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Ocupação e colonização no Atlântico

A gestão da Expansão Portuguesa foi o resultado de um conjunto de vários fatores, que a consolidação dos
sucessivos quadros geográficos e simultaneamente foi-se procedendo ao aproveitamento dos recursos
económicos que serviram de suporte e incentivo à prossecução a novas viagens e explorações.

Existiu no entanto outro fenómeno importante consoante as áreas e as circunstâncias de cada lugar, que era a
produção. As ações de fixação e sedentarização terão sido realizadas com o objetivo de garantir a produção
de géneros para o circuito comercial, a partir de bases territoriais que permitiam o abastecimento das frotas e
o controle das rotas de comércio.

Sendo assim nos locais onde a produção já se encontrava organizada e podia garantir o fornecimento e a
alimentação dos interesses comerciais, predominou a “política de transporte”, sendo apenas necessário
aplicar medidas que mantivessem o sistema e se possível aumentassem, o meio encontrado foi a Feitoria (a
feitoria-fortaleza no Atlântico africano a fortaleza-feitoria no Índico).

O quadro humano que se deparou á chegada dos portugueses foi determinante na aplicação entre dois
grandes sistemas; ou seja, do lado em que havia produção suficiente, mas com uma população pouco
evoluída e fora dos mecanismos do mercado organizado; do outro lado, as populações heterogéneas, com
grau de desenvolvimento superior e com fortes redes de comércio de grande amplitude.

Porém noutros locais além da simples “recolha” de produtos, foi necessário garantir, a sua produção, porque
ou não existia população, ou o seu grau de desenvolvimento era baixo e desconheciam não só os sistemas de
mercado, como a simples produção dos géneros. Aqui a fixação e sedentarização foram prioritárias,
desencadeando a instalação de colonos para o aproveitamento dos recursos naturais dessas terras.

A deslocação e instalação de populações, seja da metrópole ou de outras proveniências foi o grande


fenómeno humano que acompanhou e caracterizou a ocupação e exploração das novas áreas, que utilizando
ou não novos produtos, serviu sistemas e processos económicos tradicionais, seja de produção e
transformação, seja de comércio e transporte.

A Questão das Canárias

No período da ocupação e domínio do Atlântico surgiria o problema das Canárias, que não tendo dado
origem, por parte de Portugal, a uma efetiva ocupação e colonização – sempre estiveram presentes, na
estratégia atlântica portuguesa. (século XV)

Já anteriormente as Canárias foram abordadas quer a partir dos centros mediterrânicos quer peninsulares,
incluindo Portugal desde 1336, ou mesmo antes. Em carta ao Papa Clemente VI, D. Afonso IV incentiva
viagens às Canárias por parte de Portugal em 1336 ou até antes pois as diz realizadas «antes das guerras com
Castela e com os Sarracenos»

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(respetivamente 1335/1336 e 1340 Batalha do Salado).

Da expedição de 1341, por si enviada, faziam parte florentinos, genoveses, espanhóis, catalões e outros
espanhóis (nos quais seguramente se incluíam os portugueses). Também de Castela idênticas viagens e
expedições se realizarão nos anos imediatos e posteriores. Portugal, a partir daqueles primeiros contactos
jamais deixará de abordar as mesmas ilhas.

Apesar de relativamente bem conhecidas - a Cartografia assim o confirma - a sua posse e soberania - não
obstante algumas peripécias entre portugueses e castelhanos ou cavaleiros isolados ao seu serviço, com a
bênção papal ou sem a bênção papal as ilhas irão permanecer sem grande interesse até à altura em que se
começam a desenhar intuitos expansionistas sobre o Norte de África ou o Atlântico confinante.

Há certamente causas que justificam esta «marginalização» das Canárias durante este período. O centro
económico é o Mediterrâneo e os caminhos diretos que a ele conduzem. As rotas ocidentais passam no
Estreito de Gibraltar e vão buscar a sua principal articulação aos centros nórdicos. Os interesses centram-se,
pois, em torno da participação e exploração dessa realidade.

Por isso, a contrapartida da ação cristã de corso ou represália militar, busca essas paragens costeiras, não
estas ilhas, muito mais a Sul. O grande objetivo de parte a parte é o domínio do Estreito, a saída para o
Atlântico onde se faz a articulação com as estradas do Norte.

As Canárias estão, pois, ainda, fora do complexo geo-económico e estratégico, em que fundamentalmente
gravita a Europa trecentista, seja o Mediterrâneo, seja o Atlântico Norte.

Todavia este quadro e esta situação modificam-se consideravelmente nos finais do século XIV e nos
princípios do século XV, quando, de uma e outra parte, se tornam claros e se apercebem os interesses
expansionistas em direção à África do Norte.

É todavia D. Fernando de Portugal, a assumir a titularidade do senhorio das ilhas, ao fazer delas doação em
1370 a Lançarote de França, e ao praticar com esse ato a primeira intenção de efetiva ocupação e
colonização.

O próprio formulário da doação será retomado - praticamente na integra - mais tarde, ao promover-se a
colonização quer da Madeira, quer dos Açores e outras ilhas, a favor dos donatários e seus primeiros
descobridores.

Os interesses castelhanos e a hostilidade dos indígenas impediram a efetiva ocupação e colonização de


Lançarote, e a consequente materialização do ato jurídico praticado por D. Fernando sobre as ilhas, as quais
julgava, efetivamente, pertencer-lhe certamente por ser portuguesa a prioridade da sua descoberta.

Morto Lançarote será Aragão, que em 1386 volta ao projeto de evangelização das Canárias. Este int eresse
“evangélico” de Aragão, tem, porém, nesta altura, sobretudo, justificações e motivos bem mais positivos que
na oportunidade se passam adiante, mas que, sucintamente, têm a ver com urna grave crise económica no
Mediterrâneo ocidental e da Catalunha e Aragão em particular.

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Busca-se em síntese-uma alternativa a essas dificuldades. Na verdade, desde o último quarto do século XIV
que a Catalunha vem sentindo graves dificuldades nos seus contactos com o Norte de África e o mundo
muçulmano em geral. Em 1408, veria mesmo interromperem-se as relações comerciais com o Egipto,
principal sustentáculo e trave mestra de todo o seu comércio.

A conquista de Ceuta em 1415 ao mesmo tempo que representa uma antecipação aos interesses castelhanos,
marcará uma fase nova, no que respeita à disputa e ocupação destas ilhas. O seu valor estratégico irá
manifestar-se. A partir daí, elas passarão a constituir uma peça importante para a estratégia do dominio dos
novos espaços que se principiam a abrir.

Por parte de Portugal, o Infante D. Henrique, passará a corporizar tal interesse. Desde 1416 que para ali
envia expedições, procurando o controlo das ilhas e, aquando da preparação da expedição a Tânger - em
1436, o papado virá mesmo a reconhecer a Portugal, o direito de Conquista não só sobre território
marroquino como das próprias Canárias -a sublinhar a complementaridade das duas componentes na
estratégia do Infante.

Castela obterá a anulação daquelas disposições papais, mas o Infante ignorará o facto, mantendo-se sempre
firme e obstinado no seu propósito. Verificar-se-ão novas expedições (1448) e um notável reforço da pressão
durante toda a década de cinquenta, quando sobre os territórios do Norte Marroquino decorrem as ações
militares de Afonso V. Tal pressão não desapareceria com a morte do Infante.

Na verdade, as Canárias, assumiam entretanto um valor estratégico de primeira importância. Atravessavam-


se em todas as rotas que desciam à costa de África onde se estavam explorando riquezas importantes. Eram,
por isso, uma excelente base de apoio a toda a ação violenta, ou de simples policiamento às embarcações e
ponto de partida para incursões a Sul sobre as áreas de exclusiva soberania portuguesa.

É nesse contexto, que no período de guerra aberta entre Portugal e Castela (1474175-1479) elas são jogadas
no Conflito. Os Reis Católicos incentivam e generalizam as hostilidades aos espaços marítimos a partir
delas, enviando armadas quer de comércio quer da guerra sobre a Guiné com o intuito declarado de arrebatar.

Um novo personagem, porém, entra agora em cena: o Príncipe D. João, filho de Afonso V Este, diretamente
associado aos tratos ultramarinos desde 1474, vigiará com olho de lince, todas essas ações e iniciativas de
Castela.

Um intenso e draconiano policiamento desses mares garantiriam a Portugal o seu controle definitivo. A
assinatura entre os belingerantes de um Tratado de Paz em 1479/80 veio, por isso, não estranhamente a
incluir importantíssimas cláusulas que tinham a ver com o domínio dos mares e a disputa de rotas marítimas.
Na verdade, aí se estipula que à Espanha ficaria interdita toda a navegação a Sul do paralelo das Canárias,
renunciando por seu turno Portugal à posse destas ilhas bem como às pretensões de conquista sobre Granada.

D. João, ainda Príncipe, acautelava, dessa forma, as áreas de exploração no continente africano, bem como
os segredos dos mares que em breve levariam as suas caravelas ao Índico. O problema destas ilhas atlânticas

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acaba aqui, embora continue a existir, a insistência por parte de Portugal pela sua posse e controle, o que terá
levado em 1480 à primeira divisão dos mares e de áreas de exploração e de influência. Por outro lado, o
Tratado de Alcáçovas-Toledo patenteia já a aposta definitiva de D. João em garantir a exclusividade de
navegação em rumos que em breve lhe dariam a certeza de por aí obter a passagem para o Oriente.

As Canárias iriam manter-se como elemento de considerável peso estratégico, que na devida altura viria a ser
jogado e utilizado, tornando-se em trunfo e decisivo para a liquidação final dos interesses castelhanos sobre
áreas económicas importantes, rotas e mares, que viriam a dar Portugal o conhecimento exclusivo de todo o
hemisfério Sul, onde iriam encontrar a passagem para o Oriente, bem como a suficiente informação acerca
da natureza dos mares, “ilha, ilhas ou terra firme” que em simultâneo se posicionavam a Ocidente. O
subsequente tratado de Tordesilhas, em 1494, será uma consequência lógica desta primeira repartição dos
mares de 1480.

Descoberta e colonização da Madeira

Estas ilhas terão sido avistadas e tocadas já no século XIV, existindo referências descritivas e representações
cartográficas, que parecem confirmar o facto.

Designações que, de uma ou de outra forma gráfica, passaram às representações cartográficas coetâneas e
posteriores. Não deixando, na opinião dos peritos, grandes dúvidas acerca da identificação das ilhas, que em
“todas estas Cartas se deu ao arquipélago uma arrumação geográfica notavelmente aproximada da exata”.

Não restarão então grandes dúvidas que, a terem sido conhecidas e visitadas nos tempos anteriores, o foram
seguramente pelos portugueses. Referimos as atividades de comércio, de corso, e sobretudo de pesca em
áreas contíguas e no estado atual dos conhecimentos não se vê, que outros tenham sido os seus primeiros
visitadores, embora porém, a terem sido visitadas, terão ficado de fora dos interesses estratégicos até à altura
em que se iniciou a abertura de um novo espaço de interesses no Atlântico, por iniciativa dos portugueses
nos inícios do século XV, em paralelo com a Conquista de Ceuta.

Das viagens ao Norte de África após a conquista, seja em missões de socorro e de manutenção, seja em
missões de exploração geográfica será obtido o reconhecimento de áreas tanto terrestres como dos espaços
marítimos confinantes, tendo de uma dessas missões resultado a “descoberta” de Porto Santo em 1419, por
João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, que nesse ano «chegaram a ilha que agora se chama Porto
Santo que de junto com a ilha da Madeira», tendo no ano seguinte (1420), em companhia de Bartolomeu
Perestelo, aportado á Ilha da Madeira.

Os primeiros contactos e experiências de aproveitamento das terras foram desordenados - decorrem do ano
da redescoberta 1419-1420 a 1425-26. Destas se encarregaram os próprios «descobridores»: João Gonçalves
Zarco e Tristão Vaz Teixeira, da casa do Infante D. Henrique e Bartolomeu Perestelo (origem italiana) e da
casa do Infante D. João, que se apercebem do grande proveito em povoar estas terras.

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Quando ali voltam, acompanhados por Perestelo, este larga na ilha uma ninhada de coelhos que
prodigiosamente se multiplicaram, servindo de abastecimento nos anos seguintes, mas também perturbando a
difusão de outras culturas

Regressando Perestelo ao Reino os dois primeiros ficariam na Madeira, iniciando o seu aproveitamento e
devido aos sinais de ótimas aptidões das ilhas, ira-se desencadear a sua colonização e ocupação, sob direta
responsabilidade do Estado, fosse a iniciativa do próprio Monarca D. João Zarco era neto de João Afonso -
fosse, por direta e espontânea decisão do Infante D. Henrique. Facto aliás reafirmado pelo próprio Infante em
1460 quando refere ter ele próprio dado início.

Para esta “rápida” decisão de ocupação e colonização muito terá pesado a disputa em torno das Canárias e
que ameaçava seriamente estender-se também a estas outras ilhas.

Finalmente, é nesta fase que se verifica o seu definitivo entrosamento nas redes do comércio mundial. A
partir dos inícios do século XVI «nunca mais o Arquipélago - especialmente a ilha de Santiago - deixará de
estar ligado às grandes rotas de navegação atlântica como ponto de escala e refresco no caminho da Costa da
Mina, do Brasil e do Oriente. «Constantemente demandada» pelas «naus e navios de El-Rei, e assim para os
navios de S. Tomé, de Príncipe e para os que vêm dos portos do Brasil e da Mina e de todas as partes de
Guiné»

Esta posição privilegiada fez a fortuna das ilhas, e dela resultou um enriquecimento do património agrário
em produtos tropicais que iriam permitir o desenvolvimento e a subsistência da sua população. O
Arquipélago entrará nesta fase mais decisiva e importante do seu aproveitamento.

A ocupação e povoamento deste Arquipélago veio introduzir fatores novos nos processos de colonização
anteriormente iniciados: «Numa terra tão desfavorável à agricultura não era possível uma colonização e
povoamento do tipo da Madeira e dos Açores. Brancos, Portugueses, um ou outro Italiano ou Castelhano,
alguns Israelitas ou Cristãos-Novos, seriam apenas negociantes, armadores, senhores de terra e de gado
«chefes de empresa» como se diria hoje, porventura alguns exercendo «ofícios mecânicos», mas raramente
verdadeiros colonos, como naquelas ilhas, que por suas mãos desbravassem e cultivassem a terra. O trabalho
manual (seria pois) entregue aos escravos e seriam eles, ocupados nos canaviais, na apanha de algodões, nas
carnagens de gado e na extração de sal que constituiriam o grosso da população».

Cabo Verde transformar-se-ia no cadinho onde se iniciou o cruzamento do europeu com outras raças com
todas as consequências humanas e culturais daí advindas: «Em breve os veremos cruzar-se (os escravos
negros) com os Brancos e a multiplicação dos Mestiços subir em número, importância e dignidades».

Para além dos esforços dos primeiros povoadores foi importante este “novo contingente humano” trazido da
Costa de África, que impulsionou a ocupação e a colonização do Arquipélago, levando as culturas de ilha em
ilha e garantindo a produção dos seus principais recursos: os gados lançados em todas as ilhas incluindo os
ilhéus rapidamente prosperaram. Em breve se tomaram numa das principais riquezas com a exploração e

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aproveitamento dos seus derivados: peles, couros, sebos e saboarias. O algodão, principalmente em Santiago
e Fogo, mas também noutras ilhas.

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