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HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade.

Rio de Janeiro, DP&A


Editora, 1997.

O fichamento refere-se aos dois primeiros capítulos denominados A identidade


em questão e Nascimento de Morte do Sujeito Moderno ,partes da obra A identidade
cultural na pós-modernidade, da autoria de Stuart Hall. Nela o autor busca investigar as
questões que envolvem o conceito de identidade cultural na pós-modernidade, tendo
como referência a afirmação de que as identidades modernas estão deslocadas, ou ainda
para usar os termos do autor, “descentradas”. Este argumento afirma que após o
enfraquecimento das identidades modernas no final do século XX, as paisagens
culturais estão se fragmentando. Essas transformações nas referências, que faziam com
que os indivíduos se localizassem no mundo social, acometeram as identidades não só a
níveis sociais, como também o sentido de si dos sujeitos. Esses deslocamentos
constituem a crise de identidade. É a partir desse argumento que o autor discute algumas
questões sobre a identidade cultural e suas principais consequências e começa por
analisar as definições de identidade e de sujeito e suas transformações na pós-
modernidade.

O autor elenca três concepções de sujeito, são eles: sujeito do Iluminismo,


sociológico e o pós-moderno. A acepção do Iluminismo concebe o sujeito como sendo
centrado, unificado, com um núcleo interior(identidade) inato e permanente, dotado de
certa autonomia, razão e individualismo.Já a concepçãosociológica de sujeito
compreendiaa identidade do indivíduo como resultado das relações entre o mundo
interno e externo, ou seja, uma interação entre o “eu” e a sociedade. De acordo com esta
concepção interativa da identidade e do eu, o sujeito ainda teria um núcleo (identidade),
que consistiria no seu “eu real”, mas que se modificaria de acordo com o seu exterior.

Segundo Hall, a concepção sociológica aproxima o mundo público do mundo


pessoal, pois equipara as subjetividades do sujeito ao local ocupado por ele tanto no
mundo social, quanto no mundo cultural. Isto acontece porque ao identificarem-se os
indivíduos se “projetam” nessas identidades, incorporam os princípios e significados, de
maneira que esses valores tornam-se parte integrante do mesmo. Dessa forma, o sujeito
permanece ainda unificado e estável.

Contudo, na pós-modernidade esta unificação e estabilidade dão lugar à


fragmentação e a variabilidade. Neste momento, o sujeito apropria-se de identidades
distintas de acordo com a situação ou ainda, diante de identidades contraditórias
existentes dentro desse sujeito, impelindo para direções distintas, faz com que
aconteçam deslocamentos. Não há mais uma identidade fixa e permanente, mas uma
infinidade de identidades com as quais o sujeito possa se identificar, assumindo um
caráter temporário e variável. Esta é a definição de identidade da pós-modernidade.

Stuart Hall faz uma breve introdução da questão da identidade cultural


relacionada com a globalização e os efeitos desta sobre a primeira e para fazê-lo, usa as
concepções de três autores que diferem, mas que possuem também pontos em comum,
como quando afirmam um “deslocamento” na modernidade tardia.

Anthony Giddens afirma que as sociedades tradicionais tinham uma forma


específica de lidar com o tempo e espaço, baseando-se na tradição. Dessa maneira, as
experiências carregavam em si uma ideia de continuidade.Já as sociedades modernas
são caracterizadas pela descontinuidade, além de lidarem com rápidas mudanças e
possuírem um caráter reflexivo. O que o autor chama de “forma reflexiva de vida”
acontece, pois as praticas sociais são analisadas em meio ao fluxo de informações. Esta
conexão entre diferentes partes do mundo, através da globalização, faz com que as
práticas sociais transformem-se tanto de forma total, quanto parcial. Para o autor, as
transformações evidenciadas neste período nunca antes foram presenciadas e a
modernidade tardia fez com que qualquer resquício de ordem social tradicional
desaparecesse.

David Harvey também afirma que essas transformações romperam radicalmente


com as condições anteriores e ainda ressalta que, esse é um processo constante de
ruptura e de fragmentação.

Outro autor, chamando Ernest Laclau, afirma que existe um deslocamento que
consiste na substituição de um centro, por vários centros. A modernidade, segundo
Laclau, não possui um algo que a organiza, por isso não pode ser caracterizada como
um todo unificado, pois “está constantemente sendo ‘descentrada’ ou deslocada por
forças fora de si mesma.”

Para Laclau, as sociedades modernas possuem grande diversidade e as múltiplas


identidades possíveis de se identificar são o produto dessa diversidade. Para o autor,
esse deslocamento tem características positivas, pois amplia o leque de identidades, bem
como produz novos sujeitos.

A pluralização das identidades pode ter consequências políticas, por exemplo, e


é aí que ocorre o que autor chama de ‘jogo de identidades’. Quando se tem diversas
identidades, elas podem ser contradizer e ao se misturarem, podem se deslocar
reciprocamente. Essas contradições têm efeitos tanto na sociedade quando no individuo.
Quando interesses estão em jogo, o aparato discursivo não pode conter apenas uma
identidade (“identidade mestra”, única), pois não é possível que diversos e distintos
interesses sejam representados em apenas uma referência de identificação. Na política
do mundo moderno, identidades contraditórias – uma identidade mestra, como é vista a
identidade de classe e as identidades emergentes decorrentes de movimentos sociais
como o feminismo e as lutas negras – se cruzam e se deslocam. O autor afirma que,
dessa maneira, a identidade tornou-se politizada e ainda ressalta que, “esse processo é,
às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de
classe) para uma política de diferença.”Dessa forma, ao apoiarem ou não um candidato
político, por exemplo, a identificação entra em jogo.

No segundo capítulo, Hall vai traçar de forma mais elaborada as transformações


históricas dos conceitos e estágios do sujeito humano,perpassando pelas concepções de
sujeito do Iluminismo, sociológico e pós-moderno, já introduzidos no capítulo primeiro,
tendo como foco a partir de então o que ele chamou de “concepções mutantes” destes
mesmos sujeitos.

De acordo com o autor, as transformações na modernidade, que abarcaram os


períodos entre o Humanismo e o Iluminismo, fizeram com que houvesse um
rompimento com o passado, onde o individuo estava sujeito a uma ordem divina. Com o
surgimento de um sujeito soberano, responsável por seus atos e pelas consequências
deles, bem como dotado de capacidades, o sujeito adquire uma nova concepção
individual tanto de si como de sua identidade. Esta concepção tornou-se possível por
razão de seu contexto histórico, que englobou diversos movimentos de suma
importância tanto em termos de pensamento como de cultura. Podemos citar como
exemplos a Reforma, o Protestantismo, o Humanismo Renascentista, os avanços
científicos e o Iluminismo. Esse período caracteriza-se pelo Antropocentrismo,
substituindo Deus pelo homem como sendo o centro do universo.
Entretanto, à medida que ocorrem transformações e as sociedades se tornam
mais complexas, o sujeito adquire uma concepção mais social e coletiva, submisso a
burocratização e administração do social por meio do Estado. Assim, em meio a toda
esta organização estatal, o individuo passa a ser visto como mais definido e localizado.

Hall aponta dois acontecimentos, segundo ele importantes, que corroboraram


para as fundamentações do sujeito sociológico: a biologia darwiniana que desloca a
Razão da mente para a Natureza e o surgimento das Ciências Sociais que trouxeram
uma concepção interativa entre sujeito e sociedade.

Concomitantemente a esse período, segunda metade do século XX, surge uma


nova concepção de sujeito, que foi produto de novas formas de pensamento e
conhecimento e que tiveram importante influência no descentramento do sujeito
cartesiano. Hall vai citar cinco avanços do pensamento teórico: o pensamento marxista,
a descoberta do inconsciente por Freud, a linguística estrutural de Saussure, o “poder
disciplinar” de Foucaut e por ultimo, o impacto do feminismo.

A contribuição de Marx vem das reinterpretações de seu pensamento –


materialismo-histórico – e a concepção da rejeiçãoda ideia do homem como agente
individual. Freud, por sua vez, concebe a formação da identidade como sendo um
processo contínuo, através do inconsciente, rompendo desta forma com a concepção de
uma identidade fixa e unificada. Saussure traz a ideia de preexistência da língua, como
se o sujeito não tivesse controle sobre os seus significados, de modo que este não
pudesse ser considerado como algo fixo, se constituindo nas relações de diferença e
similaridade, assim analogicamente como a identidade se dá com a alteridade. Em
Foucault temos o “poder disciplinar”, que tem como propósito manter a disciplina dos
indivíduos por meio das instituições, ressaltando que estas quanto mais coletivas e
organizadas, maiora individualização, vigilância e isolamento do sujeito. E finalmente o
feminismo, fenômeno que integra os movimentos sociais, que expande esferas políticas,
econômicas e sociais em valorização da minoria, marcando o surgimento da política de
identidade, que consiste na adoção de determinada identidade em função de uma
reinvindicação.

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