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CÂMERA

39 | CINEMA EM CARNE VIVA


(2000)
Canadá, 6 min.
Direção: David Cronenberg
Roteiro: David Cronenberg
Empresa Produtora: Toronto International
Film Festival
Elenco: Leslie Carlson

Este curta-metragem, com pouco menos


de sete minutos de duração, foi realizado por
David Cronenberg em comemoração aos
vinte e cinco anos do Festival de Cinema de
Toronto. Em sua homenagem à sétima arte,
a pequena obra exala uma atmosfera amarga
e melancólica; porém, ao mesmo tempo,
o filme é poético e esperançoso. Um ator

eXistenZ
veterano está sentado na sala de uma casa,
diante da câmera, dando um longo e sentido
(1999) depoimento sobre sua relação com o cinema:
Canadá/UK, 97 min. os filmes espelham a vida, cristalizam os
Direção: David Cronenberg sonhos e a passagem do tempo, e de repente
Roteiro: David Cronenberg tudo o que valioso parece ter ficado no passado
Empresa Produtora: ou já ter sido feito. Enquanto o ator profere
Alliance Atlantis Communications seu monólogo em tons grisalhos, porém, um
Elenco: Jennifer Jason Leigh, Jude Law, Ian Holm grupo de crianças parece brincar ao seu redor,
correndo pelos diversos cômodos da casa e
se preparando com empolgação para filmar.
Assim, mobilizam todos os equipamentos
Um ambicioso filme de ficção-científica, existencial e originalíssimo, que coloca em questão
necessários para transformar aquele recinto
os ambíguos limites entre mundo real e realidades virtuais, indagando nos riscos que implicam
em um set de filmagem, e o ator no
certos sonhos de época. Trata-se de um jogo de imersão interativa, que funciona perigosamente
protagonista que será projetado na tela. A
plugado aos corpos e cérebros dos jogadores e vende a atraente promessa de transcender as
entrada da câmera transfigura magicamente
limitações do organismo humano para experimentar sensações e emoções extra-corpóreas.
o espaço, dando um novo início ao filme
Lançado no último ano do século XX, o filme despeja na tela do cinema toda uma mitologia
dentro do filme, que o espectador passa a
tecnocientífica que inflama o imaginário contemporâneo. Não se trata apenas das audazes
assistir incorporando o olhar revigorado de
interfaces neurais que conectam as máquinas informáticas ao sistema nervoso, mas também das
uma nova geração de cineastas: essas crianças
biotecnologias que permitem criar seres geneticamente modificados para alimentar o mercado
que, daqui a outro quarto de século, serão os
dos entretenimentos, com órgãos sintéticos, anfíbios quiméricos e consoles de DNA. Outros
realizadores e os espectadores dos filmes do
fantasmas de época também são convocados, como o terrorismo internacional e a violência
futuro.
conspirativa que envolve o afã de lucro das grandes corporações, os fanatismos religiosos e os
mais confusos interesses políticos. Tudo num clima onírico que não se sabe direito se é sonho
ou pesadelo, se alguma coisa terrível está de fato acontecendo ou se estamos diante de um
mero obstáculo lúdico que, ao ser ultrapassado, nos dará acesso ao próximo nível do jogo.
Como é habitual nos filmes de David Cronenberg, as escolhas estéticas merecem destaque,
pois em que pese a temática claramente futurista do filme, foi evitada a opção obvia de saturar
os olhos do espectador com a parafernália computacional da próxima geração. Ao contrário,
nestes ambientes de um futuro duvidoso, respingam sujeiras por toda parte e há um excesso de
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viscosidades orgânicas, denunciando sutilmente a ingenuidade do cenário clean que costuma


ambientar as obras clássicas do gênero.

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