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AMERICANA CONTEMPORÂNEA
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Jason aponta que há uma “mudança de perspectiva em relação à necessidade
e legitimidade do meio e o apelo que ele exerce para quem cria” (p.33), deixando clara
a diferença entre o meio cinematográfico, centrado na figura do diretor, e o televisivo,
que dá mais liberdade criativa aos roteiristas e realizadores. Isso é o que, para ele,
permite que a construção dos personagens seja tão aprofundada, e ainda comenta
que a complexidade é melhor valorizada pelo mercado na televisão que no cinema.
Quanto à lógica da indústria televisiva, perante a escamoteação do público de-
vido ao crescente número de canais e programas, os canais reconheceram a viabili-
dade do programa de público limitado, mas dedicado. Esse modelo de complexidade
também serve para alcançar o nível máximo de “reassistência”, através da venda de
DVDs e da base de fãs. Muitos apelavam a um espectador com maior grau de instru-
ção como ferramenta de marketing, ganhando prêmios e prestígio por serem mais
sofisticados que a TV convencional.
Mittell também analisa historicamente a influência das transformações e inova-
ções tecnológicas na espectatorialidade e como isso permitiu a emergência do modelo
de complexidade narrativa. Nos primeiros 30 anos da TV, os programas eram exibidos
fora de ordem, favorecendo as narrativas procedurais, cujos episódios podem ser des-
tacados e reordenados sem afetar a trama principal e não impossibilitar o entendi-
mento por parte do espectador.
A partir dos anos 80, porém, o espectador começou a exercer mais controle
sobre sua programação, através da transmissão a cabo e do videocassete. Agora, os
espectadores poderiam rever episódios ou parte deles para absorver mais detalhes
narrativos e analisar momentos complexos. Com a chegada do DVD, o tamanho da
mídia e a qualidade visual encorajaram os espectadores a assistirem repetidas vezes
o que antes era uma atividade “essencialmente efêmera” (p.35).
O texto é de 2006, antecedendo o fenômeno atual de streaming. Então, o que
Mittell comenta sobre a influência da internet na forma de consumir televisão se res-
tringe à cultura de fã através do que ele chama de “inteligência coletiva”. Os especta-
dores são convidados a um engajamento muito mais ativo e profundo a partir da busca
de informações e interpretações e das discussões online sobre as narrativas comple-
xas. A internet também permite que o universo das séries se amplie para além da TV,
como videogames, blogs, sites de roleplaying e fóruns de fã, de forma que as séries
se tornem verdadeiramente interativas e cuja participação do público exerça força so-
bre a trama.
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Mittell reconhece que esses fatores industriais, tecnológicos e culturais não po-
dem, sozinhos, serem creditados como a razão do surgimento da narrativa complexa
na televisão. Entretanto, em conjunto, eles criam um contexto propício, garantindo que
realizadores, canais de TV e espectadores estivessem prontos para conceber e rece-
ber esse tipo de conteúdo.
Depois dessa introdução do contexto de surgimento desse modelo de storytel-
ling, o autor começa a definir o que ele chama de complexidade narrativa. Segundo
Mittell, “é uma redefinição de formas episódicas sob a influência da narração em série
[...], um equilíbrio volátil” (p.36). Ou seja, é a incorporação das características das
séries episódicas e seriadas numa narrativa formalmente mista, não convencional,
que lida com múltiplos fios narrativos e arcos de conflitos que podem se encerrar no
episódio ou se estender para um número indeterminado de capítulos, inclusive per-
passando temporadas inteiras.
O autor também diferencia a novela das séries narrativamente complexas. Para
ele, as novelas se enfocam nos conflitos entre os personagens e seus relacionamen-
tos, daí construindo a trama. Nas séries com complexidade narrativa, por outro lado,
o desenvolvimento da trama é o ponto principal, sendo, a partir disso, criados os rela-
cionamentos e dramas eventuais dos personagens. A tentativa da negação do estilo
melodramático da moral e do excesso também é uma característica que separa esses
dois modelos de storytelling.
Em seguida, Mittell analisa mais a fundo as séries “Seinfield”, “Arrested Deve-
lopment” e “Buffy”, que utiliza de exemplo para explicitar a multiplicidade de técnicas
narrativas e a liberdade criativa fornecida pelo modelo complexo. Também cita “The
Simpsons” e “Alias” com frequência.
A partir dessa análise, Jason introduz o conceito da estética operacional e com-
para a complexidade narrativa a efeitos especiais do cinema. A mesma distância que
os efeitos visuais mirabolantes provocam nos espectadores dos filmes, certas ferra-
mentas narrativas são tão impressionantes que, por um momento, fazem o público
prestar atenção na maneira que aqueles eventos foram costurados, de uma forma
metarreflexiva. Nesses momentos em que a estética operacional assume, a fruição
deixa de se focar ao que vai acontecer e passa a dar mais valor ao que motivou aquilo.
Dessa forma, os espectadores assumem o papel de narratologistas amadores, con-
jecturando sobre as diversas ferramentas e técnicas que foram usadas para criar as
“pirotecnias narrativas” (p.42).
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Uma característica importante das narrativas complexas é a falta de desejo da
compreensão total e imediata do espectador. Em vários momentos, recursos conven-
cionais são usados de forma não convencional, como analepses e retomadas típicas
do cinema de arte. Porém, a recompensa do espectador vem no momento da com-
preensão, de forma catártica e coerente. Esse modelo narrativo flerta com a confusão
temporária, permitindo ao espectador pôr à prova sua “habilidade de compreensão
através do acompanhamento de longo prazo” (p.48), similarmente à maneira como os
videogames e filmes de quebra-cabeça exigem e desejam um engajamento ativo na
história.
A partir disso, o texto conclui de maneira espetacular uma tese sobre o novo
modelo de fazer televisão, de entreter e que, hoje, tornou-se uma experiência quase
viciante de engajamento narrativo. Ele aborda o tema por diferentes frontes, sempre
se aprofundando de forma clara e sucinta em seus argumentos e conceitos. Avaliando
com olhos do futuro, o artigo se mantém atual e serve para explicar os fenômenos de
streaming e o grande sucesso das séries, que extrapolaram a TV e hoje influenciam
a maneira de narrar de formatos muito mais antigos, como as novelas e o cinema.