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1- Introdução

O presente trabalho se compromete a analisar dois conceitos basilares da


filosofia de Sto. Tomás de Aquino, e que, portanto, era pauta recorrente dentre
os autores medievais, sobretudo aqueles que tinham Aristóteles como principal
fonte de influência.

Por esse motivo, este apanhado geral tem como objetivo não apenas
descrever tais ideias, mas criar uma noção geral que reflita o pensamento da
época e os pontos que causavam suas inquietações. Ora bem, é a partir destes
princípios que os autores deste período buscavam responder às grandes
perguntas da história da Filosofia.

Tomás de Aquino ao trazer estes fundamentos, afirmava a necessidade da


existência de Deus; tratava-se da continuação de suas duas primeiras vias que
eram iguais em objetivo. Em cada via Aquino transcende os conceitos anteriores
e submete ajustes complementares de maneira que cada novo aspecto da
averiguação do Divino não perca o lastro lógico do anterior, o que, à primeira
vista, os torna muito similares ou até mesmo idênticos.

A escolha da terceira via deu-se especialmente pelo facto da originalidade


empregada em ambos os conceitos; primeiro, por tratar-se de elementos que
misturam temporalidade com atemporalidade ou eternidade; segundo por
invocar questionamentos sobre a essência do possível, e assim, trazer à tona
juízos sobre livre-arbítrio, determinismo, etc.; e claro, a síntese de todos esses
fatores, que do ponto de vista lógico mostra-se coerente à Filosofia tradicional
grega, e com a moral e doutrina Cristã.

2- Daquilo que é possível.


“A terceira via é tomada do possível e do necessário. Ei-la.
Encontramos, entre as coisas, as que podem ser ou não ser, uma vez
que algumas se encontram que nascem e perecem. Conseqüentemente,
podem ser e não ser. Mas é impossível ser para sempre o que é de tal
natureza, pois o que pode não ser não é em algum momento” 1

1
AQUINO. Suma Teológica. Pag 167
Comecemos a investigação da natureza e essência da “possibilidade”
através da formulação das seguintes questões: a possibilidade é algo em si
próprio ou ela está condicionada à um outro ente?
Dadas as hipóteses, tomemos como ponto de partida a primeira, a qual
trata do possível como qualidade futura de um determinado objeto ou ação, e
que se encontra próxima ao conceito de “potencialidade ativa” aristotélico, algo
como: a madeira conter a contingência de transformar-se em cadeira. Contudo,
o que de facto é o cerne da questão, e tratado por Sto. Tomás de Aquino, refere-
se à existência ou não de uma dependência fundamental de outro ser, ou se o
possível existe independentemente.
Tomemos a primeira opção como certa: o resultado antevisto por Aquino
é o de incompletude lógica, isto é, uma realidade onde a possibilidade imanente
jamais viria a concretizar-se, seria a hipótese na qual o realizável seria um não-
realizado presente, ou segundo Aristóteles, o não-ser que só poderá vir a ser
porém ainda não o é. Neste caso, não é prudente afirmar o possível como um
ente em si, mas como um ente dependente de outro ente.
“Dizemos que a substância é um dos géneros do ente. Ela é, numa
primeira acepção, matéria, o que não é, por si mesmo, este algo;
noutra acepção, é a forma segundo a qual já é dito este algo e o
aspecto; e, numa terceira acepção, é o composto da matéria e da
forma. Ora a matéria é potência, enquanto a forma é acto .”2

Isto, porém, situa-nos no início da Terceira Via, pois Sto. Tomás também
trata das coisas que podem “não-ser”, uma impossibilidade ou potencialidade
negativa. Ora, das coisas que “podem não ser” compreende-se sobretudo as
contradições lógicas, isto é, quando um ente necessário é por si sem que tenha
alguma potencialidade para tal.
Então Sto. Tomás busca encontrar a essência natural do possível
realizável, ligando sua existência ao conceito de temporalidade; tal conceito é de
suma importância para o entendimento da Via em questão, no excerto “mas é
impossível ser para sempre o que é de tal natureza” fica claro que um possível
eterno não difere em nada do impossível, uma vez que jamais será realizado
dentro do curso temporal, para além do mais, Aquino apresenta-nos o exemplo
do Nada, que tem sua estrutura diretamente ligada aos conceitos de possível e
necessário.
3- Da natureza do ‘Nada’.
“Se tudo pode não ser, houve um momento em que nada havia. Ora, se
isso é verdadeiro, ainda agora nada existiria; pois o que não é só passa a
ser por intermédio de algo que já é. Por conseguinte, se não houve ente
algum, foi impossível que algo começasse a existir; logo, hoje, nada
existiria: o que é falso.”

2
ARISTOTELES. Sobre a Alma. Pág 61
Considerando as qualidades do possível e do necessário, far-se-á
imprescindível tratar daquilo que não está contido nem no conjunto das
possibilidades nem das necessidades, ou melhor, se há algo fora destes
conjuntos.
Dada esta perspectiva, um não-ser absoluto, que portanto, não fosse
identificado nem como matéria nem como forma, sucederia em um não-ser ad
eternum, devido ao facto de ter em si uma contradição na essência do ente, caso
que, na qualidade de não-ser, manter alguma possibilidade pressuporia a
necessidade de um ser.
É neste ponto que surge a noção do “necessário” em Tomás de Aquino,
ora, aquilo que é necessário, um dia foi possível, e para ter sido possível teve de
ser também necessário, não há então como supor um ente intermediário
constante, ou até mesmo um princípio sem forma, fosse o caso, segundo
Aquino, o nada jamais deixaria de existir, e o que entendemos como realidade
seria impensável.
Sto. Tomás descarta de pronto esta hipótese avocando à condição do
possível as finitas formas enumeradas na sua essência, dito de outro modo, para
Aquino, o ser ou é gerado ou corruptível, e algo que não se enquadra nessas
categorias só pode ser considerado uma contradição, logo impossível.
Há aqui uma relação entre necessário/contingente e imóvel/movido,
definições exploradas na Primeira Via da Suma Teológica. Essa relação é
importante pelo facto da premissa ser a mesma, a saber: para que um ente seja
movido faz-se necessário um agente movedor, ou motor. Se tomamos o Nada
como não-substancia, nem motora nem movida, consequentemente estático,
estático se manteria caso não houvesse impulso externo ou interno, e seu
movimento seria irrealizável.
Se, portanto, Tomás rejeita essa conjectura, é preciso conceber um ente
que comporte em si a necessidade e as possibilidades do ser e não-ser.

4- Daquilo que é necessário.

4.1- Dos necessários por si

Ao deparar-se com a fatalidade lógica na qual contingente não pode gerar


contingente indefinidamente, far-se-á crucial a existência de um ente no qual
possua a qualidade de conservação de seu estado por um determinado tempo, e
que tenha sua essência ligada diretamente à existência.

“...Assim, nem todo os entes são possíveis, mas é preciso que algo seja
necessário entre as coisas. Ora, tudo o que é necessário tem, ou não, a
causa de sua necessidade em outro.”3

3
AQUINO. Suma teológica.
Diante de tudo aquilo que é possível, há de se presumir um fio condutor
que permita não apenas tornar ente o que “pode vir a ser”, mas que também seja
um causador da primeira possibilidade em absoluto, ou o que se entende por
um ser necessário per se, sem que antes tenha sido possível na linha temporal.
Dos fundamentos daquilo que é necessário, faz-se primordial
compreender que sua substância geradora é não-corrompida; ora, aqui não há o
que se falar de inexistência do ser, pois trata-se de um existente necessário.
Também não se pode conjecturar sobre como o ser necessário existe, apenas
verificar sua existência (deduzi-la), no que diz respeito a sua temporalidade e
procedência.
Este quadro complexo é resolvido pelo seguinte exercício mental: àquilo
que é necessário devemos incorporar o conceito de existência em conjunto com
a essência. Ao estabelecer essa premissa, inferimos que nos seres necessários
ambos conceitos são interdependes e indispensáveis, o que não acontece com os
entes contingentes.
Essa “mistura” indivisível compõe, por exemplo, as entidades
geométricas, que por se realizarem em si mesmas, têm sua essência na mesma
medida que a existência, ainda que seja impossível saber qual sua gênese
elementar sabemos que sua forma sempre existiu, pelo menos podemos
concluir que não há uma figura ideal como o triangulo que esteja em
contingência absoluta, logo, comprovamos sua necessidade por si.
Na visão de Aquino, dentro de todas as múltiplas coisas necessárias em si
mesmas deverá existir um ser que unifique e comporte a necessidade plena, algo
que para além de ter a essência e existência consubstanciadas, reúna também
dentro de si todas as outras formas e possibilidades em potência, e paras Sto.
Tomás, este ente deve ser Deus.

4.2- Necessário por outro

Destarte, dentro da investigação dos textos de Sto. Tomás de Aquino, faz-


se-á vital perceber também a qualidade das coisas ‘necessárias por outro ente’,
simplificando, aquilo em que o possível concretizou-se mediante outro.

“Na verdade, tudo o que é necessário ou tem a causa de sua


necessidade de outro, ou não;’’4

Para este caso em específico, retomemos o conceito do necessário sendo


aquele ente no qual a essência e a existência formam uma unidade, contudo, ao
contrário do ser que depende apenas de si, este tem sua essência justaposta por
um ou mais entes distintos. Um exemplo é o significado das palavras; podemos
escrever a palavra “gato”, de facto ela categoriza o animal felino de maneira
necessária, entretanto, para que a associação se torne completa, é indispensável
outro ente munido de potência para ler e compreender os símbolos escritos.

4
AQUINO. Tomas. Suma contra os gentios, I, 15, 5
Logo, há aqui uma noção de continuidade temporal que sujeita as
palavras a partir de sua potência ou possibilidade de serem compreendidas, à
compreensão necessária de seu significado dependente de outro ser.
Tal frugal noção permanece estendida acerca de todo pensamento de Sto.
Tomás, em que pese ela apareça no início de sua suma obra, a ideia de cadeia de
acontecimentos que parte do necessário por si, vai aos possíveis, e então
subdivide-se em: necessário por outrem e não-ser, mostra-se como explicação
do Divino, mas sobretudo consegue esclarecer o porquê existe algo, ao invés do
nada. Portanto, se tomarmos esse conteúdo como válido, podemos concluir que
o mundo em que vivemos é um necessário por outrem, e que, na visão de
Aquino, o outrem só pode ser Deus.

5- Conclusão.

Sabe-se que esta cosmovisão é substancial para compreensão da


existência de Deus, mas sua análise acaba por transpor alguns conceitos como:
temporalidade, eternidade, multiplicidade, unidade, antecedência, procedência,
etc. Tomás de Aquino utiliza-se diversas vezes dos conceitos aristotélicos de
acto e potência, mas não apenas os coloca sob novo contexto e faz uma releitura,
ele ultrapassa seu entendimento e investiga nuances ontológicas de naturezas
diferentes.
Este trabalho tentou definir em quais aspetos e em quais graus a teoria de
Aquino sobressai-se, para isto valeu-se de uma compreensão acerca das
pequenas modulações metafísicas de modo a simplificar sua captação.
Os conceitos de necessário e possível, têm muito a ver com a forma que
concebemos a ideia de continuidade, e se ela de facto existe; é no fundo uma
investigação acerca do Tempo como ente subsistente, e das mudanças que
verificamos através de nossos sentidos.
O propósito, portanto, foi o de estabelecer uma linha intercedente entre
as antigas formulações metafísicas dos antigos, com uma nova afluência que
difere e separa das formas de entendimento do ser enquanto ser, isto é, cada vez
que buscamos o entendimento total de um ente, as multiplicidades de imagens
possíveis nos leva a duvidar se não estamos a correr atrás das nuvens, Aquino, e
agora, este exame, aponta para um porto seguro no qual as dúvidas repousam
perante uma certeza sólida; não se trata apenas de um argumento válido, mas a
validade que estabelece todas as outras validades; por isso, a mera sugestão de
finitas possibilidades, finitas necessidade, e claro, um uno necessário em si
mesmo, não é apenas um argumento válido, é a validade na qual decorrem os
argumentos.
Referências

Aquino, Tomás. Suma Teológica: Vol. I. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

Aquino, Tomás. Suma contra os gentis: Vol. I. São Paulo: Edições Loyola, 2015.

Aquino, Tomás. Comentário à metafísica de Aristóteles I-IV: Vol. I. São Paulo:


Editora Vide, 2013.

McInerny, Ralph e O'Callaghan, John, "Saint Thomas Aquinas", The Stanford


Encyclopedia of Philosophy (Edição de verão 2018), Edward N. Zalta (ed.), URL
= <https://plato.stanford.edu/archives / sum2018 / entradas / aquinas /

Bolinhas, Maria I. "Dos possíveis ao necessário os percursos de Anselmo de


Aosta e de Tomás de Aquino". Revista Philosophica de Lisboa  277-292, (2009)

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