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e a monumentalização do passado:
uma análise comparada de Amistad e D anton 1
Marcos Napolitano12
O cinema de ficção tem sido uma das principais linguagens artísticas de represen
tação do passado. Através dos chamados “filmes históricos”, episódios e personagens
reais da história são encenados em roteiros ficcionais, muitas vezes verossímeis ao
pretender ser a reconstituição mais fiel possível do passado. Partimos da premissa
que, independentemente do grau de fidelidade aos eventos passados, o filme histórico
é sempre representação, carregada não apenas das motivações ideológicas dos seus re
alizadores, mas também de outras representações e imaginários que vão além das in
tenções de autoria, traduzindo valores e problemas coetâneos à sua produção. Como
parte das estratégias de representação que dão sentido político aos filmes históricos,
a questão da monumentalização de eventos e personagens (ou da sua desconstrução
enquanto “monumentos”) tem um papel central na escrita fílmica da história. A mo
numentalização, por sua vez, encontra no cinema - linguagem espetacular por exce
lência- um grande potencial de realização. A partir dessas premissas, vamos apontar
para a análise de dois “filmes históricos” portadores de significados opostos entre si,
ao menos como estratégias de monumentalização do passado: Amistad (1997), de
Steven Spielberg, e Danton (1983), de Andrew Wajda.
Amistad retrata um incidente real com um navio negreiro, ocorrido entre 1839
e 1841. Após um motim de escravos, a embarcação vai parar na costa estaduni
dense. Enquanto o destino dos escravos é discutido, o filme insere elementos clás
sicos da narrativa do gênero melodrama e reitera, paulatinamente, o mito oficial
da “democracia norte-americana”, como um destino manifesto que não conhece
limites de raça, credo ou cor. Por outro lado, Danton parte de um acontecimen
to já monumentalizado pela historiografia - o momento jacobino da Revolução
Francesa - para subverter os papéis e confundir os discursos, problematizando
1Este artigo é uma versão ampliada da Comunicação apresentada no GT Dimensões Políticas do Audiovisual,
no XXIII Simpósio Nacional de História, ANPUH, Londrina, 18 a 22 de julho de 2005.
2 Professor do Departamento de História da USP e autor do livro Como usar o cinema em sala de aula. São
Paulo, Contexto, 2003.
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vel a grandes platéias e, por isso mesmo, objeto de interesses econômicos e po
líticos diversos. Para o historiador voltado para o estudo do cinema, é sempre
preciso lembrar que todo filme pode ser tomado como documento histórico de
uma época, a época que o produziu. Todo filme é representação, não importa
se documentário ou ficção. A partir dessa regra geral, surge uma problemática
específica que é a definição de filme histórico.
Pierre Sorlin, ao definir o “filme histórico” deu uma importante contribuição
ao definir um gênero cinematográfico que, dentro do campo ficcional, encena o
passado com os olhos voltados para o presente. O filme histórico é um “espião da
cultura histórica de um país, de seu patrimônio histórico” Trata-se de um ou
tro olhar sobre o cinema, como fonte e veículo de disseminação de uma cultura
histórica, com todas as implicações ideológicas e culturais que isso representa.
Na definição do filme histórico Pierre Sorlin estrutura uma forma de pensar a
relação cinema-história em três proposições básicas:5
1) Relação presente/passado. O filme histórico ancora-se no presente (produ-
ção/distribuição/exibição) e no passado (datas/eventos/personagens que marcam
o tema dos filmes).
2) Filmes históricos são formas peculiares do “saber histórico de base”. Os fil
mes não criam esse saber, mas o reproduzem e o reforçam. O filme histórico está
inserido numa cadeia de produção social de significados que envolvem historia
dores, críticos, cineastas e público.
3) O analista deve problematizar a “narração fílmica da história”, exploran
do a tensão entre ficção e história, ou seja, entre documentos não-ficcionais e
imaginação/encenação ficcional. Nesse sentido a narrativa fílmica e a narrativa
historiográfica estruturam-se como formas de narração literária, sendo que esta
última busca um efeito de realidade na sua narração, além de ancorar-se em evi
dências documentais.
O filme histórico é um dos gêneros mais bem-sucedidos do cinema comercial.
Paradoxalmente, mesmo com o questionamento da “verdade histórica”, na prática
historiográfica atual, muitos historiadores cobram ou avaliam um filme histórico
a partir da noção de “fidelidade” ao passado ou do grau de informação ilustrativa
sobre um determinado processo histórico.6 Obviamente, essa questão não é irrele
vante e é lícito que os historiadores se posicionem nesses termos. Eventuais anacro-
nismos, omissões e informações errôneas veiculadas pelos filmes históricos devem
5 Ramos, Alcides. O canibalismo dos fracos. Cinema e História do Brasil. Bauru, EDUSC, 2002, p. 33-34.
6 Esta parece ser a abordagem predominante em livros com o Ferreira, Jorge. A História vai ao cinema. Rio de
Janeiro, Record, 2000 e Daves, Natalie. The slaves on screen. Film and Historical Vision. Cambridge, Harvard
Univ. Press, 2000.
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ser apontados. Entretanto, a análise de um filme histórico não deve se limitar a esse
tipo de comentário, nem ao cotejo com o que “realmente se passou”.
Em contraposição a essas armadilhas de abordagem, que avaliam a qualidade
do filme histórico em relação à sua fidelidade ao passado, Jean-Lorús Leutrat
propõe o exame de
como o sentido é produzido (...) para que possamos recuperar o significado de uma obra
cinematográfica, as questões que presidem o seu exame devem emergir de sua própria análise.
A indicação do que é relevante para a resposta de nossas questões em relação ao chamado
contexto somente pode ser alcançada depois de feito o caminho acima citado, o que significa
aceitar todo e qualquer detalhe (do filme) (...) trata-se de desvendar os projetos ideológicos
com os quais a obra dialoga e necessariamente trava contato, sem perder de vista a sua
singularidade dentro do seu contexto.7
Portanto, existe um outro aspecto dos filmes históricos cujo potencial de aná
lise reside, justamente, no exame das manipulações, anacronismos e representa
ções nem sempre muito fiéis que ele faz do passado. Acreditamos que esta é uma
das vias privilegiadas pelas quais pode ocorrer a operação de monumentalizaçâo
ou, seu contrário, a desconstrução dos monumentos historiográficos através da
“escrita fílmica da história”. Além disso, como já destacou Eduardo Morettin, as
estratégias de monumentalizaçâo, bem como seus limites, estão em constante
diálogo com as possibilidades técnicas da indústria historiográfica e com os ma
teriais de memória social, adensando através do “específico fílmico” (as técnicas
e linguagens que estruturam o filme) o debate social em torno da memória his
tórica.8
Tomemos como exercício de análise dois filmes históricos de grande sucesso,
que provocaram debates entre cineastas, políticos, ativistas e historiadores. Duas
obras cinematográficas que, tradicionalmente, foram vistas de maneira oposta,
a cinematografia européia - no caso franco-polonesa - , marcada pela tradição
do “cinema autoral”, e a cinematografia estadunidense, produto do maior e mais
influente complexo de cinema industrial do mundo. A princípio, essas cinemato
grafias não sofreriam os limites técnicos e expressivos à operação de monumen
talizaçâo da história através do cinema, já destacada por Eduardo Morettin.9
10 Destacamos o artigo de DAVIS, Natalie Z. “Witnesses o f trauma”. Slaves on screen. Film and historical
vision. Cambridge, Harvard Univ. Press, 2000, pp. 69-120.
11 Excetuando-se, talvez, alguns filmes produzidos sob o impacto da derrota no Vietnã, tais com o Taxi Driver,
O Pequeno Grande Homem, entre outros. No geral, entretanto, predomina a expiação das culpas coletivas
sob a forma de dramas individuais e catárticos, de eficaz impacto emocional, mas de pouca profundidade
política.
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12 O Acordo de Mississipi em 1820 proibia a escravidão acima do paralelo 36’. Em 1850 foi firmado o
Compromisso Clay> que concedia autonomia para cada Estado da federação decidir o tipo de mão-de-obra
utilizada dentro de suas fronteiras.
História e cinema 73
13 Neste sentido, Jefferson em Paris (James Ivory, EUA, 1995), m esm o dentro dos parâmetros do cinema de
entretenimento, consegue problematizar a relação entre democracia e escravidão nos EUA recém-criado.
14 Davis, Natalie, op. cit., pp. 84-85.
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compartilha seus valores básicos. Como proposta fílmica para a reflexão histórica,
entretanto, fica muito problemática, pois as condições sociais, ideológicas e his
tóricas que possibilitaram que os atores do “mal absoluto” tivessem tanto papel
na história, ficam sem equacionamento, diluindo e isolando a cadeia de culpas e
responsabilidades. Em outras palavras, dito de maneira provocativa e anacrônica,
nazistas e traficantes de escravos não estavam sozinhos na perpetração do mal. O
Holocausto tinha muitos cúmplices que os filmes hollywoodianos fazem desapare
cer, em nome da eficácia do melodrama. A estratégia de monumentalização fílmica
da história, justamente por ser bem-sucedida, consegue ocultar sob uma narrativa
épica, as contradições históricas da democracia liberal nascente. Obviamente, não
se trata de cobrar veracidade histórica do filme, mas de entender quais as opera
ções que permitem a eficaz monumentalização da democracia norte-americana e
a ocultação das suas contradições, ao mesmo tempo que atualizam o sentido dessa
democracia em tempos de multiculturalismo e atitudes “politicamente corretas”.
Se a travessia é mostrada como o inferno e a África, o paraíso perdido, o pur
gatório dos africanos era a “América”, terra onde sua vocação natural para a li
berdade ganha tradução universal através do drama dos tribunais. Entre as várias
seqüências de tribunais que pontuam o filme, o julgamento final na Suprema
Corte norte-americana é o mais destacado no adensamento do monumento. John
Quincy Adams (Anthony Hopkins) discursa, sofregamente, como um ancião que
tudo sabe e viu. Olha para o passado, recuperando o sentido ideológico da nação
norte-americana, vocacionada para a liberdade e velada pelos pais-fundado-
res, imortalizados nos bustos que decoram o salão da Suprema Corte. Adams
olha para o presente, vendo nos africanos escravizados a suprema contradição
da democracia moderna que deve ser universal para sobreviver. Olha para o
futuro, prevendo uma luta entre o bem o mal, entre democratas e liberticidas,
como se esta fosse a única real contradição do mundo moderno, sintetizado na
história dos EUA. E conclui, profético: “se a guerra civil vier, que seja a última
batalha da Revolução americana”.
No final do filme, libertados por um sistema universal e justo, Cinque e seus
companheiros de infortúnio voltam à África. Diz a legenda que Cinque não mais
encontra sua aldeia, devastada por guerras tribais. Em contraste, Spielberg mos
tra a M arinha Inglesa, numa clara homenagem à vocação intervencionista para
fins “humanitários” que foi herdada pelos EUA, destruindo a fortaleza de Lom -
bokúy como um simples ato humanitário e não parte dos interesses estratégicos da
Grã-Bretanha no século XIX. Uma interpretação possível, muito condizente com
a leitura contemporânea que a mídia, mesmo de recorte relativamente progres
sista, faz do “continente negro”: a África destruída pelos africanos, em contraste
História e cinema 75
com a África libertada e protegida pelos Europeus. Numa cena tanto eficaz quan
to distorcida, desaparece toda a responsabilidade do imperialismo pela degrada
ção sociopolítica e econômica do Continente.
O principal material inspirador do filme foi a peça O caso Danton, escrita pela
dramaturga polonesa Stanislawa Przybyszewska em 1929.20 Num certo sentido,
Stanislawa revia a caracterização de Danton como “herói romântico e nihilista”
que se consagrou na clássica peça de Georg Buchner, A morte de Danton (1835).
Na longa peça, prevista para durar cerca de cinco horas, o personagem de Dan
ton é mostrado como hedonista e corrupto, antítese do princípio de “terror e
virtude”, tão caro a Robespierre. A autora procurava, por contraste, enfatizar a
pureza revolucionária desse personagem. Wajda, na sua adaptação cinematográ
fica, retirou os trechos mais apoteóticos a Robespierre e selecionou as cenas mais
contrastantes, concentrando o foco em Danton. Conseguiu manter os registros
básicos dos personagens - o liberal hedonista e corrupto versus o revolucionário
puritano e inflexível - mas deu-lhes um sentido político completamente diferen
te e muito ambíguo. Aliás, sentido que é adensado pelas historicidades comple
tamente diferentes que envolvem a peça e o filme. A primeira escrita sob o calor
dos processos revolucionários carregados de esperança e utopia que varriam a
Europa do pós-Primeira Guerra. O segundo, produzido sob o balanço amargo
do “socialismo real” do Leste europeu, aprofundado ao longo dos anos 1970 pelas
próprias correntes da esquerda anti-stalinista.
A desmonumentalização de Danton não foi apenas uma operação que envolveu
a inversão de mitos historiográficos sobre personagens históricos e fílmicos. Ela
se inscreve na narrativa fílmica como um todo.
O filme começa com três seqüências intercaladas: 1) a chegada de George Dan
ton a Paris, jacobino “indulgente” e crítico do Terror; 2) o pequeno irmão de Elé
onore, senhoria de Robespierre, obrigado a decorar os artigos da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, enquanto é banhado pela irmã. A cada erro,
ele dá a mão à palmatória, resignado e amedrontado; 3) Maximilien de Robes
pierre, sonolento e abatido, acordando para mais um dia de atividades políticas.
Essas três seqüências formam uma espécie de abertura, com todos os elementos
dramáticos básicos já anunciados.
Pela janela da carruagem, molhada pela chuva, Danton vê a sombra refletida da
guilhotina, mostrada solenemente como uma espécie de monumento revolucio
nário do período. Mais adiante, em outra seqüência, Danton pára em meio a uma
multidão cansada das filas e representada no filme na sua insatisfação em relação
ao governo jacobino, que num instante volta-se para o personagem como uma
espécie de salvador da pátria. O populismo sanguíneo de Danton contrasta com
20 A dramaturga polonesa produziu uma trilogia sobre a revolução francesa, da qual O caso Danton faz
parte, completada pelas peças 93 (1928) e a inacabada Thermidor (1925), que encena as últimas horas de
Robespierre e Saint Just.
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externas, as ruas de Paris que, segundo os manuais nos ensinam, eram os palcos
privilegiados da grande revolução, são esvaziadas do seu sentido político. As ruas
são apenas o palco do povo infeliz das filas do pão ou do povo exultante dos espetá
culos da guilhotina. A política, na visão de Wajda, se faz em outros ambientes. Lem
bremos que, em duas seqüências, o povo é expulso dos espaços do poder, primeiro
da sala do Comitê, depois do Tribunal Revolucionário, onde a sentença de morte de
Danton e seus correligionários é proferida para um salão praticamente vazio.
A textura e a cor são desbotadas. A trilha sonora, composta por Jean Prodro-
mides, é marcada por uma polifonia dissonante que sugere um coro de vozes
fantasmagóricas, arrastando correntes pelos corredores da história, procurando
transmitir “a sensação das coisas se estilhaçando” (nas palavras de Wajda) ao
redor dos personagens. O andamento é lento, enfatizando a teatralidade e os dis
cursos dos personagens ao invés das peripécias de ação e enredo, embora tenha
uma densidade cênica (além de dramática) impressionante. O filme é obscuro,
labiríntico, despojado, no qual predomina um confronto entre os corpos dos
personagens e os ambientes, cuja dramaticidade é potencializada pelo fato de
as locações serem muito próximas do palco real dos acontecimentos. A grande
dimensão dos espaços interiores não é enfatizada enquanto colosso espetacular
erigido à posteridade, mas na forma de ambientes enclausurados, opressivos e
sombrios que se adequam a conchavos, palavras furtivas, gestos ocultos que se
contrapõem à grandiloqüência dos discursos públicos. Nesse sentido, os recintos
monumentais são opressivos, diminuem os personagens ao invés de torná-los
grandiosos. Portanto, nas várias dimensões que compõem os códigos audiovi
suais da narrativa fílmica, Danton aponta para um despojamento que contrasta
com a tendência de exuberância do filme espetacular.
A visão teatral e shakespeariana, apontada corretamente por Mermaz não ficava
reduzida a um jogo psicológico de dois personagens, ao contrário, era a premissa
crítica aos processos revolucionários cada vez mais limitados a Comitês dirigentes
e aparelhos de Estado. Insistiremos neste ponto: o filme Danton não é um drama
de natureza psicologizante, mas uma tragédia de natureza política. Ao focar a re
lação tensa entre Danton e Robespierre, Wajda quer colocar em cheque a tradição
jacobino-leninista-stalinista que comandou as revoluções socialistas do século XX.
Ainda que possa ser criticado por seu olhar descrente e reducionista sobre um im
portante processo social e histórico, o filme de Wajda não pode ser acusado de
operar numa tradição contra-revolucionária, na medida em que há, no interior da
narrativa, um elogio subjacente à natureza libertária da revolução e das motivações
políticas que movem os personagens. O intenso diálogo final entre Saint Just e Ro
bespierre, herói acamado e doentio, revela essa ambigüidade:
História e cinema 81
Robespierre: Tenho a impressão que tudo que eu creio desmoronou-se de uma vez... a
revolução está saindo errada (...) então a democracia é uma ilusão...Estou louco?
Saint-Just: Não. Está desesperado... Então meta uma bala na cabeça.
Robespierre: Boa idéia. Poder dormir como um animal...
21 Esta pode ser uma diferença importante entre Andrzej Wajda e Gillo Pontecorvo: este último procura
encenar o contexto histórico em toda sua complexidade, como fica claro em Batalha de Argel. A violência
revolucionária seria produto desse contexto maior, e não dos jogos fechados da política, como enfatizado
por Wajda neste e em outros filmes (Cinzas e Diamantes, O Homem de Ferroyentre outros).
22 Esse conceito de cinema político - propagandístico e apoteótico - foi estudado por Furhammar & Isaksson.
Cinema & Política. 2 ed. São Paulo, Paz e Terra, 2001. Reconhecemos que é muito difícil tipificar o “filme
político”, na medida em que quase toda produção cinematográfica é portadora de valores ideológicos, ainda que
latentes ou sem importância para narrativa principal. Nesse sentido, todo filme seria um “filme político”. Aqui,
utilizamos a expressão para delimitar filmes nos quais o tema da política é o eixo do roteiro e da narrativa.
23 Os casos mais notórios dessa tradição cinematográfica, na minha opinião, seriam os diretores Tomás
Gutierrez Aléa e Gillo Pontecorvo. O primeiro realizou clássicos com o Memórias do Subdesenvolvimento e
Ültima Ceia que, operando pelo deslocamento de discursos e mobilidade de focos narrativos, consegue ser
crítico à revolução cubana, sem nunca ter rompido com ela. Quanto a Gillo Pontecorvo, mesmo fazendo o
elogio da revolução com o processo histórico inevitável, utilizou-se de uma interessante e peculiar estratégia
narrativa - a relação dialética entre repressor e reprimido, entre revolucionário e contra-revolucionário
- para refletir sobre a violência inerente às revoluções, evitando julgamentos morais dos atores, mas
explicitando o sistema de dominação - principalmente o sistema colonial - responsável pela violência
generalizada dos processos revolucionários. Sobre Aléa, ver: Villaça, Mariana. “O ICAIC e a política cultural
em Cuba”. XVII Encontro Regional de História, Associação Nacional de História. Campinas, 6 a 10 de
setembro de 2004, digit.
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