Em Porto Alegre como em outras ci-
1993:97-98). dades, durante esse período, grupos de
pessoas começaram a contestar as lide-
Em 1964, com o golpe militar, o PTB ranças clientelistas que controlavam as
foi extinto e a FRACAB, tomada pelo associações de bairro, criando organiza-
Rebecca Abers 53

ções mais abertas e participativas que regiões da cidade houvessem formado


procuravam obter benefícios para seus coalizões similares, a maioria dos bairros
bairros através de pressões e protestos de Porto Alegre era ainda dominada por
em vez de negociações de caráter associações clientelistas, também em
pessoal a portas fechadas. Com a ajuda expansão, especialmente sob a égide do
de “agentes externos” – tais como ati- PDT (Partido Democrático Trabalhista),
vistas da ala progressista da Igreja sucessor do PTB de antes do golpe mili-
Católica e organizações não-governa- tar. O PDT havia construído uma pode-
mentais locais –, grupos de bairros for- rosa rede de líderes de bairro que foi
maram coalizões em três regiões da crucial para a eleição de seu candidato
cidade onde os ativistas “combativos” à prefeitura em 1985. Vasta parcela da
eram mais fortes: as favelas dos morros periferia mais pobre da cidade continua-
da região do Cruzeiro e Glória e a área va praticamente desmobilizada, e suas
operária da região norte, onde está si- associações permaneciam controladas
tuada a maioria das indústrias de Porto por cabos eleitorais que desencorajavam
Alegre. No início dos anos 80, manifes- formas mais participativas de organi-
tações de massa ocorreram nessas três zaç ão.
regiões, na esteira de lutas contra a trans-
ferência forçada de famílias e por obras Em 1988, de forma surpreendente,
de infra-estrutura. Por volta de meados Olívio Dutra, o “azarão” candidato do
dos anos 80, as coalizões haviam se tor- Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou
nado fortes organizações de protesto e a eleição para Prefeito de Porto Alegre.
desempenhavam importante papel na O PT é um partido de linha social-de-
política local. Ao contrário das associa- mocrata, fundado em 1980 a partir de
ções clientelistas, elas eram represen- uma coalizão de movimentos de base,
tativas, participativas e visceralmente sindicatos combativos, ex-militantes de
avessas a negociações pessoais a portas organizações de esquerda, intelectuais
fechadas. Prevalecia uma ideologia de e setores progressistas da Igreja Católica.
igualdade, de direitos humanos e de Embora tendo um bom número de an-
participação das bases, o que envolvia tigos militantes de organizações de
grande número de residentes (Baierle, esquerda entre seus fundadores, o PT
19 93 ). sempre procurou criticar e se distanciar
do centralismo característico dos parti-
No entanto, em momento algum tais dos de esquerda anteriores. O PT é
comunidades “combativas” representa- organizado em núcleos – pequenos
ram mais de um terço das associações grupos em bairros, escolas e locais de
de bairro (Baierle, 1993) 5. Embora, por trabalho – que se reúnem, tomam de-
volta do fim dos anos 80, várias outras cisões e elegem delegados para as con-

5
Essa estimativa toma como associações “combativas” as afiliadas à UAMPA (União das
Associações de Moradores de Porto Alegre), uma federação metropolitana de associações
criada pelas lideranças “combativas”.
54 Do Clientelismo à Cooperação

venções zonais, municipais e regionais. pativos. Foram necessários vários anos


A idéia é assegurar um processo de de- para que as iniciativas participativas se
cisão de baixo para cima em que uma afirmassem e ainda mais para que
ampla base, enraizada nos movimentos bairros historicamente desmobilizados
populares, possa ter contato com a lide- começassem a participar efetivamente.
rança do partido. Ao longo dos anos 80,
uma vaga concepção de um sistema de O Orçamento Participativo foi criado
governo análogo à estrutura partidária em 1989 e ao longo dos anos se tornou
do PT foi se formando dentro do parti- o mais ambicioso programa partici-
do. A proposta básica era desenvolver pativo da administração municipal. A
uma rede de “conselhos populares” em cidade foi dividida em 16 “regiões do
bairros e locais de trabalho que no futuro orçamento participativo”, obedecendo
iria assumir muito do poder de decisão ao contorno das coalizões de bairro e,
do governo. Por volta do fim da década, onde estas não existiam, a limites geo-
a plataforma do partido se centrava em gráficos mais gerais. Cada uma dessas
torno de dois temas: a re-orientação das regiões sedia duas rodadas de assem-
prioridades de governo para os mais bléias em que representantes do gover-
pobres e a participação popular. 6 no fazem circular informações sobre o
orçamento municipal e, ao fim, são elei-
Em 1989, quando o PT assumiu o tos os representantes para os fóruns
poder em Porto Alegre, a plataforma do anuais. Após a primeira assembléia, em
partido proclamava a criação de conse- reuniões promovidas em cada bairro, os
lhos participativos em todas as instâncias moradores definem listas de prioridades
e níveis de tomada de decisão. Mas, uma de investimento divididas em sete cate-
vez no governo, a administração petista gorias, de pavimentação e drenagem até
encontrou inúmeras dificuldades para a a construção de novas escolas. Na
implementação dessas idéias. A estru- segunda assembléia elegem-se os dele-
tura do governo se desmantelara, falida gados para cada um dos 16 Fóruns Re-
pela gestão anterior. A nova administra- gionais do Orçamento Participativo. Os
ção, liderada por um grupo de ativistas delegados são eleitos na proporção de
com pouca ou nenhuma experiência de um para cada dez participantes das
governo, logo percebeu que apenas assembléias. Assim, cada bairro é repre-
prover de serviços básicos a população sentado no Fórum na proporção em que
era tarefa difícil o bastante. Paralela- enviar moradores às assembléias. Tam-
mente, embora existissem fortes orga- bém na segunda assembléia, cada re-
nizações civis em algumas partes da gião de orçamento elege dois delegados
cidade, a maioria dos bairros não tinha e dois suplentes para o Conselho do
associações que pudessem representá- Orçamento Participativo, que funciona
los com legitimidade em fóruns partici- ao nível municipal. Nos meses que se

6
Sobre a história e a ideologia do PT, ver Gadotti e Pereira (1989), Keck (1992) e Meneguello
(1989). Sobre as experiências de outras administrações municipais do PT, ver Abers (1996),
Alvarez (1993) e Nylen (1996, 1997).
Rebecca Abers 55

seguem às grandes assembléias regio- Em trabalho anterior discuti minu-


nais, os delegados dos Fóruns Regionais ciosamente como o processo de orça-
negociam entre si e apresentam uma mento evoluiu e por que se tornou a
“lista regional de prioridades” para pro- política mais importante da administra-
jetos de infra-estrutura em cada cate- ção do PT, enquanto outros programas
goria de investimento. O Conselho do participativos atingiram proporções bem
Orçamento Participativo decide a distri- mais modestas (Abers, 1997). Em sín-
buição de recursos para cada categoria tese, na tentativa de angariar apoio
de investimento entre as regiões. Em político mais amplo, o Orçamento se
seguida, determina a lista de projetos em mostrou mais viável do que outras polí-
cada região de tal forma que os bairros ticas participativas. Por um lado, o Orça-
a que os Fóruns Regionais atribuíram mento Participativo encarnava dois
prioridade sejam os primeiros a ter seus principais pontos programáticos da pla-
projetos incluídos no Orçamento Muni- taforma petista: promoção da parti-
cipal do ano. Tanto o Conselho quanto cipação popular e re-orientação do gasto
os Fóruns Regionais têm outras atribui- público em favor dos mais pobres. Nisso,
ções. Os Fóruns monitoram a execução atendia a demandas específicas das coa-
dos investimentos e discutem regular- lizões de bairro “combativas”: alocação
mente com funcionários do governo sistemática de recursos nas regiões mais
sobre serviços municipais de forma mais pobres e controle sobre as decisões de
geral. O Conselho supervisiona a formu- investimento pelos próprios moradores.
lação de todo o Orçamento Municipal,
aprovando os planos de investimento de Por outro lado, o Orçamento Partici-
cada órgão da administração direta e in- pativo era um grande trunfo político.
direta. Em 1994, cinco “Fóruns Temáti- Obras de infra-estrutura relativamente
cos” foram acrescentados ao processo simples eram altamente visíveis e ime-
de orçamento participativo. Seguindo a diatamente afetavam as vidas de um
metodologia adotada nos Fóruns Regio- grande número de pessoas. Embora par-
nais, grandes assembléias elegem de- celas da elite – especialmente grandes
legados, que discutem, de forma mais proprietários de solo urbano – estives-
ampla, questões de políticas municipais sem então pagando mais impostos para
como desenvolvimento econômico, financiar tais investimentos, outras,
transporte, educação e saúde. Também como empresas de construção, se bene-
se elegem representantes para o Con- ficiavam com o aumento do gasto públi-
selho Municipal de Orçamento nessas co em infra-estrutura. Uma parcela cada
assembléias. Mas, mesmo depois da vez maior da classe média também
criação dos Fóruns Temáticos, a maioria apoiava o Orçamento Participativo, visto
dos participantes no processo orçamen- como a tão ansiada resposta à tradição
tário continuou voltada para a discussão de decisões a portas fechadas, corrup-
de como os investimentos devem ser ção e favoritismo, que resultavam em
alocados. dilapidação dos recursos públicos.
56 Do Clientelismo à Cooperação

Talvez mais importante ainda seja o que os vereadores aprovassem sua pro-
fato de a política de orçamento ter de- posta orçamentária ou votassem pelo
monstrado uma tremenda capacidade aumento de impostos que financiariam
de mobilização. Na medida em que as os investimentos que demandavam.
pessoas percebiam que ao se mobiliza- Também ajudaram a angariar apoio
rem conquistavam benefícios tangíveis para os candidatos do PT em época de
para suas comunidades, a participação eleições, embora não de forma cliente-
em associações de bairro se multipli- lista. Em vez de oferecerem votos em
cava. Embora a maioria dos participan- troca de favores, os participantes con-
tes do Orçamento não fosse militante do tribuíam para a reeleição de quem tinha
PT, tornava-se simpática ao partido à efetivamente atendido a suas reivindi-
proporção que o governo cumpria seu cações de forma aberta e transparente.
compromisso em atender às suas reivin- O apoio gerado pela política de orça-
dicações. Essa legião de lideranças de mento contribuiu decisivamente para
bairro foi decisiva para a manutenção que o PT se reelegesse duas vezes e
da política de orçamento. Em várias oca- mantivesse os altos índices de aprovação
siões os participantes encheram as gale- que desfruta até hoje.
rias da Câmara Municipal para exigir

Do clientelismo à cooperação: a Região do


Extremo Sul

O resto deste artigo irá examinar como como local de férias e lazer. A partir dos
o Orçamento Participativo conseguiu anos 60, o banho nas águas do balneá-
mobilizar bairros antes dominados por rio se tornou impossível, tal a poluição
lideranças clientelistas e como isso resul- causada pelo rápido crescimento de
tou no fortalecimento da sociedade civil Porto Alegre. O Extremo Sul passou a
em Porto Alegre. Focalizarei uma região ser ignorado pelos governos municipais
onde fiz observação participante e con- uma vez que o desenvolvimento se des-
duzi extensas entrevistas: a Região do locava na direção da área industrial ao
Extremo Sul. No passado, o Extremo Sul norte da cidade. Mas, por volta dos anos
de Porto Alegre, bela região de verdes 80, a região sul, ainda predominante-
colinas margeando o Rio Guaíba, era mente rural, se tornou região de expan-
mais conhecido pela comunidade ribei- são, não de investimentos produtivos,
rinha do Belém Novo, o balneário mais mas de famílias em busca de moradia
acessível até meados do século. Mas, barata. No Extremo Sul, os setores mais
quando a pavimentação de estradas pobres da classe média ainda podiam
tornou mais fácil o acesso ao litoral, comprar um lote de bom tamanho, em-
Belém Novo perdeu sua importância bora em loteamentos totalmente des-
Rebecca Abers 57

providos de serviços de infra-estrutura clientelistas com partidos políticos, espe-


básica. Ao longo das estradas de terra cialmente com o PDT. A maioria dos
da região, surgiram dezenas de lotea- bairros e aglomerações da região não
mentos populares e pequenas invasões possuía associação ou só possuía asso-
onde se agrupavam os que não conse- ciações fechadas à participação. Exceto
guiam moradia nem nos cortiços nem a parte antiga de Belém Novo, nenhum
nas favelas da cidade. Em 1990, cerca dos bairros e comunidades da região dis-
de 24.000 pessoas viviam na região. A punha de saneamento básico, drenagem
Figura 1 mostra um mapa dessa região, e pavimentação. O transporte para a
identificando as maiores aglomerações. cidade era caro e extremamente demo-
rado. Ocasionalmente, candidatos pas-
Como em várias outras regiões da savam pela região prometendo as tão
cidade, organização comunitária abran- necessárias obras, mas, quando eleitos,
gente era algo virtualmente inexistente as promessas não eram cumpridas. Com
no Extremo Sul antes da administração a administração do PT, uma dramática
do PT. As associações de bairro oficiais transformação nesse quadro ocorreu
eram dominadas por alguns dos mora- como conseqüência da política de Orça-
dores mais ricos que mantinham laços mento Participativo.

Figura 1
Mapa da Região Extremo Sul de Porto Alegre
58 Do Clientelismo à Cooperação

Mobilizando os moradores

Num esforço para melhorar o nível dos dida por uma administração que em seu
serviços no sul de Porto Alegre, a admi- primeiro ano não tinha quase nenhum
nistração petista, em seu primeiro ano, recurso para obras de infra-estrutura.
criou o Centro Administrativo Regional
(CAR) em Restinga, região adjacente ao No ano seguinte, a assembléia anual
Extremo Sul e mais densamente povoa- da região reuniu 80 pessoas, a maior
da. Os funcionários do CAR tinham a parte ainda da área de Belém Novo. Os
difícil tarefa de contatar as lideranças dos novos conselheiros de orçamento eleitos
bairros do Extremo Sul e promover a eram um militante do PT ligado à Igreja
participação no Orçamento. Como se Católica Progressista e um político a ser-
não bastasse a dificuldade natural de tra- viço de um deputado estadual conserva-
balhar em região tão vasta e esparsa- dor. Para se informarem das carências
mente populada, a falta de recursos no da região, os dois percorreram o Extre-
início da administração tornava tudo mo Sul conversando com os moradores.
ainda mais difícil. Sem dispor sequer de Ainda assim, só ocorreu uma assembléia
um automóvel para percorrer a região, geral para a definição de prioridades. O
a única forma de convocar a participa- primeiro grande investimento da admi-
ção nas assembléias era o contato por nistração no Extremo Sul, a pavimen-
correio com as associações de bairro ofi- tação da Estrada do Chapéu de Sol, foi
ciais. A maioria dessas era de associa- decidida a portas fechadas pelos conse-
ções tradicionais, não-participativas e lheiros. “Se tivesse havido participação,
clientelistas. Os líderes de associação de fato”, um líder comunitário que entre-
foram convocados para a primeira vistei observou, “essa estrada nunca
assembléia do Orçamento Participativo teria sido escolhida pois quase ninguém
em 1990. A eleição para os cargos de mora por ali” (Pedrosa). 7
representantes do Extremo Sul no Con-
selho de Orçamento, com baixíssimo Ainda assim, a Estrada do Chapéu
quórum, foi vencida por dois dos mais de Sol causou um importante “efeito de-
ricos moradores da região: um deles, o monstração”. Como um diretor do CAR
maior proprietário de terras na região notou: “...mesmo não sendo um projeto
do Lami, o outro, um ambicioso político importante do ponto de vista técnico, a
que mais tarde seria eleito vereador pelo estrada mostrava que com o Orçamento
PDT. Sem fazer maiores esforços para Participativo as obras realmente aconte-
se reunir com os moradores do Extremo ciam”. Muitos moradores do Extremo
Sul, esses dois conselheiros formularam Sul tiveram conhecimento do Orçamen-
uma longa e desordenada lista de reivin- to Participativo ao procurarem o CAR
dicações, a maioria das quais não aten- para saberem por que a Estrada do

7
Todos os nomes de participantes do Orçamento que entrevistei são fictícios.
Rebecca Abers 59

Chapéu de Sol estava sendo pavimenta- Estrada de Ponta Grossa e o forneci-


da e para pedirem benefício semelhante mento de água potável para Lageado.
para seus bairros. A resposta era invaria- Um grande número de moradores par-
velmente uma síntese do Orçamento ticipara pela primeira vez, mas, em sua
Participativo: “Se vocês querem obras maioria, vindos apenas desses dois
em seu bairro, organizem-se e partici- bairros.
pem das assembléias de orçamento do
ano que vem”. Nos anos seguintes, contudo, com
a execução das primeiras obras deci-
Além de informarem os que o procu- didas por participação, outros bairros
ravam com reivindicações, o pessoal do começaram a participar. Em minhas
CAR também percorreu a região – em entrevistas com participantes de Belém
especial depois de 1991, quando passou Novo, Lami, São Caetano, Jardim Ve-
a dispor de um automóvel – contatando ronese e Chapéu de Sol, ouvi muitas
potenciais lideranças de bairro. Uma histórias sobre como eles reagiram aos
grande “descoberta”, em 1992, foi o investimentos da prefeitura em outros
Senhor Azevedo, um ferroviário aposen- bairros e como o efeito demonstração
tado, cheio de energia, que havia sido dessas primeiras obras os puseram em
militante do Partido Comunista Brasi- contato com funcionários da prefeitura,
leiro durante a ditadura. Vendo nele um que os encorajaram então a participar
“líder potencial”, o diretor do CAR o das assembléias. O aumento da mobi-
encorajou a fundar uma associação de lização, associado à renovação nas
bairro. Outro bairro, Lageado – que associações de bairro, fez com que já
sofria com a falta de água potável –, em 1993 a disputa pelos investimentos
também começou a se mobilizar depois na Região do Extremo Sul não se res-
que funcionários do CAR encorajaram tringisse a Ponta Grossa e a Lageado.
os moradores a comparecer às assem- Bairros maiores como Belém Novo,
bléias. Em resposta a esses esforços, em Lami, São Caetano, Chapéu de Sol e
1992 a mobilização para as grandes Santa Mônica, além de várias pequenas
assembléias regionais de orçamento no comunidades, começaram a participar
Extremo Sul se intensificou: quinhentas efetivamente. Ao longo dos anos, dife-
e sessenta e nove pessoas comparece- rentes grupos foram capazes de mobi-
ram à segunda rodada de assembléias, lizar a maioria dos habitantes e de
em sua maioria moradores dos bairros conseguir importantes obras para seus
de Lageado e de Ponta Grossa. O bairros: um posto de saúde em Lami;
Senhor Azevedo e um morador de La- pavimentação em Ponta Grossa, Cha-
geado foram eleitos para o Conselho péu de Sol, São Caetano e Belém Novo;
Municipal de Orçamento, e pela primeira drenagem e rede de esgoto espalhados
vez se promoveram assembléias regula- por toda a região; novas e melhores
res de delegados. Conforme o esperado, linhas de ônibus servindo até Lami e
as prioridades oficiais para a região São Caetano. Pela primeira vez, leva-
naquele ano foram a pavimentação da vam-se grandes obras municipais para
60 Do Clientelismo à Cooperação

essa periferia distante de Porto Alegre. ao processo participativo. Manifestações


Cada uma delas escorada por um esfor- como as seguintes eram comuns:
ço de organização comunitária.
“Antes, nunca havia tido muita pro-
É claro que tal mobilização só ocor- ximidade. Se quisesse falar com um
reu porque a administração municipal secretário tinha que passar por uma
foi capaz de convencer moradores céti- enorme burocracia. Hoje em dia é fácil.
cos de que a participação iria dar frutos. A prefeitura até vem à comunidade.”
(Solange)
“Conheço pessoas que hoje são
delegados e que costumavam dizer: “Pessoas que não acreditavam viram
participar não vale a dor de cabeça que que conseguimos muita coisa com a par-
dá. Onde é que já se viu o povo decidir ticipação. Então eles começaram a parti-
alguma coisa? E hoje elas participam e cipar também. Eles perceberam que com
acreditam.” (Solange) o Orçamento Participativo tinham muito
poder... Antes, você tinha que procurar
A atenção permanentemente dada um vereador para tentar arrumar um en-
pelos funcionários dos altos escalões da contro com o prefeito. Hoje eu posso ir
prefeitura, que apareciam com fre- diretamente ao prefeito e falar com ele
qüência nas reuniões e que atendiam a pessoalmente. Mais ainda: não sou mais
pequenas reivindicações fora do Orça- eu que preciso de falar com ele, ele é
mento Participativo (como manutenção que precisa de mim!” (Cláudia)
das ruas), deu ainda mais credibilidade

Abrindo associações fechadas


O nível de organização atingido no discutir as prioridades de cada bairro.
Extremo Sul só foi possível porque as Em muitos casos, no entanto, alguns
novas lideranças de bairro foram capa- moradores se cansaram de esperar e
zes de quebrar a prática das associações começaram a trabalhar juntos por conta
tradicionais que vedavam a ampla par- própria. O primeiro bairro a derrubar
ticipação de moradores e que pouco uma associação clientelista foi Lageado,
faziam para trazer as obras e serviços que por muitos anos teve um presidente
de que a comunidade necessitava. E isso “vitalício” que, segundo os moradores,
não aconteceu da noite para o dia, pois, nunca fez nada senão aguardar que os
mesmo sabendo das oportunidades ofe- candidatos lhe batessem à porta em vés-
recidas pela nova política de orçamento, pera de eleição. Em 1992, quando a falta
os moradores freqüentemente espera- de água tratada se tornou intolerável,
vam que as lideranças oficiais de suas os moradores conseguiram forçar uma
associações organizassem reuniões para eleição para a associação e começaram
Rebecca Abers 61

a se reunir regularmente com ampla par- as coisas que interessavam a eles. Não
ticipação. Essa associação democratiza- queriam nem discutir com a gente. Eles
da foi então capaz de mobilizar o bairro tinham carro e achavam que o serviço
e conseguir um número de participantes de ônibus era ótimo. O que eles queriam
que lhe permitiu colocar “água para La- mesmo era manter o bairro do jeito que
geado” no topo da lista de prioridades sempre tinha sido.” (Solange)
para aquele ano.
O resultado dessa mobilização para-
Um processo semelhante aconteceu lela foi o surgimento de novas lideranças
em vários outros bairros ao longo dos que começaram a pressionar o Sr. Lira
anos. Um caso particularmente interes- por eleições para a diretoria executiva
sante de democratização de uma asso- da associação.
ciação de bairro ocorreu em Lami, onde
um rico proprietário de terra, Sr. Lira, “A gente fez pressão atrás de pressão.
era presidente da associação por treze Ele não queria eleição mas finalmente
anos e nunca havia realizado uma reu- cedeu. Ele saiu com um carro de som
nião aberta. Nos primeiros anos do dizendo: ‘Vote no Lira, 12 anos presi-
Orçamento Participativo, o Sr. Lira com- dente e tudo correndo bem’. Na hora
pareceu às assembléias regionais e apre- eu pensei: ele não deveria dizer isso. As
sentou reivindicações para Lami, mas pessoas vão perceber que é errado ele
sem tê-las discutido em seu bairro e sem estar lá na associação por 12 anos... É
ter informado seus vizinhos sobre a nova hora de trocar de presidente. E, você
política de orçamento. Os moradores de sabe, teve gente que ele levou para a
Lami só começaram a comparecer às reunião que no final votou contra. Ga-
assembléias depois que funcionários da nhamos por duzentos votos.” (Oswaldo)
prefeitura, preocupados com a fraca
participação dos moradores do bairro, A associação de Lami se tornou uma
convocaram reuniões abertas para infor- das mais efetivas no Extremo Sul, pro-
má-los sobre o processo de orçamento. movendo regularmente reuniões aber-
Na primeira delas, apenas seis mora- tas, trazendo muitos moradores das
dores compareceram e a reunião foi can- favelas próximas a Lami e se dedicando
celada por falta de quórum. Mas, no mês a atividades que transcenderam em
seguinte, esses seis moradores trouxe- muito à discussão do orçamento.
ram outros quarenta, e desde então a
participação do bairro aumentou. Como Paralelamente, em outro bairro da
um dos seis pioneiros observou: região, ocorreu um processo bem dife-
rente: um líder de bairro conseguiu com-
“Nós percebemos que a única forma binar a participação requerida pela
de conseguir alguma coisa para Lami política de orçamento com o que pode-
era através do Orçamento Participativo. ria ser chamado de “técnica quase-
Do jeito que era, Sr. Lira e Getúlio, clientelista”. Nelson, um político local
quando demandavam algo, pediam só filiado ao PDT, convenceu os moradores
62 Do Clientelismo à Cooperação

de uma das mais pobres favelas da área Esse processo, tão semelhante às
de Ponta Grossa a comparecer às gran- técnicas de manipulação de votos dos
des assembléias regionais com a pro- líderes de bairro clientelistas, é o que
messa de que, se o elegessem para o os porto-alegrenses chamam de “in-
Conselho Municipal de Orçamento, ele chaço”, a ocupação de assembléias por
traria obras e melhorias para a vila. pessoas que não participam regular-
Segundo os moradores, prometeu até mente, que não estão bem informadas
obras que estavam fora do escopo do sobre o processo e que simplesmente
Orçamento Participativo Municipal, votam de acordo com o que lhes dita o
como eletricidade, um serviço estadual. seu líder. Este tem sido um problema
Fornecendo ônibus alugados para o relativamente freqüente num processo
transporte e, segundo rumores, ofere- participativo que privilegia os bairros
cendo sanduíches e sapatos para as que conseguem trazer grande número
crianças, ele levou dezenas de morado- de pessoas às assembléias. Mas, como
res às grandes assembléias regionais e discutiremos em seguida, foi se tor-
foi eleito para o Conselho Municipal de nando mais e mais difícil recorrer a tais
Orçamento. Tendo mobilizado tanta práticas na medida em que o resto da
gente, Nelson reclamou o direito de no- região se organizava. De qualquer for-
mear amigos e vizinhos para um grande ma, qualquer que tenha sido o método
número de posições no Fórum Regional de mobilização – através da discussão
de Orçamento. Mas, em vez de usar a coletiva e da participação ou através
influência conquistada no Fórum Regio- de técnicas quase-clientelistas –, um
nal para propor melhorias para a co- número muito maior de pessoas se
munidade que havia mobilizado, ele aproximou das associações de bairro e
trabalhou pela aprovação de um projeto compareceu às assembléias públicas
de pavimentação da rua em que residia, mais do que jamais havia ocorrido.
em outra região de Ponta Grossa.

Construindo alianças
Enquanto, por um lado, o Orçamento tinham representantes de um número
Participativo estimulou a mobilização de grande demais de bairros para que um
bairros numa disputa por investimentos único ou alguns poucos bairros domi-
públicos, a mesma política também pro- nassem as votações decisivas. Em 1994,
moveu a cooperação entre bairros. Isso por exemplo, o Extremo Sul elegeu
porque a dinâmica do processo de deci- representantes de 10 comunidades.
são do orçamento não apenas enco- Outras regiões mais densas chegavam
rajou as associações a mobilizar seus a incluir representantes de mais de 30
moradores mas também a fazer alianças bairros e vilas. Assim, mesmo os grupos
com outros bairros. Os Fóruns Regionais dos bairros mais mobilizados buscavam
Rebecca Abers 63

alianças com outros, para que suas rei- votaram uma distribuição mais eqüi-
vindicações fossem incluídas no topo da tativa do investimento em pavimen-
lista de prioridades da região num deter- tação. Também votaram pela marcação
minado ano. de uma assembléia que revogou a elei-
ção de Nelson para o Conselho Munici-
No Extremo Sul, como descrevemos pal de Orçamento. De fato, semanas
anteriormente, a tentativa de Nelson de mais tarde ele perdeu o cargo. Sua ten-
monopolizar a definição de prioridades tativa de “inchaço” acabou provocando
nas Assembléias Regionais teve o efeito a própria derrota, na medida em que
inesperado de encorajar os demais bair- forjou uma aliança dos outros bairros
ros da região a se aliar. Como obtivera contra ele.
maioria na grande assembléia regional
de 1994, Ponta Grossa tinha condições Nos anos seguintes, a coalizão que
de nomear metade dos delegados para enfrentou o “inchaço” se empenhou em
o ano orçamentário de 1995. A maior ajudar a comunidade que Nelson mobi-
parte desses delegados não participara lizara a se organizar de forma autônoma.
regularmente do Fórum Regional e Muitos de seus moradores se tornaram
servia apenas como massa de manobra participantes regulares do Fórum Regio-
para Nelson. Mas, quando o Fórum dis- nal. Mais ainda, esse primeiro esforço
cutia a distribuição entre bairros da de cooperação resultou em uma aliança
quota de asfalto da região – em reunião duradoura entre líderes dos bairros do
que se seguiu a meses de discussão no Extremo Sul. Eles percorreram a região
Fórum –, Nelson com sucesso mobilizou pregando a importância da união e da
o bloco de delegados de sua área. Com defesa dos “interesses da região” ao
isso, ele forçou um acordo pelo qual invés dos “interesses de um bairro espe-
Ponta Grossa receberia duas vezes mais cífico”, além de assegurarem que todo
investimento em pavimentação do que bairro que participasse teria ao menos
qualquer outra área. A decisão injusta parte de suas reivindicações atendida.
revoltou os moradores de todos os Esse discurso teve grande apelo popular.
outros bairros. Na reunião seguinte do Ao final do ciclo de rodadas de orçamen-
Fórum, eles reclamaram que o “incha- to daquele ano, o “grupo cooperativo”
ço” dos moradores de Ponta Grossa montou uma chapa para a eleição dos
havia sido ilegítimo e demandaram delegados ao Conselho Municipal de
outra votação. Ponta Grossa ainda tinha Orçamento com candidatos de quatro
a maioria dos votos mas os delegados diferentes bairros, sempre enfatizando a
dos outros bairros compareceram em importância da unidade regional. Essa
peso. Além disso, conseguiram atrair coalizão venceu as eleições por anos a
vários delegados de Ponta Grossa, tiran- fio e se tornou a força dominante dentro
do partido da divisão entre Nelson e os do Fórum Regional de Orçamento.
que temiam que todo o asfalto benefi-
ciasse apenas a parte dele do bairro. Sob a liderança desse grupo, os
Com essa nova maioria, os delegados investimentos para o Extremo Sul foram
64 Do Clientelismo à Cooperação

distribuídos de forma muito mais equâ- que a prioridade da região deveria ser a
nime, resultado de acordos anuais que transferência dos moradores de tais
beneficiavam todos os bairros partici- áreas críticas. Conseguiram aprovar um
pantes. Também foi promovida uma projeto visando a compra de uma área
série de projetos maiores que depen- ao longo da estrada principal para ser
diam da aliança de vários bairros. Um usada no reassentamento. No ano se-
desses esforços foi o projeto de prover guinte, mobilizaram-se de forma ainda
de habitações e transferir os moradores mais intensa para conseguir a cons-
de uma das favelas da região para outra trução de casas para os moradores reas-
área, esta bem localizada e com infra- sentados. A crescente preocupação pelo
estrutura básica. O Extremo Sul tinha desenvolvimento mais geral da região
uma série de bolsões de habitações de também se refletiu na intensa partici-
baixa renda que brotaram em áreas pação de moradores do Extremo Sul em
públicas, impróprias em sua maioria. uma série de reuniões abertas, promo-
Muitas eram sujeitas a inundações e ero- vidas em 1995 e 1996 por lideranças
são, muitas estavam em áreas inade- do sul da cidade e por pequenos pro-
quadas para a construção de redes de dutores rurais da periferia do município.
esgoto e outras situavam-se em áreas de Essa discussão levou à formulação de
preservação ambiental. Em 1994, a um “plano de desenvolvimento susten-
nova liderança do Fórum percorreu as tável” para a região, que foi apresentado
assembléias de todos os bairros da re- ao governo municipal.
gião para convencer os participantes de

Transformando metas
Os exemplos citados mostram como, prévia de ação coletiva tiveram que
num período de poucos anos, mora- aprender as regras elementares para
dores que inicialmente se mobilizaram organizar uma reunião. Poucos partici-
para a obtenção de benefícios localiza- pantes da Região Sul tinham sido mi-
dos para seus bairros passaram a pensar litantes – a maioria era de pessoas
de forma mais ampla sobre o potencial comuns tentando obter obras e melho-
da região e sobre como os bairros pode- rias para seus bairros. No período em
riam se unir para viabilizá-lo. Isso resul- que acompanhei as assembléias do
tou em mudanças não apenas na forma Extremo Sul – que coincidiu com a fase
como os moradores votavam, mas de consolidação do Conselho Regional
também em como eles percebiam o pro- de Orçamento –, lenta mas claramente
cesso de deliberação. uma transformação ocorreu. No início,
as reuniões eram caóticas, todos inter-
Em primeiro lugar, participantes rompendo todos, gritos e ofensas, par-
com pouca ou nenhuma experiência ticipantes magoados abandonando as
Rebecca Abers 65

reuniões antes da tomada de decisões. nição de questões de ordem tais como:


Por várias vezes, moradores furiosos todos os que quiserem falar terão ou não
com o resultado de votações ou se sen- o direito? cada bairro deve ter apenas
tindo traídos estragavam as reuniões. um representante fazendo a apresenta-
Tais cenas acabaram por desencorajar ção e a defesa de suas reivindicações
muitos participantes. Como um deles ou todos podem fazê-lo? de quanto
ob se rv ou : tempo cada orador dispõe?

“Não queremos ouvir obscenidades. Os participantes também percebe-


As pessoas deveriam ter bom senso. ram a necessidade de definir com cuida-
Vários delegados pararam de participar do e clareza as regras das votações. O
por causa dessa bagunça.” (Francisco) processo de definição de prioridades
envolvia métodos de votação comple-
Com o tempo, os líderes do Fórum, xos, pois se estabeleciam sete categorias
inclusive vários dos que inicialmente orçamentárias em ordem de prioridade
costumavam gritar e agredir, percebe- e, dentro de cada categoria, várias de-
ram que essa tática não funcionava. mandas específicas. Votar “sim” ou
Como eram severamente criticados por “não” era insuficiente para decidir sobre
seus pares e por perceberem que após essa ordem intrincada de prioridades.
os momentos de conflito o quórum das Mas levou tempo e foi preciso que a ex-
reuniões declinava drasticamente, os periência se desenvolvesse, para que os
líderes mais exaltados passaram a se coordenadores das assembléias apren-
controlar. Progressivamente, os parti- dessem como explicar os objetivos de
cipantes mais calmos e ponderados cada votação e suas regras de funciona-
foram ganhando respeito e autoridade. mento. O desenvolvimento da habilida-
O “grupo cooperativo” mencionado de de criar regras pode ser considerado
anteriormente, que coordenava as reu- o primeiro passo da ação coletiva. De
niões e assembléias, aprendeu aos fato, vários de meus informantes viram
poucos a controlar as interrupções, a res- o caos das reuniões da fase inicial como
peitar a pauta e a conduzir votações o resultado de atitudes egoístas:
transparentes e bem organizadas.
“Todas essas agressões nas assem-
Essa transformação foi mais comple- bléias aconteceram porque as pessoas
xa do que simplesmente conseguir que ainda não botaram na cabeça que isso
as pessoas se controlassem e evitassem aqui é um todo, um coletivo... Estão
que as disputas chegassem ao nível sempre querendo levar vantagem. Se
pessoal. Elas tiveram de aprender a criar cada um percebesse que o que fazemos
regras de discussão que garantissem que é por todos, tudo funcionaria melhor...
a voz de todos fosse ouvida. Ao fim do É uma questão de cultura. A cultura da
meu período de observação, era comum liderança.” (Elza)
que se dedicasse um longo tempo, antes
mesmo dos debates principais, à defi- “Hoje o processo do orçamento é
66 Do Clientelismo à Cooperação

uma bagunça. Empacado com questões ram que, além da melhoria dramática
menores. Queremos que cresça muito nas condições de vida dos moradores
mais. Você não deve ser arrogante. Você das invasões, a região ganharia poten-
nunca deve dizer ‘eu’, você deve dizer cial econômico para o antigo balneário,
sempre ‘nós’.” (Cláudia) em função do embelezamento da mar-
gem do rio e da redução de sua poluição
Na medida em que aprendiam a por dejetos não-tratados. Embora tal
trabalhar em conjunto, as razões da racionalidade sugira que os delegados
participação também se transformavam. votaram o projeto em parte porque
A maioria das pessoas procurava as seriam indiretamente beneficiados, não
assembléias com objetivos específicos se pode esquecer que, para tanto, os
em mente: quero minha rua pavimen- delegados deixaram as demandas de
tada; quero acabar com as inundações seus bairros para segundo plano. O caso
anuais em meu bairro. O confronto entre da transferência mostrou que a partici-
esses objetivos particularistas e os obje- pação leva as pessoas a não só sentir
tivos dos outros forçava-as a uma mu- solidariedade pelos outros como tam-
dança de perspectiva. Participantes de bém a ver seus próprios interesses de
áreas mais bem servidas começaram a uma forma mais ampla. Muitos dos que
reconhecer que outros bairros tinham começaram a participar em função de
carências bem mais agudas e passaram algo para a sua rua, eram, um ano ou
a dar-lhes preferência. mais depois, defensores de “questões
regionais”, apoiando a revitalização eco-
O apoio de toda a região à transfe- nômica do sul da cidade ou protegendo
rência dos moradores de invasões, con- as reservas ecológicas da parte rural do
forme já descrito, foi um exemplo de tal município.
solidariedade emergente. O processo
começou com os pedidos de uma mora- O que resultou de mais impressio-
dora de uma invasão à beira do rio, nante do aprendizado formado talvez
Dona Carolina. Ela era a única delegada tenha sido o fato de os participantes
daquela comunidade de organização terem lentamente começado a desen-
tão tênue e, portanto, não tinha a capa- volver a capacidade de traduzir sua mu-
cidade de conseguir recursos para a dança de atitude em regras gerais sobre
transferência de sua comunidade sem o como os recursos devem ser distribuí-
apoio de outros delegados. Mas, com a dos. Na medida em que ganhavam ex-
ajuda da “liderança cooperativa”, ela periência, começaram a discutir os
convenceu a maioria dos delegados de critérios que deveriam determinar que
que as carências de sua comunidade bairros teriam suas reivindicações aten-
eram tão graves que mereciam clara didas, antes mesmo de discutirem as rei-
prioridade. O projeto, que eventualmen- vindicações em si. Assim, transcendiam
te cresceu e encampou outras invasões, seus interesses específicos e pensavam
foi votado como “prioridade máxima da de forma mais abrangente. Ao fim do
região” porque os delegados acredita- meu período de pesquisa, tal processo
Rebecca Abers 67

de desenvolvimento de regras de distri- outras regiões da cidade que estudei, o


buição se iniciava no Extremo Sul. Apa- uso de critérios distributivos era ainda
rentemente resultava da exaustão dos mais desenvolvido, tendo se tornado o
participantes, que, após tanta briga e tema principal de discussão, na medida
tanta disputa, procuravam meios mais em que os delegados elaboravam com-
pacíficos de resolução de suas dife- plexos sistemas de pontuação para deci-
renças. Seguindo a sugestão de um or- dir que bairros deveriam ter prioridade.
ganizador da prefeitura, os delegados Essa discussão levava a tomada de deci-
concordaram em utilizar um sistema em sões a outro nível: as pessoas começa-
que cada bairro iria listar suas priorida- vam a pensar naquilo a que suas idéias
des de forma mais geral (pavimentação, de “justiça distributiva” deveriam corres-
saúde, saneamento básico etc.). A prio- ponder na prática.
ridade na região para cada categoria
seria dada aos bairros que tivessem lis- Esses processos de aprendizado
tado aquela categoria em primeiro lugar foram complexos, lentos e freqüente-
em suas listas. Quando mais de um mente frustrantes. Em uma semana, os
bairro colocava certa categoria de inves- participantes podiam concordar com
timento no topo, critérios técnicos seriam uma série de critérios distributivos para
levados em conta: quantas pessoas iriam guiar a tomada de decisão, e, na semana
se beneficiar? A rua a ser pavimentada seguinte, tais critérios podiam ser inteira-
passa em frente a uma escola ou permite mente ignorados. Mas é certo que ao
a extensão das linhas de ônibus? E assim longo de meses e anos, as regras e crité-
por diante. Dessa forma, a distribuição rios iam lentamente se consolidando, na
final de recursos não refletiria apenas o medida em que os participantes toma-
número de votantes mobilizados por vam consciência de seus interesses de
cada bairro. Os projetos que beneficia- forma mais ampla e percebiam a neces-
vam as áreas mais carentes ou um nú- sidade de compatibilizar suas reivin-
mero maior de pessoas prevaleceriam. dicações com as de outros. Mas esse
processo só se iniciou porque as pessoas
Em última instância, no Extremo foram atraídas ao Orçamento Participati-
Sul, o sistema de critérios acabou sendo vo em função de seus interesses estreitos
combinado com um certo nível de nego- e pessoais. O Orçamento Participativo
ciação em que os bairros que elegeram gerou os incentivos à participação dis-
maior número de delegados pressiona- cutidos anteriormente e por isso acabou
vam para ter seus projetos aprovados, criando as condições para que as pes-
mesmo quando não justificáveis “tecni- soas ganhassem experiência de coope-
camente”. Mesmo assim, a consciência ração. Assim, tiveram a chance de não
crescente de que as decisões finais apenas criar laços de confiança e reci-
deviam obedecer tais critérios tornava procidade com outros, mas também de
mais difícil aceitar que os grupos com desenvolver uma visão de mundo mais
mais delegados na hora da votação de- ampla e generosa.
vessem simplesmente prevalecer. Em
68 Do Clientelismo à Cooperação

Conclusões: política local e ação coletiva

Em 1989, quando se iniciou o Orça- cerca de sete anos depois que o PT assu-
mento Participativo, a capacidade de miu a prefeitura, a organização civil não
mobilização dos bairros era muito desi- era mais uma primazia de poucas re-
gual em Porto Alegre. Mas, ao contrário giões “historicamente combativas”: um
do que se poderia esperar, os bairros e grande número de novas associações,
regiões mais organizados não vieram a regionais e de bairros havia surgido. Elas
dominar o processo orçamentário. 8 Ao mobilizavam moradores, se reuniam
contrário, certas características da políti- regularmente com a prefeitura na discus-
ca de orçamento e a forma com que esta são de políticas do governo, trabalha-
foi implementada levaram à mobilização vam juntas para articular demandas e
de bairros pobres, onde até então os se engajavam em discussões amplas e
moradores tinham pouca ou nenhuma sofisticadas sobre como melhorar suas
experiência de ação coletiva. Embora comunidades.
tenha aqui privilegiado o caso do Extre-
mo Sul, o que ali ocorreu não foi, de Dados do Orçamento Participativo
forma alguma, atípico. Em outras regiões confirmam essa visão. Em primeiro
onde as organizações de bairro eram lugar, o comparecimento às assembléias
também fracas antes da chegada do PT aumentou dramaticamente ao longo dos
ao poder, a política de orçamento criou, anos, desde que a política foi implemen-
da mesma forma, um ambiente propício tada. Em 1989, 60% dos participantes
ao aumento da força e da representati- do Orçamento viviam nas seis regiões
vidade das associações e à consolidação da cidade que tinham algum passado
de alianças regionais. Naquelas regiões de mobilização e engajamento político,
em que o nível de organização cívica era e apenas 40% viviam nas dez regiões
elevado antes mesmo do Orçamento mais desmobilizadas. Em 1995, o
Participativo, também importantes mu- quadro havia se revertido: 62% dos par-
danças ocorreram, com novos bairros ticipantes moravam nas regiões antes
ganhando força e a antiga liderança per- tidas como de fraca mobilização.
dendo influência 9 . Essas mudanças não
ocorreram sem luta. No Extremo Sul e Além disso, um survey dos parti-
em outras regiões, se passaram quatro cipantes em associações de bairro,
ou cinco anos até que grupos cívicos realizado em 1995, revelou que o asso-
fortes emergiram e se consolidaram. Mas ciativismo cresceu como resultado da

8
Para uma discussão das teorias de participação que afirmam que os mais organizados tendem
a prevalecer e reforçar sua dominância ao longo do tempo, ver Abers (1998).
9
Ver Abers (1997) para um exame dos efeitos da política de orçamento sobre as regiões histo-
ricamente mobilizadas.
Rebecca Abers 69

política de orçamento 10: 76% dos entre- gionais declararam auferir esse nível de
vistados eram membros de algum tipo renda domiciliar. Da mesma forma, en-
de associação civil. Destes, 83% partici- quanto 53% dos domicílios de Porto
pavam de alguma associação em seus Alegre tinham renda domiciliar superior
bairros, o que incluía não apenas asso- a cinco salários mínimos, apenas 34%
ciações de bairro como também centros dos participantes nas assembléias re-
comunitários, clubes de mães e comis- gionais superavam esse nível. Essa
sões de rua informais. Quando pergun- evidência confirma que o processo de
tados sobre se e como sua participação organização da sociedade civil aqui des-
em grupos cívicos mudou desde que a crito foi particularmente intenso para os
política de orçamento começou, 33% grupos sociais historicamente despro-
dos membros responderam que antes vidos de poder no Brasil: trabalhadores
do orçamento não participavam de gru- pobres que habitam regiões de periferia
po cívico algum. Outros 25% disseram urbana onde as carências de serviços e
que já participavam de grupos cívicos infra-estrutura são mais gritantes.
antes do Orçamento, mas que desde o
início da política sua participação havia Como assinalamos, teóricos dos
aumentado. Em outras palavras, cerca movimentos sociais têm mostrado que
de 60% dos que eram ativos em asso- as pessoas se mobilizam quando perce-
ciações se tornaram mais ativos desde bem “janelas de oportunidade” que os
o Orçamento Participativo. convençam de que a ação provavel-
mente dará resultados. Freqüentemente,
Finalmente, confirmando evidências tais “contextos favoráveis” estão asso-
qualitativas de minha pesquisa, que ciados a mudanças na estrutura de
mostraram serem os mais pobres os prin- poder do Estado, tais como o enfraque-
cipais ativistas no Orçamento, uma com- cimento de setores da elite ou o forta-
paração dos dados de nosso survey com lecimento dos formuladores de políticas
dados do Censo Demográfico de 1991 progressistas. Obviamente, a criação de
revelou que os participantes no Orça- políticas públicas sensíveis e participa-
mento tinham renda menor que a da tivas é uma mudança radical na estru-
população da cidade. Enquanto 29% tura de oportunidades para a ação
dos domicílios de Porto Alegre recebiam coletiva. Alguns são ativistas natos e
três salários mínimos ou menos, 45% lutam por melhorias mesmo quando o
dos participantes nas assembléias re- governo os ignora. Outros podem até

10
Realizei esse survey em colaboração com duas organizações não-governamentais (Cidade e
FASE-RS) e com a Coordenação de Relações Comunitárias da Prefeitura de Porto Alegre. Os
questionários foram aplicados durante a segunda rodada de grandes assembléias, durante o
mês de junho 1995. 10% dos participantes de todas as 16 assembléias regionais e 5 plenárias
temáticas foram entrevistados, somando 622 questionários. O survey levantou estatísticas
socioeconômicas, dados sobre experiência de participação e opiniões sobre o processo de
orçamento. Ver os resultados em Fedozzi, Pozzobon e Abers (1995).
70 Do Clientelismo à Cooperação

ter interesse em suas comunidades e na zados tivessem incentivos para se orga-


melhoria de suas condições de vida, mas nizar em seus bairros.
não estão dispostos a seguir todo o
longo, tortuoso e freqüentemente frus- Ao mesmo tempo, os participantes
trante processo de organização e pro- responderam à política de orçamento
testo. Muitos dos participantes no porque as questões que ela suscitava
Orçamento se enquadram nessa cate- eram de fácil compreensão e de grande
goria. Para eles, o Orçamento Participa- relevância para suas vidas. O orçamento
tivo lhes ofereceu um contexto em que, coloca em pauta carências básicas que
pela primeira vez em suas vidas, era fácil todos os moradores de áreas pobres con-
e frutífero participar da vida pública. sideram extremamente graves e urgentes.
Como observou uma de minhas entre- Quando as pessoas não compreendem
vistadas: plenamente os propósitos de certa polí-
tica pública, é muito menos provável que
“Sempre fui uma pessoa sociável. venham a se mobilizar. Um exemplo foi
Conhecia todo mundo no bairro. Mas a tentativa, conduzida pela mesma admi-
nunca havia pensado em participar de nistração municipal, de debate partici-
nada disso, em tentar melhorar minha pativo sobre o Plano Diretor da cidade
comunidade. Nunca havia uma oportu- nos Fóruns Regionais de Orçamento. As
nidade. Quando começou o Orçamento, normas do Plano Diretor, como a largura
descobri que minha familiaridade com mínima e inclinação máxima de ruas, ta-
o bairro e com meus vizinhos poderia manho de lotes e densidade máxima de
se tornar um algo mais.” (Joana) ocupação do espaço urbano, têm efeitos
dramáticos na infra-estrutura dos bairros.
O primeiro passo na promoção de Mas a Secretária de Planejamento, res-
organização cívica pelo Estado é que ponsável pelo processo, nunca conseguiu
este seja genuinamente aberto à partici- comunicar claramente aos moradores
pação e sensível às reivindicações dos como o Plano Diretor iria afetar suas
participantes. Mas ainda não é o bastan- vidas. Predominava nas reuniões o obs-
te: os participantes potenciais têm que curo jargão de planejadores, nunca tra-
saber disso. Em Porto Alegre, tal não duzido em linguagem acessível à maioria
aconteceu de repente. Depois de uma dos participantes do Orçamento. Como
longa história de promessas governa- resultado, o interesse inicial dos delega-
mentais não cumpridas, levou algum dos de bairros logo se diluiu e o processo
tempo antes que grande número de pes- de discussão foi então dominado por
soas começasse a participar seriamente. representantes de organizações setoriais,
A administração municipal teve que ONGs e empresários interessados, todos
provar sua credibilidade respondendo com nível de educação formal mais ele-
de forma visível e rápida às reivindica- vado.
ções que os participantes consideravam
prioritárias. Esse efeito demonstração Tanto o “efeito demonstração”
contribuiu para que grupos desmobili- quanto o fato de tocar em questões cru-
Rebecca Abers 71

ciais para os moradores mais pobres de trabalho de funcionários dedicados à


Porto Alegre ajudaram as pessoas a organização comunitária, que visitaram
perceber que a participação lhes poderia bairros desmobilizados em busca de
trazer benefícios. Outros fatores foram novos líderes locais, ajudando as pes-
decisivos para que se reduzissem os soas a se organizar e disseminando infor-
custos de participação. Em primeiro mação sobre o processo e os possíveis
lugar, os Fóruns de Orçamento eram benefícios da ação coletiva. No Extremo
abertos a novos participantes e lhes aco- Sul, o contato direto com os organizado-
lhiam as demandas. A estrutura institu- res da prefeitura foi essencial para trazer
cional criada pela administração foi novos bairros para o Orçamento. Um
muito importante: todos os moradores deles se referiu a esse trabalho como:
adultos podiam participar das assem- “politizando o buraco da rua”. A admi-
bléias e as regras de representação pro- nistração estimulou as pessoas que pro-
porcional asseguravam que grupos curavam os órgãos do governo com
minoritários pudessem se fazer repre- pequenas reivindicações a pensar suas
sentar nos Fóruns Regionais e no Con- carências em nível mais amplo e a se
selho Municipal de Orçamento. Outro organizar para resolvê-las. Com freqüên-
fator foi o envio de funcionários da pre- cia isso implicava em inúmeras viagens
feitura aos bairros mais remotos, ao aos bairros menos organizados para aju-
invés de se obrigar os participantes a se dar os moradores a convocar reuniões
deslocar até o centro da cidade. Funcio- e para apresentar-lhes informações
nários dos altos escalões de órgãos mu- sobre como se organizar para participar
nicipais gastavam muito de seu tempo de forma eficaz dos Fóruns do Orçamen-
percorrendo a cidade para se reunir com to Participativo. De fato, tais esforços de
moradores, discutir obras e outros ser- educação cívica por parte dos funcioná-
viços municipais. A criação de vários rios da prefeitura poderiam ter sido repli-
Centros Administrativos Regionais tam- cados, até de forma mais intensa, em
bém trouxe serviços municipais e funcio- outras espaços de tomada de decisão.
nários da prefeitura mais para perto dos Por exemplo, se tivesse havido mais se-
moradores da periferia pobre da cidade. minários informativos em torno da dis-
cussão do Plano Diretor, poderia ter
Mas talvez o maior esforço da admi- havido maior mobilização e participação
nistração para reduzir custos e aumentar dos cidadãos mais pobres. 11
a percepção de benefícios tenha sido o

11
O trabalho de um grupo de extensão do Programa de Planejamento Urbano e Regional da
UFRGS mostrou que era perfeitamente possível traduzir as questões do Plano Diretor em
termos facilmente compreensíveis para a maioria dos participantes. Foi realizado um seminário
com os membros do Fórum de Orçamento do bairro da Glória visando ajudá-los a responder
ao processo de discussão do Plano Diretor. Depois de alguma informação sobre questões
técnicas e legais envolvidas, sucedeu um acirrado debate. Os participantes mapearam a região,
pensando sobre como a estrutura física afetava seu crescimento econômico e sua qualidade
de vida.
72 Do Clientelismo à Cooperação

Além de reduzir os custos da partici- externo na promoção desses laços foi


pação e de incentivar a ação coletiva importante. Funcionários da prefeitura
pelo aumento de expectativas, a política procuraram mobilizar os moradores em
de orçamento gerou também um espaço áreas dominadas pelas associações
em que as pessoas ganharam experiên- clientelistas, convocando assembléias
cia de ação cooperativa e se tornaram abertas em bairros como Lami, onde o
mais conscientes da existência de pro- presidente da associação se recusava a
blemas e carências mais amplos, que disseminar informações sobre a política
transcendiam os limites de seus bairros. de orçamento. No caso de Ponta Grossa,
A estrutura institucional que se construiu onde um líder comunitário organizou
em Porto Alegre estimulou as associa- um “inchaço”, os organizadores profis-
ções de bairro a ser mais inclusivas e sionais da prefeitura trabalharam com
cooperativas. Por um lado, os bairros outros moradores para melhor informar
tinham que se mobilizar para obter bene- a comunidade e organizá-la de forma
fícios. Em todas as associações que es- independente. Em geral, esses organiza-
tudei, o número médio de participantes dores ajudaram a reduzir a discórdia e
aumentou e discussões abertas passaram a promover acordos entre os delegados.
a ocorrer, embora, em certos casos, téc- No Extremo Sul, embora os delegados
nicas quase-clientelistas tenham sido usa- de orçamento fossem os coordenadores
das para atrair moradores às assembléias. das reuniões, tinham sempre a ajuda de
Por outro lado, a dinâmica do processo um organizador administrativo da pre-
de decisão dentro dos Fóruns Regionais feitura, que lhes trazia informações de
de Orçamento, que forçava grupos de outras regiões, aconselhava a liderança
bairros a negociar entre si para que se sobre como conduzir as discussões, pro-
definisse uma lista de obras prioritárias, movia uma visão cooperativa entre par-
encorajou a formação de alianças regio- ticipantes e pregava a necessidade de
nais. A experiência de fazer alianças, ano regras distributivas. Esse trabalho se pa-
após ano, contribuiu para a criação de rece bastante com a ação de militantes
fortes redes de bairro em nível regional, da Igreja Progressista, de estudantes, de
formais e informais, por toda a cidade. profissionais liberais e de outros grupos
Os indivíduos que constituíam essas que tradicionalmente auxiliam na orga-
redes tiveram alterada a percepção do nização comunitária.
próprio interesse. Eles começaram a se
ver como membros de grupos maiores O quadro de organização cívica que
e a considerar o interesse dos outros. descrevemos contrasta fortemente com
Dessa forma, o Orçamento Participativo a noção bastante disseminada de que
desencorajou antigas tradições cliente- gasto público e políticas pró-ativas de-
listas e promoveu o que alguns autores sencorajam a ação coletiva. Muito pelo
chamam de “capital social” ou de laços contrário, a mobilização e a organização
de confiança e reciprocidade. que descrevi no caso de Porto Alegre
foram, de duas formas, o resultado dire-
O papel do governo como agente to de uma política pública que envolveu
Rebecca Abers 73

um grande investimento do governo. popular e negociação, a administração


Primeiro, contrariando a tendência inter- de Porto Alegre ajudou grupos de bairro
nacional de promover o autofinancia- a se organizar. Líderes ainda inexperien-
mento e a cobrança por investimentos tes tiveram ajuda no aprendizado de
em infra-estrutura, a administração pre- técnicas básicas de organização, e a pre-
feriu financiar os investimentos do Orça- feitura ativamente promoveu entre eles
mento Participativo com o aumento de uma ideologia de cooperação e recipro-
impostos e a redução de custos adminis- cidade.
trativos da prefeitura. 12 Foram gastos
entre doze e vinte por cento da arrecada- É claro que nada disso ocorreu fora
ção municipal, cerca de sessenta milhões do espaço da política. Como sempre
de dólares em 1995, em geral com obras acontece em processos participativos
pequenas, ao nível de bairro. O forte au- patrocinados pelo Estado, as ações de
mento do gasto municipal despertou a governo foram influenciadas pela neces-
mobilização cívica por toda a cidade, ao sidade de gerar apoio político para o PT.
invés de desestimulá-la. Mas, uma vez que a administração mu-
nicipal procurou fazê-lo, em parte ga-
Segundo, a política de Orçamento nhando aliados nos bairros mais pobres
Participativo priorizou um novo tipo de e em parte construindo uma reputação
investimento: investimento na constru- mais abrangente de governo “democrá-
ção de uma nova relação entre funcioná- tico”, os interesses da administração em
rios municipais e moradores. O trabalho geral coincidiram com o interesse das
de organizadores profissionais da pre- associações de bairro. Ambos buscavam
feitura e de vários outros funcionários um processo transparente pelo qual os
que participaram de incontáveis reu- bairros conseguissem investimentos em
niões de bairros refletiu um novo estilo infra-estrutura e serviços. 13 Essa coinci-
de governo que privilegiou o fácil aces- dência de interesses foi talvez a chave
so, a flexibilidade e a negociação. Parte que inaugurou o ciclo de organização
do sucesso da política de orçamento se cívica que descrevi. Por um lado, o go-
deveu à colaboração desse corpo de verno percebeu que ganhava credibi-
centenas de funcionários e ao trabalho lidade e apoio político ao prover de
da prefeitura em promover um esprit de infra-estrutura e serviços os bairros que
corps que respeitou o cidadão comum efetivamente participavam. Por outro
e evitou a rigidez burocrática. O resulta- lado, os moradores tendiam a se mobi-
do foi que, num processo flexível e des- lizar apenas quando acreditavam que
burocratizado de organização, educação sua participação lhes trouxesse benefí-

12
A arrecadação da cidade quase dobrou nos primeiros quatro anos de governo petista em
Porto Alegre, principalmente devido ao aumento da arrecadação de IPTU e ISS. Ver Cassel e
Verle (1994) para uma descrição detalhada da evolução da arrecadação.
13
Ver Abers (no prelo) para uma análise de como a estratégia política do PT em Porto Alegre
viabilizou políticas participativas.
74 Do Clientelismo à Cooperação

cios. O resultado transcendeu a mera clientelistas se tornaram participantes


estratégia eleitoral, desencadeando uma ativos da vida pública, organizados em
transformação fundamental na vida associações de bairro democráticas e re-
política de Porto Alegre. Moradores de presentativas, engajados em um debate
bairros pobres que até então eram en- aberto e transparente sobre governo e
grenagens secundárias das máquinas políticas públicas.
Rebecca Abers 75

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78 Do Clientelismo à Cooperação

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Parceria Público–Privado
na Renovação Urbana da
Zona Portuária do Rio de Janeiro

Rose Compans

A “parceria público–privado” vem se tor- para a consecução de objetivos comuns


nando recorrente nos debates públicos específicos – tais como a promoção do
sobre os novos desafios do planejamen- desenvolvimento econômico local, a
to e da gestão urbana, apresentada realização de determinado projeto de
como alternativa para a resolução de investimento, a gestão dos recursos
pelo menos três grandes males que afe- hídricos e minerais etc. – envolvendo
tam a administração pública de uma certo nível de engajamento operacional
forma geral: a escassez de recursos para e a expectativa compartilhada de repar-
o financiamento da infra-estrutura ur- tição dos benefícios.
bana e para os novos investimentos
considerados estratégicos para o desen- A relação entre o poder público e o
volvimento econômico local; a baixa setor privado, no caso da parceria, se
capacidade de legitimação e coesão distingue tanto da verificada na priva-
social das instituições representativas tização ou terceirização de serviços pú-
tradicionais; e a ineficiência das organi- blicos, em que o primeiro, na qualidade
zações burocráticas na prestação de ser- de poder concedente/contratante, esta-
viços públicos. belece as metas e as obrigações da em-
presa concessionária/contratada, quanto
Embora recobrindo diferentes for- da verificada na participação de entida-
matos organizacionais e jurídicos, a ex- des sociais representativas no processo
pressão “parceria público–privado” tem decisório governamental, em razão da
sido utilizada para designar coalizões inobservância, nesta última, de obriga-
entre instituições públicas e privadas toriedade de que os partícipes empe-

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 79-105


80 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

nhem-se na provisão dos meios para a ropa, tem também influenciado sobre-
obtenção dos resultados anteriormente maneira administradores e estudiosos
acordados e, tampouco, de que repar- brasileiros e latino-americanos. Apesar
tam os benefícios que deles sejam advin- de os Estados Unidos contarem com
dos, características fundamentais da uma longa tradição na formação de par-
parceria e que conferem a ela um caráter cerias entre o setor público e empresas
contratual societário. privadas, a experiência recente de rees-
truturação urbana e econômica da Cida-
No Brasil, a importância da parceria de de Barcelona tornou-se modelo de
público–privado tem sido enfatizada por referência para diversas municipalida-
autoridades governamentais dos mais des, mercantilizado por consultores inter-
distintos matizes ideológico-partidários nacionais.
pela potencialidade que supostamente
representaria no aporte de recursos fi- Na propagação desse modelo, a
nanceiros, na construção de consensos parceria público–privado observada na
políticos em torno de conteúdos progra- elaboração e implementação do Plano
máticos de governo, ou, ainda, na maior Estratégico de Barcelona (que visava
eficiência administrativa na gestão da inicialmente apenas à preparação da
infra-estrutura e dos serviços públicos. cidade para a realização dos Jogos Olím-
Convém lembrar, contudo, o papel que picos de 1992 e resultou na criação de
as agências de fomento multilaterais têm 23 empresas e institutos municipais, 2
desempenhado na difusão de idéias empresas privadas e 34 empresas de
sobre novas fontes de financiamento economia mista) é apontada como uma
público e de práticas de gestão compar- das grandes ferramentas utilizadas na
tilhada de infra-estruturas e serviços na conversão da capital catalã em um dos
América Latina, até mesmo, por vezes, principais centros dinâmicos da econo-
vinculando a liberação de financiamen- mia européia.
tos à exigência de participação de ONGs
e de associações comunitárias e empre- Seguindo o exemplo de Barcelona,
sariais no acompanhamento e gestão a municipalidade do Rio de Janeiro
dos programas e projetos a serem apoia- também buscaria, a partir de 1993, uma
dos, requisito considerado essencial para associação a segmentos empresariais no
o desenvolvimento dito sustentável, intuito de elaborar um plano estratégico
para a eficácia e para a prática do “bom objetivando impulsionar o desenvol-
governo”. vimento econômico local, através da
definição de ações estratégicas e do
Além disso, a difusão de experiên- comprometimento dos atores envolvi-
cias administrativas bem-sucedidas que dos com sua implantação. Dentre os
contaram com a participação da inicia- muitos projetos considerados prioritários
tiva privada na execução de projetos de no Plano Estratégico da Cidade do Rio
intervenção urbana de grande porte, de Janeiro figuram a candidatura aos
sobretudo nos Estados Unidos e na Eu- Jogos Olímpicos de 2004, a construção
Rose Compans 81

de um teleporto e a revitalização da área participação da recém-criada Agência de


portuária. Desenvolvimento Urbano, uma socieda-
de civil sem fins lucrativos formada por
A parceria público–privado que está empresários dos setores imobiliário e
sendo desenhada para a implantação financeiro. Do lado da Companhia
desse Plano é o objeto do presente tra- Docas, a proposta está sendo viabilizada
balho. Nele procuraremos elucidar o pela aprovação da Lei 8.630/93, que
arranjo institucional subjacente e o papel permite o arrendamento das instalações
que esse novo padrão de cooperação portuárias, bem como pelo projeto de
entre os setores público e privado de- ampliação do Porto de Sepetiba, na
sempenha na gestão atual do espaço medida em que com ela a desativação
urbano e metropolitano. Entretanto, na parcial das atividades portuárias prevista
medida em que existem atualmente dois nos 3,5 km de cais do Porto do Rio, entre
projetos de renovação 1 distintos sendo o píer da Praça Mauá e a Rodoviária
propostos – um pela Companhia Docas Novo Rio, não implicará numa redução
do Rio de Janeiro e outro pela Prefeitura da movimentação de cargas portuárias
da Cidade do Rio de Janeiro –, convém no Estado do Rio de Janeiro.
analisar separadamente em cada um
deles o tipo de parceria e o formato ope- No intuito de auxiliar nossa reflexão
racional sugerido. sobre o verdadeiro conteúdo e signifi-
cado dessas parcerias, faz-se necessário
Do lado da prefeitura, esse projeto uma breve recuperação de algumas
conta com a assessoria do arquiteto ca- abordagens aplicadas a experiências
talão Oriol Bohigas (que projetou a Vila internacionais, antecedendo a análise do
Olímpica e a reurbanização da antiga caso do projeto de renovação urbana
Zona Portuária de Barcelona) e com a da Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Parceria para que e para quem?

A participação de capitais privados na recursos financeiros suficientes, nem de


produção de serviços urbanos remonta tecnologia adequada, para construir e
ao século passado tanto no Brasil como gerenciar redes de infra-estrutura como
nos países que não dispunham de água, esgoto, energia elétrica, bondes,

1
Preferimos adotar a noção de “renovação” em vez da de “revitalização” urbana, como o faz
o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, pois de fato as ações que estão sendo
previstas em ambos os projetos implicam em profundas transformações no uso do solo, nas
atividades econômicas desenvolvidas (com a desativação parcial do Porto do Rio) e no perfil
da população residente, caracterizando, portanto, um processo de renovação urbana.
82 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

ferrovias etc 2 . Essa participação foi federais e dos impostos locais a partir
sendo gradativamente reduzida, sobre- de então – e que resultara na impotência
tudo no segundo pós-guerra com o dos governos locais diante do agra-
advento do welfare state, nos países ca- vamento dos desequilíbrios sociais
pitalistas centrais, e do nacional-desen- causados pelos processos de desin-
volvimentismo, em alguns países do dustrialização e desemprego – foi a
Terceiro Mundo. A ampliação da inter- elaboração de estratégias para o de-
venção dos Estados na economia fora senvolvimento econômico local, tendo
acompanhada pela ampliação de sua como base a aliança entre grupos diri-
atuação direta na prestação de serviços gentes locais para a captação de recur-
públicos – em detrimento da participa- sos internos e externos e a atração de
ção do capital privado – até 1973, quan- atividades geradoras de emprego e de
do a crise econômica, ao evidenciar o aumento na arrecadação fiscal.
esgotamento do modelo do welfare state
keynesiano, pôs em xeque os pressu- O caráter novo da relação que
postos dessa estatização dos serviços pú- nessas circunstâncias de crise se esta-
blicos. belece entre governos locais e grupos
empresariais é que ela subverte as clás-
De fato, uma nova etapa na história sicas distinções entre “interesse público”
da administração urbana se inicia em e “interesse privado”, proclamando a
1973 com a declaração do presidente sua suposta fusão. Uma coalizão de
americano Richard Nixon sobre o fim interesses que corresponde à construção
da crise urbana pela absoluta inexistên- de um projeto político coletivo de “salva-
cia de recursos para solucioná-la 3. A rea- mento” da economia local, seja ele esti-
ção à redução no fluxo dos repasses mulado pelas dificuldades financeiras

2
No Rio de Janeiro, por exemplo, grande parte da infra-estrutura urbana fora construída no
séc. XIX por empresas e capitais estrangeiros que tinham como contrapartida a exploração
dos serviços por elas produzidos por um longo período de tempo, como no caso da estrada
de ferro pela firma inglesa Rio de Janeiro Northern Railway Company; no das redes de
energia elétrica e do sistema de bondes elétricos pela empresa canadense The Rio de Janeiro
Tramway, Light and Power (que pouco tempo depois também atuaria monopolisticamente
no fornecimento e distribuição de gás e no serviço telefônico, ao absorver todo o capital em
ações da Rio de Janeiro Gas Company e da alemã Brazilianische Elektricitats); e no das redes
de água e esgoto pela firma inglesa City Improvements Company. Ver Sérgio Tadeu de
Niemeyer Lamarão, Dos Trapiches ao Porto. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura,
Turismo e Esportes, 1991; e também Franklin Dias Coelho, Cooperação Urbana e Saneamento
Básico: Das Grandes Cidades à Rede Urbana. Dissertação de Mestrado, IPPUR/UFRJ, 1986.
3
Como observa Harvey, depois que a política de contenção dos gastos públicos adotada pelo
governo americano levou a Cidade de Nova York tecnicamente à falência em 1975, inaugurou-
se um período de restrições fiscais e de reestruturação radical para muitas cidades americanas
(Harvey, 1995/3:125).
Rose Compans 83

decorrentes da erosão da base fiscal ou cidades ainda na década de 70, como


pelo acirramento da competição interur- forma de aumentar a eficácia, a compe-
bana provocada pela passagem do titividade e a rentabilidade da indústria
regime de acumulação fordista-keyne- britânica, razão pela qual implementara
siano para o pós-fordismo. Na verdade, uma reforma dos governos locais, supe-
esses dois fatores se conjugam na adoção rando as resistências locais, para a cons-
de um comportamento mais empresarial tituição de corporações imobiliárias
por parte da administração pública – urbanas.
absorvendo técnicas de gestão de empre-
sas, como o planejamento estratégico, o O que havia em comum entre Esta-
marketing, a reengenharia, os programas dos Unidos e Grã-Bretanha, nesse perío-
de “qualidade total” etc. – e na consti- do, diferentemente dos demais países
tuição de parcerias entre setores público europeus e latino-americanos, que pu-
e privado, como demonstra a experiência desse explicar o pioneirismo da adoção
de algumas cidades americanas e eu- de parcerias público–privado e de um
ropéias 4 . comportamento empresarial competi-
tivo por parte das administrações locais
Enquanto nos EUA, a parceria pú- nesses dois países? A hegemonia do
blico–privado encontrava longa tradição pensamento econômico neoliberal e o
na administração pública americana – apelo à racionalidade do mercado e à
caracterizada pela autonomia local e privatização que, ao contrário da maio-
pelo ativismo comunitário –, nos países ria dos países europeus – que compar-
europeus e latino-americanos essa arti- tilhava princípios social-democráticos –,
culação de interesses ao nível local só e dos países latino-americanos – ainda
se desenvolveria ao longo dos anos 80, sob a tutela de ditaduras militares nacio-
quando os ventos da democratização nalistas e estatizantes –, se consolidaram
política e/ou da descentralização do com o reaganismo e o thatcherismo nos
Estado confeririam um novo papel polí- EUA e na Grã-Bretanha e só posterior-
tico e econômico para as cidades e para mente nos demais países.
os governos locais. A exceção seria a
Grã-Bretanha, cujo governo federal Entretanto, atribuir exclusivamente
estimulara mesmo a competição entre ao neoliberalismo a opção por um deter-

4
A Cidade de Baltimore, por exemplo, através de um referendo realizado em 1978, sancionou
o uso de terras municipais para empreendimentos imobiliários privados, que resultaria no
bem-sucedido Harbor Place. Essa parceria proporcionou uma reconstrução radical da imagem
da cidade, a partir de intervenções físicas na orla marítima e no porto, que, supostamente, a
projetariam internacionalmente. Justificada pela insuficiência de recursos públicos para
promover investimentos considerados necessários, tal parceria obedece à lógica da competição
entre cidades pela atração de turistas, eventos e empresas, a despeito de ser considerada
uma das cidades mais carentes dos EUA (Harvey, 1996:52).
84 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

minado modelo de gestão urbana não balizado depende de sua atratividade


responde à evidência de que a articu- externa.
lação de interesses públicos e privados
na busca de criação de vantagens com- De acordo com Harvey, a com-
parativas que permitam às cidades inse- petição interurbana se desenvolve hoje
rirem-se da melhor forma possível na em torno de quatro fontes de recursos:
economia globalizada é compartilhada fundos públicos, turismo e consumo das
por governos locais dos mais distintos camadas altas, empresas e funções de
matizes ideológicos 5. Mais promissor comando. A primeira fonte de recursos
talvez seja o caminho analítico sugerido pela qual as cidades competem diz res-
por Harvey, quando destaca que a com- peito à redistribuição dos excedentes
petição entre cidades hoje funciona pelos governos centrais, que ainda são
como uma espécie de “lei coercitiva ex- de grande importância para diversos
terna”, introduzindo uma nova agenda setores econômicos. A parceria entre
pública que inclui a provisão de infra- governos locais e setores empresariais,
estruturas modernas – particularmente nesse caso, é fundamental para pressio-
transportes e telecomunicações –, a cria- nar políticos e autoridades, uma vez
ção de novas empresas, a preservação apresentada como portadora de um
de fontes de empregos ameaçadas, a projeto “da cidade”, ou seja, de um con-
promoção de atrações culturais e sociais, senso político em torno de prioridades
a oferta de incentivos fiscais etc 6 . A hi- pactuadas por um amplo conjunto de
pótese que decorre de tal abordagem é atores sociais, adquirindo por essa razão
que o que se tornou hegemônico foi a uma legitimidade maior que a do pró-
aceitação da competição e do para- prio governo local, representante de um
digma, como realidade inexorável, de único partido 7 .
que o futuro das cidades no mundo glo-

5
Embora reconheça a existência de algumas diferenças entre o modelo de gestão pública local
implantado em Barcelona pelo Partido Socialista da Catalunha – o qual denomina de empreen-
dedorismo competitivo – e o de Porto Alegre, pelo Partido dos Trabalhadores – o qual denomina
de ativismo democrático –, Moura identifica traços do empreendedorismo na experiência do
Cidade Constituinte, uma espécie de plano estratégico para a capital gaúcha, elaborado com
a colaboração de representantes de empresários, de setores médios e populares, visando
“definir diretrizes para o futuro da cidade e apontar projetos e obras a serem realizados
(Moura, 1997:167-170).
6
Estas foram os diferentes meios para que as cidades ampliassem suas bases econômicas e
fiscais apontados num colóquio realizado em Orleans, em 1985, e que reuniu políticos, empre-
sários e acadêmicos de oito grandes cidades americanas e européias (Harvey, 1996:49).
7
Na interpretação de Ascher, paralela às dificuldades geradas pela crise econômica, a desin-
dustrialização e o desemprego, estaria ocorrendo uma perda de legitimidade do Estado, fruto
da recusa de uma concepção centralizada de um interesse geral abstrato que ele representa,
e que estaria favorecendo o individualismo exacerbado traduzido em dinâmicas particularistas
que colocam em risco ou mesmo bloqueiam a realização de projetos coletivos (Ascher,
19 9 5 : 16 4 ) .
Rose Compans 85

A segunda estratégia competitiva é onde residem as classes mais favore-


a atração do consumo decorrente da ati- cidas, em detrimento dos gastos com
vidade turística e da residência de ca- políticas sociais em bairros populares.
madas altas, através de projetos de
renovação urbana que incluem a cons- A competição pela atração de em-
trução de equipamentos voltados para presas se desenvolve mediante redução
o consumo dos ricos, para a realização dos custos locais de implantação a partir
de grandes eventos e para o entrete- da exploração de vantagens específicas
nimento – como shoppings, marinas, para a produção de bens e serviços,
centros de convenções, estádios, mu- advindas tanto de recursos naturais
seus, óperas etc. A espetacularização da quanto de investimentos em infra-estru-
cidade e o marketing urbano são as con- tura física e social, da provisão de capi-
seqüências mais imediatas desta estra- tais de risco ou de incentivos fiscais. Essa
tégia que se traduz em oferecer um clima terceira forma de competição entre loca-
de otimismo ao construir uma imagem lidades, assim como a primeira, não é
da cidade como um lugar excitante, ino- nova. Segundo Kotler, Haider e Rein,
vador, criativo e seguro para se viver, nos EUA, ela teve sua origem em 1930,
fazendo com que espetáculos e exposi- quando os estados do Sul deram início
ções tornem-se símbolos dessa comuni- a esforços agressivos para atrair negó-
dade dinâmica. cios, fábricas e investimentos oriundos
do Norte do país, com a divulgação de
A parceria público–privado é um melhor ambiente comercial, em
também apontada como potencial- função de vantagens oferecidas para
mente viabilizadora dos recursos neces- produção com menor custo – mão-de-
sários a tais investimentos, seja através obra e terra baratas, impostos baixos e
de inversões diretas de capital próprio, financiamento público 8 .
seja auxiliando na busca de financia-
mentos externos, além do caráter legiti- O que é novo é a mudança de esca-
mador das intervenções físicas que se la. Os projetos de desenvolvimento eco-
fizerem necessárias, sobretudo pelo fato nômico não são mais regionais, mas
de as obras de embelezamento e de re- locais. Com o enfraquecimento dos Es-
modelação urbana serem concentradas tados nacionais no controle do fluxo mo-
nas áreas mais valorizadas das cidades, netário internacional, os investimentos

8
Essa forma de competição perdura até hoje, mas foi se sofisticando com o tempo. Nas décadas
de 70 e 80, além de expandirem os objetivos da competição – turismo, exportações e investimento
estrangeiro –, as estratégias de marketing passaram a se basear em estudos sobre a concorrência
e sobre o posicionamento no mercado, visando segmentar mercados e compradores e voltar
seus produtos e serviços para clientes específicos. Na década de 90, segundo os autores, “as
localidades estão passando por uma terceira etapa de criação de produto e conceito de nicho.
Elas estão procurando se definir como lugares especiais com vantagens competitivas específicas
para as indústrias-alvo.” Philip Kotler, Donald H. Haider e Irving Rein. Marketing Público. São
Paulo: Makron Books, 1993, p. 82-84.
86 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

tomam cada vez mais a forma de uma ção entre cidades. Como requer pesados
negociação entre o capital financeiro in- investimentos em infra-estruturas especí-
ternacional e os poderes locais, os quais, ficas – transportes rápidos, telecomuni-
como observa Harvey, “fazem o melhor cações, áreas destinadas a escritórios
possível para maximizar a atratividade equipados com conexões internas e ex-
local para o desenvolvimento capita- ternas, todas voltadas para minimizar os
lista.” 9 custos e os tempos das transações –, o
montante de recursos envolvido para
adequar as cidades às novas exigências
Também aparece como novidade a do capital financeiro e do chamado “ter-
ação mais decisiva no desenvolvimento ciário avançado” praticamente inviabi-
econômico através da criação de empre- liza a iniciativa dos governos locais, se
sas municipais, geralmente em parceria não puderem contar com a cooperação
com o setor privado, como é o caso da de setores privados.
Agência de Desenvolvimento Urbano,
no Rio de Janeiro, conforme analisa-
remos mais adiante. Em Barcelona, um Não obstante o extraordinário vo-
outro exemplo, essa ofensiva se iniciou lume de investimentos exigidos, questio-
em 1985, com a criação de empresas na-se muito a eficácia dessas estratégias,
municipais sob a forma jurídica de socie- na medida em que não se conseguiria,
dades anônimas, para o fomento da por meio de iniciativas voluntaristas
atividade econômica e de programas em locais, superar ou até mesmo reproduzir
cooperação com instituições privadas, determinadas vantagens específicas de
visando estimular a criação de empresas localização só oferecidas por alguns
e melhorar a infra-estrutura de transpor- centros urbanos como Nova York,
tes e comunicação. 10 Londres e Tóquio, as chamadas cidades
globais. 11 Outros, porém, acreditam ser
possível não disputar a centralidade
Atratividade para as funções de financeira desses grandes centros urba-
comando – de altas operações finan- nos – onde se localizam as principais
ceiras, de governo e de processamento bolsas de valores mundiais –, mas
(inclusive mídia) –, consideradas as mais inserir-se nos fluxos econômicos globais
dinâmicas atualmente, é a última e a a partir de uma reestruturação urbana
mais importante estratégia na competi- capaz de “facilitar a passagem do mode-

9
Para Harvey, uma das implicações macroeconômicas do empreendedorismo competitivo é
que ele aumenta, ao invés de diminuir, a flexibilidade geográfica das empresas multinacionais,
já que a redução dos custos das mudanças locacionais lhes permite maior mobilidade (Harvey,
199 6 : 50) .
10
Moura, op. cit., p. 95.
11
Sobre as novas formas de centralização e expansão do setor financeiro, ver Saskia Sassen, La
ville globale: New York, Londres et Tokyo. Paris: Descartes & Cie., 1996.
Rose Compans 87

lo industrial tradicional para o de cen- competitiva na economia globalizada, já


tro terciário qualificado.” 12 que é esta a estratégia que parece atual-
mente nortear ou, pelo menos, justificar
a articulação de interesses públicos e pri-
Resumindo o argumento acima de- vados em torno da “mercadotecnia da
senvolvido, essas parcerias público–pri- cidade” 13 .
vado seriam fundamentais para:

- promover a cidade no exterior; Duas posições antagônicas se apre-


sentam. A dos teóricos “apologistas” da
- construir uma base de legitimidade “cooperação” público-privada (Borja e
sobre as prioridades estabelecidas nos Castells, 1996; Borja e Forn, 1996;
gastos públicos, ou seja, um mecanis- Portas, 1993; Ascher, 1995) e a do seu
mo de obtenção de consenso político mais expressivo crítico, David Harvey
e adesão aos projetos propostos; (1995; 1996). Os que enfatizam a impor-
tância das parcerias o fazem a partir da
- viabilizar recursos necessários à exe- assertiva de que, com o declínio das
cução de obras e serviços, cujos défi- ideologias estatizantes – welfare state e
cits acumulados e novas demandas do socialismo real –, o principal desafio
capital assim o exigem. apresentado às administrações locais é
o de construir condições políticas para
assegurar a consecução de projetos
Resta ainda a questão de saber quais coletivos, através de um acordo dinâ-
são os segmentos sociais realmente fa- mico entre atores sociais portadores de
vorecidos pela adoção desse modelo de interesses particulares para que estes
“co-gestão” urbana e quais são as con- possam ser negociados 14. A constituição
seqüências para o desenvolvimento dessa pretensa “democracia territorial”,
urbano dessa estratégia de inserção como é chamada por alguns essa reivin-

12
Para Borja e Castells, dentre os novos papéis dos governos locais está o de “promover a
cidade para o exterior desenvolvendo uma imagem forte e positiva apoiada numa oferta de
infra-estruturas e serviços (comunicações, serviços econômicos, oferta cultural, segurança
etc.) que exerçam a atração de investidores, visitantes e usuários solventes à cidade e que
facilitem suas ‘exportações’ (de bens, de serviços, de seus profissionais etc.).” (Jordi Borja e
Manuel Castells, 1996:155).
13
Essa expressão é utilizada por Borja e Forn, ao argumentarem que “a mercadotecnia da
cidade, vender a cidade, converteu-se, portanto, em uma das funções básicas dos governos
locais e em um dos principais campos de negociação público-privada.” (Jordi Borja e Manuel
de Forn, 1996:33)
14
Como argumenta Ascher, “não se trata mais de fazer prevalecer o interesse geral, mas de fazer
emergir um consenso suficiente em redor de uma visão de interesse geral por aqueles que terão
de realizar tal decisão.” Ascher, op. cit., p. 194.
88 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

dicada gouvernance urbana 15, seria a recursos e na priorização das ações ad-
única maneira de fazer frente ao discurso ministrativas, como deixa claro Jordi
neoliberal do abandono, que reclama a Borja, hoje talvez o maior expoente
privatização, a desregulação do mercado dessa corrente de pensamento, quando
e a retirada do setor público do seu afirma que “se trata de favorecer que os
campo tradicional de atuação. setores mais fortes e dinâmicos sejam
os protagonistas do relançamento da
Para a obtenção do consenso e do cidade, porém também de apoiar ativa-
apoio político ao governo local, todos mente os processos de apropriação po-
esses autores concordam que se deva pular da cidade, que é uma tendência
buscar integrar o maior número possível histórica que se atualiza a cada mo-
de sujeitos sociais coletivos, não apenas me nt o. ” 1 6
as organizações tradicionais consoli-
dadas – como partidos, sindicatos e Já Manuel de Forn, responsável pela
associações de vizinhos –, que represen- parte urbanística do Plano Estratégico
tam os interesses dos setores populares de Barcelona, admite sem constrangi-
e os “grupos que necessitam de mais mentos que parte das ações propostas
discriminação positiva”, senão também não foi implementada por apresentar
as que representam os interesses dos um nível escasso de definição, mas que
grupos mais economicamente ativos, foi introduzida “em função de que um
mais dinâmicos, “apesar de que uns e processo participativo sempre obriga a
outros expressem interesses e valores aceitar propostas de setores que não
contraditórios.” (Borja, 1989:664) querem ficar à margem do processo,
apesar de sua escassa relevância estra-
O problema é que a participação su- tégica.” (Forn, 1993:12) Curiosamente,
postamente paritária na base de apoio foram exatamente as ações sociais as
do governo e nos mecanismos de cons- que foram consideradas de pouca rele-
trução de consensos nem sempre se vância e, por isso, não implementadas,
traduz em igualdade na distribuição dos contribuindo para as muitas críticas pos-

15
Gouvernance, segundo François Ascher, é um sistema de relações entre instituições, organizações
e indivíduos que assegura as escolhas coletivas e sua implementação. Ascher, op. cit., p. 158.
16
Idem. Essa opção por privilegiar setores mais dinâmicos também aparece em Ascher, quando
este descreve as “exigências maiores” que devem ser respondidas pelo novo urbanismo. São
elas: a mobilidade e a acessibilidade através de infra-estruturas de transporte coletivo e comuni-
cações; o desenvolvimento de centralidades junto aos nós de conexão dessas redes de trans-
porte; a qualidade de vida das camadas sociais estratégicas – que são as “camadas qualificadas
e não precárias” –, através de abundante oferta residencial, equipamentos esportivos, culturais,
comerciais e de lazer voltados para esse segmento e que “marquem a imagem”; a requalificação
de áreas degradadas reservadas às novas oportunidades de negócios; e, por fim, as políticas
de requalificação e integração social e urbana dos bairros das populações desfavorecidas. In
Ascher, op. cit., p. 233.
Rose Compans 89

teriormente levantadas sobre essa expe- capitais privados apropriam-se antecipa-


riência. 17 damente dos benefícios.

Para David Harvey, no entanto, Na medida em que o objetivo princi-


essas parcerias público–privado não pal das estratégias de desenvolvimento
passam de uma forma de subvenção pú- econômico elaboradas é o de estimular
blica motivada pela competição interur- e atrair empresas privadas através de
bana e que tende a atuar de acordo com pré-condições para um investimento
as regras de acumulação capitalista, em lucrativo, os governos locais acabam por
vez de perseguir o objetivo de atender sustentar a empresa privada ao partici-
às necessidades locais ou de maximizar parem do fardo dos custos de produção.
o bem-estar social. Ele observa que nos O resultado dessa política, aposta o
EUA, por exemplo, ela “corresponde a autor, será o aumento dos subsídios
subsídios para que consumidores afluen- locais para o capital, na proporção inver-
tes, corporações e poderosas funções de sa da provisão local para os desas-
comando permaneçam na cidade à sistidos, produzindo assim uma maior
custa do consumo coletivo local para a polarização na distribuição social da
classe trabalhadora e para os pobres.” renda urbana.
Sua hipótese se sustenta no aumento do
empobrecimento e do surgimento de Todo esse debate em torno das van-
uma distinta “subclasse”, verificado em tagens e desvantagens das novas formas
muitas grandes cidades americanas. 18 de parceria público–privado sugere e es-
timula o desenvolvimento de pesquisas
Harvey alerta ainda para o caráter empíricas para que se revelem as ten-
especulativo dessas parcerias, pois face dências subjacentes a essas práticas.
à impossibilidade de prever com pre- Assim, a análise sobre um caso concreto
cisão as conseqüências das decisões de parceria público–privado, como vere-
tomadas, num mundo de considerável mos a seguir, ainda que restrita às con-
instabilidade e volatilidade financeira, os junturas sociais e políticas específicas do
riscos de operações mal-sucedidas são Rio de Janeiro, poderá nos fornecer ele-
quase sempre assumidos exclusiva- mentos importantes para o desenvolvi-
mente pelo poder público, enquanto os mento de pesquisas futuras.

17
De acordo com Moura, a implementação de cerca de 70% do primeiro plano, iniciado em
1988, se deu de forma seletiva, pois foram sobretudo as propostas de caráter mais econômico
as implementadas, em detrimento das propostas sociais, praticamente não implementadas,
embora esse fato não tenha comprometido a permanência das centrais sindicais e das
associações de vizinhos no plano. Moura, op. cit., p. 111.
18
Harvey, 1996, op. cit., p. 58.
90 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

Parceria público–privado na gestão do espaço


urbano: o caso da renovação da Zona Portuária do
Rio de Janeiro

A parceria público–privado que analisa- principal eixo da vida econômica local.


remos a seguir tem como objetivo explí- A construção de 3,5 km de cais estendia-
cito promover a renovação urbana e a se do Arsenal da Marinha até o canal
revitalização econômica de uma área do Mangue e integrava uma área ater-
central da Cidade do Rio de Janeiro con- rada e posteriormente urbanizada de
siderada “degradada” ou “deprimida” cerca de 20 hectares, onde avenidas
por autoridades governamentais e em- largas, vias férreas, guindastes e arma-
presários que hoje se associam para re- zéns, além de todos os equipamentos e
verter a estagnação econômica da Zona sistemas de iluminação do cais movidos
Portuária, provocada pelo declínio da a energia elétrica – introduzida naquela
atividade do Porto que lhe deu origem, ocasião na cidade – simbolizavam o
e estimular a sua re-valorização imobi- progresso da época. 19
liária, sobretudo fundiária. No intuito de
identificarmos os protagonistas desse Com o passar do tempo, entretanto,
processo e os interesses em jogo na o que outrora fora símbolo da moderni-
constituição das parcerias propostas, faz- dade tornou-se uma região degradada
se necessário um breve histórico que e decadente pelo declínio da atividade
contextualize o projeto de renovação da portuária que a havia estruturado, pas-
Zona Portuária. sando a ser objeto de numerosas pro-
postas de renovação urbana. O rígido
zoneamento que desde 1937 reservara
A ação modernizadora da usos correlacionados às atividades
renovação urbana portuárias no seu entorno é então iden-
tificado como um obstáculo ao desen-
No início do século, o núcleo central da volvimento, já que restringia os usos
Cidade do Rio de Janeiro dava lugar a habitacionais, culturais ou mesmo co-
um moderno porto, fruto do crescimento merciais que poderiam conferir alguma
do comércio internacional e da indus- vitalidade à Zona Portuária 20. A loca-
trialização que intensificara seu papel de lização central do porto, por sua vez, é

19
Em 1926, inaugura-se o prolongamento do porto até a ponta do Caju. Sobre o histórico da
atividade portuária no Rio, ver Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão, Dos Trapiches ao Porto.
Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. 1991.
20
O decreto 6.000, de 01/07/37, primeiro Código de Obras do Distrito Federal que estabelece
o zoneamento urbanístico, concebe e delimita a ZP, da Praça Mauá até a ponta do Caju, nela
sendo permitidos os usos industrial, comercial, de armazenagem, guarda de veículos e habi-
tacional.
Rose Compans 91

também considerada inadequada, da- mesmas expectativas em relação à re-


das a saturação das vias de tráfego, a gião ao longo do tempo.
introdução do sistema de “conteineriza-
ção”, que requer grandes retroáreas para Como observa Rabha, a Associação
armazenagem, a necessidade de expan- Comercial, desde 1983, desejava pro-
são da área central de negócios etc. mover uma “reciclagem urbanística” em
toda a Zona Portuária - ZP, tendo em
Convém ressaltar que o conceito de vista a transformação da cidade num
renovação urbana esteve sempre asso- importante pólo exportador. Por essa
ciado à substituição de funções e à re- razão, elaborou um projeto prevendo
cuperação do valor do solo de áreas um complexo de hotéis, bares, restau-
“degradadas”, através da utilização de rantes, auditórios, bancos de dados
modelos formais reprodutores de ordens internacionais, lojas, áreas de lazer e
inovadoras, exógenas e progressistas. escritórios, “com o objetivo de reforçar
Com efeito, a renovação urbana cor- a vocação econômica da cidade como
responde a uma aspiração de moder- prestadora de serviços e pólo comercial
nização e de transição na vocação internacional do país.” 21
econômica do lugar incorporada por
determinado agente social e político. A proposta da ACRJ também pre-
tendia a cessão de armazéns e outras
No caso da Zona Portuária do Rio, áreas pertencentes à Docas para a cons-
verifica-se um conjunto de atores por- trução de um show room ou um Centro
tadores dessa aspiração – dentre os de Exposição de Exportadores. Tal rei-
quais destacam-se a Prefeitura da Cida- vindicação, contudo, foi encarada com
de, a Associação Comercial do Rio de ceticismo por funcionários da Docas, em
Janeiro - ACRJ e, mais recentemente, a função das dificuldades de operacio-
Companhia Docas e a Federação das nalização dessa parceria na utilização
Indústrias do Rio de Janeiro - FIRJAN – das instalações portuárias. 22
que, todavia, não compartilharam das

21
A citação é retirada de artigos de jornais da época, como O Globo, de 03/02/83 e de 04/09/83.
Nina Maria de Carvalho Elias Rabha, Cristalização e Resistência no Centro do Rio de Janeiro.
Dissertação de Mestrado. Instituto de Geociências/UFRJ, 1984, p. 181.
22
Aliás, essa não era a única discordância entre a Docas e os empresários privados. Em entrevista
ao Jornal do Comércio, publicada em 24/07/83, representantes dos armadores, agências de
navegação e exportadores criticam duramente o excesso de burocracia e a ineficiência da
operação portuária e, por isso, reivindicam que os portos sejam administrados pelos próprios
usuários. Para conter a onda de insatisfação dos usuários dos portos, o Ministro dos Transportes
autorizara a criação de Conselhos Especiais de Usuários – os CEU’s, nos portos administrados
pela Portobrás, de forma que pudessem ali expressar suas críticas e apresentar propostas
para a melhoria dos serviços portuários. Entretanto, esses conselhos tiveram vida curta, na
opinião do Sr. Nilton Ferreira Tito, Diretor Executivo do Sindicato das Agências Marítimas –
SINDARIO, porque a Docas não tinha interesse efetivo em compartilhar decisões com os
empresários sobre o funcionamento do Porto do Rio.
92 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

De fato, esse projeto não só não se- O resultado de tal iniciativa – que
ria implementado, como a prefeitura, contou com a participação de repre-
valendo-se da exclusividade no poder sentantes da ACRJ e da Companhia
discricionário de legislar e controlar o Docas – foi a declaração, em 1992, de
uso e a ocupação do solo urbano, logo parte dos bairros da Saúde e da
depois desenvolveria um outro projeto Gamboa, como Área de Especial In-
no sentido contrário, de preservação teresse Urbanístico - AEIU. Podendo
histórica, arquitetônica e cultural do gozar de regime urbanístico específico,
Centro e dos bairros da Saúde, da Gam- uma vez que o Plano Diretor definiu essa
boa e de Santo Cristo. A instituição da modalidade como área sujeita a inter-
Área de Proteção Ambiental - APA, em venção destinada a “projetos específicos
1987, cuja delimitação incluía parte da de estruturação ou reestruturação, reno-
antiga ZP, restringiu usos industriais e de vação e revitalização urbana”, na prática
serviços ligados às atividades portuári- tal declaração significou o fim dos impe-
as e tombou numerosos imóveis, impe- dimentos legais e burocráticos para a
dindo a “reciclagem” proposta pela realização de grandes operações imo-
ACRJ, ao mesmo tempo que incentivou biliárias que modificariam radicalmente
o uso habitacional na região. 23 as características socioeconômicas do
lugar. 24

A inclinação de setores da adminis-


tração municipal pela preservação histó- Em 1995, a revitalização da Zona
rica dessa região – que é praticamente Portuária voltaria a estar em pauta ao
a única na cidade que persiste em suas ser considerada pelo Plano Estratégico
características quase originais –, sobre- do Rio de Janeiro – cujos promotores
tudo aqueles ligados ao patrimônio e à seriam a ACRJ, a FIRJAN e a Prefeitura
cultura, constrastava, no entanto, com da Cidade – como um dos projetos prio-
a constatação da necessidade de revita- ritários para a retomada do crescimento
lização econômica da ZP no interior da econômico local. O desdobramento
própria prefeitura, levando à criação de dessa iniciativa seria a criação, pelos
um Grupo de Trabalho com essa finali- principais empresários que a protago-
dade em 1991. nizaram, da Agência de Desenvolvi-

23
A APA dos bairros da Saúde, de Santo Cristo, da Gamboa e do Centro, oriunda do Projeto
Sagas, é instituída pela Lei 971/87 e regulamentada pelo decreto 7.351, de 14/01/88.
24
A AEIU da Zona Portuária foi instituída pelo decreto 11.860, de 23/12/92, em decorrência
das diretrizes estabelecidas pelo Grupo de Trabalho criado pelo decreto 10.057, de 13/03/91,
e aprovadas em audiência pública pela população local e entidades interessadas. Pelo Plano
Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, também aprovado em 1992, as AEIUs são as
únicas em que o potencial construtivo poderá ultrapassar os índices máximos estabelecidos
pela legislação em vigor.
Rose Compans 93

mento Urbano, visando a implantação de cooperação desde fevereiro de


do projeto de renovação da área por- 199 4 26 .
tuária, entre outros objetivos, como ve-
remos mais adiante 25 .
Pelos termos do acordo firmado
entre a prefeitura e a Docas, caberia ao
Paralelamente a essa articulação município a elaboração do projeto urba-
entre segmentos sociais envolvidos na nístico e a adoção de medidas admi-
elaboração do Plano Estratégico, a pre- nistrativas e legislativas necessárias à
feitura assinava um acordo de coope- implementação das diretrizes e parâme-
ração com a Companhia Docas, para a tros nele estabelecidos, enquanto à
formação de um Grupo Executivo de Docas caberia explicitar as diretrizes es-
Coordenação, que teria como função tratégicas e econômicas a serem segui-
principal “articular os agentes envol- das, bem como a elaboração de edital
vidos no processo de revitalização da de licitação para o arrendamento do Píer
Zona Portuária, com vistas à criação de Mauá, a ser lançado no dia 30 de agosto
entidade que terá por fim administrar o de 1994.
programa de desenvolvimento da área”,
com o apoio técnico de um Grupo de
Trabalho criado com essa finalidade na Entretanto, as divergências entre as
prefeitura e também do Institut d’Amé- concepções urbanísticas da Docas e da
nagement et d’Urbanisme de la Région prefeitura para o projeto do Píer Mauá,
d’Ile-de-France - IAURIF, com o qual a agravadas pelo fato de que as disputas
prefeitura já havia firmado um acordo eleitorais ocorridas naquele ano acirra-

25
O Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro foi elaborado, entre novembro de 1993 e
dezembro de 1994, a partir de um convênio firmado pela Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, a ACRJ e a FIRJAN, para a sua promoção. O financiamento das atividades foi
viabilizado através da instauração de um Consórcio Mantenedor formado por 46 empresas e
associações empresariais, dentre as quais o IPLANRIO, órgão municipal que representou os
interesses da prefeitura no Consórcio. A estrutura do PECRJ era composta pelo Conselho da
Cidade, o Conselho Diretor, o Comitê Executivo e os Grupos de Trabalho. Como observa
Vainer, a proporção entre entidades e/ou personalidades ligadas aos interesses populares e
aos interesses empresariais era bastante desigual. Dos 300 membros do Conselho da Cidade,
apenas 20 eram representantes de sindicatos e associações populares. Além disso, o Conselho
Diretor, ao qual estava subordinado o Comitê Executivo, foi composto apenas por empresários
individuais, entidades empresariais, reitores das principais universidades, empresas jornalísticas,
o Secretário Municipal de Urbanismo, o Secretário Estadual de Planejamento e personalidades.
Ver Carlos B. Vainer, Os liberais também fazem planejamento urbano? Glosas ao “Plano
Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro”. Trabalho apresentado na II Semana IPPUR, nov.
1993. Mimeo.
26
O referido Grupo de Trabalho já existia na realidade desde 1993, criado pelo decreto 12.065,
de 11/05/93.
94 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

ram os ânimos das lideranças partidárias rão ser utilizadas em investimentos para
distintas que encontravam-se nos dife- a modernização do Porto do Rio.” 28 O
rentes níveis de governo envolvidos, não pressuposto da Docas para a desativa-
permitiram que fosse dada seqüência a ção progressiva da movimentação de
esse acordo. O estremecimento nas rela- carga nas áreas da Gamboa e do Píer
ções entre a Docas e a prefeitura levou Mauá é que nessas áreas as atividades
a que cada uma elaborasse a partir de portuárias estão “constrangidas pelo
então seu próprio projeto para a região, crescimento do centro da cidade, com
mas, em ambos, a participação da inicia- as conseqüentes dificuldades viárias, e
tiva privada era peça-chave da estratégia pela própria obsolescência do projeto
de captação de recursos, como veremos portuário que data de 1910.”
a seguir.

Em que pese a pertinência dos argu-


mentos técnicos quanto à inadequação
O projeto da Companhia da permanência das atividades portuá-
Docas do Rio de Janeiro rias nos bairros da Gamboa, da Saúde
e de Santo Cristo, parece claro que, na
busca da auto-sustentação econômico-
Além de maior proprietária de terras da financeira da Companhia, a reserva pa-
Zona Portuária, a Companhia Docas há trimonial representada pelos 500.000 m 2
pouco fora transformada em Autoridade de imóveis que possui nesses bairros sig-
Portuária, pela Lei 8.630 – a chamada nifica uma motivação extraordinária
Lei de Modernização Portuária –, o que para a adoção de um Programa de Revi-
assegurava-lhe o direito de estabelecer talização Urbana.
contratos de arrendamento para a ex-
ploração das instalações portuárias sob
sua administração 27. A estratégia da A primeira etapa do Programa de
Docas consistia em disponibilizar os imó- Revitalização Urbana da Área Portuária
veis “nas áreas de desativação opera- do Rio de Janeiro, elaborado pela
cional prevista ao longo do Cais da Docas, consistiu no arrendamento do
Gamboa, com a correspondente retroá- Píer Mauá e dos armazéns 1, 2, 3 e 4,
rea”, a fim de “gerar receitas que pode- por um período de 45 anos, mediante

27
A Lei Federal 8.630, de 25/02/93, estabelece em seu artigo 4º que, mediante contrato de
arrendamento ou autorização do ministério competente, é “assegurado ao interessado o
direito de construir, reformar, ampliar, melhorar, arrendar e explorar instalação portuária.”
28
Dentre os projetos de modernização que integram o Plano Estratégico da Companhia Docas,
consta a especialização de berços nas áreas dos atuais Cais do Caju e de São Cristóvão. Ver
Projeto de Desenvolvimento e Privatização Aplicado ao Complexo Portuário do Rio de Janeiro.
Companhia Docas do Rio de Janeiro, s/d. Mimeo.
Rose Compans 95

concorrência pública na qual caberiam Programa, bem como “oferecer oportu-


ao consórcio vencedor 29 o investimento nidades de trabalho, desenvolvimento e
de cerca de 200 milhões de dólares na resultados financeiros a seus integrantes,
recuperação estrutural do píer e a execu- parceiros, investidores e fornecedores.” 31
ção do projeto arquitetônico previamen-
te aprovado pela Docas. Nesse projeto,
que abrange uma área de 50.000 m 2, A captação inicial de recursos para
estão previstas as construções de um o Programa se dará através da trans-
centro de convenções, de centros em- formação do patrimônio imobiliário dos
presariais e culturais, de uma marina proprietários da região que integrarem
para 300 embarcações, além de áreas o Consórcio em quotas do Fundo Imobi-
de entretenimento e lazer. 30 liário, que deverão ser lançadas no mer-
cado para viabilizar os investimentos
iniciais que possam valorizá-las ainda
A participação da iniciativa privada mais. Os acionistas do Fundo Imobiliário
não se restringiria ao arrendamento de constituirão uma empresa – a Gamboa
áreas. Na estrutura operacional ideali- Desenvolvimento –, uma joint-venture
zada pela Docas para a implementação que terá como objetivo a operaciona-
do Programa de Revitalização é prevista lização do sistema, isto é, o planeja-
a formação de um Consórcio Organiza- mento e a realização de investimentos
dor – o RIOPORTO –, constituído por em obras de infra-estrutura, e a compra,
representantes de instituições financeiras, venda, aluguel e arrendamento de lotes,
de organismos governamentais, da glebas e unidades habitacionais e co-
Docas, da RFFSA e por outros (proprie- merciais.
tários de terra, empresários do setor
imobiliário e comunidade), formalmente
convidados pelo presidente da Compa- Esse modelo organizacional da ope-
nhia Docas a tornarem-se signatários de ração imobiliária, na verdade, já havia
um “Protocolo de Adesões”. O Consór- sido sugerido desde 1994 pelo grupo de
cio RIOPORTO terá como atribuição pesquisadores do IAURIF que aqui esti-
principal coordenar as políticas e estraté- veram numa missão de cooperação
gias necessárias à implementação do francesa, anteriormente mencionada.

29
O consórcio vencedor é formado por empresas de engenharia entre as quais a Engepasa, a
Iesa, a Montréal Engenharia, a Construtora Floriano e o Grupo Gusmão Santos. A assinatura
do contrato ocorreu no dia 06/11/97.
30
Segundo matéria publicada no Jornal do Brasil de 07/10/97, o projeto, de autoria do arquiteto
Luis Eduardo Índio da Costa, inclui ainda a construção de garagens subterrâneas com
capacidade para 900 veículos.
31
Publicação promocional do Programa de Revitalização Urbana da Área Portuária do Município
do Rio de Janeiro. CDRJ.
96 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

Esse grupo sublinhara, como condição O problema desse modelo é que, se,
indispensável para o êxito da operação, por um lado, a parceria entre investi-
a criação de um órgão gestor capaz de dores privados, proprietários de terra e
conciliar interesses contraditórios de comunidade legitima, financia e autoriza
uma multiplicidade de atores potenciais o órgão gestor – no caso a Gamboa
do reordenamento, mediante o estabe- Desenvolvimento – a implementar o
lecimento de parcerias nas quais contri- Programa de Revitalização, por outro,
buiriam de maneira complementar para ela é insuficiente sem a participação do
o sucesso da operação. 32 poder público municipal, detentor do
monopólio da competência urbanística.
Na perspectiva dos pesquisadores Essa é a razão pela qual a equipe france-
do IAURIF, a capacidade de coordena- sa considerou que o controle desse
ção e concertação dos diferentes atores órgão deveria ser reservado ao muni-
estaria diretamente relacionada à exis- cípio, assegurando ao prefeito a pre-
tência de uma autoridade única, aceita sidência do Conselho de Administração,
e reconhecida por todos como legítima que, mediante acordo, transferiria ao
interlocutora junto aos organismos pú- órgão gestor a competência para atuar
blicos e investidores privados, e que dis- no planejamento da área portuária. O
pusesse dos meios para o seu exercício, caráter público do órgão gestor também
dentre os quais: facilitaria o recebimento de subvenções
e doações estatais, a transferência do do-
a) competências em matéria de urba- mínio público dos bens de uso comum
nismo e de ação fundiária – que lhe do povo para as mãos privadas etc.
permitissem legislar sobre o uso e a
ocupação do solo, projetar novos Isso explica o fato de que, indepen-
traçados e alinhamentos de logra- dentemente das escaramuças político-
douros, desapropriar, conceder utili- partidárias envolvendo os governos
zação de espaços públicos etc.; municipal e estadual, no organograma
do Consórcio RIOPORTO concebido
b) autonomia financeira – para a reali- pela Docas a prefeitura tenha posição
zação dos investimentos em obras de destaque dentre os prováveis e/ou
de urbanização e infra-estrutura e desejáveis acionistas do Fundo, sendo
para a administração da repartição responsável pela elaboração do plano
dos benefícios da revalorização entre diretor de urbanização. Porém, entre as
os participantes. instituições municipais que compõem a

32
O órgão gestor deverá ainda estabelecer e fazer aprovar o projeto de revitalização; promovê-
lo junto aos investidores; estabelecer e aplicar regras urbanísticas; coordenar a implantação
de equipamentos e infra-estrutura primária; adquirir, equipar e revender certos terrenos; nego-
ciar com os investidores sua contribuição ao reordenamento global do sítio; e gerir o orçamento
financeiro. Hélène Lavoveli, Iuli Nascimento e Jean-Pierre Palisse, “A Revitalização da Zona
Portuária do Rio de Janeiro”. In: Secretaria Municipal de Cultura. Cadernos do Patrimônio n.
4/5, p. 89, 1994.
Rose Compans 97

Assembléia de Acionistas encontra-se estados e da União, como os são os ter-


curiosamente a Agência de Desenvolvi- renos da RFFSA e da Docas.
mento Urbano, uma entidade civil sem
fins lucrativos formada por empresários No que tange à regulação do uso
do setor financeiro e imobiliário, que não do solo na Zona Portuária, a declaração
integra a administração direta, indireta de parte dela como Área de Especial
ou autárquica e fundacional do muni- Interesse Urbanístico, ocorrida em 1992,
cípio. não produziu qualquer efeito prático, na
medida em que não foram definidos os
Seria a Agência de Desenvolvimento novos parâmetros para a ocupação ur-
Urbano a versão municipal do órgão bana. Fator fundamental de valorização
gestor proposto pelo IAURIF? Como a fundiária, uma alteração dos parâmetros
prefeitura contornaria os constrangi- urbanísticos que representasse aumento
mentos jurídicos para transferir-lhe as de potencial construtivo elevaria os
competências urbanísticas requeridas? preços imobiliários de tal forma que en-
careceria ainda mais posteriores desa-
propriações. Portanto, a definição de
O projeto da prefeitura e a novos parâmetros urbanísticos e edilí-
Agência de Desenvolvimento cios deveria aguardar uma definição
Urbano sobre as operações imobiliárias previstas
no Programa de Revitalização.
A atuação da prefeitura no processo de
renovação urbana da Zona Portuária Quanto à gestão dos espaços públi-
tem uma natureza distinta porém com- cos nessa área, a ação da prefeitura
plementar à da Docas, concernente à limitou-se, até 1997, à limpeza e conser-
gestão dos espaços públicos e à regula- vação, embora muitas idéias e projetos
ção do uso dos espaços privados. O mu- tivessem sido desenvolvidos no âmbito
nicípio, ao contrário da Docas, não de seus órgãos técnicos. A ausência de
sendo proprietário de terrenos na região, intervenções urbanísticas nessa região
não dispõe da reserva patrimonial ne- da cidade contrastava com o volume ex-
cessária à criação de um Fundo Imobi- pressivo de obras custeado com recursos
liário, sem que inverta dispendiosos próprios em outras regiões, indicando
recursos em aquisições e desapropria- que as dificuldades encontradas eram
ções pulverizadas pelos inúmeros pro- mais de cunho político – as divergências
prietários da região, já que juridicamente entre a Docas e o Governo do Estado –
está impedido de desapropriar bens dos do que financeiro 33 .
33
Convém lembrar que projetos como Linha Amarela, Rio-Cidade, Teleporto e 1ª etapa do
Favela-Bairro foram financiados integralmente ou parcialmente pelos cofres públicos
municipais. Até abril de 1996, o valor total contratado das obras do projeto Rio-Cidade foi de
R$ 216 milhões, segundo relatório da CPI instalada na Câmara Municipal. Já as obras da
Linha Amarela, orçadas inicialmente em R$ 149,2 milhões, custaram ao final R$ 454 milhões,
dos quais apenas R$ 100 milhões foram pagos pela concessionária que explorará a via por
10 anos, segundo reportagem do Jornal do Brasil, de 30/12/97.
98 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

Mesmo não padecendo de crise fi- possam ter impacto no desenvolvimento


nanceira, a necessidade de aumentar a econômico, social e cultural do Municí-
arrecadação do município foi o argu- pio” 35, em áreas consideradas de espe-
mento utilizado pelo Prefeito Luis Paulo cial interesse urbano e turístico, como é
Conde para justificar, em dezembro de o caso de parte da Zona Portuária.
1996, a criação de empresas de capital
misto – as Agências de Desenvolvimento O capital social da empresa, de acor-
Urbano – para gerir determinadas áreas do com o projeto, seria integralizado
da cidade, tendo como contrapartida a pelo município mediante a transferência
realização de investimentos. Esse tipo de de imóveis de seu patrimônio e por bens
parceria com a iniciativa privada foi esti- e recursos financeiros seus, de outras en-
mulado pela aprovação de uma emenda tidades da Federação e de particulares.
à Lei Orgânica Municipal, que ampliou O controle da empresa permaneceria
o prazo para as concessões de serviços com o município, até quando ele “con-
públicos de 10 para 50 anos, tornando siderar conveniente e oportuna a sua
um atrativo para os capitais privados a privatização”. 36
construção e/ou exploração de equipa-
mentos e de espaços públicos, como por Paralelamente à criação da Com-
exemplo as garagens subterrâneas 34. panhia de Desenvolvimento Urbano,
empresários do setor financeiro e imobi-
Com efeito, logo após a aprovação liário que já haviam sido os protagonis-
da referida emenda no início de 1997, tas da elaboração do Plano Estratégico
o prefeito encaminhou o projeto de lei se articularam em torno da criação da
nº 4/97, criando a Companhia de De- Agência de Desenvolvimento Urbano do
senvolvimento Urbano, sob a forma de Rio de Janeiro, uma sociedade civil sem
uma sociedade de economia mista e fins lucrativos, cujos objetivos expressos
com a finalidade de executar “projetos em seu estatuto são idênticos aos da
específicos de renovação urbana que Companhia 37 .

34
Jornal do Brasil, 31/12/97.
35
Este projeto seria depois substituído pelo projeto de lei complementar nº 1-A/97, art. 8º.
Diário da Câmara Municipal, 21/07/97.
36
Projeto de lei nº 1-A/97, art. 4º.
37
O estatuto dessa agência foi registrado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas no dia 17 de
junho de 1997. A posse da diretoria ocorreu no dia 16 de setembro, conforme matéria de O
Globo, de 17/09/97. A presidência da Agência cabe ao empresário Humberto Mota, ex-
presidente da ACRJ, enquanto o Sr. Arthur Sendas, atual presidente da ACRJ, o Sr. Eduardo
Eugênio Gouveia Vieira, presidente da FIRJAN, e demais empresários ligados a essas duas
instituições compõem o Conselho de Administração e a Diretoria Executiva, como os Srs.
Linneo Eduardo de Paula Machado, Carlos Alberto Almeida D’Oliveira, Bernardo Barbosa
Horta, Juarez Machado Garcia, Eliezer Batista, Marcílio Marques Moreira, além do padre
Jesus Hortal Sanchez, reitor da PUC.
Rose Compans 99

Entre os objetivos da Agência in- ra de bares e restaurantes em áreas tu-


cluem-se os de “(...) elaborar projetos e rísticas ou de domínio municipal, como
programas com vistas ao desenvolvi- o Restaurante Rio’s, no Aterro do Fla-
mento urbano da cidade do Rio de mengo; e o projeto Rio-Moda, também
Janeiro; (...) estimular a captação de in- pretendendo a elaboração de uma políti-
vestimentos, no mercado interno e exter- ca pública para tirar o setor da crise em
no, para projetos de interesse da cidade que hoje se encontra.
do Rio de Janeiro; (...) propor parcerias
entre o Município e o setor privado O caráter público desse órgão de
(...).” 38 A análise dos objetivos da Agên- planejamento urbano privado é enfati-
cia não deixa dúvida de que se trata de zado pelo prefeito, durante a posse da
um organismo de planejamento urbano diretoria da Agência, em cerimônia sole-
orientado para o estímulo de atividades ne no Palácio da Cidade, em setembro
empresariais ligadas à prestação de de 1997, quando afirma que a prefeitura
serviços coletivos, ainda que não neces- dará todo o apoio à Agência, pois “preci-
sariamente públicos. samos criar novos espaços e revitalizar
outros que necessitam de reformas”. No
Isso fica patente com o anúncio dos que diz respeito especificamente à Zona
empreendimentos prioritários da Agên- Portuária, naquela ocasião foi anun-
cia que visam “viabilizar a recuperação ciado um estudo elaborado pela Secre-
de áreas degradadas e agilizar o de- taria Municipal de Urbanismo para a
senvolvimento de novos projetos para implementação de um megaprojeto ur-
o Rio.” 39 Entre eles: a revitalização de banístico e habitacional no bairro da
áreas do Centro e da Gamboa; a reurba- Gamboa – promovido pela Agência –,
nização da orla marítima, do Aeroporto cujo terreno, pertencente à Rede Ferro-
Santos Dumont até o Leblon – o projeto viária Federal, seria adquirido pela pre-
Rio-Mar –, com a construção de gara- feitura pelo valor de R$ 8,8 milhões.
gens subterrâneas a serem exploradas
pela iniciativa privada; o projeto Rio- Além desse imóvel, a prefeitura tam-
Gastronômico, que consiste em elaborar bém negociara com a União o prédio
políticas públicas de incentivos à abertu- da Conab, na Praça XV, onde pretendia

38
No art. 3º do estatuto da Agência, outros objetivos são: “a) desenvolver estudos, pesquisas,
promover seminários e editar publicações sobre a temática das cidades, seus problemas e
perspectivas futuras com ênfase nas questões relativas a projetos de desenvolvimento do
município do Rio de Janeiro; (...) d) criar programas de intercâmbio e cooperação com orga-
nismos de desenvolvimento urbano, nacionais e internacionais, públicos ou privados; e)
desenvolver projetos de estímulo, cooperação e apoio para as pequenas e médias empresas;
f) promover ações de intercâmbio e cooperação com a União, Estados e Municípios; (...) h)
realizar convênios e desenvolver parcerias com o setor público; i) incentivar a modernização
das atividades empresariais da cidade; j) apoiar projetos de investigação e inovação tecnoló-
gica, estreitando a colaboração entre as Universidades e as empresas; k) desenvolver um
banco de dados de natureza econômica, setorial e institucional.”
39
O Globo, 17/09/97.
100 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

“criar uma infra-estrutura turística com ção entre a prefeitura e a Agência, esta
lojas e restaurantes”, e o de uma mater- poderia executar os projetos de interes-
nidade federal no mesmo local, para a se do município. Qual a necessidade
realização de um projeto urbanístico de desse “braço público” (como é chama-
autoria dos arquitetos consultores Oriol da a Companhia) da cooperação públi-
Bohigas e Nuno Portas. 40 co–privado com os mesmos objetivos da
Agência, o seu “braço privado”?
Ao que tudo indica, a prefeitura de-
senvolve uma dupla estratégia para Exercer as competências urbanísti-
contornar as principais dificuldades que cas e fundiárias que, em função de cons-
enfrenta para empreender a revitalização trangimentos de natureza jurídica, não
da Zona Portuária: quanto à não-dis- são transferíveis à iniciativa privada, tais
ponibilidade de terras, através de nego- como as discriminadas no art. 5º do pro-
ciações diretas com os Ministérios da jeto de lei nº 1-A/97, envolvendo o patri-
Agricultura e da Fazenda e com o pró- mônio imobiliário municipal, ou seja:
prio Presidente da República, no sentido propor desapropriações; realizar ativida-
de obter a liberação e a transferência des de loteamento, incorporação e des-
desses imóveis ao domínio municipal; membramento em próprios municipais;
quanto à escassez de recursos para a rea- alienação, aquisição, concessão de uso
lização de investimentos, através de par- e permuta de próprios municipais etc. 41
cerias com a iniciativa privada, que têm
como contrapartida a concessão da ex- Além de todas essas operações imo-
ploração econômica dos equipamentos biliárias envolvendo o patrimônio pú-
e espaços por ela financiados. blico municipal, o projeto de lei que
propõe a criação da Companhia prevê
Resta ainda saber as razões que ainda a concessão de benefícios e incen-
teriam originado a criação da Compa- tivos fiscais, como, por exemplo, a isen-
nhia de Desenvolvimento Urbano, uma ção de pagamento de IPTU para os
vez que, firmado o acordo de coopera- imóveis objeto de projetos de renovação

40
De acordo com matérias publicadas no Jornal do Brasil em 24/07/97, 26/07/97, 02/08/97 e
07/10/97.
41
Como objetivos complementares aos de promover operações imobiliárias que consistam em
projetos de renovação urbana, a Companhia poderá também, entre outras: “(…) III - identificar
e promover oportunidades de novos negócios, fomentando a criação de novas empresas e o
desenvolvimento das já existentes (…) em que estejam subjacentes processos de inovação
tecnológica; (…) VI - desenvolver programas específicos de estímulo, cooperação e apoio
para as pequenas e médias empresas; (…) VIII - formular propostas para a promoção e o
gerenciamento dos contratos de concessões de utilização dos espaços e do mobiliário urbanos;
IX - propor parcerias entre o Município e o setor privado; (…) XI - incentivar a modernização
das atividades empresariais da Cidade; (…).”
Rose Compans 101

urbana 42, atribuições eminentemente clarecimentos sobre a criação da Com-


públicas e concernentes ao poder públi- panhia de Desenvolvimento Urbano em
co municipal. Assim, a equação jurídica reuniões e audiências públicas realizadas
da parceria público–privado no Rio se com essa finalidade, bem como repre-
resolve com o arranjo institucional Agên- sentado a prefeitura em cerimônias ofi-
cia–Companhia de Desenvolvimento ciais que digam respeito ao projeto de
Urbano, em que a empresa pública revitalização da Zona Portuária. 44
desempenha as funções vedadas à em-
presa privada. As conseqüências objetivas dessa
parceria, entretanto, não poderão ser an-
Um verdadeiro processo de simbio- tecipadas até que se concluam as ope-
se, no qual os papéis do setor público e rações imobiliárias e comerciais previstas
do setor privado parecem se confundir na Zona Portuária e em outras áreas da
e/ou se inverter. Enquanto os empre- cidade, quando poderemos observar de
sários elaboram políticas e articulam que maneira os benefícios econômicos
atores, com destacadíssima atuação da serão repartidos entre os diferentes par-
Associação Comercial 43, a prefeitura ceiros e de que forma os constrangimen-
cuida da viabilidade econômica dos ne- tos jurídicos envolvidos nas concessões
gócios privados, assegurando a renta- de exploração de serviços e espaços
bilidade dos capitais investidos. Com públicos – como a obrigatoriedade de
efeito, até agora é o Sr. Humberto Mota, concorrência e licitação pública – serão
presidente da Agência e diretor da ou não contornados para a distribuição
BRASCAN (empresa multinacional do desses benefícios.
setor imobiliário), quem tem prestado es-

42
O § 2º do art. 10º do projeto de lei nº 1-A/97, determina que: “Os imóveis objeto de projetos
de renovação urbana, realizados em áreas não contempladas no parágrafo anterior (Áreas
de Especial Interesse Social), poderão ser beneficiados pela isenção do Imposto Predial e
Territorial Urbano, pelo prazo de até cinco anos a partir da concessão do respectivo ‘habite-
se’, recaindo o benefício sobre a parcela do tributo incidente sobre acréscimos prediais rea-
lizados após a aprovação do projeto de construção pelo Município.”
43
Na apresentação do projeto de renovação urbana da ZP, em1983, cuja proposição básica é
similar ao projeto apresentado hoje pela Docas; na articulação empresarial que dá origem ao
Plano Estratégico bem como à Agência de Desenvolvimento Urbano.
44
Como na cerimônia oficial para a assinatura do contrato de arrendamento celebrado entre a
Docas e o Consórcio Píer Mauá, em 06/11/97.
102 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

Conclusão

A análise das estratégias para a reno- as operações imobiliárias previstas com


vação urbana da Zona Portuária, ainda o patrimônio público, a não ser a pos-
que insuficiente para avaliar todas as teriori, com a prestação de contas envia-
conseqüências que lhes serão advindas, da anualmente à Câmara Municipal;
nos permite esboçar algumas conclusões nenhum órgão de deliberação, conselho
preliminares sobre o conteúdo e o signi- de administração, nada. A legitimidade
ficado específicos dessa parceria entre das transações envolvendo transferência
os setores público e privado no Rio de de recursos públicos para mãos privadas
Janeiro. A primeira e mais óbvia delas é baseia-se única e exclusivamente na
exatamente a exclusão dos segmentos representação política conferida ao go-
médios e populares dessa articulação de verno local pelas eleições majoritárias.
interesses, restrita aos conteúdos pro-
gramáticos da Companhia Docas e do Nesse sentido, a busca de consenso
governo local que se vinculam aos inte- e legitimação política como um dos prin-
resses de determinados segmentos em- cipais motivadores dessas parcerias pú-
presariais. blico–privado apontados pela literatura
pesquisada parece não corresponder à
Isso não significa que representantes experiência analisada do Rio de Janeiro,
de sindicatos e associações comunitárias em que pese a preocupação discursiva
não sejam chamados a opinar sobre as com a participação da “comunidade” ou
proposições apresentadas tanto pela com a construção de um “projeto de ci-
Docas quanto pela prefeitura, através de dade”, que opera muito mais no campo
reuniões e/ou audiências públicas, ou simbólico do que no prático. Por outro
mesmo integrar fóruns de debate e de- lado, a inquestionável aliança política
liberação, embora claramente em des- subentendida nessas parcerias, especial-
vantagem numérica em relação aos mente no caso da prefeitura com os em-
representantes do empresariado. Assim presários que constituem a Agência,
ocorreu na formação do Conselho da torna-se um poderoso instrumento de
Cidade e nos Grupos de Trabalho para ampliação da base de sustentação polí-
a elaboração do Plano Estratégico; assim tica do governo, algo que está relacio-
se anuncia na criação do Consórcio nado obviamente aos requisitos da
RIOPORTO. governabilidade.

No caso da Agência e da Compa- Cabe ressaltar um outro elemento


nhia de Desenvolvimento Urbano pro- que, por sua presença recorrente nos do-
postas pela prefeitura, a exclusão da cumentos analisados, indica a utilização
participação popular é ainda mais da parceria como instrumento de legiti-
evidente: nenhum controle social sobre mação: a invocação de experiências
Rose Compans 103

internacionais bem-sucedidas. Não só captação de recursos internos e exter-


isso se manifesta pela proliferação de con- nos para a viabilização econômica dos
sultorias estrangeiras – constituindo um empreendimentos propostos também
verdadeiro mercado de modelos de ges- pode ser considerada como um fator
tão, como diria Alain Bourdin (1997) –, fundamental que tem motivado tanto a
como pela referência constante, nesses Docas como a prefeitura na busca de
documentos, aos sucessos obtidos nos parceiros privados, em que pesem as
processos de renovação urbana nas áreas diferentes contrapartidas a estes ofere-
portuárias de Barcelona, Baltimore, Nova cidas nos dois casos analisados.
York, Buenos Aires, San Francisco, Toron-
to, Sidney e Hong Kong 45 . No primeiro caso, a CDRJ propõe
uma parceria em que a rentabilidade
A renovação urbana empreendida financeira seria distribuída equitativa-
mediante parceria com a iniciativa priva- mente entre os integrantes, como resul-
da transforma-se assim em ideologia, tado da valorização de quotas do Fundo
não enquanto visão de mundo (ainda Imobiliário e da venda de imóveis. Para
que se sobrevalorize a eficiência do mer- a Docas, o retorno dessa operação imo-
cado e de suas qualidades em relação à biliária e financeira seria revertido em
intervenção estatal), mas no sentido recursos para projetos de modernização
marxista de falsa consciência, pois, uma da infra-estrutura portuária sob sua
vez aceito o suposto sucesso obtido em administração, não implicando assim em
outras cidades, ignoram-se especifici- perda de capital, mas em transformação
dades históricas, econômicas e sociais, do capital investido em imóveis em capi-
ao absorver-se integralmente esse mo- tal produtivo.
delo de gestão como verdade inques-
tionável. No caso da prefeitura, há uma incóg-
nita quanto ao retorno financeiro das
Ao lado dessa profissão de fé nas operações imobiliárias promovidas em
chamadas “experiências exitosas”, a parceria com a Agência; sobretudo

45
A publicação promocional do Programa de Revitalização da Área Portuária, da CDRJ, cita
essas cidades como exemplo de que “em quase todos os países do mundo (...) urbanistas
mais atentos (...) descobriram uma nova e rica perspectiva de ação no resgate de velhas
áreas portuárias degradadas (...). No Rio de Janeiro a história não será diferente”; o grupo
do IAURIF defende a criação de um órgão gestor para a revitalização da área portuária
baseado em que “a característica constante de todas as operações de revitalização de espaços
portuários e ferroviários que obtiveram êxito em diferentes regiões do mundo é a existência
de um organismo único responsável por este objetivo: organismo público em Londres ou
Buenos Aires, organismo privado em Baltimore ou organismo de economia mista como em
Paris.” Lavoveli et al, op. cit., p. 87; já a prefeitura, na mensagem que encaminha à Câmara
Municipal propondo a criação da Companhia de Desenvolvimento Urbano, justifica-a pelo
fato de que se todas as grandes cidades do mundo empreenderam a renovação urbana de
áreas centrais degradadas, o Rio de Janeiro deve fazê-lo também. Justificativa ao Projeto de
Lei Complementar nº 1-A/97. Diário da Câmara Municipal de 21/07/97.
104 Parceria Público–Privado na Renovação Urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro

porque envolvem alienação e concessão subsidiar empresas privadas com recur-


de uso de próprios municipais em condi- sos provenientes da Companhia de
ções ainda não claramente estabelecidas. Desenvolvimento Urbano (conforme
O único empreendimento promovido dispositivo constante no projeto de lei
pela suposta parceria, que se encontra que a cria) por si só não se constitui em
em execução no bairro da Gamboa – indício ou evidência desse caráter es-
com o terreno da RFFSA adquirido pelo peculativo ou subvencional, uma vez
município, cujo projeto foi elaborado pela tratar-se de uma empresa de economia
Secretaria Municipal de Urbanismo e cuja mista, não estando ainda definidas a
obra foi financiada pelo PREVI-RIO (o composição do seu capital nem, tam-
instituto de previdência dos funcionários pouco, as contrapartidas exigidas à con-
municipais) –, não permite caracterizar cessão dos benefícios e incentivos fiscais.
qual a participação dos capitais privados
nessa operação, assim como quais as Finalmente, o alcance social e eco-
contrapartidas a estes oferecidas pela sua nômico dessas parcerias deverá ser
participação. examinado em função da repartição dos
benefícios a serem obtidos entre os di-
O mesmo ocorre em relação a uma versos segmentos sociais. Entretanto, no
suposta eficiência superior dos setores balanço dos benefícios, há que se consi-
privados na gestão das funções e ser- derar não só o aspecto da lucratividade
viços públicos. Sem dúvida uma aposta direta dos capitais públicos e privados
mais ideológica que concreta, face à de- investidos, mas também o da sua eficá-
sastrosa privatização do fornecimento de cia no que concerne à dinamização da
energia elétrica e às decepcionantes ter- atividade econômica, à geração de
ceirizações da coleta de lixo e da ela- novos empregos, à melhoria da acessibi-
boração dos Projetos de Estruturação lidade e dos sistemas de transportes, à
Urbana, ocorridas recentemente no Rio maior oferta cultural, de lazer e de co-
de Janeiro. mércio etc., sob pena de se reduzir tal
análise a considerações de ordem finan-
Por fim, a propósito do caráter espe- ceira e contábil que não correspondam
culativo e de subvenção ao capital pri- à abrangência do impacto social que
vado presente nessas parcerias – tal poderia justificar ou, ao contrário, des-
como sustenta de forma contundente qualificar a constituição da parceria
Harvey –, esta também é uma hipótese público–privado enquanto mecanismo
que precisará ser testada mais adiante. para a obtenção do bem-comum.
A intenção, no caso da prefeitura, de
Rose Compans 105

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Combatendo a Exclusão Social
Urbana: o papel da participação
comunitária na regeneração das
cidades européias * 1
Rob Atkinson

Desde o fim dos anos 70 tem havido centrais à parceria e à participação de


um crescente reconhecimento, em comunidades menos favorecidas. En-
muitas nações européias e dentro da quanto a parceria e a participação co-
União Européia, de que o problema da munitária têm sido centrais para uma
pobreza não desapareceu. Durante os série de iniciativas gerais, este tem sido
anos 80, a União Européia e vários paí- particularmente o caso em relação à ex-
ses membros (notadamente a França) clusão social urbana. Desenvolvido a
desenvolveram a noção de exclusão partir de trabalhos anteriores (Atkinson,
social como uma forma de abordar os 1996, 1997a, 1997b; Atkinson e Cope,
problemas associados à pobreza e à pri- 1997), o presente texto explora o concei-
vação múltipla. Ao mesmo tempo tem to de exclusão social e seu uso em refe-
havido um crescente reconhecimento de rência particularmente a estratégias de
que a exclusão social é freqüentemente regeneração urbana que designam um
encontrada em sua forma mais concen- papel central à parceria e à participação
trada e visível em áreas urbanas. comunitária. Iremos considerar que a
noção de exclusão social ainda perma-
Como resultado temos o surgimento nece de alguma forma vaga e que preci-
de iniciativas de combate à exclusão na samos estabelecer uma definição mais
União Européia e nos países membros, exata do termo. Além disso, o trabalho
muitos dos quais destinaram papéis irá sugerir que, se por um lado a ênfase

* Tradução de Marcos Reis.


1
O presente texto é aqui publicado no contexto da cooperação entre o Cadernos IPPUR e Les
Annales de la Recherche Urbaine.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 107-127


108 Combatendo a Exclusão Social Urbana

na parceria e na participação comunitá- de tais estratégias. Finalmente, será ar-


ria deve ser bem-vinda no contexto da gumentado que o sucesso de políticas
exclusão social urbana, freqüentemente de combate à exclusão social urbana
tem havido uma falta de clareza quanto será fortemente influenciado pelo desen-
ao significado desses termos, uma certa volvimento da economia internacional
relutância em considerar a natureza po- e das políticas econômicas e de bem-
tencialmente conflituosa de parcerias e estar de nações individuais.
participações bem como as limitações

Exclusão social: um conceito coerente?

Dois dos principais problemas da idéia o progresso e o crescimento.” (European


de exclusão social são o fato de ser esta Commission 1992, p. 7) No entanto,
uma idéia relativamente nova e a mul- prosseguia dizendo que:
tiplicidade de sentidos a ela associados.
Assim, primeiramente precisamos enten- “Perto do fim dos anos 70 esta ima-
der por que e como a noção apareceu e gem mudou com o surgimento de novas
ganhou destaque nos anos 80 e 90. Esta formas de pobreza e marginalização;
seção irá então sugerir uma concepção primeiramente, aquelas resultantes de
de exclusão que enfatiza o fato de este crises econômicas, particularmente gera-
ser um processo dinâmico e multidi- das pelo aumento do desemprego e da
mensional que não se restringe somente insegurança quanto às condições de tra-
à pobreza e ao desemprego, mas englo- balho; outras, persistindo ou se desen-
ba também o acesso a recursos e servi- volvendo como resultado das profundas
ços necessários para a reprodução social mudanças econômicas, sociais e tecno-
na sociedade contemporânea. lógicas que caracterizam a evolução da
sociedade industrial.” (Ibid., p. 7)
Por que exclusão social? O contexto
no qual a exclusão social emergiu foi Talvez a mais notável expressão
fortemente condicionado pelo reconhe- desses desenvolvimentos seja o alto
cimento de que, a partir dos anos 70, nível de pobreza e desemprego em todos
mudanças fundamentais ocorreram na os países europeus. A Comissão Euro-
natureza das economias capitalistas péia estimava que, em 1985, 50 milhões
avançadas, que tiveram implicações de de pessoas da Comunidade Européia
longo alcance nas sociedades européias. estavam vivendo na pobreza (isto é, vi-
A Comissão Européia afirmou que, vendo em domicílios com menos de
durante os anos 70, em muitos países 50% da renda média disponível de adul-
membros a pobreza foi reduzida a “...um tos nos países respectivos) (European
estado residual que iria desaparecer com Commission, 1992, p. 3). Esses números
Rob Atkinson 109

pouco se modificaram nos anos sub- compreendido muito freqüentemente


seqüentes e é provável que tenham como referindo-se exclusivamente à
aumentado nos anos 90. No que diz renda, ele também estabelece a natureza
respeito ao desemprego, em maio de multidimensional dos mecanismos atra-
1995 havia quase 18 milhões de pessoas vés dos quais os indivíduos e grupos são
desempregadas nos 15 países da União excluídos das trocas sociais, das práticas
Européia, pouco menos de 11% da componentes e dos direitos de inte-
população ativa (Eurostat, 1995a, p. 7). gração social e de identidade... ele vai
Deles, 48% já estavam desempregados mesmo além da participação na vida do
há muito tempo em 1994 (isto é, há um trabalho; englobando os campos de
ano ou mais) e a metade destes estava habitação, educação, saúde e acesso a
sem emprego há dois anos ou mais serviços...” (ibid., p. 8)
(Ibid., p. 27). Apesar da recuperação no
crescimento econômico desde meados O crescente significado da exclusão
de 1993 na maioria dos países da UE, social também reflete a influência do
“... as taxas de desemprego se estabi- pensamento francês na política social
lizaram ou caíram um pouco na primeira dentro da Comissão Européia (para
parte de 1995” (Eurostat, 1995a, p. 7), análises mais detalhadas, ver Silver,
embora haja consideráveis variações 1994; Atkinson, 1996). No discurso
entre os países membros (Eurostat, social e político francês, há uma ênfase
1995b, tabela 1). Também não há qual- considerável dada à solidariedade e à
quer expectativa de que as condições coesão social e à necessidade de integrar
irão melhorar rapidamente, deixando (ou inserir) os excluídos em uma comu-
aberta a possibilidade de um “cresci- nidade nacional comum que comparti-
mento sem geração de empregos”. lhe certos valores centrais básicos ao
ethos republicano da França moderna.
Dada a natureza estrutural dessa Isso se traduziu em uma preocupação
“nova pobreza” foi necessário encontrar com processos dinâmicos e relacionais
um conceito que pudesse englobar todo comparados aos dos países anglo-sa-
o espectro de efeitos produzidos pela xões, onde a ênfase tem sido dirigida
mudança estrutural. A noção de exclu- aos efeitos distributivos estáticos (por
são social já estava bem estabelecida em exemplo, a pobreza). Entretanto, dada
sessões da Comissão e parecia oferecer a necessidade de acomodar um espectro
uma compreensão dessas mudanças. de perspectivas nacionais diferentes, a
Assim a Comissão argumentou: exclusão social foi ligada a assuntos de
cidadania e à necessidade de desenvol-
“O conceito de exclusão social é ver uma noção européia de cidadania
dinâmico, referindo-se tanto a processos (Atkinson, 1997b, Robbins et al, 1994,
quanto a situações conseqüentes... Mais European Commission, 1995).
claramente que o conceito de pobreza,
110 Combatendo a Exclusão Social Urbana

Desenvolvendo um conceito coerente de


exclusão social

Claramente esses desenvolvimentos têm sistema previdenciário, isto é, que en-


o potencial de criar um conceito de ex- contram-se em situação de desvantagem
clusão social que é tanto caótico quanto cumulativa. Grupos excluídos são vistos
incoerente. Entretanto, no que se segue, como uma ameaça à coesão social e à
eu espero mostrar que, trabalhando de ordem social, à medida que se tornam
modo seletivo sobre estudos da tradição mais e mais isolados do resto da socie-
francesa, notadamente os textos de dade. Tais desenvolvimentos são mais
Paugam (1995 e 1996), e da União Eu- comuns em sociedades caracterizadas
ropéia, é possível construir um conceito por um alto índice de desemprego e por
viável e coerente de exclusão que pode mercados de trabalho instáveis. De acor-
ajudar nossa compreensão dos desen- do com Paugam (1996), a França e a
volvimentos contemporâneos. Inglaterra são países representativos
desse tipo de pobreza.
Paugam (1996) afirma que os que
são considerados pobres não são defini- A noção de exclusão social adotada
dos por suas próprias relações internas, por Paugam retém o conceito de pobre-
mas pela atitude coletiva que a socie- za mas situa o mesmo no universo mais
dade adota para com eles – o que ele amplo da exclusão. Afirma que os po-
chama de “orientação social para a po- bres não representam uma categoria
breza”. O autor constrói três tipos ideais homogênea, que a pobreza é um fenô-
de orientação social para a pobreza: meno multidimensional – um processo
dinâmico. É importante identificar o que
1) pobreza integrada; chama de “... indicadores de precarie-
2) pobreza marginal; dade econômica e social (emprego pre-
3) pobreza privadora. cário, instabilidade marital, pobreza
econômica, vida social e familiar inade-
Minha principal preocupação é com quadas, redes de apoio inadequadas e
a noção de Paugam de pobreza privado- baixos níveis de participação nas ativi-
ra, que é claramente uma forma de ex- dades sociais)...” (Paugam, 1995, p. 50).
clusão social, mais que de pobreza. Em A precariedade em uma área (por exem-
sociedades em que a pobreza privadora plo, na vida social) por si mesma não
se desenvolve, encontramos um cres- leva necessariamente à exclusão social.
cente número de pessoas que estão não No entanto, se ela for reforçada pela pre-
somente fora do mercado de trabalho cariedade em outras áreas (por exemplo,
mas que vivem em habitações inade- desemprego), uma espiral viciosa de
quadas, sofrem de problemas de saúde produção da exclusão pode iniciar-se.
e têm altos níveis de dependência do
Rob Atkinson 111

Nos anos 90 emergiu uma nova ver- habitação, saúde, educação, comuni-
são de exclusão social, que combinava dade etc., ancorados nas instituições
elementos das tradições francesa e anglo- societais mencionadas acima. Desse
saxã e que buscava reconciliar as ênfases modo, a pobreza é uma condição neces-
relacional e distributiva das duas tradições sária mas não suficiente para haver ex-
através da noção de direitos de cidada- clusão social.
nia. Robbins et al (1994) adotaram ex-
plicitamente a teoria da cidadania de Enquanto a exclusão social pode
Marshall como um modo de identificar a resultar de quebra ou mau funciona-
exclusão social. A partir dessa posição, a mento de qualquer dos sistemas institu-
exclusão social pode ser concebida “... cionais, parece provável que possamos
em termos da negação – ou não-reali- falar genuinamente de exclusão social
zação – dos direitos de cidadania...” quando, para indivíduos e grupos, vários
(Berghman, 1995, p. 19; Room, 1995, desses sistemas quebram ou deixam de
embora seja importante notar que a abor- funcionar, seja como uma parte em uma
dagem pela via da cidadania também traz cadeia de reações, seja simultaneamen-
problemas; Garcia, 1996; Atkinson, te. Por exemplo, como Paugam (1996)
1997b). Berghman chama a atenção não sugere, se um indivíduo ou grupo está
somente para os direitos de cidadania empregado mas mal integrado em ter-
mas para as instituições sociais nas quais mos de sistema familiar ou comunitário,
esses direitos são inseridos e realizados, o desemprego de longo prazo pode levar
nomeadamente: ao isolamento social, o qual, por sua vez,
irá acentuar tendências para a exclusão
1) O sistema legal e democrático, que social à medida que o impacto integra-
promove a integração cívica; dor dessas instituições se quebrar. O
2) O mercado de trabalho, que promo- ponto crucial é o da extensão na qual
ve a integração econômica; os indivíduos e grupos estão “incorpora-
3) O sistema de bem-estar, que promo- dos” nos sistemas institucionais.
ve o que pode ser chamado de in-
tegração social; Mais atenção tem sido dispensada
4) O sistema familiar e comunitário, que aos três primeiros sistemas institucionais,
promove a integração interpessoal. claramente os de maior importância na
(Commins, 1993, p. 4) discussão sobre exclusão social. No en-
tanto, o quarto sistema, familiar e comu-
A exclusão social ocorre quando um nitário, tem um papel fundamental de
ou mais sistemas quebram, direcionan- apoio e redistribuição que tendeu a ser
do então a atenção para um processo subestimado. Isso aconteceu particular-
abrangente, dinâmico e multidimen- mente no norte da Europa, onde, duran-
sional. Essa abordagem reforça não sim- te grande parte do período pós-guerra,
plesmente o desemprego e a falta de o pleno emprego e o crescimento do
uma fonte de renda, mas também um Estado de Bem-Estar Social pareceram
espectro de condições de vida, tais como torná-lo, em grande parte, redundante.
112 Combatendo a Exclusão Social Urbana

O trabalho de Mingione (1991, 1994, Paris). Em todas essas subvariantes, ele


1995) enfatizou a importância do siste- afirma que a família permanece mais im-
ma familiar e comunitário nas estratégias portante que o Estado no fornecimento
de sobrevivência. de serviços sociais, embora o Estado ge-
ralmente reforce esse sistema com con-
O reconhecimento de que no mode- sideráveis transferências de capital, e
lo “católico/conservador” de Estado de que as mulheres permanecem predo-
Bem-Estar Social de Esping-Andersen minantemente em casa enquanto os
(1990) há uma variante “sul-européia” homens são os únicos provedores. Além
distinta (Ferra, 1996; Gough, 1996; Min- do mais, sugere que em regiões onde
gione, 1995) evidenciou a importância um negócio familiar inovador é apoiado
do sistema familiar e comunitário tanto pelo Estado não há o desenvolvimento
como alternativa quanto como ponto de de altos níveis de concentração econô-
apoio para o Estado de Bem-Estar So- mica e proletarização, deixando áreas
cial. Mingione (1995) aponta para a im- consideráveis da vida social efetivamen-
portância crucial da interação do Estado te desmercantilizadas no sentido de
e da família dentro do modelo católico/ Esping-Andersen, ainda que por meios
conservador. De acordo com o autor, bastante diferentes dos do modelo es-
isso fornece duas dimensões adicionais candinavo.
que oferecem uma tipologia mais com-
plexa e permite que compreendamos Não devemos tampouco assumir
por que algumas subvariantes desse que o sistema familiar e comunitário só
modelo têm sido mais eficientes que tem importância no sul da Europa. O
outras na adaptação às circunstâncias trabalho de Morris (1993) aponta para
cambiantes dos últimos vinte anos. Min- seu papel em áreas de alto índice de
gione sugere que, em uma dimensão, desemprego no Reino Unido, e o de
deveríamos distinguir países onde existe Hojrup (1983), sobre a Dinamarca, de-
um Estado bem desenvolvido e a inter- monstra a importância do setor de negó-
venção estatal é mais forte (Alemanha, cios familiares e designa a família como
França, Bélgica, Holanda) de países em mecanismo de apoio e princípio chave
que esse processo é mais fraco (Itália, na organização de estratégias de sobre-
Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia). vivência. De fato, Mingione (1991) suge-
Em uma segunda dimensão, afirma que re que esse sistema vem assumindo, de
deveríamos distinguir situações em que forma reconstruída, uma importância
foram desenvolvidos fortes e inovadores crescente entre os setores da população
negócios familiares (por exemplo, em que estejam experimentando instabili-
Baden-Württemberg, Primeira e Terceira dade no acesso ao trabalho, desemprego
Itálias, Catalunha, a região do Rhône- e reduções do Estado de Bem-Estar.
Alpes) que ajudam a sustentar membros Nesse caso, a presença ou ausência de
da família (no sentido de família extensa) um sistema familiar e comunitário pode
daquelas com estruturas pouco desen- representar a diferença entre inclusão e
volvidas (norte da Alemanha, região de exclusão.
Rob Atkinson 113

Exclusão social urbana

O mesmo processo geral produzindo “Alguns dos problemas mais agudos


exclusão social tem tido um impacto da Comunidade Européia associados à
enorme em cidades européias. En- falta de oportunidades econômicas,
tretanto, os efeitos têm sido desiguais baixos salários e uma qualidade de vida
tanto entre cidades quanto no interior geralmente pobre são encontrados em
das mesmas, freqüentemente refletindo áreas urbanas. A crescente tensão no
sua localização, estrutura econômica e seio da sociedade européia é evidente
sistemas de governança, bem como o particularmente no sério nível de exclu-
desempenho das economias nacionais são social em um crescente número de
e européias (Parkinson et al, 1992; cidades ou em áreas da periferia urba-
Lever e Bailey (eds.), 1996, para visões na.” (Official Journal of European Com-
gerais). Enquanto em muitos países eu- munities, No. C 180/6, 1994)
ropeus e na UE falta o que Parkinson
et al (1992) descrevem como uma polí- Em muitas instâncias, esses “espaços
tica urbana “explícita”, tem havido um de pobreza” são áreas de habitação
crescente reconhecimento da necessi- social (Power e Tunstall, 1995, sobre o
dade de se dar maior ênfase a assuntos Reino Unido; Kristensen, 1995, sobre a
urbanos. Quanto a este último ponto, Dinamarca), embora seja bem provável
Berghman (1995, p. 15) refere-se à ex- que se tornem áreas de moradia de lo-
clusão espacial e a “espaços de pobre- cação privada (Kesteloot, 1994, sobre
za”. Em tais contextos, o foco deveria Bruxelas; Lee, 1994, sobre o Reino
ser dado à comunidade como um todo Unido). Essencialmente o que ocorre é
e não a grupos ou indivíduos específi- que aqueles com menos recursos têm
cos. Espaços em que uma alta percen- menos chances e são forçados a aceitar
tagem da população sofre de múltiplas acomodações de baixa qualidade ou
formas de privação irão experimentar correr o risco de não ter onde morar.
o que Wilson (1987) chama de “efeitos Esses processos estão intimamente liga-
de concentração”. Tais espaços são dos à natureza do mercado de trabalho
muito distintos (isto é, socialmente e es- do local em que essas residências estão
pacialmente polarizados) e é provável situadas. Sugiro que se considere o pro-
que venham a ser estigmatizados como cesso de empobrecimento de recursos
áreas onde só vivem os que não têm como conseqüência de uma combina-
alternativa. ção de desemprego, de natureza precária
do emprego e de baixos salários, com
É nesse nível que a relevância da um sistema de proteção social inade-
regeneração urbana torna-se visível. quado. O sistema de habitação social,
Como a Comissão Européia afirmou, ao responsável por fornecer ajuda para
lançar a iniciativa URBAN: indivíduos vulneráveis e sem condições
114 Combatendo a Exclusão Social Urbana

financeiras para se sustentar, inevi- “Em muitas cidades européias, a


tavelmente acaba cuidando dos mal exclusão levou à segregação espacial de
pagos e desempregados. Mesmo assim grupos sociais em bairros com poucas
há um processo de filtragem em que fa- opções. Este padrão é encontrado há
mílias que dispõem de algum recurso muito tempo em cidades do norte da
recusam acomodações em locais estig- Europa e começa a crescer também no
matizados. Como resultado, o processo sul. Algumas áreas urbanas em cidades
de alocação das casas concentra famílias grandes apresentam taxas de desempre-
em situação precária em locais impo- go acima dos 30% ... e taxas de escola-
pulares, que se tornam efetivamente ridade muito baixas.”
“depósitos” para os que não têm esco-
lha. Essas são áreas de pobreza pri- Em tais espaços, é importante que
vadora prestes a se tornarem “... ao estratégias de regeneração urbana tratem
invés de locais de reprodução social, dos problemas multifacetados com os
locais de destruição social, desconec- quais os moradores têm de conviver de
tadas do resto da sociedade.” (Kesteloot, modo a incorporar suas percepções e
1994, p. 214) Enquanto a situação nas necessidades. Daí a crescente importân-
cidades européias não é tão extrema cia da utilização dos métodos de parceria
quanto a experimentada nos Estados e participação comunitária em iniciativas
Unidos, existem áreas onde é bem pro- urbanas da Comissão Européia (por
vável que isso venha a acontecer. A exemplo, Poverty 3, URBAN, INTEGRA),
Comissão Européia (1997, p. 5) afir- a fim de lidar com a exclusão social (Euro-
mou que: pean Commission, 1995 e 1997).

Regeneração urbana, parceria e participação


comunitária
Como foi afirmado aqui, a Comissão dinheiro para políticas urbanas, en-
Européia apoiou uma série de iniciativas gajando-se mais em experimentações do
“urbanas” visando encorajar os países que muitos outros países. Assim, dare-
membros a desenvolver uma aborda- mos maior foco às iniciativas inglesas de
gem multidimensional e integrada para lidar com os problemas de áreas urbanas
a questão da exclusão social urbana. desenvolvidas durante os anos 90.
Ainda assim, apenas uns poucos países
alocaram recursos significativos para Na maior parte dos anos 80, a rege-
essas tarefas. O Reino Unido tem se no- neração urbana foi dominada por estra-
tabilizado pelo fato de ter criado uma tégias centradas na propriedade e no
“política urbana” desde os anos 70 “trickle-down effect” a ela associado
(Atkinson e Moon, 1994a) e de ter desti- (para uma visão do assunto, ver Turok,
nado quantidades consideráveis de 1992; Imrie e Thomas, 1993). Na essên-
Rob Atkinson 115

cia, essa abordagem centra o foco em Assim como o City Challenge, o SRB
formas lucrativas de regeneração física enfatizava o papel das comunidades
que têm o efeito de negligenciar grupos locais no desenvolvimento de estratégias
desfavorecidos e exacerbar sua margina- de regeneração urbana, afirmando que
lização. No final dos anos 80, essa estra- elas deveriam estar entre os beneficiários
tégia foi crescentemente questionada, e, de qualquer desenvolvimento (Depart-
no início dos anos 90, uma “nova” ênfa- ment of the Environment, 1993). Um
se foi dada ao papel do governo local e dos principais temas tanto do City
da comunidade na regeneração urbana Challenge quanto do SRB trata das par-
(Robinson e Shaw, 1991; Atkinson e cerias locais entre o governo local, o
Cope, 1997). setor privado, os corpos voluntários e
as comunidades locais.
As principais iniciativas desenvol-
vidas durante os anos 90 foram o City Embora o City Challenge e o SRB
Challenge (Desafio na Cidade) e seu su- sejam iniciativas relativamente recentes,
cessor, o Single Regeneration Budget - alguns problemas surgiram quanto à ga-
SRB (Orçamento Unitário de Regenera- rantia de participação comunitária. Um
ção) (para uma discussão geral, ver problema tem sido a velocidade com
Atkinson e Moon, 1994b; Mawson et al, que as propostas têm de ser preparadas.
1995; Hall et al, 1996; Russell et al, Não houve tempo suficiente para nada
1996). As linhas mestras dos pedidos de além de formas de consulta superficiais
financiamento enviados às autoridades e, em alguns casos, nem para isso. Mes-
enfatizavam que “o City Challenge trata mo onde já existem organizações comu-
de iniciativas locais” (Department of the nitárias bem organizadas, a agenda
Environment, 1992, p. 1) e que qualquer parece ter sido estabelecida por mem-
transformação econômica deveria bene- bros do governo local e, em menor esca-
ficiar moradores locais. O Departamento la, por participantes do setor privado.
do Meio Ambiente avisou que (Depart- Não somente é preciso mais tempo para
ment of the Environment, 1992, p. 5): permitir maior participação como mais
recursos são necessários para que as co-
“A combinação de objetivos irá de- munidades possam se organizar e apre-
pender da área escolhida. Entretanto, sentar propostas mais detalhadas. Uma
devem lidar com os problemas que são parte essencial desse processo é a cria-
percebidos pelos moradores da área e ção de organizações de base comunitá-
por investidores potenciais como sendo ria que produzam esquemas locais de
cruciais à sua regeneração.” regeneração e articulem-se com estraté-
gias de regeneração mais extensivas que
O City Challenge foi posto em prá- cubram uma área urbana mais ampla.
tica por duas vezes antes de o governo É somente em tais fóruns que podem
iniciar uma revisão completa da política ocorrer as negociações quanto à alo-
urbana em 1993, cujo resultado foi o cação de recursos e à coordenação de
Single Regeneration Budget - SRB. ações estratégicas.
116 Combatendo a Exclusão Social Urbana

Uma participação comunitária ge- se concentrar somente em um aspecto


nuína requer que se repensem as atitu- do problema (por exemplo, condições
des de políticos e administradores dos de habitação precárias) e ignorar outros
governos central e local. Eles precisam problemas a ele conectados (por exem-
reconhecer o direito legítimo das popu- plo, desemprego), resultando no enfra-
lações locais de participar como parcei- quecimento de melhorias a curto prazo
ros no estabelecimento da agenda de (Power e Tunstall, 1995). O maior perigo
regeneração. Mais que isso, o setor priva- é que a participação comunitária seja
do, como parceiro, deve aceitar a legiti- vista pelas comunidades locais como
midade da perspectiva das comunidades uma forma de simbolismo e incorpora-
e acomodar-se a elas. Para que isso seja ção, correndo o risco de exacerbar o sen-
alcançado, é essencial engajar-se em timento de marginalização e impotência,
formas de diálogo aberto que permitam aumentando pois o de desesperança e
o desenvolvimento de um consenso acentuando o conflito, criando assim
sólido a partir do qual estratégias de re- mais “áreas perigosas” ainda (Campbell,
generação inclusivas possam ser desen- 19 93 ).
volvidas (Healey, 1997, especialmente
a parte III). Esses desenvolvimentos Essa tendência para um maior en-
deverão se fazer acompanhar por rees- volvimento e maior participação comu-
truturações organizacionais freqüente- nitária por parte dos menos favorecidos
mente radicais, que facilitem o acesso nas estratégias de regeneração ocorreu,
da comunidade aos serviços, bem como embora de forma variável, em toda a
ao seu controle (Burns et al, 1994). União Européia (McConnel, 1991;
Social Europe, 1992; Atkinson, 1997a).
Mesmo se tal reestruturação fosse Em outras partes da Europa, a noção
decretada, problemas significativos iriam de parceria em política urbana é fre-
permanecer. Não há como garantir que qüentemente diferente. Por exemplo, na
a maioria das áreas privadas de recursos França, até recentemente, o termo se
seriam beneficiadas; as propostas referia a parcerias entre diferentes partes
podem centrar seu foco em áreas com do Estado (Parkinson e Le Galès, 1995;
potencial de desenvolvimento significa- Le Galès e Mawson, 1994; Cannan,
tivo de modo a atrair investimentos do 1995) com relativamente baixos níveis
setor privado, assim maximizando a ala- de participação privada e comunitária.
vancagem e o desenvolvimento econô- Precisamos estar atentos para as dife-
mico. Tal abordagem corre o risco de rentes racionalidades e para os distintos
reproduzir os problemas dos esquemas sentidos ligados ao uso do termo par-
baseados na propriedade. Além disso, ceria. Entretanto, o que podemos dizer
a maioria dos esquemas focalizará áreas é que tem havido um reconhecimento
relativamente pequenas, levantando o geral de que somente através de par-
problema crucial da justiça territorial – cerias multi-setoriais é possível abordar
por que uma área deve ser preterida em os problemas urbanos complexos.
nome de outra? Os esquemas podem
Rob Atkinson 117

Em outro trabalho (Atkinson 1997a analisado dentro do contexto mais am-


e 1997d) argumentei que há uma grande plo de políticas locais com ênfase parti-
quantidade de processos potencialmente cular nas coalizões de governo existentes
contraditórios nessas novas parcerias: e nas redes de interação entre políticos,
administradores públicos e empresários.
a) sinergia; Tais redes geralmente desempenham
b) transformação; papel crucial no estabelecimento e na
c) incremento orçamentário; operação de parcerias de regeneração.
d) um método de evitar os fracassos da Como Skelcher et al (1996) já apon-
regeneração física centrada no mer- taram, as redes podem garantir que as
cado dos anos 80; parcerias aconteçam de forma suave,
e) um método de reduzir riscos do setor agindo como mecanismos de integração
privado a fim de facilitar investimen- de parceiros. No entanto, elas também
tos; podem funcionar como mecanismos de
f) uma forma de legitimação ou simbo- exclusão e manutenção do status quo.
lismo que oculta a contínua domi-
nância de formas de regeneração Um estudo recente sobre mudança
centradas na propriedade; urbana e renovação no norte da Ingla-
g) um método de fazer com que a rege- terra (Garrahan e Stewart [eds.], 1994)
neração seja mais relevante frente às apontou para a importância de redes es-
necessidades dos grupos marginaliza- tabelecidas há muito tempo tanto no
dos e excluídos; estabelecimento da agenda quanto na
h) um método de inserção e integração efetivação dos projetos de regeneração
agindo para criar solidariedade e coe- (Shaw, 1994). Tentativas de regenerar
são social; tais áreas freqüentemente utilizam uma
i) um modo de criar uma cultura de forma de “marketing de lugar” (Paddin-
auto-ajuda (“empreendedorismo” so- son, 1993; Harvey, 1989) que envolve
cial) dentro de comunidades margi- uma “re-escritura da história” na medida
nalizadas; em que narrativas particulares de rege-
j) em termos de governança, um meio neração buscam “vender” as vantagens
de coordenar e gerenciar elementos da área para potenciais investidores.
díspares que se acredita necessários Essas narrativas de reconstrução enfati-
para uma eficiente regeneração urba- zam a modernidade, a capacidade em-
na, o que inclui o gerenciamento da preendedora e a flexibilidade de uma
comunidade. área. Simultaneamente, como parte
desse processo, aqueles que trabalharam
Não é inevitável que esses processos nas indústrias que criaram e sustentaram
entrem necessariamente em conflito uns uma área são freqüentemente margina-
com os outros. No entanto, como sugere lizados e responsabilizados por seu insu-
o trabalho de Stone (1989) sobre regi- cesso. Esse processo de re-apresentação
mes urbanos, o desenvolvimento de par- (King [ed.]), 1996) pode criticar implici-
cerias não acontece no vácuo e deve ser tamente e estigmatizar muitos dos que
118 Combatendo a Exclusão Social Urbana

vivem em comunidades desfavorecidas firmas criadas durante os anos 80 ter


(isto é, aqueles em situação precária ou triplicado em comparação aos anos 70
os excluídos) que podem tomar parte não levou à criação de novos empregos,
em uma parceria. A implicação disso é devido ao pequeno tamanho das novas
que eles são parte do problema, que pre- firmas se comparadas às que haviam
cisam abandonar suas antigas atitudes, fechado. Mais importante ainda, os au-
modernizar-se e tornar-se mais flexíveis tores notaram que os tipos de firmas
e empreendedores. Daí a importância criadas fizeram pouco para melhorar a
da construção discursiva de noções de posição competitiva da economia da
parceria e participação: a “linguagem da região ou a do país e não formaram a
parceria” desempenha um papel vital na base para uma regeneração econômica
determinação das operações, objetivos de longo prazo.
e relações de poder (Atkinson, 1997c).
Pode também haver outra dimensão
Se nos voltarmos para o trabalho de desta “virada em direção à comunida-
Mingione sobre a importância das redes de”. Rose (1996), utilizando o conceito
recíprocas como meios de combater a de Foucault (1979) de “governamenta-
exclusão social e manter a coesão, os lidade”, argumenta que a forma de con-
desenvolvimentos sugeridos no pará- cebermos e constituirmos o “social”
grafo anterior propõem que algumas atravessa uma mudança profunda, a lin-
redes comunitárias possam ser vistas guagem do social dando lugar à lingua-
como parte do problema e não como gem da comunidade. A comunidade
recursos sobre os quais se venha a tra- está sendo constituída como “... um
balhar. Assim existe a possibilidade de novo território para a administração de
que, no esforço de vender e reestruturar existências individuais e coletivas, um
espaços particulares, haja uma tentativa novo lugar ou superfície sobre a qual
de reconstruir a comunidade e que nesse relações micro-morais entre pessoas são
processo venham a ser destruídos meca- conceitualizadas e administradas...”
nismos de sustentação cruciais. (Rose, 1996, p. 331). Comunidades e
indivíduos são classificados e proble-
Uma abordagem alternativa é tentar matizados com base em suas “culturas”
facilitar o crescimento de infra-estruturas (por exemplo, como responsáveis, cida-
comunitárias e de pequenos empreendi- dãos ativos, empreendedores, indepen-
mentos que sustentem áreas inovadoras dentes, ou então como patológicos,
tais como a “Primeira Itália” ou o Baden dependentes, irresponsáveis), as fron-
Württemberg. No entanto, o crescimento teiras da inclusão e exclusão sendo cons-
de um setor de pequenos negócios não tantemente redesenhadas. O governo
implica necessariamente na criação de não é mais o governo de um território
uma economia local competitiva. Uma nacional como um todo unificado, mas
pesquisa de Sorey e Strange (1993) de áreas discretas (por exemplo, cidades,
sobre Cleveland, no Reino Unido, des- regiões). “Os destinos econômicos dos
cobriu que o fato de o número de novas cidadãos dentro de um território nacio-
Rob Atkinson 119

nal não são mais ligados uns aos outros, particulares de capacidade de empreen-
e são agora compreendidos e governa- dimento, qualificação, inventividade e
dos como função de seus próprios níveis flexibilidade.” (Rose, 1996, p. 339).

Limites da política urbana e das estratégias de


regeneração

Políticas urbanas em geral e estratégias Entretanto, em um mundo em que


de regeneração em particular não exis- parte considerável da população experi-
tem no vácuo; estão inseridas em um menta um desemprego de longo prazo
contexto mais amplo que tem grande in- ou a insegurança no emprego, a centrali-
fluência em sua efetividade (indepen- dade de noções tradicionais de trabalho
dentemente de como esta seja definida). e seu papel como mecanismo integrador
Os objetivos de políticas mais amplas na precisam ser questionados. Mingione
economia, no Estado de Bem-Estar (1991, cap. 2) argumenta que o conceito
Social etc., e recursos a eles destinados dominante de trabalho está associado
têm implicações cruciais na exclusão com trabalho “oficial” e que precisamos
social e na regeneração urbana. Em re- de uma noção mais ampla. Diz o autor
lação à exclusão social, esses problemas que “... o critério para inclusão de uma
podem ser apresentados em termos das atividade como ‘trabalho’ diz respeito à
três dimensões institucionais apontadas sua contribuição para a sobrevivência
anteriormente. material.” (ibid., p. 74) Essa definição
mais ampla permite o reconhecimento
O mercado de trabalho, nitidamente, de que recursos, particularmente de na-
ainda ocupa um papel crucial como me- tureza não mercantil, produzidos dentro
canismo integrador para combater a da família ou da comunidade são um
exclusão social. Por exemplo, Clasen et aspecto crucial das estratégias de traba-
al (1997, p. 37) perceberam que: lho e sobrevivência. Ao reconhecer sua
legitimidade e equivalência ao trabalho
“A exclusão do mercado de trabalho pago tradicional, tais formas podem agir
automaticamente marginaliza quem está como mecanismos de inserção tanto no
desempregado há muito tempo, mas, combate à exclusão social quanto no re-
para muitos, ela também começa a ero- forço da coesão. Ao mesmo tempo, a
dir outros laços sociais. Quanto mais legitimidade de tais atividades pode
tempo a pessoa encontra-se desempre- também reforçar a dimensão cívica da
gada, menos ela é capaz de manter as inclusão (van Berkel, 1995). Em relação
bases econômicas e sociais de sua vida à regeneração urbana, a contribuição
e menos motivada ela se torna para pro- que as atividades de base comunitária
curar emprego. (como o cuidado com jovens e velhos,
120 Combatendo a Exclusão Social Urbana

a criação de alojamentos comunitários) em que a cidadania era vista em termos


pode trazer para um renovado sentido cada vez mais individualistas, essas pres-
de cidadania e participação na socieda- sões forem vistas como contendo impe-
de como um todo (isto é, um crescente rativos necessários que requeiram uma
senso de solidariedade social e de coe- reestruturação rápida e radical, então o
são e um combate ao isolamento social) resultado será provavelmente o desem-
é considerável. Ainda assim, apesar prego em massa, aumentando as dife-
disso, a política econômica opera com renças salariais, a polarização social e a
a noção tradicional de trabalho e os go- exclusão social. Por outro lado, Diele-
vernos não parecem desejosos de tentar man e Hamnett (1994) apontam que na
mudar quer sua definição de trabalho Holanda uma abordagem bastante dife-
quer a da população em geral. rente, sustentada por uma noção mais
coletiva de cidadania que enfatizava os
Outra dimensão crucial do problema objetivos de bem-estar social comum,
da exclusão/inclusão é o Estado de Bem- foi tomada e que os problemas mencio-
Estar Social, que tem sido continua- nados foram gerenciados de modo a
mente pressionado a tomar parte de um mantê-los dentro de limites “aceitáveis”.
processo fundamental de reestruturação, Com um custo, entretanto, que impôs
a fim de alinhar-se com as novas condi- ao Estado holandês um pesado fardo
ções resultantes da crescente competição financeiro, quiçá insustentável por muito
global, dos altos níveis de desemprego, tem po.
do envelhecimento progressivo da po-
pulação etc. (Atkinson, 1997b). Ainda Talvez, como Donzelot argumenta,
assim, como Dieleman e Hamnett (1994) não devêssemos esperar muito de polí-
apontam, essas pressões não ditam ticas urbanas:
nenhum resultado particular:
“Reduzir o desemprego, a delin-
“As ligações são contingentes e de- qüência, o racismo não são preocupa-
pendem em grande medida da escala ções das políticas urbanas; ou ao menos
de intervenção do Estado de Bem-Estar não diretamente. Estes assuntos são
Social, da distribuição de renda, da polí- tratados por outras políticas, utilizando
tica de planejamento ... e da estrutura maiores recursos, embora talvez nem
do... ‘modo de regulação social’ tanto sempre de forma eficiente. O objetivo
nacional quanto local.” (ibid., p. 359) da política urbana é fazer essas políticas
convergirem para o problema da exclu-
Isso depende em grande parte de são e conseqüentemente da cidadania.”
como as pressões são discursivamente (Citado por Yépez Del Castillo, 1994,
constituídas e compreendidas. Se, como p. 625)
no caso britânico durante os anos 80,
Rob Atkinson 121

Conclusão

Estratégias de regeneração urbana ba- como forças sobre as quais se possa


seadas na parceria e na participação construir algo.
comunitária têm certamente um papel
a desempenhar no combate à exclusão Os fatores externos são em alguns
social, um papel que tende a crescer no sentidos mais limitadores que os inter-
futuro. A natureza multidimensional e in- nos. Políticas econômicas e de bem-estar
tegrada dessas estratégias representa um social provavelmente terão mais influên-
importante mecanismo para enfrentar a cia no desenvolvimento de áreas urba-
exclusão social. Entretanto, elas têm de nas deterioradas do que estratégias
encarar uma série de problemas que locais de regeneração. Dados os recursos
pode limitar sua eficiência, problemas alocados através de tais políticas, elas
de origem tanto endógena quanto exó- não somente estabelecem o contexto
gena. geral em que a regeneração acontece,
mas afetam diretamente as vidas dos
Tratemos primeiramente dos assun- habitantes excluídos em uma extensão
tos internos. Conforme vimos, a parceria considerável. É fundamental que tais po-
é um processo complexo e potencial- líticas trabalhem com, em vez de contra,
mente contraditório que envolve uma a regeneração urbana, já que freqüen-
variedade de interesses. Os parceiros temente não o fazem. Outro aspecto da
não participam todos da mesma forma, dimensão externa é que na corrida para
e a linguagem da parceria pode fun- regenerar haverá inevitavelmente vence-
cionar de tal maneira que venha a pro- dores e perdedores já que os lugares
mover formas de desenvolvimento competem uns com os outros (Harvey,
(econômico) em favor de certos parcei- 1989). Assim, há uma necessidade de
ros enquanto marginaliza esquemas desenvolver não apenas estratégias
propostos pelas comunidades locais. A nacionais coerentes, mas também es-
menos que as comunidades sejam pro- tratégias regionais, para tentar limitar os
vidas dos recursos necessários para excessos maléficos da competição in-
facilitar a construção de suas próprias terurbana e alocar os recursos com base
capacidades, é improvável que sejam nas necessidades.
capazes de participar de um modo que
lhes permita representar suas necessi- As parcerias na regeneração urbana
dades e interesses adequadamente. envolvendo a participação comunitária
Além do mais, as próprias redes familia- têm inequivocamente um papel impor-
res e comunitárias que representam um tante a desempenhar na prevenção e na
bastião contra a exclusão podem ser luta contra a exclusão social. No entanto,
vistas como impedimentos à moder- não é razoável esperar que elas isola-
nização e ao desenvolvimento de novas damente sejam capazes de contrariar
estruturas econômicas mais do que forças nacionais e internacionais pode-
122 Combatendo a Exclusão Social Urbana

rosas. Para ser efetiva, sua contribuição apoio ao desenvolvimento local de redes
precisa ser parte de uma estratégia inte- de reciprocidade contra a exclusão, en-
grada maior, que opere em níveis regio- corajando a construção e o reconheci-
nais, nacionais e europeus. No entanto, mento de novas noções de trabalho e
elas podem desempenhar um papel de cidadania.
Rob Atkinson 123

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Opinião
Mundialização, Unidade da
Cidade e Gestão Urbana *

Alain Bourdin

A mundialização das cidades é incontes- pelas incerteza, flexibilidade e poliva-


tável porque atinge primeiro as cidades lência – de que conhecemos o preço
e passa principalmente por elas. Com social –, mas que podem se realizar nas
efeito, a população urbana cresce consi- melhores condições nesse tipo de con-
deravelmente, mas esse crescimento texto (Veltz, 1995).
afeta mais em particular as grandes aglo-
merações que têm papel essencial na Essas cidades são marcadas pela
evolução urbana contemporânea, me- diversidade, pelas rupturas, pela mudan-
gápoles ou metápoles, retomando o ça. Em primeiro lugar, em seu funciona-
termo utilizado por F. Ascher (1995). mento cotidiano, com a mobilidade, a
Essas cidades são marcadas por várias importância de todos os tipos de comu-
grandes características que afloram no nicações, a diversidade dos modos de
conjunto dos sistemas urbanos. Primei- vida, notadamente na sua inscrição es-
ro, uma internacionalização muito acen- pacial e temporal. Em seguida, na sua
tuada de sua economia que se define composição social, com o cosmopoli-
sempre, sem dúvida, pelo peso da fun- tismo e a hibridação das culturas urba-
ção terciária, porém mais ainda pela nas associando-se à multiplicidade dos
reunião da capacidade de comando (fi- modos de organização: grupos de natu-
nanceiro, industrial e nos serviços às reza muito diferente, grandes agrupa-
empresas), da expertise e dos meios ino- mentos como as classes sociais, grupos
vadores. Essa economia é marcada regionais, étnicos, religiosos, geracio-

* Tradução de Marcos Reis.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 131-145


132 Mundialização, Unidade da Cidade e Gestão Urbana

nais, mas igualmente fundados em laze- brasileiro, mas há poucas possibilidades


res comuns; o gosto por uma mesma de que um deles o adote imediatamente.
música, a referência a uma mesma A questão do patrimônio ilustra muito
moda... coabitam. Isso nada tem de ex- bem a maneira como funciona esse mer-
traordinário; o excepcional é que esses cado: o patrimônio é em grande parte a
diferentes grupos não são de forma algu- expressão de uma especificidade local
ma articulados uns com os outros e que ou nacional; aliás, essa dimensão do pa-
podem se substituir uns aos outros. Por trimônio é atualmente a que se valoriza
outro lado, a existência de grupos relati- mais; no entanto, a preservação e a valo-
vamente estáveis sofre concorrência de rização do patrimônio se desenvolvem
uma estruturação de massa, mais emo- num quadro mundial (com um discurso
cional – da qual a morte e os funerais internacional – cada vez mais ligado ao
da princesa de Gales deram uma bela do desenvolvimento sustentável –, com
ilustração mundial – e mais volátil. um meio profissional, através de opera-
dores, de organismos, de signos inter-
Esses fenômenos referem-se ao con- nacionais): as especificidades não são
junto das cidades do mundo, mesmo se resistências à mundialização, participam
eles tomam formas específicas segundo dela 1 . Uma outra questão é a de saber
a região, a importância das cidades etc. como são condicionadas ou “recondi-
Isso porque há, em escala internacional, cionadas” pelo mercado mundial.
um verdadeiro mercado de modelos de
organização do governo das cidades (ou O que se poderia chamar um “mer-
da gestão urbana), da mesma forma cado da governança” veicula elementos
como há um mercado internacional dos de natureza muito diferente: técnicas de
modelos de cidades e dos valores urba- gestão, métodos de governo propria-
nos. O mercado não implica a unificação mente ditos, ideologias de referência,
dos modelos. Em matéria de governo definição de grandes problemas 2 . Nesse
das cidades, cada um escolhe sua conjunto, certas formulações, certas
opção: em Singapura, instauraram-se questões parecem de uma importância
pedágios urbanos elevados associados bem particular e dizem respeito a todas
a sorteios dando direito de usar veículos, as regiões do mundo. Assim é quanto à
para limitar a circulação de automóveis. questão da cidade ator: o que é uma
Esse tipo de medida pode entusiasmar cidade ator? Por que esta noção ganha
um responsável municipal francês ou importância?
1
Uma caso ilustra isso: por ocasião de minha primeira viagem ao Brasil, há cerca de vinte anos,
comprei em Fortaleza um disco de Luiz Gonzaga. Algum tempo depois, um de meus amigos,
especializado em sociologia da cultura, predisse que, com a concentração das multinacionais
do audiovisual, rapidamente eu não teria mais oportunidade de encontrar esse gênero de
disco. A concentração e a mundialização do mercado são provavelmente mais fortes do que se
previa na época, mas em Paris encontramos em CD gravações de Luiz Gonzaga...
2
Neste sentido, retomando uma terminologia própria a certos politólogos franceses, diremos
que ela veicula referenciais ou elementos referenciais (segundo os termos utilizados por Jobert
e Muller, 1987).
Alain Bourdin 133

A Cidade ator

As cidades se definem por três relações: de Hinterland indica sem dúvida uma
com o campo (ou com os locais de extra- relação mais especializada do que a de
ção de recursos naturais), com o Estado uma capital e também uma extensão
e com as outras cidades. Na França rural maior do território), as outras cidades
do século XVIII, a relação com o campo participam do seu hinterland ou são
é dominante para a maioria delas (exce- parceiras ou concorrentes. Quando são
to algumas, como Paris e as que abrigam cidades-Estado, elas se constituem evi-
grandes portos); no pós-guerra, a rela- dentemente como atores, porque um
ção com o Estado é preponderante, en- Estado tem interesses, projetos, amigos
quanto a relação com as outras cidades e inimigos, uma “identidade” (ou seja,
se dá de maneira hierárquica, territoria- uma definição de si para si e para os
lizada e estável, ainda muito ligada à outros)... logo, todos os traços que ca-
relação com o campo. Nesses dois mo- racterizam um ator. Mas podem também
mentos, e isso vale para qualquer lugar se constituir como ator sem isso, freqüen-
onde o mesmo tipo de relação predomi- temente à maneira de cidades-empresa,
na, a cidade é um lugar de cristalização em torno de um grupo piloto (por exem-
de certas funções (por exemplo, militar, plo, de armadores, de grandes nego-
administrativa, religiosa) num dispositi- ciantes) que define todos esses traços,
vo que diz respeito a uma autoridade aceitos e adotados pelo conjunto da
que lhe é (ao menos parcialmente) exte- sociedade local.
rior. Ela é um lugar de troca, entre cidade
e campo ou no interior de uma rede de Se a França foi marcada pela força
cidades. Forma igualmente um meio das relações cidade–campo e cidade–
social, um contexto no qual se organiza Estado, a mesma coisa não pode ser dita
a vida comum de um conjunto de enti- quanto aos demais países do mundo,
dades sociais (grupos de naturezas di- nem mesmo quanto a todos os países
versas, organizações, instituições) que europeus. Entretanto, na História, a re-
formam uma sociedade local. A quali- lação cidade–cidade raramente se se-
dade de ator, ou seja, de coletividade parou da relação cidade–campo. No
capaz de organizar uma ação coletiva período “moderno”, foi sempre equili-
coerente, autônoma e unitária não tem brada com a relação cidade–Estado, e
nisso tudo um papel muito importante. os Estados Modernos limitaram a capa-
Em compensação, as cidades que parti- cidade de as cidades tornarem-se atores.
cipam do comércio internacional (Gêno-
va, Veneza, as cidades hanseáticas na Ora, dos fenômenos de mundiali-
Europa da Idade Média e do Renasci- zação e de enfraquecimento dos Estados
mento) não funcionam bem da mesma resulta a perda de importância das rela-
maneira. Suas relações com o campo ções entre cidade e Estado e entre cidade
são freqüentemente diferentes (a noção e campo. Quanto à relação entre cida-
134 Mundialização, Unidade da Cidade e Gestão Urbana

des, ela é cada vez mais marcada por rias: de um lado, o sucesso num sistema
fenômenos de concorrência, em escala de concorrência com outras cidades e,
mundial, regional (Europa, Mercosul) ou de outro, a qualidade do meio interno.
mais local (nacional ou infranacional). Desejamos criar o maior volume possível
Nesse contexto, os riscos aumentam e de riquezas e viver nas melhores condi-
as oportunidades se diversificam. É pre- ções. Freqüentemente, a qualidade de
ciso portanto elaborar estratégias, vida, a segurança, a qualidade do meio
traduzi-las em projetos e promover mo- ambiente constituem fatores de atração
bilizações em torno desses projetos. É e ajudam a ganhar dinheiro. Da mesma
assim por exemplo que a cidade de Fila- forma, o dinheiro ganho por alguns se
délfia (Giband, 1996), apesar de sua torna o recurso fiscal que permite ajudar
população e sua importância histórica, os outros. Se as duas categorias não são
descobre um dia que está em má posi- contraditórias a priori, isso não significa,
ção com relação às suas concorrentes. no entanto, que os interesses de todos
As autoridades locais estimam que o fato os habitantes de uma cidade convirjam
de que seja apenas uma cidade de con- ou se componham facilmente. Os pe-
gressos de segunda categoria representa quenos empresários urbanos tradicio-
uma grande deficiência e que, para se nais podem temer a modernização, que
reposicionar entre seus pares, é preciso é, ao contrário, indispensável aos meios
absolutamente que se torne uma cidade inovadores; um grupo de grandes con-
de congresso de primeira grandeza. O sumidores pode ser simplesmente per-
caso é interessante porque tal estratégia turbado pelos pobres, cuja presença só
supõe, por um lado, a implantação de lhes traz inconvenientes; um subproleta-
um grande equipamento e, por outro, riado metropolitano pode ter pouco
uma forte mobilização tanto para finan- interesse no desenvolvimento de uma
ciar esse equipamento quanto para fazê- indústria de ponta totalmente desconec-
lo desempenhar seu papel. Existir como tada da economia local, porque desse
ator supõe portanto a existência de pro- desenvolvimento não retirará nem
jetos articulados fortes que permitam mesmo uma migalha. Existem pois con-
unificar a ação e nos quais cada um se flitos de interesses que, em certos casos,
reconheça. Trata-se na verdade de defi- só podem ser resolvidos pelo confronto;
nir interesses comuns, uma estratégia, em outros, através de compromissos,
identidades de amigos e inimigos ou, sejam eles ligados ao reconhecimento
pelo menos, de aliados e concorrentes. de um interesse superior comum ou o
Se tudo isso existir, e se um porta-voz resultado da ação de um negociador
ou uma autoridade for claramente habi- (por exemplo, um poder político local)
litada a se expressar, poderemos efetiva- que retire precisamente daí sua força e
mente falar de ator. sua legitimidade.

Com o risco de sermos simplistas, Mesmo admitindo que não existam


diremos que os interesses comuns per- verdadeiros conflitos de interesses ou
tencem sempre a duas grandes catego- que estes possam facilmente terminar
Alain Bourdin 135

em compromissos, é preciso ainda que tanto, num contexto de sociedade ho-


os atores falem a mesma língua, que eles mogênea. Quando a coordenação não
se compreendam, que articulem sua é a expressão de uma unidade da cidade
ação. Eis porque as técnicas da consulta, que a ultrapassa, ela só produz fenôme-
da participação, da parceria, da coorde- nos de acordo oligárquico, ou seja, acor-
nação dos atores têm grande impor- dos entre alguns atores para promover
tância. Mesmo que estejamos numa o conjunto dos interesses convergentes.
situação conflitual, a habilidade que os Esses acordos são necessariamente
diferentes atores têm em manejar ou em limitados ou de curto prazo, o que torna
se adaptar aos conflitos modifica sua difícil a elaboração de uma estratégia
situação, e, mais ainda, os poderes po- para a cidade e seu ajuste conjuntural.
líticos só chegam a se estabelecer, a
orientar (a favor de uns ou de outros) e Ora, o contexto urbano contempo-
a gerir os compromissos se utilizarem râneo evoca mais a anomia endêmica
com competência essas diversas técnicas de Durkheim do que a unidade social:
de governo (e não a da administração as metrópoles, em particular, consomem
ou a da gestão). muita inovação e vivem da mobilidade
(dos homens, da informação e dos
Os trabalhos relativos à governança bens). De uma certa maneira, seu dina-
urbana insistem nesse aspecto das mismo consiste em subverter seus pró-
coisas, e com justa razão. Mas não se prios elementos de estabilidade. Isso nos
deve subestimar um ponto: o trabalho leva a interrogar mais precisamente o
de coordenação não transforma facil- que é e o que determina a unidade da
mente a cidade em ator, exceto quando cidade.
se realiza num cenário de unidade, por-

A unidade da cidade: um quadro em questão


Tradicionalmente, a cidade é um lugar porações ou mais recentemente as pro-
de agrupamento cuja unidade é forte- fissões fortemente estruturadas) corres-
mente ligada a esse princípio. Ela é, por pondem a essa organização, e o poder
excelência, o lugar da divisão do tra- urbano é primeiramente a garantia do
balho e da complementaridade. Esta agrupamento, da complementaridade e
última se apóia na proximidade que do caráter tão positivo quanto possível
permite multiplicar as trocas formais e dos efeitos desses dois fatores.
informais e criar o que os economistas
chamam de externalidades (efeitos posi- Com essas duas características, dá-
tivos ou negativos ligados à proximidade se o fenômeno da polarização. A cidade
e à complementaridade). As estruturas é fortemente marcada pela centralidade
sociais (por exemplo, o sistema de cor- na escala do território que ela domina,
136 Mundialização, Unidade da Cidade e Gestão Urbana

mas igualmente no seu espaço interno. mental, de Flaubert, entra na cidade


O centro atrai a periferia, as fortes densi- para entrar na vida... De uma certa
dades atraem as densidades fracas, a maneira, a economia do just in case, que
burguesia atrai o proletariado. A unida- é há tempos a dos grandes mercados
de da cidade se baseia na dissimetria urbanos, é uma economia da sucessão.
encontrada na especialização das ati- Sua metáfora de referência é a do cliente
vidades (produção, trocas, serviços), que deambula e observa, um a um, os
assim como, no plano sociológico, na objetos que lhe são oferecidos, antes de
organização das relações de poder e de fazer sua escolha.
cooperação, mais do que de domi-
nação 3 . Essas três características marcam a
tripla unidade da cidade: territorial (com
Essa cidade é igualmente a da su- a forte oposição entre o centro e a peri-
cessão. Seu funcionamento é caracteri- feria, a cidade e o subúrbio, a aglome-
zado por ritmos temporais pelo menos ração urbana e o campo); funcional
tão fortes quanto os do mundo rural. (com a reunião das trocas, da produção
São os da atividade, da vida religiosa, e dos serviços e com a importância das
coletiva, cívica etc, e na cidade moder- externalidades); social (com a organiza-
na, ainda que o desencantamento do ção em classes sociais especializadas e
mundo retire toda importância aos complementares e sua participação num
ritmos simbólicos ou religiosos, os tem- mesmo meio sociocultural urbano). Em
pos urbanos, os do trabalho, da troca outros termos, o quadro urbano é resul-
econômica, da mobilidade, dos lazeres, tado e produtor de unidade.
não deixam de ser muito fortes. A suces-
são é igualmente a dos percursos: Ora, no contexto da mundialização,
percurso residencial que conduz, por essas três características tendem a se
exemplo, de um bairro a outro (e, princi- apagar e podemos nos perguntar se o
palmente, dos “bairros pobres” à “cida- quadro urbano atual não se terá tornado
de rica”); percurso econômico (de uma um fraco produtor de unidade. O agru-
atividade a outra, de um alfinete que um pamento não é mais um fator muito
jovem em busca de trabalho acha no estruturante; com efeito, a proximidade
corredor de um banco até o grande perde sua utilidade funcional; em troca,
banco do qual este jovem se torna mais ganha relevo num plano não-funcional.
tarde o proprietário); percurso social: Em outros termos, para trocar produtos,
Rastignac, o herói de vários romances informações especializadas ou serviços,
de Balzac, parte para a conquista de a proximidade não é útil; em compen-
Paris, para buscar a glória e a riqueza; sação, no que se refere a tudo o que não
Frédéric Moreau, em A educação senti- é formal e especializado (saber se posso

3
Entende-se aqui o poder como a capacidade de fazer ou de obter um bem ou um serviço,
capacidade que supõe um mínimo de reciprocidade, logo de cooperação, enquanto a domi-
nação é entendida como uma pura afirmação de posição.
Alain Bourdin 137

confiar num parceiro, perceber os pres- res: um mesmo quarteirão residencial


supostos ou os subentendidos de suas pode ter valores diferentes segundo os
intervenções, conversar informalmente indivíduos que o avaliam, um centro que
para encontrar uma idéia, resolver um durante o dia surge como um lugar
problema difícil, decidir por uma estra- muito atraente se torna, à noite, um es-
tégia...), a proximidade se torna indis- paço que é melhor evitar. Mas esses
pensável. Mas passamos da proximidade exemplos simples dão somente uma
do agrupamento à do face a face, o que frágil idéia da grandeza do fenômeno:
muda tudo. A complementaridade é nenhum lugar urbano hoje (pelo menos
menos um princípio de funcionamento nas metrópoles) beneficia-se de uma sig-
das sociedades urbanas do que um meio nificação estável. Os mapas de valores
de favorecer a diversidade flexível (tanto fundiários, cada vez mais complexos,
no plano econômico quanto no socio- não redutíveis a esquemas polarizados
cultural). E os grupos sociais urbanos e instáveis, traduzem esses fenômenos.
não se organizam mais a partir de mode-
los de grupos especializados comple- Em compensação, assistimos à for-
mentares da solidariedade orgânica mação de grandes concentrações eco-
durkheimiana. Sem utilizar termos polis- nômicas, tecnológicas, sociais, culturais
sêmicos tais como o de tribo, que evo- que não se inscrevem num sistema de
cam todos os contra-sentidos, pode-se diferenças. Os tecnopolos, os grandes
notar um duplo movimento, perfeita- centros direcionais, Silicon Valley, são
mente coerente, de individuação sempre de alguma forma extraterritoriais, sem
mais forte e de constituição de grupos relação com seu meio ambiente, e é
sociais mais instáveis, mais autocentra- apenas pela vontade das autoridades
dos, por vezes até ao ponto de uma públicas que chegamos, por vezes, a as-
identificação intensa de tipo comunitá- sociá-las ao resto da cidade 4 . Da mesma
rio, por vezes limitados a certas circuns- maneira, alguns bairros bastante marca-
tâncias bem precisas da vida. dos sociologicamente ou etnicamente
acabam se inscrevendo num sistema de
A polarização regride, igualmente. diferenças e de trocas, mas pelo fato de
Constatamos uma descontinuidade dos existirem de forma totalmente autônoma
territórios, que se traduz primeiramente em relação ao resto da cidade.
por um povoamento descontínuo e por
fenômenos de enclave muito fortes de Por isso, a centralidade não se define
territórios vazios, abandonados ou bas- mais como o que está no centro, geogra-
tante desvalorizados em meio a aglome- ficamente e socialmente, mas como uma
rações urbanas. Essa descontinuidade curiosa combinação, na qual três ele-
não é apenas funcional; diz respeito mentos parecem essenciais: uma asso-
também às significações dadas aos luga- ciação entre a suprafuncionalidade (ali

4
Poder-se-ia evidentemente citar vários exemplos no Rio (teleporto, centro de negócios) que,
de uma maneira ou outra, ilustram esse raciocínio.
138 Mundialização, Unidade da Cidade e Gestão Urbana

se faz tudo e nada) e uma especializa- limita as atividades puramente coletivas.


ção funcional de alto nível ou rara; uma Ora, quanto mais as atividades forem
configuração de hiperescolha e um for- coletivas, mais se desenvolverão umas
te conteúdo simbólico. A esses três após as outras, inscrevendo-se em
elementos agrega-se um quarto: a pre- grandes ritmos sociais. Em sentido con-
sença de fluxos importantes de consu- trário, a agregação dos comportamentos
midores. De passagem, notamos que, individuais diversificados produz a si-
assim como na atividade econômica, a multaneidade dos diversos elementos da
prestação de serviços é fundamental na vida social. Essa simultaneidade não
dinâmica da centralidade. marca apenas os modelos de vida, mas
igualmente a organização social. Por
Um complexo cinematográfico tal certo, é preciso ser prudente, mas pare-
como os que se fazem hoje, desde que cem remeter a essa idéia fenômenos
lhe demos uma “alma” (ou imagem como a aproximação no espaço e nas
forte), pode perfeitamente responder a práticas de classes sociais bastante dife-
essa definição. Esse exemplo, por outro rentes, sem que haja por isso mescla
lado, não é casual, porque a centrali- social, ou, ainda, como a diversidade
dade se apresenta cada vez mais sob a de situações sociais numa mesma família
forma de bolhas – nas quais por vezes num mesmo momento e cuja distribui-
não há mais espaço público stricto ção pode ademais evoluir muito em
sen su 5 . alguns anos, fenômeno que parece se
difundir na classe média européia.
Uma tal centralidade não pode ser
a expressão de uma ordem social que Em todo caso, a simultaneidade se
engloba o conjunto da sociedade. Ela manifesta maciçamente no domínio das
constitui um formidável acelerador da emoções e da sociabilidade coletiva. O
vida social, da dinâmica econômica e grande movimento das mulheres negras
cultural... mas não produz unidade. nos EUA; o sucesso da marcha dos cam-
poneses sem-terra no Brasil, o das jorna-
Paralelamente, a simultaneidade das mundiais da juventude em Paris ou
tende a prevalecer sobre a sucessão. Isso o do gay pride; a marcha branca na
refere-se primeiramente aos modos de Bélgica ou a incrível reação do mundo
vida e aos ritmos urbanos: a evolução inteiro diante da morte de Lady Di são
dos horários de trabalho, a flexibilidade alguns pontos de visibilidade recentes
das práticas profissionais, mas igual- em movimentos permanentes, por oca-
mente a organização da vida privada, sião de acontecimentos esportivos,
notadamente familiar, na qual atividades políticos, sociais, culturais, todos carac-
muito diversas se desenvolvem conjun- terizando-se por uma emoção coletiva
tamente. A individuação, que em nume- efêmera, mas intensa, agrupando, mui-
rosas sociedades se torna considerável, tas vezes, participantes bastante afasta-

5
O Rio de Janeiro, com seus grandes centros comerciais, é rico em exemplos a esse respeito.
Alain Bourdin 139

dos, em particular graças à televisão e à cesso das cidades. Estas precisam de


transmissão “ao vivo”. Trata-se, na ver- unidade para se tornarem atores, mas
dade, de uma sociabilidade da simulta- as condições de unidade estão mais do
neidade, naquilo que McLuhan chamava que nunca ausentes.
“a aldeia global”.

O paradoxo é, portanto, o seguinte: Sobre o que basear hoje a unidade


tornar-se um ator é essencial para o su- da cidade e como realizá-la?

Produzir a unidade da cidade

Se o quadro urbano (enquanto sistema que compreende regras específicas que


espacial, funcional e social) não é mais, vão da regulamentação e modalidades
em si mesmo, produtor de unidade, con- de sua realização – sejam respeitadas ou
vém partir da experiência da cidade para não nos regulamentos oficiais – até
seus habitantes e caracterizar o que per- normas que concernem ao comporta-
mite realizar sua percepção de unidade 6 , mento cotidiano ou à interação no espa-
a partir da qual poderá operar-se a afir- ço público. É por fim simbólico, quando
mação da unidade e organizar-se uma investe nos objetos materiais – que são,
ação que a ela se refira. Essa percepção por exemplo, os monumentos – ou os
se caracteriza por três atributos prin- imateriais – as festas, a música... – pelos
cipais 7 . quais se faz a representação da unidade
da coletividade. Esse quadro de referên-
Primeiramente, a existência de um cia comum que apenas pode se impor
quadro de referências comum. Antes de sob condição de constituir um recurso
tudo, ele é cognitivo, no que é constituí- para os habitantes da cidade – portanto
do por um conjunto de conhecimentos se for útil e vantajoso 8 – não é necessa-
referentes à cidade, sua organização ma- riamente dominado da mesma forma
terial e social, os recursos que oferece por todo mundo: o contraste é grande
etc. É também normativo, na medida em entre o que só conhece um ou dois

6
O sentimento de pertencimento é apenas um aspecto da percepção de unidade, que nos leva
precisamente ao que se verá adiante.
7
O leitor familiarizado com a sociologia constatará que a escolha desses atributos é diretamente
inspirada na teoria weberiana da especificidade da experiência urbana e da autonomia das
cidades ocidentais que tentamos traduzir em termos correspondentes às situações contem-
porâneas (cf. Weber, 1982, e Bourdin e Hirschhorn, 1985).
8
O exemplo das ações realizadas em Salvador da Bahia em torno do Carnaval, tratado ao
mesmo tempo como o meio de representação da coletividade, como o lugar de aprendizado
da cultura comum e como a atividade econômica que pode oferecer recursos (principalmente
de emprego), é bem característico de uma política que objetiva desenvolver referências comuns.
14 0 Mundialização, Unidade da Cidade e Gestão Urbana

bairros da cidade (ou mesmo algumas de concorrência 9 , a qualidade e a con-


ruas) e o que, em qualquer lugar, sente- fiabilidade da oferta (quer se trate de
se à vontade. Da mesma forma, entre o produtos industriais, de serviços ou de
que conhece apenas seu empregador ou festivais de música) desempenham um
um pequeno circuito econômico e o que papel muito importante em que a quali-
sabe o suficiente para circular de um cir- dade e a confiabilidade total supõem
cuito a outro, de um ramo a outro (seja que toda a cadeia que produz a oferta
ele um grande ou um pequeno ator eco- seja corretamente mobilizada, o que não
nômico). Da mesma forma, entre os que acontece sem qualificação profissional,
conhecem exatamente os comporta- nem também sem pertencimento social
mentos mais apreciados ou mais eficazes dos que dela participam 10 . Por outro
na rua, no comércio e nas relações pes- lado, pertencimento demasiado pode
soais, ou entre os que sabem de que parecer um luxo inútil, porque traz mais
maneira os policiais interpretam a re- qualidade de vida ou de democracia,
gulamentação da circulação, e os que mas não necessariamente competitivi-
só têm sobre isso idéias vagas, dispostas dade: não trabalhar para atingir um nível
em duas ou três experiências, felizes ou suficiente de pertencimento não cons-
infelizes. titui uma boa escolha, a não ser no caso
de um poder político que se inscreve
Mas existe uma fronteira maior que numa perspectiva de pilhagem a curto
é preciso ultrapassar, para se tornar prazo. Em compensação, para todo
membro – retomando um vocabulário poder que se situe na perspectiva de
familiar aos etnometodólogos –, quer interesses a médio ou longo prazos, a
dizer, para sentir-se à vontade, membro verdadeira escolha política está entre
da coletividade, em todas as situações esse mínimo necessário de pertencimen-
da vida cotidiana. Fazer a unidade da to (que, por sua vez, convém definir) e
cidade é organizar uma difusão de refe- o máximo possível.
rências comuns de tal maneira que os
que a elas não têm acesso permaneçam Essa escolha será tanto mais delica-
estranhos à cidade, que os que a elas da quanto mais o quadro urbano deixar
têm acesso sejam claramente afiliados de constituir um suporte claro e estável
e que as próprias etapas e vias de acesso para as referências comuns e quanto
sejam claramente definidas. Olhando as maior for o nível de competência exigido
coisas sem qualquer juízo de valor, dire- dos citadinos, para que possam viver em
mos de bom grado que muito pouca afi- sua cidade, e maior a necessidade do
liação prejudica os interesses da cidade, domínio de um importante corpo de
na medida em que, num sistema aberto conhecimentos. Paralelamente, as mo-

9
Essa concorrência é, como sabemos, antes de mais nada econômica, mas afeta igualmente a
atração de certas populações, por exemplo, os “grandes consumidores”, ou os intelectuais,
ou, ainda, a vida cultural.
10
A qualificação torna a afiliação muito mais fácil mas não a origina automaticamente.
Alain Bourdin 141

dalidades de adesão, quer dizer, de aces- se, no seu conjunto, eles fossem acessí-
so ao estatuto de membro da cidade (ao veis apenas a categorias muito limitadas
mesmo tempo no sentido jurídico e no da população 11 .
que acaba de ser empregado), se fazem
claras, enquanto o pertencimento à co- A terceira característica refere-se à
letividade nacional, que em muitos representação dos habitantes. Com
casos – como na França – constituía a efeito, não é possível constituir uma ação
matriz de pertencimento urbano, torna- comum durável sem que esta seja
se problemático. Daí a importância da conduzida por uma autoridade política
ação relativa às referências comuns. da qual se reconhece a legitimidade 12 .
Quando a ligação com o Estado se en-
Um segundo atributo se define pela fraquece ou este encontra-se em crise
possibilidade de ter acesso a um con- de legitimidade, é preciso procurar as
junto de recursos associado ao per- fontes dessa legitimidade na própria so-
tencimento urbano: bens, serviços e ciedade urbana. Elas se encontram, em
informações. É preciso que sua exis- parte, no simbolismo (com a mitologia
tência seja manifesta (a possibilidade de política). Nas sociedades de referência
acesso a uma rede de tecomunicações democrática, isso não seria o bastante,
constitui, sem dúvida, um recurso que posto que, qualquer que seja o simbo-
define a unidade da cidade, mas ima- lismo político, o mandato é necessa-
gina-se facilmente que seu efeito inte- riamente um dos elementos constitutivos
grador é limitado – exceto se ela servir da legitimidade. Ademais, uma autorida-
de suporte a um canal de televisão local de legítima deve ser capaz de organizar
de grande audiência), que sua utilização a negociação geral das relações de inte-
seja efetivamente reservada aos habi- resse, das relações de força, ou correrá
tantes da cidade e que possa mais ou o risco de perder sua legitimidade. Eis
menos estar ao alcance de todos. Se os por que a experiência da unidade da ci-
recursos próprios da cidade são por dade se constrói nas estruturas de repre-
demais orientados para as clientelas ex- sentação que não se definem apenas
ternas, eles deixam de ser um elemento como lugares de expressão (em que se
de experiência de unidade, assim como destaca a democracia eletiva e “midiá-

11
Isso não se traduz necessariamente em termos maximalistas no sentido de que todo mundo
tenha acesso à mesma coisa num sistema coletivo. Em compensação, supõe que as diferenças
entre os recursos urbanos e as capacidades de os indivíduos e os grupos terem acesso a eles
tornam-se um obstáculo à unidade, quando o conjunto do sistema evolui diferenciando-se
de maneira radical, sem que subsistam, em seu centro, recursos suficientemente valorizados
acessíveis a quase todo mundo.
12
Mesmo uma coordenação relativamente a curto prazo se torna difícil, nessas condições, salvo
se os interesses comuns forem muito fortes e muito evidentes ou se um ator dominar claramente
os outros.
14 2 Mundialização, Unidade da Cidade e Gestão Urbana

tica” 13 ), mas também como redes de in- A intensidade desses três atributos
terdependência. Por seu intermédio, os define a força da experiência da unidade
“membros” participam de um conjunto da cidade, necessária ao desenvolvi-
de redes, permitindo a circulação das in- mento de toda ação unitária. Essa força
formações, a afirmação das relações de traz inevitavelmente conseqüências para
interesse, o desenvolvimento das negocia- o próprio quadro urbano, ao mesmo
ções, os arranjos contratuais entre os tempo que se apóia sobre certos elemen-
elementos que constituem a sociedade tos desse mesmo quadro.
civil e entre estes últimos e o governo local.

Que conseqüências isso traz para o gestor?

Se o gestor escolhe uma estratégia de imensa diversidade da população e o


competição que exija fazer da cidade um desenvolvimento dos fenômenos de
ator, ele deve desenvolver a unidade da fragmentação e de individuação evo-
cidade agindo sobre o que fortalecerá a cados anteriormente contribuem para
experiência de unidade. Para isso, pode tornar a socialização muito difícil,
utilizar as novas características do qua- porque ela não poderia assumir um
dro urbano. Aqui nos contentaremos em único modelo, como grandes religiões
insistir em três domínios de ação que como o catolicismo ou, de uma outra
desempenham importante papel nessa maneira, os grandes Estados laicos fize-
perspectiva. ram. Observamos um verdadeiro mer-
cado da socialização, com uma oferta
Antes de mais nada, a questão da descontínua, incerta, contraditória 14 .
socialização, ou seja, do aprendizado Escolhas ruins levam certos indivíduos
social na infância e ao longo da vida: o a fracassar nos aprendizados sociais 15,
fato de que uma instituição de socializa- enquanto outros não conseguem se be-
ção, a escola, tenha se desenvolvido neficiar dos instrumentos de socialização
consideravelmente não nos deve fazer de que precisariam, quando a oferta
perder de vista que nas sociedades me- mais simples, mais global 16 , mais tran-
tropolitanas o conjunto dos meios de qüilizadora, muitas vezes triunfa. A ques-
socialização se fragilizou. Além disso, a tão para o gestor é a de neutralizar essas

13
A participação dos habitantes tem freqüentemente dificuldade de ser mais do que uma expressão
de proximidade.
14
Por exemplo, a que passa pelas modas musicais e vestimentárias oferecidas aos adolescentes.
15
Poder-se-ia, com prudência, abordar a questão da droga desta maneira.
16
Por exemplo, a das seitas.
Alain Bourdin 143

diversas dificuldades e contribuir para a rentes, facilmente associável à ideologia


estruturação e a qualificação da oferta do desenvolvimento sustentável, parece
de socialização. Nesse campo, as possi- muitíssimo útil.
bilidades são numerosas e concernem
aos diversos domínios da ação pública Essa noção corresponde a esse tipo
ou de parceria: educação, cultura, rela- de interesses, ao mesmo tempo coletivos
ções com os grupos comunitários, lazer, e totalmente individuais, fragilmente lo-
segurança etc. calizados, mas que podem se concentrar
muito, adaptando-se bem ao quadro
Um segundo campo é o dos serviços urbano atual. Permite o desenvolvimen-
urbanos. Estes foram conduzidos du- to de corpos profissionais, de especia-
rante muito tempo, pelo modelo de or- listas da qualidade e, ao mesmo tempo,
ganização do quadro urbano, a uma de grupos compostos. Numa certa medi-
perspectiva funcional. Faziam-se, por da, ela pode ter um papel tão importante
exemplo, transportes coletivos para per- quanto o das ideologias de classe num
mitir que o reagrupamento pudesse exis- outro contexto, posto que, como estas,
tir, ao mesmo tempo que se ampliava o pode ter conteúdos diversos (até mesmo
território da cidade. Hoje, a questão dos antagônicos) e permitir estruturar rela-
serviços pode ser abordada de outro ções de força.
modo. Eles aparecem como fatores de
unidade na medida em que servem para Um terceiro ponto – mas haveria
estruturar o consumo coletivo e para outros – refere-se ao papel da noção de
fazer o contraponto a um consumo projeto. No contexto tradicional, o pro-
muito individualizado: um centro para jeto é antes de tudo o resultado: de uma
pedestres bem servido de transportes co- escolha que resulta de um compromisso
letivos é, em primeiro lugar, uma estru- ou de uma relação de força, alimentada
tura coletiva de consumo. Dessa forma, por um trabalho preparatório. No con-
o acesso garantido a um conjunto de texto atual, o projeto pode se tornar ins-
serviços – qualquer que seja o nível de trumento de estruturação social: ele é
renda – é igualmente um fator de uni- uma representação tanto do futuro
dade, mesmo que certas condições de quanto da sociedade urbana. Dá senti-
envolvimento dos beneficiários 17 devam do, mobiliza, mas ao mesmo trempo é
ser respeitadas. Nesse caso ainda, a uni- permanentemente reconstruído, redefi-
dade deriva não somente da possibilida- nido. Por essa razão, a relação entre o
de de acesso aos serviços, mas também “encaminhamento de projeto” – ou seja,
da organização da oferta. A noção de o fato de produzir projetos para mobili-
qualidade urbana (e de qualidade da zar uma sociedade local – e um grande
vida urbana), suficientemente geral para projeto determinado se torna mais pro-
poder se aplicar a situações muito dife- blemática, na medida em que este úl-

17
Por oposição à versão anônima e burocrática dos serviços públicos que conhecemos nos
países do leste europeu.
14 4 Mundialização, Unidade da Cidade e Gestão Urbana

timo não pode sempre representar Sem dúvida, não se trata apenas de
sozinho o papel estruturante do encami- três elementos, e seria necessário agre-
nhamento do projeto. Alguns grandes gar outros, notadamente quanto à ma-
projetos conseguem isso, entretanto: em neira de reforçar a representação dos
Lille, por exemplo, a candidatura aos cidadãos e dos grupos, ou quanto à de
jogos olímpicos foi a ocasião para elabo- redefinir as elites locais. Através desse
rar uma imagem de Lille do século XXI esboço, vemos ao menos que a gestão
e para mobilizar e reunir um conjunto das cidades da mundialização não pode
bastante vasto de grupos diversos. No se ater à coordenação e necessita, pelo
Rio de Janeiro, seríamos tentados a dizer contrário, de um trabalho considerável
que Sepetiba, grande projeto técnico, de estruturação para dar vigor a uma
precisa se associar a uma dinâmica de sociedade civil portadora de grandes ri-
projeto mais suave e mais carregada de quezas, mas enfraquecida. Isso supõe
simbolismo, por exemplo, que contem- poderes locais tão legítimos quanto pos-
ple tudo o que diz respeito ao antigo sível, que reúnam forte especialização
porto, à reconquista da baía e do centro profissional e que estejam decididos a
antigo. não se limitar a uma ação mínima.
Alain Bourdin 145

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Resenhas
Du bon usage de la nature. Pour une philosophie de
l’environnement
Catherine Larrère e Raphael Larrère
Paris: Alto Aubier
1997, 355 p.

Ana Maria Galano

Enunciadas em dicção clássica, as duas veleidade de atribuir à natureza estatuto


proposições do título – “Do bom uso da diferente de meio submetido a fins hu-
natureza”, “Por uma filosofia do meio manos é qualificado de anti-huma-
ambiente” –, e sua interrelação, não se nismo.” (p. 8)
elucidam de imediato mas ao longo de
quase todo o livro. Partindo da polêmica Os temas e o desafio de Du bon
desencadeada pelo Chamado de usage de la nature. Pour une philosophie
Heidelberg – manifesto pelo qual um de l’environnement estavam anuncia-
certo número de agraciados com o dos: fundamentar a necessidade de nor-
prêmio Nobel denunciava o risco de que mas éticas que determinem as relações
a ECO-92 resultasse em uma ofensiva entre homens e natureza e, para tanto,
contra a atividade científica –, os autores recompor uma visão da natureza que
reconhecem na crise ambiental uma di- corresponda ao estágio contemporâneo
mensão filosófica passível de ser tratada dos conhecimentos científicos. Na pri-
por meio de questões éticas, científicas meira parte do livro são analisadas três
e políticas. A iniciativa daquele Chama- grandes concepções da natureza, da
do podia ser tomada como um indício: Antiguidade grega até hoje. Ao longo
“através da condenação a qualquer éti- dessa análise, os autores enfatizam a
ca, afastando-se, e ainda que pouco, do continuidade da natureza-processo
utilitarismo antropocêntrico ou da deon- (natura naturans), distinta da natureza-
tologia kantiana, questiona-se a legitimi- artefato (natura naturata), que a moder-
dade de toda tentativa de reexaminar a nidade sobrevalorizou, mas à qual a
concepção moderna de natureza. Toda natureza inteira não pode ser reduzida.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 149-155


150 Re senha

O recurso à filosofia grega no Capí- cações da revolução científica (...) impres-


tulo I, “Natureza e naturalismo”, é apre- siona por sua amplitude, sua sistematici-
sentado como a volta a uma concepção dade, sua coerência e seu sucesso. Isso
da natureza que soube associar teoria explica por que, para nós, modernidade
física, e em particular o atomismo, à científica equivale à racionalidade e à di-
ética. Se física e filosofia surgiram na ficuldade em conceber algo que a possa
Grécia ao mesmo tempo, houve tam- ter precedido ou que sua substituição seja
bém um questionamento quase perma- possível.” (p. 62)
nente – dos pré-socráticos a Lucrécio –
das implicações éticas do conhecimento Como outros pensadores franceses
físico. Nessa exposição aparece pela pri- contemporâneos, Catherine e Raphael
meira vez a noção aristotélica do “bom Larrère problematizam a modernidade
uso”: ao exercer um “bom uso” encon- buscando brechas na separação entre
tra-se a virtude própria de cada coisa, o homem e natureza, na oposição de su-
que lhe permite alcançar seu fim. Outra jeito com objeto, nas ressurgências da
questão recorrente, a das relações entre natura naturans e em políticas que visem
ciência e política, é tratada nesse capítu- sua proteção, como a Instrução de 1669,
lo. Por um lado, os autores assinalam o na qual Colbert preconiza o “bom uso”
aparecimento simultâneo da polis e da das florestas. São essas brechas que,
física, “da argumentação racional, da seguindo Bruno Latour, leva-os a afir-
discussão crítica, característica da inves- mar que “se houve uma modernidade,
tigação sobre a natureza, e o desenvolvi- é que nunca fomos inteiramente mo-
mento (...) da participação coletiva dos d er no s. ”
cidadãos no poder” (p. 32). Por outro,
assinalam os riscos de instauração de Ainda cabe falar em natureza na
uma «ditadura platônica dos sábios», em pós-modernidade? Os autores exami-
decorrência do primado de uma razão nam no Capítulo III a “crise do para-
teórica, que exclui a possibilidade de digma” da mecânica clássica e de sua
existir uma racionalidade prática capaz concepção da natureza. Fazem o inven-
de discernimento frente aos problemas tário de sucessivos desvios em relação
humanos e resultante de deliberação. ao paradigma newtoniano e à ontologia
cartesiana, destacando os questiona-
“Natureza e humanismo”, Capítulo mentos da física como os que provo-
II, analisa as interações entre mudanças caram maior desestabilização daquele
no conhecimento científico e filosófico. paradigma, ao enfrentarem concepções
“De Descartes a Locke, Leibniz, Berkeley, da mecânica clássica em seu próprio
Hume, Kant (e muitos outros), a filosofia campo: “A relatividade eliminou a ilusão
moderna se impôs a tarefa de medir a newtoniana de um espaço e de um
amplitude das transformações induzidas tempo absolutos; a teoria quântica su-
pela mecânica clássica (...) Este trabalho primiu o sonho newtoniano de um pro-
de clarificação e de atualização dos pres- cesso de medida controlável; o caos
supostos, dos fundamentos, das impli- eliminou a utopia de Laplace de uma
Ana Maria Galano 151

previsibilidade determinista.” (p. 114) matéria orgânica (...). Ao contrário de


Se os autores já indagavam a pertinência Tansley, Odum insere a definição de ecos-
da idéia de uma jurisdição efetiva do sistema num verdadeiro manifesto holis-
paradigma da mecânica clássica para a ta.” (p. 137) As críticas à síntese de Odum
ciência moderna, agora questionam a levaram os ecólogos a preocupar-se mais
própria noção de “ciência moderna”, com processos do que com estados, a
face à progressiva parcelização do domí- privilegiar o desequilíbrio em lugar de me-
nio de estudo de cada ciência e às rei- canismos de auto-regulação assegurando
vindicações de irredutibilidade de seu o equilíbrio e a integrar as atividades hu-
objeto. É através da análise de mani- manas em suas análises. A busca de um
festações de resistência a abordagens novo paradigma para a ecologia tende
reducionistas que são tratadas argumen- finalmente a que se ultrapassem as
tações relativas à irredutibilidade do ser grandes divisões do quadro conceitual da
vivo e do fato social, assim como dife- modernidade.
rentes concepções de holismo.
Se a presença dos homens está im-
Diante desse vasto panorama, os pressa em toda a natureza, não faz mais
autores estudam o desenvolvimento da sentido opor natureza a artifício. Os
ecologia com o objetivo de apresentar os objetos produzidos pela intervenção
fundamentos de sua unificação nos anos humana constituem uma tecno-natureza
50 e como esses fundamentos passaram que, segundo Bruno Latour, conforma
a ser questionados. Para tanto, examinam um “imenso império, povoado de ‘obje-
sucessivamente o ramo reducionista da tos híbridos’, ao mesmo tempo sociais
ecologia das comunidades (Lotka e e naturais (...).” Compreender o meio
Volterra); o ramo holista da ecologia das ambiente em que natureza e artifício não
comunidades bióticas (Clements); a teo- mais se distinguem requer a apreensão
ria dos ecossistemas de Tansley e sua in- de fenômenos e processos complexos,
terpretação por Lindeman, até à síntese levando em conta múltiplas variáveis in-
ecológica realizada em 1953 por Odum: terdependentes, relações não-lineares e
“Com base na formalização energética superposições de diferentes escalas tem-
de Lindeman, Odum reinterpreta o con- porais e espaciais. A reformulação epis-
junto do pensamento ecológico, fazendo temológica decorrente implica que se
do conceito de ecossistema o paradigma abandonem as abordagens reducionis-
da disciplina. O ecossistema é pensado tas e que se atribua às ciências da obser-
em termos de rede de relações tróficas, vação o mesmo prestígio que, durante
assegurando transferências de matéria e tanto tempo, foi monopolizado pelas
energia, em lugar de uma montagem es- ciências experimentais: “não caberia
pacial de componentes. Mas, se Odum questionar a configuração do conheci-
procura principalmente clarificar relações mento e, em particular, a grande divisão
energéticas fundamentais dos ecossiste- entre ciências da natureza e ciências do
mas, também trata ciclos bio-geo-quí- homem?” (p. 161)
micos dos elementos constitutivos da
152 Re senha

Na segunda parte do livro, o histó- lisam relações entre cientistas e políticos,


rico de políticas de proteção à natureza discutindo atitudes, práticas e comporta-
e de prevenção de riscos é complemen- mentos que configuram situações em que
tado pelo exame de novas questões sus- predomina seja o “autoritarismo da ver-
citadas pela extensão da crise ambiental dade” seja o “sociocentrismo”. No pri-
à escala planetária. Políticas ambientais meiro caso, não há construção social do
de inspiração moderna; a proteção de risco – “inserção da racionalidade cientí-
espaços pouco humanizados, a wilder- fica no espaço político” –, mas “rejeição
ness; a proteção de espécies, de espaços da racionalidade imanente das comuni-
e de paisagens também são políticas que dades políticas, a do acordo por delibe-
ultrapassam o quadro conceitual da mo- ração.” (p. 219) Para o modelo dessa
dernidade no que ele mesmo tem de in- rejeição, os autores remetem à ditadura
completo. Essas políticas afastam-se da platônica dos sábios. Discutem em segui-
divisão homem/natureza ao protegerem da obstáculos para a restauração do de-
objetos híbridos e ao restituírem os bate público, examinando manifestações
homens ao meio ambiente que produ- de resistência entre cientistas e políticos,
zem. Os homens deixam de constituir e construções consensuais que escamo-
necessariamente elemento perturbador teiam divergências e incertezas em nome
de equilíbrios naturais: “em certas condi- da eficácia da pressão da comunidade
ções (as do bom uso), as atividades hu- científica. Essa discussão é ilustrada pela
manas e a intervenção técnica podem construção do “efeito estufa”, desde a for-
ser favoráveis – até mesmo indispensá- mulação da hipótese científica, em 1907,
veis – à proteção da natureza como tam- aos desdobramentos que levaram à cria-
bém à segurança das pessoas.” (p. 173) ção da categoria desenvolvimento auto-
sustentável.
A essa evolução quase insensível, pa-
ralela ao desenvolvimento das práticas Por “sociocentrismo”, os autores en-
de proteção e dos conhecimentos que tendem a interferência de estratégias
implicam, os autores opõem a brusca econômicas, políticas e sociais que, se
revelação dos limites da política moderna participam do processo de legitimação
quando confrontada com a globalização dos problemas ambientais, podem tam-
da crise ambiental: “... se vastos progra- bém levar à negligência frente a riscos
mas internacionais mobilizam a comu- efetivos. Nesse caso, a ilustração se
nidade científica, ainda se está longe de serve de reações governamentais a
poder precisar as ameaças e, devido à hipóteses científicas relativas ao de-
complexidade de processos recobrindo saparecimento de florestas devido à
diferentes escalas de tempo e de espaço, poluição atmosférica e de como prima-
de identificar contra quais ameaças é pos- ram interesses da indústria automo-
sível intervir.” (p. 214) bilística sobre decisões de combate ao
risco. Aos cientistas não está vedado o
Ao tratar a “construção social dos caminho da oposição nem ao “autori-
riscos”, Catherine e Raphael Larrère ana- tarismo da verdade” nem ao “sociocen-
Ana Maria Galano 153

trismo”, se fizerem valer sua responsa- No Capítulo “Habitar a natureza”,


bilidade social. Trata-se de questionar os autores examinarão as condições
o modo como atividades científicas ins- para que se conceba um “bom uso da
crevem-se num dado contexto social, natureza”. Mudando seu registro habi-
político e ambiental. E de antecipar, tual de escrita – o de uma cerrada argu-
tanto quanto possível, as conseqüên- mentação cumulativa e contraditória –,
cias de pesquisas empreendidas. Para os autores resumem as idéias de Aldo
o modelo de uma inserção de hipóte- Leopold, seguindo o ritmo pausado de
ses, controvérsias e incertezas dos cien- suas narrativas de caçador e protetor da
tistas na deliberação pública, os autores fauna selvagem. Em relação ao pressu-
remetem à associação entre ciência e posto ético habitual de que o indivíduo
democracia na Grécia antiga. é membro de uma comunidade de
partes interdependentes, a inovação da
Evocando o livro de Hans Jonas (O land ethic de Aldo Leopold consiste em
Princípio de Responsabilidade) e o prin- ampliar o domínio da comunidade, in-
cípio de precaução, que se tornou um cluindo nela o solo, a água, as plantas e
princípio geral do direito internacional os animais. Todos têm um “interesse
sobre o meio ambiente, os autores assina- comum”, o de que os recursos do terri-
lam que, em ambos os casos, questões tório possam se renovar. Mas como de-
éticas em relação à natureza substituem terminar uma base objetiva frente à
o primado da ciência e da política como pluralidade de “pontos de vista” de uma
fatores exclusivos de regulação. A análise comunidade biótica?
da recepção desse livro na França revela
tanto o papel precursor que desempe- Para Aldo Leopold, é a “montanha”
nhou quanto as sucessivas críticas à sua que integra a diversidade dos “pontos
“heurística do medo”, à sua incompreen- de vista”, inclusive o dos homens, aptos
são do domínio da racionalidade argu- a agir levando em consideração a neces-
mentativa e às conseqüências dessa sidade de preservar a comunidade bió-
incompreensão (autoritarismo político e tica. O princípio geral da land ethic é
ambiental). O princípio de precaução se que “uma coisa é justa quando tende a
pretende guia para decisões confronta- preservar a integridade, a estabilidade
das com a ausência de certezas estabele- e a beleza da comunidade biótica. É
cidas cientificamente. Não há no entanto injusta quando a tendência se inverte.”
interpretação unívoca do princípio nem (p. 278) Baird Callicott, professor de
das modalidades de sua aplicação, filosofia norte-americano e um dos
conforme exemplificam diferentes con- principais interlocutores de Catherine e
cepções de tratamento de incertezas e Raphael Larrère, propõe uma reavalia-
possibilidades diversas de propiciar bases ção desse princípio confrontando-o com
de negociação – por exemplo, o “desa- o papel desempenhado por perturba-
cordo razoável” e o “consenso por ções na estruturação das comunidades
entrecruzamento” – adaptadas àquelas bióticas. À reavaliação de Baird Callicott,
situações. os autores contrapõem outra “tradução
154 Re senha

contemporânea” do princípio geral da de um desenvolvimento que se apóie


land ethic: “uma coisa é justa quando sobre diversidades locais e em redes de
tende a preservar (ou a aumentar) a di- racionalidade compartilhada.
versidade biológica. É injusta quando
concorre para o efeito contrário.” (p. 281) Finalmente, às práticas de respeito
A biodiversidade, por sua vez, aparece à natureza, à proteção da biodiversidade
duplamente associada à diversidade e da diversidade cultural e ao processo
cultural. Por um lado, a ameaça maior à de universalização por redes correspon-
biodiversidade não vem da atividade pro- de um novo naturalismo que, por sua
dutiva das sociedades humanas (exceto vez, fundamenta uma ética ecocentrada.
o efeito estufa), mas da homogeneização A ética ecocentrada é uma “ética de sen-
dos sistemas de produção, das técnicas, timentos morais” que remete a Hume e
dos comportamentos e dos costumes. Por à ética da familiaridade do estoicismo.
outro, conseqüentemente, proteger a O novo naturalismo “não fundamenta
biodiversidade supõe a manutenção da a moral na ciência (prima o sentimento
diversidade de comportamentos indivi- moral, a relação de pertencimento que
duais, de práticas sociais e de culturas a razão esclarece, mas não cria) e, como
locais. todo naturalismo autêntico, situa o
homem na natureza...”: é porque “faze-
Assim, se a proteção da biodiver- mos parte da natureza, que podemos
sidade interessa a todo o planeta, o atribuir-lhe valor. A valorização cons-
exercício dessa proteção só pode se dar ciente é a atualização de uma relação
através de movimentos contrários à pré-existente, a de nosso pertencimento
homogeneização. A diversidade dos a comunidades bióticas.” (p. 310)
pontos de vista locais não tende no
entanto a dispersar-se indefinidamente, Se a ética ecocentrada e o novo na-
devido à existência de múltiplas relações turalismo têm por virtude seu enraiza-
entre diferentes tipos de agentes, de mento local, este também é seu limite:
práticas, de formas de conhecimento e “Nas condições presentes dos conheci-
de técnicas que configuram redes univer- mentos ecológicos, não há homogenei-
salizantes. Uma linguagem comum, a da dade na apreensão de fenômenos locais
ciência, e um valor comum, o da diversi- (que se dá numa dinâmica de trans-
dade, são princípios unificadores dessas formação sem equilíbrio duradouro,
redes. À universalização por redes os au- com base numa biologia de relações de
tores atribuem uma importância tanto co-evolução entre espécies) e de fenô-
maior quanto mais reticentes se mostram menos globais, que continuam a ser
em relação aos “partidos verdes” (em apreendidos como equilíbrios de fenô-
todo caso, os da França e da Alemanha) menos físico-químicos.” Assim, se na
e à ecologia política. Diante do processo ausência de enraizamento local não se
de internacionalização imposto pela pode resistir à uniformização econômica
economia neoliberal e pelo «pensamen- e se apenas na singularidade do “bom
to único», é apresentada a alternativa uso” é que pode haver oposição à equi-
Ana Maria Galano 155

valência geral da utilidade, cabe ainda nacional, na comunidade dos cidadãos;


ultrapassar as dificuldades de articulação internacional, no exercício comum da
do local e do global, o que exige canais razão.
políticos para tratar da crise, para arti-
cular o respeito à natureza e à vida em
comunidades políticas que enfrentam Ana Maria Gala no é professora do
problemas de justiça. Os autores con- Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
cluem então pela necessidade de uma da Universidade Federal do Rio de
tripla vigilância: local, na “montanha”; Janeiro - IFCS / UFRJ
A cidade vertical e o urbanismo modernizador
(São Paulo 1920-1939)
Nadia Somekh
São Paulo: EDUSP / Studio Nobel
19 97

A identidade da metrópole
Maria Adélia de Souza
São Paulo: HUCITEC / EDUSP
1994

Cêça Guimaraens

Alguns estudos se utilizam, de maneira os séculos XIV e XV, embora apenas


eficaz, das categorias analíticas do acessoriamente servisse de moradia, a
campo da História do Urbanismo e do torre erguia-se junto às fortalezas como
Planejamento Urbano, para explicar o um estandarte. Desde então substituiu
tipo arquitetônico denominado “torre” as flechas das catedrais. E os adornos
ou arranha-céu ou, ainda, edifício alto. de seu topo eram as flâmulas e bandei-
Para tanto, é necessário que a com- ras que identificavam o proprietário: um
preensão das estratégias de formação cavaleiro ou um aristocrata.
e de apropriação do espaço urbano
considere a torre na condição de instru- Hoje, os programas de renovação
mento do processo de metropolização de cidades “em viabilização” trouxeram,
e a inclua no rol dos signos e significan- novamente, as formas arquiteturais de
tes do capital. expansão vertical das metrópoles para
o foco de interesse das disciplinas do
O tipo arquitetônico “torre” é um Projeto dos Ambientes Urbanos. Nessa
símbolo utilizado pelo poder, tanto civil perspectiva, os resultados de pesquisas
quanto militar, desde muito antes da fun- e análises do assunto adquirem impor-
dação das cidades modernas. Durante tância ao incrementarem as possibi-

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 1, 1998, p. 157-160


158 Re senha

lidades de releituras e sugerirem novas centers, museus ou centros culturais. Em


dimensões para o objeto. A identidade da metrópole, a geógrafa
Maria Adélia de Souza discorre didati-
A identidade da metrópole e A ci- camente sobre o tema da constituição
dade vertical, livros escritos respectiva- dessas formas arquiteturais, dispondo-
mente por Maria Adélia de Souza e o de modo abrangente. A compreensão
Nadia Somekh, têm um eixo comum: a dos fatos que referenciam os processos
verticalização das áreas urbanas da da metropolização capitalista em nosso
Cidade de São Paulo. No caso brasileiro, país sujeita-se às idas e vindas e aos
à primeira vista, quando ultrapassamos meandros de uma pesquisa consciente
os surtos “febris” de industrialização e da complexidade do tema e dos aspec-
urbanização progressista e, além disso, tos que o estruturam.
apostamos na produção de formas ver-
naculares para favelas e periferias que Procurando não se desgarrar do ob-
se desenvolvem na condição de novos jeto, a autora enfrenta as motivações
bairros, as enormes arquiteturas que próprias da “inauguração” de (in)certa
abrigaram, e ainda abrigam, algumas metodologia com a preocupação da
atividades administrativas e institucio- criação/utilização de instrumental teóri-
nais – os chamados serviços de terceiros, co, empírico e técnico de diversas ori-
de escritórios e também a burocracia gens. O estabelecimento das pistas e dos
estatal – poderiam ser consideradas ob- caminhos da investigação do tema deli-
soletas como o foram as catedrais e os neou, em crescendo, as categorias expli-
palácios. cativas. Assim, os agentes responsáveis
pela verticalização foram enfocados pela
No entanto, as tendências recentes de professora por meio de elos com a sua
regeneração dos centros históricos passa- “real situação”.
ram a priorizar a renovação de usos das
áreas centrais e de seus edifícios “moder- De início, o desenvolvimento do tipo
nos”. Essa diretriz faz com que se procure arquitetônico foi explicado econômica
reutilizar e reequipar os arranha-céus aí e geograficamente. A evolução e a con-
localizados. Porém, o acesso e a circula- centração da população e o crescimento
ção verticais, aos quais se acrescenta o material do espaço urbano da Cidade
custo da atualização da infra-estrutura de de São Paulo foram também analisados
instalações complementares, são impor- em conjunto com as outras capitais, para
tantes problemas físicos a serem resol- demonstrar de que forma, no século XX,
vidos e, na maioria das vezes, dificultam, a construção civil se utilizou das tecnolo-
ou até mesmo impedem, a rápida e lucra- gias de ponta.
tiva transformação de uso.
Entremeando conceitos e cruzando
Assim, verifica-se que os edifícios em informações, a autora demonstra as es-
altura não se deixam facilmente trans- tratégias políticas, econômicas e técnicas
formar em hotéis-residência, shopping desenvolvidas especificamente para “dar
Cêça Guimaraens 159

conta” do novo programa arquitetural. sob o ponto de vista da percepção am-


Elevadores, concreto armado, comuni- biental enfocando o edifício e seus estilos
cação, climatização, materiais de revesti- impressos na volumetria e nas caracte-
mento e equipamentos complementares rísticas dos elementos fachadísticos.
de ordens variadas reproduziam o capi- Excepcionalmente, as características so-
tal para alterar a geografia da paisagem cioeconômicas dos grupos humanos
da capital de São Paulo. Nessa expansão hegemônicos e sua relação com a locali-
vertical confirmam-se as relações do zação, a funcionalidade, o estilo arqui-
poder do Estado com a força dos incor- tetônico, a iconografia, enfim, com tudo
poradores e dos capitães da indústria da o que registrasse a disseminação do ca-
construção civil. pital, sob a forma do arranha-céu, foram
nomeadas pela autora para traduzir os
A pesquisa do primeiro período fatores políticos e culturais da verticali-
desse processo de verticalização foi zação da metrópole.
desenvolvida por Nadia Somekh sob a
orientação da professora Maria Adélia O fenômeno de “se construir” o ur-
de Souza. A arquitetura produzida na banismo nomeado pela autora de “mo-
Cidade de São Paulo entre as décadas dernizador” se explica melhor sob a luz
de 1920 e 1940 é apresentada por meio de um fato: o da entrada de capitais
da história do zoneamento e sua aplica- norte-americanos na economia brasilei-
ção voltada para a valorização fundiá- ra. Esse fato ocorre na fase de consoli-
ria e para a expansão do capital. dação do Movimento Moderno, mas
produz uma legislação urbanística gera-
Ampliando, mas “passando a limpo” dora de zoneamentos que conflita com
a metodologia e a trilha traçadas por sua o projeto social das classes políticas e
mestra, Somekh utiliza também os sig- dos intelectuais.
nificados dos vocábulos identidade e
moderno para entrecruzar, na especi- Os conflitos entre expansão territo-
ficidade da transformação do ambiente rial e infra-estrutura urbana, induzidos
urbano paulista, os agentes do capital e por modos de regulação fechados aos
o poder regulador do Estado. A “esqui- aspectos sociais, propiciaram injustiças
zofrenia” deste último, que regula e re- e irregularidades formais. Assim, a altura
presenta o capital, é desvelada sob os e o volume das edificações também pro-
sentidos interdisciplinares dessas pala- vocaram a exclusão e a clandestinidade
vras. Explicar e questionar radicalmente das classes de menor poder econômico.
as pautas usualmente definidoras da
arquitetura do arranha-céu no período As leituras de A cidade vertical e A
modernizador são os principais objetivos identidade da metrópole situam a geo-
da autora. grafia e a arquitetura dos arranha-céus
em um patamar que amplia o entendi-
Os elementos de análise utilizados mento do ambiente resultante da con-
por Somekh enquadram a arquitetura centração populacional. Os argumentos
160 Re senha

das autoras se constroem sob as dife- locais, identificavam as duas cidades


renças dos processos e instrumentos com essa espécie de arquitetura verna-
legais de formação de estruturas urbanas cular, que ela considera a expressão má-
que resultam do poder do mercado e se xima do capitalismo industrial. A autora
produzem na cultura do lucro. também afirma que edifícios altos e
centros de comércio crescem por muitas
Por isso, talvez seja apropriado con- razões. Porém, na Chicago de 1893
cluir esses comentários com as obser- tanto quanto hoje em Hong Kong, pre-
vações semelhantes de Carol Willis, cisam dar lucro. E, conclui: “cidades são
professora de Estudos Urbanos da Esco- ambientes competitivos e comerciais
la de Arquitetura, Planejamento e Pre- onde os edifícios são negócios e o espa-
servação da Universidade de Columbia. ço é um investimento.”
Em Form Follows Finance 1 , Willis
publicou os resultados de seus estudos
sobre as diferenças entre as skylines e
os arranha-céus construídos entre 1890 Cêça Guimaraens é doutoranda do
e 1940 em Chicago e Nova York. Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade
Os edifícios altos, gerados pelas ca- Federal do Rio de Janeiro - IPPUR /
racterísticas da cultura e do zoneamento UFRJ

1
C. Willis, Form Follows Finance (Skyscrapers and skylines in New York and Chicago). New
York: Princeton University Press, 1995.
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_______________________________
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riódico; data da publicação; número da
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tamorfose da arribaçã”. Novos Estudos, nº E stado ___ CEP _________________
27, julho de 1990, pp. 67-92.
País ____________________________
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