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Resposta minha:
Concordo com o seu primeiro pressuposto. Há, porém, um problema que você não me
parece ter suficientemente levado em conta, isto é, a determinação do status desse
pressuposto mesmo. Ele pertence a uma das culturas particulares ou é, como afirmei
no artigo sobre Ali e Ash, exterior, anterior e superior a elas?
Se ele pertencer a uma das culturas em jogo – digamos, à “cultura ocidental” --,
então, de fato, ele não pode, segundo seus próprios pressupostos, ser imposto senão
a essa mesma cultura: ser auto-imposto. Ele poderá, porém, ser negado por outras
culturas, que se afirmem superiores às demais. Aqui não estou falando de uma
hipótese abstrata. Os fundamentalistas islâmicos não raro se reportam a uma sura do
Alcorão que diz: “Matai os idólatras onde quer que os encontreis, e capturai-os, e
cercai-os e usai de emboscadas contra eles”. Adicione-se que, para eles, os
principais idólatras de hoje são precisamente os ocidentais modernos. Veja o
resultado: o relativista, para não ser chamado de “fundamentalista do iluminismo”,
se proíbe de criticar o fundamentalista muçulmano; este, porém, permite-se, com boa
consciência, usar contra aquele não apenas as armas da crítica, mas a crítica das
armas... Como diz o físico Steven Weinberg, “com ou sem religião haverá pessoas
boas fazendo coisas boas e pessoas más fazendo coisas más. Mas que as pessoas boas
façam coisas más, só a religião consegue”.
Para que tenha alguma eficácia, portanto, o seu pressuposto tem que ser exterior
(ele não pode fazer parte desta ou daquela cultura, mas da modernidade/razão, que
está fora de todas elas), anterior (como uma constituição, ele precisa limitar a
priori a soberania da cultura em questão: a sura mencionada, por exemplo, não pode
ser interpretada de modo literal ou fundamentalista) e superior (como uma
constituição, ele precisa anular qualquer disposição contrária às suas
determinações).
O problema é o que você quer dizer com “nossa” cultura? O Cristianismo? Você se
esquece das guerras religiosas do Cristianismo? Acontece que a razão/modernidade se
desenvolveu apesar do Cristianismo, e contra ele. Não foi o Cristianismo que
relativizou a si mesmo; nenhuma cultura relativiza a si própria. Essa relativização
foi feita pela razão/modernidade, que não é uma cultura e se encontra fora da
“nossa” e de todas as demais culturas. Como eu já disse no texto anterior, ela não
surge de qualquer cultura, mas do desvio, da crítica, da separação, levada a cabo
por alguns indivíduos, em relação à cultura em que foram criados.