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Comportamento do Consumidor
1- Introdução
Quando a recente história do marketing é analisada (Brown, 1999; Dalgic e Leeuw, 1994;
Kotler, 2000), é comum encontrar nessa área de conhecimento a descrição do movimento das
empresas, ao longo do tempo, em estágios como o da orientação predominantemente para
produtos, depois a orientação predominantemente para vendas e, finalmente, a orientação
predominantemente para marketing (Grönroos, 1989). Da mesma forma, também se
encontram diversas etapas do marketing na busca por diferenciação que se iniciam a partir do
marketing de massa que é seguido pelo marketing segmentado, o marketing de nicho e pelo
marketing “um a um”, que se torna viável a partir do desenvolvimento da tecnologia da
informação. Em meio a essas mudanças e inovações, surge um novo conceito originado da
Sociologia (Bauman, 1998; 2003; Maffesoli, 2000), o marketing das tribos ou das
comunidades urbanas pós- modernas (Cova, 1997; Cova e Cova, 2002). Bem, outra divisão no
marketing tmabém começa a ser analisada: a caracterização do marketing moderno e do
marketing pós- moderno (Casotti, 1998; Firat et al., 1997; Cova, 1996; Brown, 1993, 1997).
Em geral, quando novos conceitos surgem, parece haver uma tendência em se pensar em
substituição, ou seja, parece ser essa a relação que predomina entre antigos e novos. Isso é
natural dentro do raciocínio em que a maioria foi treinada, que caracteriza-se como um
raciocínio mecânico, no qual uma coisa vem sempre depois da outra, de forma encadeada. O
raciocínio da era da eletrônica caracteriza-se, no entanto, pela simultaneidade (Harvey, 1993)
que sugere que existem deslocamentos, mas as diferentes propostas ou conceitos coexistem.
Desta forma, o marketing de massa, de segmentação, de nicho, “um a um” e as novas
comunidades pós-modernas parecem coexistir e estão todos aí presentes para serem
pesquisados, analisados e implementados. Para chegar-se às comunidades pós-modernas,
deve-se entender, primeiro, os deslocamentos anteriores.
2- Sobre segmentação
O conceito de segmentação de mercado foi introduzido por Smith (1956) como uma
possibilidade de resolver alguns problemas de marketing, pois consumidores e mercados não
são, por natureza, homogêneos. Barnett (1969), fala da segmentação de mercado como a visão
de subgrupos de consumidores com necessidades específicas, dentro do grupo maior de
consumidores de mercado. Esses subgrupos seriam diferenciados por uma ou mais
características demográficas ou psicográficas.
Nas décadas de 70 e 80, alguns trabalhos ganham destaque no estudo da segmentação por
estilo de vida e segmentação por benefício, já que outros critérios de segmentação como a
demográfica, já não atendiam às necessidades das empresas diferenciarem suas ofertas para
um mercado consumidor que se mostrava mais exigente e diversificado. Wells e Tigert
(1971), discutem o conceito de segmentação por estilo de vida como um interessante
movimento para uma maior aproximação com o consumidor. O que é o estilo de vida? Este é
um conceito que tem origem na dinâmica de viver em sociedade, ou seja, como vivem os
consumidores, quais são as suas atividades, interesses e opiniões. A segmentação por estilo de
vida, dizem os autores, traz importantes benefícios para as empresas tais como definir melhor
seu target, auxiliar no posicionamento e na estratégia de comunicação e mídia, além de
sugerir novas oportunidades e possibilitar uma melhor explicação do porquê de determinada
situação do produto ou marca.
Plummer (1974) discute também o conceito e a aplicação da segmentação por estilo de vida
pesquisando quatro dimensões, ou seja, alem das dimensões colocadas por Wells e Tigert
(1971), acrescenta a dimensão demográfica que inclui idade, educação, renda, ocupação,
tamanho da família e estágio do ciclo de vida da família. O autor trabalha com a idéia de que
quanto mais segmentado o mercado, quanto mais critérios de segmentação puderem ser
utilizados, mais próximos pode-se estar da compreensão do comportamento do consumidor.
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Dickson (1982) introduz a segmentação por benefício que procura unir as características
gerais do consumidor (demográficas, socioeconômicas, estilo de vida) com características de
situação (preferência por marca, benefícios percebidos, taxa de uso do produto e sensibilidade
aos elementos do composto de marketing). A pesquisa de Wicks (1989) também utiliza a
segmentação por beneficio como uma estratégia capaz de agrupar os consumidores de acordo
com os benefícios percebidos como correspondentes aos atributos do produto. Para Rocha e
Christensen (1999) este tipo de segmentação pode ser considerado a verdadeira segmentação,
pois guarda uma relação muito próxima com o próprio conceito de marketing.
Cabe também um destaque para o estudo de Young et al (1978) que manifestaram sua
preocupação quanto à operacionalização dos estudos de segmentação do ponto de vista de
marketing e atribuíram à decepção com estes estudos, principalmente à excessiva
preocupação com técnicas e métodos que levavam os pesquisadores a desviarem sua atenção
do ambiente de marketing e da estrutura competitiva. Esta crítica chama a atenção, pois não
são encontradas muitas colocações críticas como essa nos diferentes estudos que usam a
segmentação como uma ferramenta ou estratégia.
Décadas depois, Schultz (2002) observa que os estudos de segmentação parecem não
acompanhar as rápidas mudanças do comportamento do mercado consumidor. Ao mesmo
tempo em que reconhece a segmentação como um dos mais importantes instrumentos de
marketing, o autor parece concordar com Young et al (1978) quando reconhecem que a maior
parte dos estudos de segmentação fa lha na sua utilização prática. Por que? Segundo Schulz
(2002), os estudos de segmentação estão, em geral, baseados em propriedades físicas, atitudes
e medidas finitas e não em comportamentos, ou seja, a segmentação é estática. Uma vez que
consumidores atuais e potenciais são classificados dentro de um segmento, o pressuposto é
que o trabalho está feito e será revisto apenas quando algo revolucionário ou inesperado,
como o advento da internet, acontecer. Mesmo assim, as mudanças são observadas apenas nos
consumidores sem levar em conta o que mudou à sua volta ou em suas vidas.
Mas, seria o estilo de vida a melhor alternativa para enxergar diferenças no mercado
consumidor? De acordo com Maffesoli (2000, p.125), existe uma multiplicidade de estilos de
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vida que de maneira ao mesmo tempo conflituosa e harmoniosa fazem com que os estilos de
vida se põem e opõem uns aos outros.
Duas abordagens diferentes podem ser encontradas para o marketing de nicho. A primeira,
compara nicho e segmentação. Enquanto segmentação caracteriza-se como um processo que
divide o grande mercado em partes menores - uma abordagem top-down - o nicho caracteriza-
se como uma abordagem botton-up na medida em que o início se dá a partir das necessidades
de poucos consumidores podendo essa pequena base de clientes gradualmente aumentar e
transformar-se em um segmento de mercado (Dalgic e Leeuw, 1994). Já de acordo com a
segunda abordagem do marketing de nicho - top-down - nicho não é o início mas sim a etapa
final do processo de segmentação, ou seja, a segmentação de mercado é que permite
identificar nichos. Para essa abordagem top-dow, o marketing de nicho busca um
posicionamento em segmentos de mercado pequenos, lucrativos e homogêneos, que tenha
sido negligenciado por concorrentes (Chalasani e Shani, 1992 p.42).
Outra ligação pode ser feita entre o conceito de marketing de nicho e o conceito de marketing
de relacionamento (Grönroos, 1994; Berry e Parasuraman, 1997). Ambos possuem a
preocupação com o estabelecimento de relações mais duradouras com os consumidores. Os
dois conceitos estão associados, também, com o marketing individualizado pois consideram a
construção e utilização de bases de dados de forma a conhecer as preferências dos
consumidores e obter efetividade nas ações de marketing (Blattberg e Deighton, 1991; Dalgic
e Leeuw, 1994).
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É mesmo possível levar o marketing até o nível do indivíduo para assim entender melhor o
seu comportamento de consumo? A partir da década de 1980, a construção de base de dados
parecia ser a chave do sucesso. Duas correntes sociológicas parecem fornecer contribuições
interessantes para se pensar o marketing individualizado e suas possibilidades. De um lado
uma corrente sociológica, liderada por Lipovetsky (1989), considera o individualismo a
principal característica da pós- modernidade, ou seja, admite o triunfo do individualismo na
busca por autonomia, o que é ilustrado pelo surgimento de produtos que isolam o indivíduo
como, por exemplo, o microcomputador (Cova, 1997). Mas, uma segunda corrente
sociológica (Bauman, 1998, 2003; Maffesoli, 2000) aponta o movimento reverso dos
indivíduos para recompor seu universo social formando as novas comunidades urbanas
também chamadas de tribos ou comunidades pós- modernas. No lugar dos produtos que isolam
está a busca por produtos que sejam elos nas suas relações sociais. Na verdade, Giddens
(1997, p.73) observa que a modernidade, na maior parte da sua história, reconstruiu a
tradição enquanto a dissolvia.
Mas, como diferenciar esses dois pequenos grupos de consumidores, nicho e comunidades?
Um forte argumento da estratégia do marketing de nicho parece ser de origem econômica, isto
é, a busca por lucros maiores. Já a análise das comunidades ou tribos, tanto em sua origem
sociológica (Bauman, 1998, 2003; Maffesolli,2000 ), quanto nas ligações feitas com o
marketing (Cova, 1997; Cova e Cova, 2002; Carvalho, 2001, 2003), sugere uma preocupação
maior com a profundidade ou detalhe das informações para compreender a formação desses
grupos e seus componentes.
Não parecem existir dúvidas de que analisar uma base de clientes é uma via interessante de
aproximação com eles. Dallas-Feeney (2003) vice-presidente da Booz Allen Hamilton, no
entanto, chama atenção para o arrependimento de empresas que, analisando suas bases de
dados, abandonaram os clientes não rentáveis, pois com o desenvolvimento da tecnologia da
informação, podiam se identificados. Como observa Reibstein (2003), no entanto, as empresas
passaram a focar no volume de compras de seus clientes sem conseguir compreender quem
estava comprando.
Mas, o que são clientes não rentáveis ou mau clientes? Como julgá- los a partir de uma base de
dados? Como prever relacionamentos futuros? As bases de dados baseiam-se em fatos que já
aconteceram e parece difícil analisar o passado e prever se, no futuro, aquele cliente será um
bom ou mau cliente para a empresa. Para Clemons (2003), mesmo diferenciando os clientes,
as empresas podem estar abrindo espaços para novos concorrentes, ou seja, o concorrente
entra oferecendo “algo mais” para os grupos que estão obtendo “algo menos”.
Zaltman (2003) vai um pouco alem e critica os profissionais de marketing por sua crença de
que ter muitos dados sobre os consumidores irá levá- los a profundos conhecimentos sobre
eles. Para o autor, os dados levantados, em geral, como estatísticas demográficas, intenção de
compra e preferências quanto a atributos, geram informações superficiais. Zaltman (2003) fala
de uma “escuta habilidosa” e mostra-se preocupado com a “arrogância tecnológica” na busca
das informações sobre os clientes.
Beck (2003) traz diferentes significados para o termo individualização. Para o autor, existe a
compreensão geral de que individualização significa emancipação, liberdade, crescente
liberdade de escolha do indivíduo, possibilidade de adquirir mais personalidade. Beck (2003,
p.69) chama atenção para um significado, de sua preferência, mais forte e que relaciona o
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termo ao conceito de grupo: individualização significa que se entra numa dinâmica
institucional endereçada ao indivíduo, não ao grupo.
4- Sobre as comunidades
Desde que as formas tradicionais de comunidade existiram (famílias, vilas, religiões etc), o
moderno tenta liberá-los deles mesmos, para tornar a liberdade uma realidade. Dentro desta
perspectiva, a ligação social é compreendida como algo que atrela os indivíduos e, portanto,
os limita (Farrugia, 1993). Logo, a noção que se espalha é de que a comunidade escraviza as
pessoas enquanto a modernidade, focaliza o voluntário, a escolha de cada indivíduo
Onde se insere a visão moderna? A diferenciação mais do que a comunhão guia a ação dos
indivíduos na modernidade. O moderno realça novas formas de ação, mais racionais e
impessoais, que levam à liberdade que pode ser obtida a partir de uma economia de mercado,
que distancia os indivíduos das antigas comunidades.
A análise feita por Wacker (1992) sobre a evolução dos valores sociais nos Estados Unidos,
parece auxiliar também a entender a importância de compreender novos grupos sociais que
possuem diferentes designações por aqueles que se propuseram a olhá-los e analisá- los. O
estudo mostra valores tradicionais que predominavam na década de 1950 como o sentido de
permanência, de segurança, de obrigação e um certo conformismo com as hierarquias sociais,
que deram espaço para que, na década de 1970, surgissem novos valores como o sentido de
transitoriedade, complexidade, permissividade, reivindicação e individualismo. Como avalia a
pesquisa, a década de 1970 foi um momento de grandes rupturas quando guias de
comportamentos foram modificados, o que refletiu na formação dos valores da década de
1990. Nessa fase, observou-se a busca novamente por valores tradicionais mas, desta vez,
com adaptações feitas a partir do que se experimentou a partir dos anos 1970, com críticas ao
excessivo individualismo e um retorno à valorização do grupo.
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Embora não esteja se referindo ao conceito de segmentação de mercado, especificamente,
Maffesoli (2000 p.114) fala de um tempo em que se realçava tudo que era possível distinguir
num dado conjunto, tudo que se podia separar e particularizar, o que pode ser visto como um
sistema especialista. O autor propõe uma perspectiva que sugere a importância de conhecer a
sincronia e a sinergia de grupos sociais. Para Maffesoli (2000), vivemos um período de
redescoberta de que o indivíduo estará sempre ligado pela cultura, pela comunicação, pelo
lazer, pela moda, à uma comunidade. Bauman (2003) procura interpretar o significado da
palavra “comunidade”. O significado positivo sugere segurança mas, há um preço a ser pago
pelo privilégio de viver em comunidade, a perda da liberdade. Como observa o autor (p.10), a
tensão entre a segurança e a liberdade e, portanto, entre a comunidade e a individualidade,
provavelmente nunca será resolvida e assim continuará por muito tempo.
De acordo com Cova (1997), a modernidade constrói o mito da liberdade individual pois o
indivíduo é tão livre nas suas escolhas privadas e públicas mas, ao mesmo tempo, é sozinho e
sem o espírito comunitário. Esta parece ser uma conseqüência do individualismo exacerbado
que pretende liberar o indivíduo de suas amarras sociais. Como conseqüência, Cova (1997)
descreve o indivíduo pós-moderno como nômade e com poucas ligações sociais.
Mesmo não falando especificamente sobre comunidades ou tribos pós-modernas, Beck (2003)
descreve uma categoria social que se assemelha às comunidades de Bauman (1998, 2003) ou
às tribos de Maffesoli (2000). Para Beck (2003), as culturas minoritárias estão em
crescimento constante em oposição à visão globalizante de que “vamos todos virar Big Macs”
devido às rotas em que se oferecem os produtos homogeneizadores do mundo. Para o autor,
ao lado da homogeneização, tem surgido também a multiplicação da diferença justamente a
partir das culturas minoritárias. Como encontrar essa diferença?
Beck (2003) critica as formas com as quais se busca compreender os grupos sociais referindo-
se às categorias zumbis que são categorias mortas-vivas, com origem no século XIX, que
dificultam a visão da dinâmica social no presente e não percebem um mundo digital,
interconectado, no qual o social é independente das fronteiras espaciais. Cova (2002), parece
reforçar a visão deBeck (2003) quando observa que a tecnologia dos novos meios de
comunicação pode fazer com que os encontros face a face dos membros da tribo sejam
dispensáveis.
Para Cova (1997), é a busca por uma ligação social que explica o desenvolvimento das tribos
pós modernas. A explicação de Bauman (1998) para esse movimento reverso, parte do
entendimento de que os projetos racionais da modernidade fracassaram com suas frias
abstrações abrindo espaço para as comunidades “cordiais e hospitaleiras” que buscam novas
ferramentas de conexão. Bauman (1998) define essas comunidades pós- modernas como
organismos não planejados, que cresceram naturalmente e que são um novo e agradável
mundo, pois surgem como uma importante exceção ao processo aparentemente infindável de
desintegração do tipo ortodoxo de comunidade. Ao analisar as comunidades como entidades
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que buscam segurança, no ambiente antagônico em que se vive, Bauman (1998) refere-se a
essas comunidades como poderosas e que podem influenciar na formação e sobrevivência de
uma cultura.
Qual a razão para se formarem as novas tribos? Pelo compromisso ritual e simbólico
manifestado por seus membros. A sociedade moderna possui grupos sociais determinados de
maneira mais racional como as categorias profissionais ou as classes sócio-econômicas
enquanto a pós-modernidade é caracterizada por pequenos grupos onde os indivíduos
possuem ligações emocionais fortes e uma visão de vida semelhante. (Cova, 1997). A
densidade da vida cotidiana é conseqüência de forças impessoais. Dessa forma, a sociedade se
organiza através dos reencontros, das situações, das experiências dentro dos diferentes grupos
a que pertence cada indivíduo. Esses grupos se entrecruzam uns com os outros mas, ao
mesmo tempo, constituem-se em uma massa indiferenciada.
A compreensão desses pequenos grupos torna-se difícil, pois o indivíduo pós- moderno
pertence a várias tribos e em cada uma delas pode desempenhar um papel diferente, pode usar
uma máscara específica, o que dificulta o trabalho de análise usando o instrumental da
moderna sociologia que, na verdade, busca classificá- los. As tentativas de classificação ou
segmentação dos consumidores ficam, portanto, mais difíceis pois o mesmo indivíduo
pertence a várias tribos e os métodos de pesquisa são em geral estáticos. Os métodos estáticos
de classificação social devem ser substituídos por uma configuração mais dinâmica e flexível
que busque entender o consumidor dentro e entre as tribos pós modernas (Cova, 1997; Cova
e Cova, 2002).
Como lembra Maffesoli (2000 p.108), quando fala da vida cotidiana, a profundidade pode
ocultar-se na superfície das coisas, daí a importância que deve ser dada também às aparências
que são um vetor de agregação das tribos, ou seja, a estética faz com que os componentes das
tribos sejam reconhecidos. A perspectiva mais racionalista, que predomina no estudo do
comportamento do consumidor, contribui para que muitos detalhes não sejam vistos, pois
esses detalhes não podem ser obtidos a partir das verbalizações do consumidor e sim através
das situações silenciosas (p.113). Para Maffesoli (2000 p.127), há nas pesquisas um domínio
da clareza do conceito e da certeza da razão que começa a ser substituído pelo que o autor
chama de penumbra dos modos da organização e das maneiras de pensar o mundo. Como
toda penumbra, ela tem o seu encanto.
Cova (1997) sugere atenção dos pesquisadores de mercado com o fenômeno do grupo que, na
pós-modernidade, passa a ser visto como importante em termos sociais e que, de certa forma,
foi negligenciado pela pesquisa e pela disciplina do marketing que se encanta com toda a
tecnologia disponível para conhecer melhor o consumidor individual. O autor observa que a
grande maioria dos estudos de comportamento do consumidor preocupou-se em entender
motivações e cognições individuais e suas influências no comportamento de consumo.
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Quando os estudos consideravam os grupos, o faziam com uma base racional preocupada em
agrupar segmentos de acordo com variáveis demográficas e psicográficas e não em
compreender suas escolhas emocionais que falam dos seus valores.
Davenport et al (2001), chamam atenção para as possibilidades geradas pela internet com
tecnologia capaz de observar e registrar padrões nas transações com os clientes. No entanto,
os autores mostram-se preocupados com o imenso banco de dados e os poucos insights sobre
os clientes que esses dados são capazes de gerar., ou seja, “as empresa sabem mais sobre os
clientes mas, na verdade, não chegam a conhecê- los bem, ou seja, não conseguem conhecer “a
pessoa” por trás das compras. O que fazer? Os autores sugerem uma combinação de dados
com informações relativas ao lado humano do consumidor que seriam obtidas a partir do que
chamam de “caminhos criativos” como, por exemplo, a etnografia. Esses caminhos podem ser
a diferença entre líderes e retardatários no mercado consumidor.
Mas, fazendo um teste de realidade: e as possibilidades abertas pelo data mining? Para Feder
(2003), essa ferramenta pode ajudar a entender o que torna um grupo diferente do outro mas,
como fazê- la funcionar em cenários em evolução ou móveis? E o CRM? Seria capaz de
identificar clientes e seus comportamentos em cenários móveis? Para Feder (2003), os
benefícios do marketing um a um podem ser maiores nos relacionamentos business-to-
business do que no mercado de consumo individual.
Na verdade, concorda-se com Harvey (1993) de que o pós moderno não é um ou outro e sim
um e outro. Ao mesmo tempo em que uma direção do conhecimento do consumidor apoia-se
no desenvolvimento da tecnologia da informação onde o CRM aparece como uma importante
ferramenta para a estratégia de marketing, a idéia de que é preciso compreender as ligações
sociais que os produtos e serviços promovem nas tribos, ganham um espaço no ambiente de
negócios atuais. Um único consumidor no seu dia a dia pode ir de um consumo
individualizado a um consumo tribalizado e, ao mesmo tempo, passar por estruturas de
consumo de massa. Logo, parece razoável supor que outros caminhos de pesquisa devem ser
discutidos e propostos.
Zaltman (2003 p.51) propõe novos métodos de pesquisa quando afirma que a empresa
centrada nos clientes deve adquirir conhecimentos também por meio da imaginação, isto é,
imaginar maneiras de pensar completamente novas e abrir-se para idéias que de início talvez
possam parecer triviais ou irrelevantes para os negócios.
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6- Considerações Finais
Vamos pegar emprestada uma metáfora de Bauman (1998 p.116) sobre turistas e vagabundos
para pensar opções ou deslocamentos possíveis para uma maior aproximação com o
consumidor. Uma das diferenças entre turistas e vagabundos, escreve o sociólogo, é que
turistas viajam porque querem enquanto vagabundos viajam porque não possuem outra
alternativa. As várias possibilidades que possuímos de conhecer os consumidores e suas
diferenças representam a nossa viagem ou nossas aventuras. Desta forma, não vamos
considerar aqui a opção ”vagabundos”. Somos turistas pois iniciamos nossas viagens, quase
sempre, por escolha ou, pelo menos, assim acreditamos.
Mas, por que viajamos? De acordo com Bauman (1998) turistas acham o lar maçante,
demasiadamente familiar e com poucas surpresas. Eles esperam encontrar em outro lugar uma
aventura mais excitante do que a rotina, daí se aventurarem pelos caminhos da segmentação,
do nicho, da individualização e das tribos. Qual é sua próxima viagem? Conhecer as novas
comunidades pós- modernas? Essa parece ser, em nossa opinião, no momento, a aventura que
pode fornecer mais surpresas e detalhes na busca insistente do marketing por enxergar
diferenças no comportamento do consumidor.
Espera-se que a nossa tentativa traga contribuições nesse sentido, de abrir e aguçar os olhos
para um futuro que parece frágil, sem que haja um rompimento com a ciência, pois o
rompimento pode dificultar o desenvolvimento de novos conceitos, referências ou critérios
necessários para compreender mudanças sociais. A sociologia pode ajudar muito ao
marketing a compreender a complexidade social em que nos transformamos. A antropologia
também abre espaços metodológicos para a aventura que buscamos empreender. Importante
reconhecer as possibilidades de contribuição de outras ciências sociais, que já estão, há mais
tempo, buscando compreender diferenças.
Cabe lembrar, entretanto, que a decisão de abandonar o lar, com a finalidade de explorar
terras estranhas, mostra-se mais fácil quando se constata que turistas podem sempre voltar
para casa. Após a viagem, duas possibilidades podem se abrir: a primeira opção aponta o
caminho da atração pelo risco de adquirir gosto pelas viagens e pelos espaços por ela abertos.
Já o segundo caminho, aponta para a volta ao “lar” seguro. Pensar as novas comunidades que
se formam sugere a primeira opção, o que não significa abolir as fronteiras já construídas e
sim delimitar novas fronteiras a partir de novas maneiras de analisar o consumidor. Sempre
voltamos das viagens um pouco diferentes em relação ao momento da partida, como quando
começamos a escrever esse ensaio.
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