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L C LINGUAGENS, CÓDIGOS
1
e suas tecnologias
Gramática e Literatura
ENTRE LETRAS Lucas Limberti, Murilo de Almeida Gonçalves e Pércio Luis Ferreira
© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2019
Todos os direitos reservados.
Autores
Lucas Limberti
Murilo de Almeida Gonçalves
Pércio Luis Ferreira
Diretor geral
Herlan Fellini
Coordenador geral
Raphael de Souza Motta
Diretor editorial
Pedro Tadeu Batista
Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Claudio Guilherme da Silva
Eder Carlos Bastos de Lima
Fernando Cruz Botelho de Souza
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva
Foto da capa
pixabay (http://pixabay.com)
Impressão e acabamento
Meta Solutions
ISBN: 978-85-9542-072-4
Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legislação, tendo por fim único e exclusivo o
ensino. Caso exista algum texto, a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição
para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre
as imagens publicadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não representando qual-
quer tipo de recomendação de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora.
2019
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Telefone: (11) 3259-5005
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CARO ALUNO
O Hexag Medicina é referência em preparação pré-vestibular de candidatos à carreira de Medicina. Desde 2010, são centenas de aprovações nos
principais vestibulares de Medicina no Estado de São Paulo, Rio de Janeiro e em todo Brasil. O material didático foi, mais uma vez, aperfeiçoado e seu conteúdo
enriquecido, inclusive com questões recentes dos relevantes vestibulares de 2019.
Esteticamente, houve uma melhora em seu layout, na definição das imagens, criação de novas seções e também na utilização de cores.
No total, são 103 livros, 24 cadernos de Estudo Orientado e 6 cadernos de aula.
O conteúdo dos livros foi organizado por aulas. Cada assunto contém uma rica teoria, que contempla de forma objetiva e clara o que o aluno
realmente necessita assimilar para o seu êxito nos principais vestibulares do Brasil e Enem, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar.
Todo livro é iniciado por um infográfico. Esta seção, de forma simples, resumida e dinâmica, foi desenvolvida para indicação dos assuntos mais abordados nos
principais vestibulares, voltados para o curso de medicina em todo território nacional.
O conteúdo das aulas está dividido da seguinte forma:
TEORIA
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos, de cada coleção, tem como principal objetivo apoiar o estudante na resolução de questões propos-
tas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, completos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas que complementam as explicações
dadas em sala de aula. Quadros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados, e compõem um conjunto abrangente de informações para o
estudante, que vai dedicar-se à rotina intensa de estudos.
TEORIA NA PRÁTICA (EXEMPLOS)
Desenvolvida pensando nas disciplinas que fazem parte das Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Nesses
compilados nos deparamos com modelos de exercícios resolvidos e comentados, aquilo que parece abstrato e de difícil compreensão torna-se mais acessível
e de bom entendimento aos olhos do estudante.
Através dessas resoluções é possível rever a qualquer momento as explicações dadas em sala de aula.
INTERATIVIDADE
Trata-se do complemento às aulas abordadas. É desenvolvida uma seção que oferece uma cuidadosa seleção de conteúdos para complementar o
repertório do estudante. É dividido em boxes para facilitar a compreensão, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas e livros para o aprendizado do aluno.
Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos temas estudados. Há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões
de aplicativos que facilitam os estudos, sendo conteúdos essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica. Tudo é selecionado com finos
critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso estudante.
INTERDISCIPLINARIDADE
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é elaborada, a cada aula, a seção interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares de
hoje não exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos conteúdos de cada área, de cada matéria.
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como biologia e química,
história e geografia, biologia e matemática, entre outros. Neste espaço, o estudante inicia o contato com essa realidade por meio de explicações que relacio-
nam a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o estudante consegue entender
que cada disciplina não existe de forma isolada, mas sim, fazendo parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive.
APLICAÇÃO NO COTIDIANO
Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu distanciamento da realidade cotidiana no desenvolver do dia a dia, dificultando o
contato daqueles que tentam apreender determinados conceitos e aprofundamento dos assuntos, para além da superficial memorização ou “decorebas” de
fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios de aprendizagem com os conteúdos, foi desenvolvida a seção “Aplicação no Cotidiano”. Como o próprio nome já
aponta, há uma preocupação em levar aos nossos estudantes a clareza das relações entre aquilo que eles aprendem e aquilo que eles têm contato em seu
dia a dia.
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES
Elaborada pensando no Enem, e sabendo que a prova tem o objetivo de avaliar o desempenho ao fim da escolaridade básica, o estudante deve
conhecer as diversas habilidades e competências abordadas nas provas. Os livros da “Coleção vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas dessas
habilidades. No compilado “Construção de Habilidades”, há o modelo de exercício que não é apenas resolvido, mas sim feito uma análise expositiva, descre-
vendo passo a passo e analisado à luz das habilidades estudadas no dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a apurá-las na sua
prática, identificá-las na prova e resolver cada questão com tranquilidade.
ESTRUTURA CONCEITUAL
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Geramos aos estudantes o máximo de recursos para orientá-los em suas trajetórias. Um deles
é a estrutura conceitual, para aqueles que aprendem visualmente a entender os conteúdos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas mentais e
fluxogramas. Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos principais conteúdos
ensinados no dia, o que facilita sua organização de estudos e até a resolução dos exercícios.
A edição 2019 foi elaborada com muito empenho e dedicação, oferecendo ao aluno um material moderno e completo, um grande aliado para o seu
sucesso nos vestibulares mais concorridos de Medicina.
Herlan Fellini
SUMÁRIO
ENTRE LETRAS
GRAMÁTICA
Aulas 1 e 2: Formação de palavras 7
Aulas 3 e 4: Artigos, substantivos e adjetivos 17
Aulas 5 e 6: Verbos: noções preliminares e modos indicativo e subjuntivo 29
Aulas 7 e 8: Verbos: modo imperativo e vozes verbais 39
Aulas 9 e 10: Advérbios 45
LITERATURA BRASILEIRA
Aulas 1 e 2: A arte literária e o estudo dos gêneros 55
Aulas 3 e 4: Trovadorismo: a literatura da Idade Média 69
Aulas 5 e 6: Humanismo e Classicismo 85
Aulas 7 e 8: Classicismo: Camões épico e lírico 101
Aulas 9 e 10: Quinhentismo e Barroco 115
FUVEST
Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da Fuvest são a
formação de palavras e os usos de verbos no modo imperativo. Os demais temas são de aplica-
ção esporádica, requerendo atenção o uso de tempos verbais e de advérbios.
LD
ADE DE ME
D
UNESP
U
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FAC
INA
BO
1963
T U C AT U Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da Unesp são a
formação de palavras e os usos de vozes verbais. Os demais temas são de aplicação esporádica,
requerendo atenção o uso de tempos verbais.
UNICAMP
Dentre os temas abordados neste caderno, o de maior incidência no vestibular da Unicamp é a
formação de palavras. Os demais temas são de aplicação esporádica, requerendo atenção o uso
de tempos verbais.
UNIFESP
Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da Unifesp são a
formação de palavras e os usos de vozes verbais. Os demais temas são de aplicação esporádica,
requerendo atenção o uso de tempos verbais e a aplicação geral de classes de palavras em certos
contextos.
ENEM/UFMG/UFRJ
Dentre os temas abordados neste caderno, o de maior incidência no ENEM é o uso de tempos
verbais. Os demais temas são de aplicação bastante esporádica.
UERJ
Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da UERJ são a
formação de palavras e os usos de vozes verbais. Os demais temas são de aplicação esporádica,
requerendo atenção o uso de tempos verbais.
0 2
1 0 Formação de palavras
Competências Habilidades
1e8 1, 2, 3, 4, 26 e 27
COMO AMAR E PA S
PA R A GOES SASS
REST TEMO I M PA
EINS MENT SSAA
TA N T OAMA SSIM
eluz I S QU PA S S
Q U E A EAME AMEM
MEMO M ORI OR I A
R I A A AMOR ASSA
F L O R DEMA S S IN
L C
ARIA
ENTRE LETRAS
ARIA DERA
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Morfologia: formação de palavras
Neste tópico, estudaremos os processos de estruturação e formação de palavras do português.
§§ Radical (morfema lexical): é a parte da palavra que contém o significado mais geral e é comum às pa-
lavras chamadas de cognatas (também consideradas da mesma família).
Exemplos: terra; terreiro; terrestre; enterrar
§§ Vogal temática: é a vogal que aparece logo após o radical, “ajudando” as palavras a receber outro signi-
ficado. Aparece nos verbos, definindo se são de 1a, 2a ou 3a conjugação.
Exemplo: amar = am + a + r, onde “am” é o radical, “a” é a vogal temática de 1a conjugação e “r” é a
desinência de infinitivo.
§§ Desinências: indicam gênero e número, para desinência nominal, e indicam tempo e pessoa, para desinên-
cia verbal. As desinências nominais caracterizam as variações de substantivos, adjetivos e certos pronomes
quanto ao gênero (masculino e feminino) e número (singular e plural). As desinências verbais indicam as va-
riações dos verbos em pessoa (1a, 2a ou 3a), número (singular e plural) e tempo (presente, passado e futuro).
§§ Afixos: são elementos que se juntam ao radical para formar novas palavras. Podem aparecer antes do
radical (prefixos) ou depois do radical (sufixos).
Processos de formação
Basicamente, as palavras da língua portuguesa são formadas pelos processos de derivação e composi-
ção, mas também por outros como onomatopeia, neologismo e hibridismo.
9
§§ Derivação prefixal + sufixal: acrescenta-se
um prefixo e um sufixo a um mesmo radical de
Outros processos
modo sequencial, ou seja, os afixos não são en-
caixados ao mesmo tempo. Percebe-se facilmen- Hibridismo
te, ao remover um dos afixos, a presença de uma
palavra com sentido completo. No processo de formação por hibridismo, as
Exemplo: in-feliz-mente palavras compostas ou derivadas são constituídas por
elementos originários de línguas diferentes:
§§ Derivação parassintética: acréscimo simultâ-
neo de um prefixo e de um sufixo a um mesmo §§ grego + latim: automóvel e monóculo
radical ou à palavra primitiva. Em geral, as for- §§ latim + grego: sociologia, bicicleta
mações parassintéticas originam-se de substan- §§ árabe + grego: alcaloide, alcoômetro
tivos ou adjetivos para formarem verbos. §§ tupi + grego: caiporismo
Exemplo: en-triste-cer §§ africano + latim: bananal
§§ Derivação regressiva: ocorre redução da pa- §§ africano + grego: sambódromo
lavra primitiva. Nesse processo, formam-se subs- §§ francês + grego: burocracia
tantivos abstratos por derivação regressiva de
formas verbais. Neologismo
Exemplo: ajuda (substantivo abstrato da deri-
vação regressiva do verbo ajudar) Neologismo é o nome dado ao processo de
§§ Derivação imprópria: ocorre a alteração da criação de novas palavras ou palavras da própria lín-
classe gramatical da palavra primitiva. gua portuguesa que adquirem um novo significado.
Exemplos: (o) jantar – de verbo para subs-
Exemplos:
tantivo; (um) Judas – de substantivo próprio
§§ Originalmente, a palavra bonde significava
para comum
certo veículo utilizado como meio de transpor-
te. Hoje, na variedade linguística utilizada por
Formação por composição
falantes inseridos no estilo do funk carioca, foi
Nos processos de formação de palavras por dado um novo significado para a palavra bonde:
composição, ocorre a junção de dois ou mais radicais. turma, galera.
Palavras com significados distintos formam uma nova §§ É comum formar verbos a partir de palavras do
palavra com um novo significado. meio da informática, como googlar (procurar
Exemplo: guarda (flexão do verbo guardar; no Google), twittar (escrever no Twitter) ou re-
sentinela) + roupa (vestuário) = guarda-roupa
setar (de reset).
(mobiliário)
São dois os processos de formação por compo-
sição:
§§ Composição por justaposição: quando não
ocorre a alteração fonética das palavras. A jus-
taposição também pode ocorrer por hifenização.
Exemplos: girassol (gira + sol); guarda-chuva
(guarda + chuva)
§§ Composição por aglutinação: quando ocor-
re alteração fonética, em decorrência da perda
de elementos das palavras.
Exemplos: aguardente (água + ardente); em-
bora (em + boa + hora)
10
APLICAÇÃO NO COTIDIANO
A tabela abaixo traz os significados de alguns prefixos e radicais, alguns frequentemente usados no
dia a dia.
11
Prefixos latinos Significados Exemplos
e– ,em– ,em– introdução, superposição engarrafar, empilhar
e–, es–, ex– movimento para fora, privação emergir, expelir, escorrer, extrair, exportar, esvaziar, esconder, explodir
extra– posição exterior, excesso extraconjugal, extravagância
intra–, posição interior intrapulmonar, intravenoso
i–, im–, in– negação, mudança ilegal, imberbe, incinerar
infra– abaixo, na parte inferior infravermelho, infraestrutura,
intra–, intro– movimento para dentro imersão, impressão, inalar, intrapulmonar, introduzir
justa– posição ao lado justalinear, justapor
o–, ob– posição em frente, oposição obstáculo, obsceno, opor, ocorrer
per– movimento através de perpassar, pernoite
pos– ação posterior, em seguida pós-datar, póstumo
pre– anterioridade, superioridade pré-natal, predomínio
pro– antes, em frente, intensidade projetar, progresso, prolongar
preter–, pro– além de, mais para frente prosseguir
re– repetição, para trás recomeço, regredir
retro– movimento mais para trás retrospectivo
12
Radicais gregos Significados Exemplos
–morfo forma, que tem a forma amorfa, zoomórfico
–onimo nome sinônimo, topônimo
–polis, –pole cidade metrópole
–potamo rio mesopotâmia, hipopótamo
–ptero asa helicóptero
–scopia o que faz ver endoscopia, telescópio
–sofia sabedoria, saber filosofia, teosofia
–soma corpo cromossomo
–stico verso monóstico, dístico
–teca lugar, coleção biblioteca, hemeroteca
–terapia cura, tratamento hidroterapia
–tomia corte, divisão vasectomia, anatomia
–topo lugar topografia, topônimo
–tono tom barítono, monótono
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Radicais latinos Significados Exemplos
higro– úmido higrófito, higrômetro
hipo– cavalo hipódromo, hipopótamo
–ambulo que anda noctâmbulo, sonâmbulo
–cida que mata fraticida, inseticida
–cola que habita arborícola, silvícola
–cultura que cultiva triticultura, vinicultura
–evo idade longeva, longevidade
–fero que contém ou produz mamífero, aurífero
–fico que faz ou produz benéfico, maléfico
–forme que tem a forma cordiforme, uniforme
–fugo que foge vermífugo, centrífugo
–grado grau, passo centígrado
–luquo que fala ventríloquo
–paro que produz ovíparo
–pede pé velocípede, bípede
–sono que soa uníssono
–vago que vaga noctívago
–voro que come carnívoro, herbívoro, onívoro
14 14
POEMA
15
ESTRUTURA CONCEITUAL
GRAMÁTICA
NORMATIVA
FORMAÇÃO DE PALAVRAS
ARTIGO
SUBSTANTIVO
ADJETIVO
VERBO
DERIVAÇÃO COMPOSIÇÃO ADVÉRBIO
PRONOME
NUMERAL
PREPOSIÇÃO
CONJUNÇÃO
FORMAÇÃO DE FORMAÇÃO DE INTERJEIÇÃO
PALAVRAS PALAVRAS
A PARTIR DE COM MAIS
UM ÚNICO RADICAL DE UM RADICAL
SUFIXAL
JUSTAPOSIÇÃO
PREFIXAL
AGLUTINAÇÃO
IMPRÓPRIA
REGRESSIVA
PARASSINTÉTICA
16
0 4
3 0 Artigos, substantivos
e adjetivos
Competências Habilidades
1e8 1, 2, 3, 4, 26 e 27
Geralt/Pixabay
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Artigos
O artigo é a palavra que se antepõe a um substantivo (é um marcador pré-nominal), com a função inicial de
determiná-lo, ou indeterminá-lo. São classificados em dois grupos: definidos e indefinidos.
§§ Artigos definidos: determinam o substantivo de maneira precisa. São eles: o(s), a(s).
Exemplo: Preciso que você me traga a cadeira branca.
(O artigo definido marca a necessidade de se pegar uma cadeira determinada.)
§§ Artigos indefinidos: determinam o substantivo de maneira vaga/imprecisa. São eles: um(uns), uma(s).
Exemplo: Preciso que você me traga uma cadeira branca.
(O artigo indefinido marca a necessidade de se pegar uma cadeira qualquer, indeterminada.)
Artigos
Preposições
o, os à, às * um, uns uma, umas
a ao, aos à, às * — —
de do, dos da, das dum, duns duma, dumas
em no, nos na, nas num, nuns numa, numas
por pelo, pelos pela, pelas — —
* A junção de “a” preposição + “a” artigo é o que dá origem ao fenômeno da crase, que será discutido em momento oportuno.
19
Artigo como marcador Artigo como marcador de coerência textual
de convívio/intimidade Para marcarmos coerência textual, muitas vezes
nos valemos das capacidades de determinação e inde-
A presença ou ausência do artigo pode servir como
terminação dos artigos.
algo que marca certos afetos em relação aos indivíduos.
Exemplos: Exemplo:
§§ A gerência será assumida por Gerson Soares, do §§ Um rapaz magrinho apareceu em casa ontem
almoxarifado. vendendo umas bíblias. O rapaz era bem simpá-
(A ausência de artigo indica distanciamento de tico, estava bem vestido, mas me irritou quando...
Gerson, marcando o fato de que, possivelmente, No exemplo apresentado, constatamos que
nem todos o conhecem.) quando precisamos introduzir uma informação que
§§ A gerência será assumida pelo Gerson Soares, nosso interlocutor desconhece, nos valemos primeiro
do almoxarifado. de um artigo indefinido, e depois de apresentado o
(A presença de artigo indica intimidade com Ger- substantivo (no caso, o rapaz) começamos a demarcá-
son, podendo marcar uma conversa entre pesso- -lo a partir do artigo definido. Há também outra possi-
as que conhecem o Gerson.) bilidade de organização:
Exemplos:
Artigo marcando conhecimento ou — Então, como é o sítio?
desconhecimento de substantivos — Bem, é um sítio antigo, retiramos a água do
poço, mas é bastante tranquilo...
Os artigos definido e indefinido podem marcar o
Nesse segundo exemplo, a coerência textual é
conhecimento ou o desconhecimento de certos assun-
definida quando é apresentado um substantivo defini-
tos conduzidos por substantivos.
do que nosso interlocutor conhece. Para satisfazer a de-
Exemplos: manda de explicação, o interlocutor abre sua explicação
§§ Foi localizado ontem o jovem serial-killer que marcando o substantivo com artigo indefinido.
havia fugido da cadeia.
(O artigo definido nos transmite a ideia de que
a notícia da fuga do jovem era de conhecimento
Substantivos
dos leitores; ou seja, o substantivo era conhecido.)
É a classe de palavras variável que dá nome aos
§§ Foi localizado ontem um jovem serial-killer que seres, objetos e coisas em geral.
havia fugido da cadeia.
(O artigo indefinido nos transmite a ideia de que Classificação
a fuga do jovem era novidade para os leitores;
§§ Próprios: nomeiam a totalidade dos seres de
ou seja, o substantivo era desconhecido.)
uma espécie (designação genérica) ou o indivíduo
único de determinada designação específica.
Artigo como particularizador Exemplos: Paulo; Pedro; Roma; Folha de S.Paulo.
ou generalizador
§§ Comuns: nomeiam, sem distinção, todo e
Exemplos: qualquer ser de uma espécie.
§§ Garfield é um gato. Exemplos: cadeira; porta; sala.
(O artigo indefinido marca a ideia de que §§ Concretos: nomeiam os seres de existência
Garfield é mais um entre os vários gatos no concreta, real, palpável (a pedra ou a porta, por
mundo; ou seja, generaliza o substantivo.) exemplo) e também seres dos quais já se cons-
§§ Garfield é o gato. tituiu uma imagem histórica (a bruxa ou a fada,
(O artigo definido marca a ideia de que Garfield por exemplo).
é um gato especial em relação a outros gatos; ou §§ Abstratos: nomeiam sentimentos/sensações,
seja, particulariza e destaca o substantivo.) elementos não palpáveis.
Exemplos: maldade; compaixão; beijo.
20
Flexões de substantivos Gênero
Os substantivos podem se flexionar também
Número por gênero, indicando quantidades de certos termos/
elementos. Também existe uma regra geral e algumas
Os substantivos podem se flexionar por núme- variantes a serem observadas:
ro, indicando quantidades de certos termos/elementos.
§§ Regra geral: o feminino dos substantivos é
Existe, a princípio, uma regra geral, e também algumas
formado pela substituição da desinência “-o”
variantes que são apresentadas a seguir:
(masculino) pela desinência “–a” (feminino).
§§ Regra geral: o plural dos substantivos termina- São conhecidos como substantivos biformes,
dos em vogal ou ditongo exige o acréscimo do pois possuem duas formas diferentes para de-
sufixo marcador de plural “–s”. signação de gênero.
Exemplos: cadeira > cadeiras; Exemplos: menino > menina; garoto > garota.
mãe > mães; perna > pernas. Há também substantivos biformes formados por
radicais diferentes.
§§ Substantivos terminados em ”–ão”
Exemplos: homem > mulher; cavalheiro > dama.
1. Fazem o plural em “–ãos”.
Exemplos: cidadão > cidadãos; §§ Substantivos uniformes: são aqueles que
irmão > irmãos; órgão > órgãos. apresentam uma única forma para marcação de
gênero:
2. Fazem o plural em “–ães”.
1. Epicenos: usados para nomes de animais de
Exemplos: escrivão > escrivães; um gênero só que designam ambos os sexo.
cão > cães; alemão > alemães. Exemplos: a águia; a mosca; o condor;
3. Fazem o plural em “–ões”. o gavião.
Exemplos: canção > canções;
gavião > gaviões; botão > botões. Observação
§§ Substantivos terminados em consoantes Caso haja necessidade de especificar
1. “r“, “z“ e “n“ fazem o plural em “–es“. o sexo do animal, juntam-se aos substanti-
Exemplos: mar > mares; rapaz > rapazes. vos os adjetivos macho ou fêmea:
Exemplos:
2. Substantivos oxítonos terminados em “–s“ e
gavião macho > gavião fêmea;
“–z“ fazem o plural em “–es“.
tatu macho > tatu fêmea.
Exemplos: país > países; raiz > raízes.
3. Substantivos paroxítonos terminados em “–s“
2. Comum de dois: a marcação de gênero é
são invariáveis.
feita exclusivamente pelos artigos. O substan-
Exemplos: atlas > atlas; lápis > lápis. tivo se mantém.
4. Substantivos terminados em “–al“, “–el“, “– Exemplos: o agente > a agente;
ol“ e “–ul“ substituem no plural o “–l“ por o gerente > a gerente.
“–is“. 3. Sobrecomuns: designam ambos os sexos
Exemplo: animal > animais. com forma masculina ou feminina.
Exemplos: a criança; a testemunha; a vítima.
5. Substantivos oxítonos terminados em “–il“
fazem o plural em “–s“. 4. Flexão de grau: os substantivos se flexio-
Exemplos: ardil > ardis; funil > funis. nam por grau, e marcam aumento ou dimi-
nuição:
6. Substantivos paroxítonos terminados em “–
Grau normal: homem; boca.
il“ fazem o plural em “–eis“. Grau aumentativo: homenzarrão; bocarra.
Exemplos: fóssil > fósseis. Grau diminutivo: homenzinho; boquinha.
21
Grau diminutivo / aumentativo sintéti-
co: chapeuzinho, chapelão; homúnculo, ho- Observação 1
menzarrão; boquinha, bocarra. Há uma exceção: surdo-mudo > surdos-mudos.
Grau diminutivo / aumentativo analí-
tico (junta-lhe um adjetivo que indique au- Observação 2
mento ou diminuição): boca grande; homem São invariáveis os adjetivos referentes a cores,
pequeno. se o último elemento ou ambos forem substanti-
vos: blusas vermelho-sangue; vestidos cor de rosa;
Adjetivos
blusas verde-limão.
22
para os elementos do mundo que compõem sentido, e
também de fazer com que esses sentidos sejam cons-
truídos à medida que novos substantivos apareçam no
texto. O movimento de referencialidade parte de três
pressupostos importantes:
Adjetivo e texto
Os adjetivos exercem o importante papel de con-
duzir os processos descritivos de um texto. Em termos
mais claros, os adjetivos são responsáveis por compor
sentenças que, por exemplo, caracterizem os persona-
gens de uma narrativa (suas roupas, atitudes) ou que
apresentem detalhes a respeito de uma localização
(detalhes de uma cidade, ou ambiente florestal), entre
outras caracterizações. Em textos literários brasileiros
do período romântico, por exemplo, havia a necessida-
de de se evidenciar características que valorizassem a
nação, por esse motivo encontramos obras em que há
grandes processos de adjetivação, caracterizando o am-
biente brasileiro (o livro Iracema, de José de Alencar, é
um grande exemplo).
23
INTERATIVI
A DADE
LER
2424
INTERDISCIPLINARIDADE
Canção: Esse cara (Caetano Veloso) Canção: O nome das coisas (Karnak)
A canção é composta por substantivos de diferentes naturezas.
A canção, em seu refrão, recorre às propriedades semânti-
Nomes se dão às coisas
cas do emprego dos artigos: “Ele é o homem
Nomes se dão
Eu sou apenas uma mulher”.
Nomes se dão às pessoas
Nomes se dão
ESSE CARA
Nomes se dão aos deuses na imensidão do céu
Ah! Que esse cara tem me consumido
Nomes se dão aos barquinhos na imensidão do mar
A mim e a tudo que eu quis
Nomes se dão às doenças na imensidão da dor
Com seus olhinhos infantis
Nomes se dão às crianças na imensidão do amor
Como os olhos de um bandido
You and me
Ele está na minha vida porque quer
Salame
Eu estou pra o que der e vier
Batata
Ele chega ao anoitecer
Barata
Quando vem a madrugada ele some
Bigorna
Ele é quem quer
Casa
Ele é o homem
Comida
Eu sou apenas uma mulher
Bicho
Paçoca
Tampinha de caneta
Bolinha de sabão
Rabo de galo
Circo
Pão
Conchinha de galinha
Coxinha do mar
Linha
Palito
Terra
Água
Ar
Seriema
Tatu
Merthiolate
Saci
Rocambole de laranja
Revista
Gibi
Pipoca
Margarina
25
Lentilha Nostradamus
Leitão Filarmônica
Carrinho de feira Marisa
Terremoto Biriba
Furacão Pelé
Centopeia Afrodite
Isqueiro José
Cefaleia Filho
Blefarite Veleiro
Cimento Alá
Colar Deus
Risole Salomão
Rinite Peixe
Armário Pão
Geladeira
Furadeira
Cobertor
Ladeira
Pedreira
Fogueira
Extintor
Jeton
Bazuca
Suporte
Argamassa
Fio de nylon
Lamparina
Chocolate
Queratina
Juliana
Cadarço
Picareta
Beija-flor
Convidados
Esfiha
Chupeta
Fruta-cor
Trompete
Arame
Hepatite
Fax-símile
Chocalho
Geleia
Biga
Mocreia
Apolo
26
ESTRUTURA CONCEITUAL
GRAMÁTICA
NORMATIVA
PALAVRA VARIÁVEL
CLASSE DAS QUE ESPECIFICA
O SUBSTANTIVO,
PALAVRAS CARACTERIZANDO-O
ADJETIVO
SUBSTANTIVO
ARTIGO
27
0 6
5 0 Verbos: noções preliminares e
modos indicativo e subjuntivo
Competências Habilidades
1e8 1, 2, 3, 4, 26 e 27
RyanMcGuire/Pixabay
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Verbos
Verbo é a classe de palavras que, do ponto de vista semântico (morfológico), contém as noções de ação,
processo, estado, mudança de estado e manifestação de fenômenos da natureza. É variável e suas flexões marcam:
§§ pessoa: indica o emissor, o destinatário ou o ser do qual se fala. Os pronomes pessoais do caso reto indi-
cam as pessoas do verbo – eu, tu, ele(a), nós, vós, eles(as);
§§ número: indica se o sujeito gramatical está no singular ou no plural;
§§ tempo: localiza a ação, o processo ou o estado em relação ao momento do enunciado. Os tempos verbais
são seis – pretérito mais-que-perfeito, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, futuro do pretérito, presente
e futuro (do presente);
§§ modo: indica a atitude do emissor quanto ao fato por ele enunciado, que pode ser de certeza, dúvida,
temor, desejo, ordem etc. Os modos verbais são: indicativo, subjuntivo e imperativo (afirmativo e negativo);
§§ voz: indica se o sujeito gramatical é agente, paciente ou, ao mesmo tempo, agente e paciente da ação.
Conjugações verbais
Conjugar um verbo compreende adicionar ao seu radical a vogal temática da conjugação ou classe a que
pertence mais os sufixos modo-temporal e número-pessoal que lhe são permitidos. Existem três conjugações ver-
bais na língua portuguesa:
§§ 1a conjugação: indicada pela vogal temática –a– (amar, brincar, falar);
§§ 2a conjugação: indicada pela vogal temática –e– (nascer, crescer, morrer);
§§ 3a conjugação: indicada pela vogal temática –i– (dormir, sorrir, partir).
O verbo pôr e seus derivados são considerados de 2ª conjugação por conta de um processo fonológico que
suprimiu a vogal temática –e–. Em um estágio anterior da língua portuguesa, a sua forma era poer.
Verbos irregulares
Os verbos irregulares sofrem alteração do radical e das desinências nos diferentes tempos, modos e pessoas.
§§ fazer: faço, faria, fazia;
§§ estar: estou, estive, estarei;
§§ saber: sei, soubera, saiba.
Verbos anômalos
Os verbos anômalos possuem diferentes radicais:
§§ ser: sou, é, fomos;
§§ ir: vou, fui, ia.
31
Verbos defectivos Formas nominais do verbo
Os verbos defectivos não possuem todas as formas: O infinitivo, o particípio (regular e irregular) e o ge-
§§ reaver (composto de haver, tem apenas as for- rúndio são chamados formas nominais do verbo porque
podem funcionar como nomes – substantivo, adjetivo.
mas em “v“): reavemos, reavia, reaverá;
§§ precaver: precavenho, precavenha, precavinha; §§ Infinitivo
O comer demais faz mal. (substantivo)
§§ latir: lates, late, latimos;
O viver é bom. (substantivo)
§§ colorir: colores, colore, colorimos, coloris.
§§ Gerúndio
Ela bebeu chá fervendo. (advérbio)
Observação
Fervendo, desligue. (advérbio)
Entre os verbos defectivos estão incluídos os §§ Particípio
chamados verbos impessoais, usados apenas na Problema resolvido. (adjetivo)
terceira pessoa do singular: chover, trovejar, ventar, A feira foi inaugurada. (adjetivo)
haver (existir), fazer (refere-se ao clima: faz frio; ao
O parque foi inaugurado. (adjetivo)
tempo: faz dez anos).
Locução verbal
Verbos auxiliares A locução verbal é a expressão constituída por
verbo (ou verbos auxiliares) seguido do verbo principal.
Os verbos auxiliares formam os tempos compos-
tos ou locuções verbais com os verbos principais: §§ A Europa vem sendo desgastada pela crise.
§§ ser (pago); O verbo auxiliar “vem” designa a pessoa e o nú-
mero do sujeito “Europa”, bem como o tempo verbal
§§ estar (curado);
designado pelo verbo principal “desgastada” – presen-
§§ ter (estudado);
te do indicativo. O verbo principal está na voz passiva
§§ haver (prometido). (ser desgastada).
§§ Hei de fazer algo mais legal.
Verbos abundantes Trata-se de uma locução verbal constituída pelo
auxiliar “hei” e o infinitivo impessoal “fazer”, antecedi-
Os verbos abundantes apresentam mais de uma
do da preposição “de”.
forma, especificamente de particípio:
§§ cozido e cozinhado; §§ Andam falando que tudo aquilo foi falso.
O gerúndio “falando” ou o infinitivo impessoal,
§§ morto e morrido;
precedido da preposição “a” confere à locução ideia de
§§ imprimido e impresso.
continuidade, de frequência, reiteração de ação.
32
§§ Indica processo habitual, constante, fato real, §§ Indica processo em continuidade, habitual,
verdade. constante, frequente.
Ela cumpre seus acordos. (ação habitual) Eu residia nesta casa.
§§ Indica processo ocorrido até o momento da §§ Indica processo idealizado, não realizado.
declaração. Pretendíamos ir à Bahia, mas o frio repenti-
Moro com meus colegas. no não permitiu.
§§ Em narrativas históricas (presente histórico), §§ Como manifestação de cortesia, de polidez,
em lugar do pretérito perfeito. em lugar do presente do indicativo ou do im-
Colombo chega à América e, em 1492, con- perativo.
quista o Novo Mundo. Queria só um abraço.
33
§§ Forma polida de presente para denotar um §§ Indica ação futura a ser consumada antes de
desejo. outra.
Eu precisaria namorar aquela moça. Quando o guarda chegar, já teremos fugido.
§§ Como forma polida, em vez do presente. §§ Verbo auxiliar “ter“ ou “haver“ no futuro
Mas como foi que aconteceram? E eu lhe di- do subjuntivo seguido do particípio do verbo
rei: sei lá, aconteceram: eis tudo. (Drummond) principal. Designa fato futuro como encerra-
do em relação a outro também no futuro.
§§ É frequente o emprego do futuro do presente
Só deixarei esta casa, quando ele tiver tra-
composto – futuro do presente do verbo au-
zido todos os meus pertences.
xiliar “ter“ ou “haver“ e particípio do verbo
Quando eu tiver encontrado o vestido, avi-
principal.
sarei a você.
Quando você chegar, eu já terei ido.
34
INTERATIVI
A DADE
ASSISTIR
Fonte: Youtube
35
LER E OUVIR
36
REFLETIR
Reflita sobre o emprego dos tempos verbais no poema de Manuel Bandeira. Qual relação semântica eles
estabelecem?
Epígrafe
37
Estrutura Conceitual
MORFOLOGIA
VOZES
VERBOS
MODOS
TEMPOS TEMPOS
Presente Presente
Pretérito Pretérito imperfeito
Perfeito Futuro
Imperfeito
Mais-que-perfeito
Futuro
Do presente
Do pretérito
38
0 8
7 0 Verbos: modo imperativo
e vozes verbais
Competências Habilidades
1e8 1, 2, 3 e 27
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L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Modo imperativo
O modo imperativo manifesta ordem, conselho, súplica ou exortação do emissor, e pode ser imperativo
afirmativo ou imperativo negativo.
Embora a palavra “imperativo” esteja ligada à ideia de comando, ordem, não é para comandar ou ordenar
que, na maioria das vezes, servimo-nos dele. O imperativo também é empregado para designar pedido, convite,
conselho ou súplica.
Vozes
O fato expresso pelo verbo pode ser representado em três formas, em três vozes.
Voz ativa
§§ O fato indicado pelo verbo e exercido pelo sujeito (pessoa ou coisa) recai sobre um objeto (pessoa ou coisa).
Os coletores recolhem diariamente toneladas de lixo.
Os caminhões despejam toneladas de lixo.
§§ As vozes ativa e passiva existem tão somente com verbos transitivos diretos, que necessariamente preveem
sujeito (agente da ação) e objeto (alvo da ação).
Alberto tirou boas notas.
Os pais amam seus filhos.
41
Voz passiva analítica
§§ A voz passiva dos verbos é formada pelo verbo auxiliar ser, conjugado no tempo e na pessoa desejados, se-
guido do particípio do verbo principal: A árvore foi cortada pelo lenhador./ Muitas mansões foram alugadas
em Brasília./ Muita gente ainda vai ser julgada inocente.
§§ A voz passiva analítica sempre é formada por tempos compostos – ser + verbo principal transitivo direto –,
bem como com pelos verbos auxiliares ter e haver.
Têm sido (foram) alugadas muitas mansões em Brasília.
Voz reflexiva
§§ Necessariamente formada pelos verbos pronominais – acompanhados de “me“, “te“, “se“, “nos“, “vos“,
“se“ –, cuja ação designada parte do sujeito e volta-se para ele mesmo.
Eu me feri. (O ato e o efeito do ferimento partem e voltam para o “eu”, que é o sujeito.)
Tu te feriste.
Ele se machucou.
Nós nos prejudicamos.
Eles se feriram com faca.
42
INTERATIVI
A DADE
ANALISAR
Imagens Anúncios
O imperativo é usualmente empregado no universo publicitário. Procure identificar em qual pessoa
gramatical os verbos presentes nas imagens abaixo estão empregados.
43
Estrutura Conceitual
MORFOLOGIA
VOZES
VERBOS - Ativa
- Passiva
- Reflexiva
MODOS
Afirmativo
Negativo
44
0 0
9 1 Advérbios
Competências Habilidades
1e8 1, 2, 3 e 27
terimakasih0/Pixabay
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional.
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Advérbios
Advérbio é uma classe de palavras invariável que se associa a verbos, a adjetivos ou a outros advérbios,
cada qual com intenções bastante específicas.
§§ Associa-se a verbos para indicar com maior precisão as circunstâncias da ação verbal.
Exemplo: Paula viajou ontem. (O advérbio “ontem” indica com maior precisão quando Paula viajou.)
§§ Associa-se a adjetivos para intensificar o adjetivo já apresentado.
Exemplo: Roberto ficou bastante preocupado. (O advérbio “bastante” intensifica o adjetivo preocupado.)
§§ Associa-se a advérbios para intensificar outro advérbio já apresentado.
Exemplo: O jogador do Corinthians está se recuperando muito bem. (O advérbio “muito” intensifica o
outro advérbio “bem”.)
47
Palavras denotativas que se Grau comparativo
assemelham aos advérbios Formado do mesmo modo que o comparativo do
adjetivo:
Existem algumas palavras e locuções que se
assemelham muito a advérbios, recebendo o nome §§ de igualdade:
de advérbios impróprios ou palavras com sentido tão + advérbio + quanto (como)
denotativo. Exemplo: Sara pulou tão alto quanto Patrícia.
48
§§ Advérbios extrafrásicos: são aqueles que são exteriores à frase, estão no âmbito da enunciação e, ge-
ralmente, deslocados por vírgula.
Exemplo: Ele, infelizmente, não jogou bem hoje.
Observação: os advérbios extrafrásicos funcionam como elementos de avaliação do enunciador acerca do
conteúdo enunciado.
§§ Distribuição textual de advérbios modais (mais de um advérbio terminado em “–mente”)
Quando temos uma frase que congrega mais de um advérbio terminado em “–mente”, deve-se fazer a con-
tração dos advérbios centrais (retirar o termo “–mente”) e preservar apenas o último advérbio flexionado.
Errado: Ele saiu calmamente, sorrateiramente e rapidamente.
Certo: Ele saiu calma, sorrateira e rapidamente.
49
INTERATIVI
A DADE
LER E OUVIR
REFLETIR
50
Estrutura Conceitual
Gramática Normativa
Formação de palavras
Classes de palavras
Classes Classe
invariáveis variável
51
51
Abordagem de LITERATURA nos principais vestibulares.
FUVEST
A maior parte das questões de literatura da Fuvest refere-se às obras obrigatórias. Neste caderno,
você encontrará alguns desses exercícios de anos anteriores sobre o HUMANISMO, bem como
questões sobre as estéticas medieval, clássica e barroca.
LD
ADE DE ME
D
UNESP
U
IC
FAC
INA
BO
1963
T U C AT U Como a Unesp não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste vestibular con-
templam o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes.
Neste caderno, estão presentes questões sobre TROVADORISMO, HUMANISMO, CLASSICISMO
E BARROCO.
UNICAMP
A maior parte das questões de literatura da Unicamp refere-se às obras obrigatórias. Neste caderno,
você encontra alguns desses exercícios de anos anteriores sobre o HUMANISMO e o CLASSICISMO.
UNIFESP
Como a Unifesp não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste vestibular con-
templam o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes.
Neste caderno, estão presentes questões sobre TROVADORISMO, HUMANISMO, CLASSICISMO
e BARROCO.
ENEM/UFMG/UFRJ
Como o ENEM não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste exame contemplam
o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes.
UERJ
Neste caderno, você encontrará exercícios da UERJ apenas nas aulas 1 e 2. O Vestibular da UERJ
não exige os demais conteúdos contidos neste livro.
0 2
1 0 A arte literária e
o estudo dos gêneros
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
O que é arte?
Esse é um conceito historicamente muito discutido. Um estudo de Literatura que se pretenda aprofundado
deve levar em consideração os sentidos da arte e notadamente a análise técnica dela. A palavra literatura é de
origem latina e significa “arte de escrever”. Portanto, conjugar essa relação entre arte e escrita é o primeiro passo
para dar corpo à maneira de divulgar os valores culturais que estruturam uma sociedade e uma civilização. Enten-
der os conhecimentos científicos, filosóficos, místicos e artísticos de um dado contexto é de fato conhecer o próprio
homem e compreender sua identidade.
O filósofo Aristóteles considerava que a arte era uma maneira de “imitar” (mimesis, do grego) a realidade
do homem, que, em seus vários suportes, cria essa possibilidade de fazê-lo pensar sua própria vida, autoconhecer-
-se, encontrar-se como ser humano, observar criticamente a realidade, divertir-se e sonhar.
Da Antiguidade Clássica às Idades Moderna e Contemporânea, a arte se manifesta em vários suportes –
música, pintura, literatura, dança, escultura e teatro. Funciona como elemento transformador da consciência huma-
na. O artista, esse criador, cria e recria realidades, expressa valores estéticos com beleza, harmonia e equilíbrio e
estrutura-se à luz de um contexto de circulação, de transformação, de um agente e de um público.
No decorrer dos tempos, esses conceitos foram se transformando sem perder sua lógica. Seja na perfeição
e harmonia das formas da Antiguidade Clássica (período greco-latino), seja no teocentrismo medieval, com suas
relações de vassalagem, seja no século XIX, com suas utopias românticas, seja nas vanguardas artísticas do século
XX. Emoções humanas, alegrias e angústias, ideologias, religião, luta social e cultura sempre perpassaram e fre-
quentaram os conceitos estéticos da arte e da literatura.
A Literatura é um mundo aberto ao mesmo tempo às múltiplas reflexões sobre a história do mundo, sobre
as ciências naturais, sobre as ciências sociológicas, sobre a antropologia cultural, sobre os princípios éticos, sobre
política, economia, ecologia (...)
MORIN, Edgar. Meus demônios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
O que nos leva a ir ao cinema, a um show, à biblioteca, ao museu e, principalmente, a ler um livro? A res-
posta está no reflexo da própria condição humana, no processo de identificação do homem com a arte. Essa atitude
transforma só pelo fato de estarmos refletindo, primeira condição da arte. Esse ponto de partida, independente-
mente de sua presumível qualidade, é uma forma de compreender o mundo que nos cerca.
57
É impossível não se identificar com o eu lírico, a arte, diferindo, por exemplo, de um texto informativo ou
voz do poema, ao lermos versos como este, de Manuel instrucional, o texto literário deve explorar o potencial
Bandeira: significativo e sonoro das palavras, bem como os aspec-
tos ora denotativos, em sua literalidade de dicionário,
O bicho (Manuel Bandeira) ora conotativos em que as palavras adquirem novo sen-
Vi ontem um bicho tido a fim de produzir efeito artístico.
Na imundice do pátio O poder de explorar os sentidos coloca essas
Catando comida entre os detritos. palavras em situações inusitadas, criando imagens com
as figuras de linguagem nas quais o escritor “desenha”
Quando achava alguma coisa,
para o leitor comparações que concretizam as emoções.
Não examinava nem cheirava:
Como no uso da metáfora, que aproxima dois elementos
Engolia com voracidade.
num contexto específico, transferindo de um para outro
O bicho não era um cão, suas características. Como no exemplo a seguir, de Mário
Não era um gato, Quintana, em que a “inspiração” é comparada, por metá-
Não era um rato. fora, a “um pássaro que pousa no livro que lês”.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
Comunicação e linguagem no livro que lês.
A Literatura leva em consideração o emprego de Quando fechas o livro, eles alçam voo
imagens criadas a partir das palavras. como de um alçapão.
58
O que é gênero literário? Narrados de maneira elevada e com vocabulário
grandiloquente e solene, os assuntos históricos sofrem
influência do imaginário e não se privam de recorrer à
Gênero é o modo como se veicula a mensagem
imaginação, bem como à mitologia.
literária, o padrão a ser utilizado na composição artís-
Na cena inicial da Odisseia, de Homero, é possí-
tica. Há grandes diferenças entre o conteúdo e a forma
vel identificar características primordiais do texto épico,
dos textos. Um poema não se confunde com um conto,
como o pedido de inspiração do poeta às musas para
e um romance segue padrões bastante próprios em re-
contar a história de Odisseu, que passou por terríveis
lação a uma peça de teatro, por exemplo.
provações até desfazer as muralhas de Troia:
Na Antiguidade Clássica, Aristóteles conceituou
conteúdo como elemento constitutivo da representação
Musa, reconta-me os feitos do herói astucioso
das paixões, das ações e do comportamento humano. A
que muito peregrinou, dês que esfez as muralhas sa-
forma desse conteúdo, a princípio aplicada apenas à po-
gradas de Troia; muitas cidades dos homens viajou, co-
esia, compreende três gêneros: épico, lírico e dramático.
nheceu seus costumes, como no mar padeceu sofrimen-
tos inúmeros na alma,para que a vida salvasse e a de
seus companheiros a volta.
Homero. Odisseia. Tradução de: Carlos Alberto Nunes.
5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. Coleção Universidades.
59
Epopeias clássicas ou primárias As transformações do herói
A estrutura dos poemas de Homero serviu de inspi- 1. Na Ilíada e na Odisseia, o herói é guiado pelas
ração para outros poetas, como o latino Virgílio, em Eneida divindades.
(19 a.C.), e Camões, em Os Lusíadas (1572). A Odisseia e 2. Na Eneida e em Os Lusíadas, o herói é represen-
a Ilíada, de Homero, são textos clássicos que inspiraram e tante de um povo.
sistematizaram regras e estruturas formais para os demais. 3. Em Robson Crusoé e em O conde de Monte Cris-
to, o herói é humano e individual.
O gênero lírico
Esse gênero nasceu na Grécia antiga, cujos po-
emas eram acompanhados musicalmente pela lira. É o
gênero centrado na expressão do “eu poético” ou “eu
poemático” – voz que fala no poema, não necessaria-
Eneias foge em direção à península Itálica. mente correspondente à voz do autor.
Menos grandiosos que os da epopeia, seus te-
Nesse tipo de texto, os deuses são apresentados
mas dizem respeito ao mundo interior do eu lírico, aos
como seres reais que são tomados por sentimentos hu- sentimentos, ao individualismo, às relações consigo
manos e podem tanto prejudicar como ajudar o herói, de- mesmo. Pronomes e verbos vêm normalmente na pri-
pendendo do seu estado emocional e da preponderância meira pessoa do singular e predominam as emoções,
do tema narrado. Outro aspecto importante é perceber a rimas, ritmo, sonoridade das palavras, metáforas, repeti-
preocupação do poeta em relacionar as ações do herói ções, entre outras figuras de linguagem, que trazem aos
com o povo a que pertence a fim de criar uma divulgação versos musicalidade e suavidade.
da identidade pátria. O gênero lírico é subdividido em: soneto, elegia,
ode, madrigal, écloga etc. São formas poéticas mais
Epopeias de imitação ou secundárias afeitas ao gênero lírico.
§§ Soneto – forma lírica bastante conhecida, é
Entre os anos 30 e 19 a.C., o poeta latino Virgí- composta de catorze versos, com dois quartetos
lio escreveu a Eneida, considerada a “epopeia nacional e dois tercetos.
dos romanos”. No classicismo renascentista, o portu-
guês Luís de Camões escreveu Os Lusíadas, um dos Soneto da fidelidade
mais conhecidos poemas épicos de imitação. Nele, são (Vinicius de Moraes)
60
§§ Elegia – poema em tom triste e fúnebre origi- Pouco a pouco se foram
nado na Grécia antiga. Caracterizam as digres- compondo,
sões moralizantes destinadas a ajudar ouvintes fazendo-se paisagem,
ou leitores a suportar momentos difíceis da vida, adquirindo pintas, graça voo.
como a morte de um ente querido ou de uma O gato,
personalidade pública. só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
Elegia na sombra
Fernando Pessoa (2 jun. 1935) nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
Lenta, a raça esmorece, e a alegria
É como uma memória de outrem. Passa O homem quer ser peixe e pássaro,
Um vento frio na nossa nostalgia a serpente quisera ter asas,
E a nostalgia torna-se desgraça. o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
Pesa em nós o passado e o futuro.
a mosca estuda para andorinha,
Dorme em nós o presente. E a sonhar
o poeta trata de imitar a mosca,
A alma encontra sempre o mesmo muro,
mas o gato
E encontra o mesmo muro ao despertar.
quer ser só gato
Quem nos roubou a alma? Que bruxedo e todo gato é gato
De que magia incógnita e suprema do bigode ao rabo,
Nos enche as almas de dolência e medo do pressentimento à ratazana viva,
Nesta hora inútil, apagada e extrema? da noite até os seus olhos de ouro.
Os heróis resplandecem a distância
Não há unidade
Num passado impossível de se ver
como ele,
Com os olhos da fé ou os da ância.
não tem
Lembramos névoa, sombras a esquecer.
a lua nem a flor
tal contextura:
Que crime outrora feito, que pecado é uma coisa
Nos impôs esta estéril provação só como o sol ou o topázio,
Que é indistintamente nosso fado e a elástica linha em seu contorno
Como o pressente nosso coração? firme e sutil é como
(...) a linha da proa de uma nave.
Como – longínquo sopro altivo e humano! – Os seus olhos amarelos
Essa tarde monótona e serena deixaram uma só ranhura
Em que, ao morrer, o imperador romano para jogar as moedas da noite.
Disse: Fui tudo, nada vale a pena. Oh pequeno
imperador sem orbe,
§§ Ode – poema lírico de exaltação e homenagem, conquistador sem pátria,
também originado na Grécia antiga, destina- mínimo tigre de salão, nupcial
do ao canto. Composto de estrofes e de versos sultão do céu
iguais em tom alegre, entusiástico e de louvação. das telhas eróticas,
o vento do amor
Ode do gato na intempérie
(Pablo Neruda) reclamas
quando passas
Os animais foram e pousas
imperfeitos, quatro pés delicados
compridos de rabo, tristes no solo,
de cabeça. cheirando, desconfiando
61
de todo o terrestre, A beleza é um conceito.
porque tudo E a beleza é triste.
é imundo Não é triste em si,
para o imaculado pé do gato. Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
Madrigal melancólico
(Manuel Bandeira)
62
Natureza das rimas Classificação das rimas
§§ Ricas – entre palavras de classes gramaticais §§ Monossílabos: uma sílaba.
diferentes: §§ Dissílabos: duas sílabas.
Cristina e ensina §§ Trissílabos: três sílabas.
§§ Tetrassílabos: quatro sílabas.
§§ Pobres – entre palavras de mesma classe §§ Pentassílabos: cinco sílabas ou redondilha menor.
gramatical: §§ Hexassílabos: seis sílabas.
Precisava esconder sua afeição... §§ Heptassílabos: sete sílabas ou redondilha maior.
Na Idade Média, uma imortal paixão §§ Octossílabos: com oito sílabas.
§§ Toantes – entre sons vocálicos repetidos: §§ Eneassílabos: nove sílabas.
§§ Decassílabos: dez sílabas.
hora e bola; saltava e mata
§§ Hendecassílabos: onze sílabas.
§§ Aliterantes – entre sons consonantais idênti- §§ Dodecassílabos: doze sílabas ou alexandrino.
cos ou semelhantes: §§ Verso bárbaro: mais de doze sílabas.
vozes, veladas, veludosas, vozes/
vagam nos velhos vórtices velozes
Disposição das rimas no poema
§§ Consoantes – entre sons e letras repetidos:
terra e serra; §§ Mistas – sem posição regular:
amoníaco e zodíaco; De uma, eu sei, entretanto 1,
rutilância e infância Que cheguei a estimar 2
Por ser tão desgraçada 3!
§§ Esdrúxulas – entre palavras proparoxítonas: Tive-a hospedada 3 a um canto 1
Do pequeno jardim 4;
É um flamejador, dardânico Era toda riscada 3
uma explosão de rápidas ideias, De um traço cor de mar 2
que com um mar de estranhas odisseias E um traço carmesim 4.
saem-lhe do crânio escultural, titânico!... (Alberto de Oliveira)
(Cruz e Sousa)
63
Classificação dos versos §§ Hexassílabos – seis sílabas:
E o/ ca/va/lei/ro/ pa/ssa
§§ Monossílabos – uma única sílaba: an/te a/ som/bria/ por/ta
Ru/a da/ lú/gu/bre/ des/gra/ça
tor/ta (Alphonsus de Guimarães)
Lu/a
mor/ta §§ Heptassílabos ou redondilha maior – sete
Tu/a sílabas:
por/ta
An/tes/ de a/mar,/ eu/ di/zi/a
§§ Dissílabos – duas sílabas: pa/ra/ cor/tar/ na/ ra/iz
Tu,/ on/tem es/ta/ cons/tan/te a/go/ni/a
na/ dan/ça pre/ci/so a/mar/ al/gum/ di/a
que/ can/sa a/man/do,/ se/rei/ fe/liz.
vo/a/vas (Menotti del Picchia)
64
O gênero dramático §§ Tragédia
Conta histórias cujos resultados são destrutivos e
irreversíveis. Em geral baseada em mitos e histó-
A característica e a finalidade primordiais do
rias já conhecidas do público, a tragédia preten-
gênero dramático (do grego drân: agir) é ser levado à
de causar no espectador terror, piedade, catarse,
representação, à “ação”.
enfim: “descarga de desordens emocionais ou
Compreende o gênero teatral, cuja encenação,
afetos desmedidos a partir da experiência estética
no entanto, escapa à alçada da literatura propriamente. oferecida pelo teatro, música e poesia”. Persona-
O eu poético relaciona-se com um tu/vós, segunda pes- gens lutam contra forças mais poderosas que elas,
soa do discurso, a plateia. O texto dramático pressupõe que, em princípio, são vencidas regularmente com
essa plateia, que o vivencia e tem probabilidade de fruir a morte. Sugestão: Édipo Rei, de Sófocles.
emoções mediante a representação do texto.
§§ Comédia
Enfatiza o comportamento ridículo do ser hu-
mano mediante exposição e crítica de costu-
mes sociais. Exemplos: O doente imaginário, de
Molière; A tempestade, de Shakespeare; e Lisís-
trata, de Aristófanes.
§§ Drama
A peça funde tragédia e comédia sem, no en-
tanto, que a história caminhe para resultados
irreversíveis. Em geral, trata de fatos do coti-
diano com final feliz ou não, mas com trajetória
intrigante, de difícil solução. Exemplo: Leonor de
Caracterizam o gênero dramático a ausência de Mendonça, de Gonçalves Dias; e Macário, de Ál-
narrador, o discurso direto – estrutura dialogada – e as vares de Azevedo.
rubricas – instruções que sinalizam ao diretor e aos ato-
§§ Auto
res a postura no palco, o tom de voz etc. Peça teatral curta regularmente com temática
Em vez do narrador, o texto dramático conta a religiosa e moralizante e com finalidade cate-
história pretendida mediante diálogo entre os persona- quética, que discute conceitos abstratos e sim-
gens, que estabelecem com o público uma relação direta, bólicos. Exemplo: O auto da barca do inferno, de
a fim de comprometê-lo emocionalmente com a história Gil Vicente.
contada e os personagens dela. O termo teatro deriva do
grego théatron, que significa “ver”, “contemplar”. §§ Farsa
Esse gênero subdivide-se em tragédia, comédia, Peça teatral de crítica social que apresenta per-
drama, auto e farsa. sonagens e situações caricaturadas sem preocu-
pação com o questionamento de valores.
Exemplo: A farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente.
65
O gênero narrativo §§ Apólogo
Historinha entre objetos inanimados com moral
Oriunda do gênero épico, a narrativa organiza implícita ou explícita. Um apólogo, de Macha-
do de Assis, trata da conversa entre uma agulha
uma história levando em consideração aspectos primor-
e uma linha que discutem sobre a importância
diais de sua estrutura: apresentação, desenvolvimento,
delas. Observe o último parágrafo em que está
clímax e desfecho.
implícita a moral:
Os gêneros narrativos apresentam-se como:
“Parece que a agulha não disse nada; mas um
§§ Conto alfinete, de cabeça grande e não menor experi-
Narrativa curta centrada em um único aconteci- ência, murmurou à pobre agulha:
mento. Apresenta uma ação que se encaminha – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir ca-
para uma tensão (clímax) entre personagens, minho para ela e ela é que vai gozar da vida,
delimitados num tempo e espaço reduzidos. enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze
Exemplos: Amor, de Clarice Lispector; O menino como eu, que não abro caminho para ninguém.
do boné cinzento, de Murilo Rubião; e A causa Onde me espetam, fico.
secreta, de Machado de Assis. Contei esta história a um professor de melanco-
lia, que me disse, abanando a cabeça:
§§ Novela – Também eu tenho servido de agulha a muita
Narrativa situada entre a brevidade do conto e linha ordinária!”
a longevidade do romance. Exemplos: A hora e
§§ Fábula
a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa;
Difere do apólogo, uma vez que seus persona-
e Os crimes da rua Morgue, de Edgar Allan Poe.
gens são animais. Esse gênero teve ilustres cul-
§§ Crônica tores na literatura ocidental, como Esopo, Fedro
Narrativa breve baseada na vida cotidiana, deli- e La Fontaine, cujas fábulas estão reunidas em
mitada por tempo cronológico curto, em lingua- doze livros.
gem coloquial e leve toque de humor e crítica.
Exemplos: Comédias da vida privada – 101 crô-
nicas escolhidas, de Luís Fernando Veríssimo.
§§ Romance
Narrativa longa que discorre sobre um grande con-
flito central que dá origem a outros secundários,com
preendendo vários personagens em constante
conflito psicológico, envolvidos pela trama que
caminha para um clímax. Exemplos: Grande ser-
tão: veredas, de Guimarães Rosa; São Bernardo,
de Graciliano Ramos; e O senhor dos anéis, de
J.R.R. Tolkien.
§§ Anedota
Relato de um acontecimento curioso ou engra-
çado. Como o provérbio, a anedota, além da
tradição oral, vem inserida em textos literários.
Exemplos: O asno de ouro, do escritor latino
Apuleio, é uma constelação de pequenas aven-
turas picantes.
66
INTERATIVI
A DADE
LER
tt
Livros
O que é literatura – Marisa Lajolo
Definir o que é, o que não é e o que pode ser literatura depende do
ponto de vista, do sentido que a palavra tem para cada um, da situa-
ção na qual se discute o que é literatura.
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Estrutura Conceitual
Arte Literária
68 68
0 4
3 0 Trovadorismo: a literatura
da Idade Média
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
Disponível em: <http://www.ricardocosta.com/tags/trovadorismo>
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Contexto
Todo o imaginário feudal de príncipes, princesas, reis e seus reinados são elementos fundamentais para situar
o Trovadorismo na história. Os castelos e sua nobreza, os cavaleiros e seus duelos em guerras e torneios compõem o
cenário da Idade Média, quando se desenvolve essa primeira escola literária após a queda do Império Romano.
Com a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, capital do Império Romano do Oriente, tem início
a Idade Média. Morto o imperador Carlos Magno, em 814, o poder central ficara enfraquecido e a sociedade passa-
ra a se organizar em torno de grandes propriedades de terra, com o poder centralizado na figura do senhor feudal.
A Literatura portuguesa tem início, de fato, com o Trovadorismo. Antes disso, há documentos de produções
na região e na península Ibérica, mas não de fato portuguesa.
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Religião e cultura
Cantiga da Ribeirinha (tradução)
A Igreja Católica cresceu, acumulou vastas extensões
Não há no mundo ninguém que se compare
de terra, enriqueceu e concentrou um significativo poder re- a mim em infelicidade, enquanto a minha vida
ligioso e secular. Essa herança conviveu com mudanças na continuar assim, porque morro por vós e, ai,
ordem social que tiveram expressão também significativa na minha senhora branca e de faces rosadas,
quereis que vos retrate quando vos vi sem manto.
literatura do período.
Mau dia foi esse em que me levantei,
Uma importante manifestação do poder da Igreja me- porque vos vi tão bela! [ou seja: melhor seria
dieval foi seu controle quase absoluto da produção cultural. se vos tivesse visto feia].
Como a circulação dos textos dependia da sua repro- E, minha senhora, desde aquele dia, ai,
tudo para mim foi muito mal,
dução manuscrita, quase sempre feita sob encomenda, a di-
mas vós, filha D. Paio
vulgação da cultura tornava-se ainda mais difícil, uma vez que Moniz, parece-vos muito bem que eu tenha
o número de cópias em circulação era bem pequeno. e vós uma garvaia [manto de luxo] quando
O uso do latim como língua literária, outra herança nunca recebi de vós o simples
valor de uma correia.
do longo período de dominação romana na Europa, também
contribuía para dificultar o acesso aos textos. Poemas e can-
ções eram compostos em latim por monges eruditos que va-
gavam de feudo em feudo para divulgarem suas composições. O poder feudal
A maior parte dessa produção abordava temas religiosos.
A sociedade medieval organizou-se em torno dos
grandes proprietários de terra, os senhores feudais.
Uma pequena corte passou a se reunir com esse
senhor feudal. Dela faziam parte membros da nobreza, ca-
valeiros, camponeses livres e servos. Estavam unidos por
uma relação de dependência pessoal: a vassalagem.
O servilismo dos vassalos a seu suserano e dos fiéis
a Deus deu origem ao princípio básico da literatura medie-
val: a afirmação da total subserviência de um trovador à
sua dama, em se tratando dos temas da poesia, ou de um
cavaleiro à sua donzela, no caso das novelas de cavalaria.
Cantiga da Ribeirinha
No mundo non me sei parelha,
mentre me for’ como me vay,
ca já moiro por vos e ay!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraya
quando vus eu vi em saya!
Mao dia me levantei
que vus enton non vi fea!
E, mia senhor, des aquel di’, jay!
me foi a mi muyn mal,
e vos, filha de don Paay
Moniz, e ben vus semelha
d’aver eu por vós guarvaya
pois eu, mia senhor, d’alfaya
nunca de vos ouve nem ei
valia dua correa.
(Paio Soares de Taveiros)
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Circulação e agentes do discurso As cantigas de amor do Trovadorismo desenvolvem
um mesmo tema: o sofrimento provocado pelo amor não cor-
O objetivo da maioria das manifestações artísticas respondido – a “coita de amor”. Como o princípio do amor
medievais era persuadir as pessoas a temer a Deus e sub- cortês é a idealização da dama pelo trovador, os textos não
metê-las à soberania da Igreja. Teatro, pintura, escultura manifestam a expectativa de correspondência amorosa.
e literatura e toda manifestação artística estava a serviço As cantigas satíricas passeiam por muitos temas,
dos ensinamentos religiosos e do comportamento cristão. sempre expressando um olhar crítico sobre a conduta
Nas cortes dos senhores feudais, centros de ati- de nobres, homens e mulheres, nas esferas individual e
vidade artística da Europa medieval, exibiam-se jograis: social. É bastante comum os trovadores ridicularizarem
recitadores, cantores e músicos ambulantes eram contra- um nobre que se envolve com uma serviçal ou que não
tados pelo senhor para divertir a corte. As cantigas apre- percebe a traição da esposa.
sentadas pelos jograis eram quase sempre compostas por
nobres, autodenominados trovadores, uma vez pratican- A vassalagem impressa
tes da arte de trovar. Trovador, do francês trouver, signifi-
na linguagem
ca encontrar, e refere-se ao compositor da cantiga, quem
encontra a música que se encaixa no poema. Outra característica dessa produção literária ma-
Em razão disso, enquanto nos mosteiros e nas nifesta-se na obediência a regras no uso de termos que
abadias circulavam os textos escritos em latim, nos cas- definiam a vassalagem amorosa. Empregava-se uma sé-
telos e nas cortes circulava a literatura oral, produzida rie de termos e expressões para nomear a dama: senhor,
em língua local, voltada para o deleite dos homens e mia senhor, senhor fremosa, em razão da posição que
das mulheres da nobreza com o intuito de legitimar o ela ocupava socialmente.
novo papel social assumido pelos cavaleiros. Além disso, e em razão das castas imóveis e da
sociedade organizada mediante trocas, os cidadãos não
O código do amor cortês ascendiam socialmente e não desenvolviam a intelec-
tualidade. Quase a totalidade da população era anal-
Os termos que definiam as relações feudais fabeta, o que contribuiu muito para que a literatura se
foram transpostos para as cantigas, caracterizando a vinculasse à tradição oral, unindo poesia e música.
linguagem do Trovadorismo: a mulher era a senhora, o
homem era o seu servidor. Eram muito prezadas a gene-
rosidade, a lealdade e, acima de tudo, a cortesia.
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Tipos de cantiga A linguagem usada é mais refinada, evitam-
-se os refrões e as repetições, e, por serem assim mais so-
fisticadas, chamavam-se cantigas de maestria ou mestria.
As cantigas trovadorescas são divididas em dois
Os termos usados pelo trovador para se referir
grupos: as líricas, que falam de sentimento e são subdi-
à mulher amada são sempre no masculino: mia senhor,
vididas em cantigas de amor e de amigo; e as cantigas fremosa senhor, mia don (dona).
satíricas, intencionalmente críticas e cômicas, também O trovador se queixa da indiferença da mulher
subdivididas em cantigas de escárnio e de maldizer. amada, coita amorosa.
O amor é sempre cortês, mesmo porque a dis-
Cantigas
tância social entre o amante e a amada não permitia
que houvesse atrevimentos de qualquer ordem.
Satíricas Líricas
Líricas
A poesia lírica diz respeito à lira, instrumento
musical da Antiguidade clássica que acompanhava as
canções, expressando sentimentos.
Cantiga d’amor
Cantiga de amor
Quantos an gran coita d’amor
As cantigas de amor são especialmente dedicadas eno mundo, qual hoj’ eu ei,
querrían morrer, eu o sei,
à mulher amada pelo trovador, amor esse que não era o averrian én sabor.
correspondido. Ela pertence a uma classe superior a sua. Mais mentr’ eu vos vir’, mia senhor,
Em função da imobilidade social das castas, esse amor era sempre m’eu querria viver,
proibido e dava origem à “coita”, que significa sofrimento. e atender e atender!
Pero já non posso guarir,
Os trovadores se valem de um eu lírico mas- ca já cegan os olhos meus
culino que é pobre e declara seu amor impossível, por vos, e non me val i Deus
por isso sofrido e submisso à dama. A chamada nen vos; mais por vos non mentir,
“vassalagem amorosa”. enquant’eu vos, mia senhor, vir’,
sempre m’eu querria viver,
Possui poucas repetições de versos e ausência de e atender e atender!
paralelismo por se propor mais elevada e de estrutura E tenho que fazen mal-sen
complexa em linguagem refinada, normalmente de ori- quantos d’amor coitados son
gem provençal. de querer sa morte, se non
ouveron nunca d’amor ben
O eu lírico apresentado é masculino, ou com’eu faç’. E, senhor, por én
seja, o trovador expressa seus sentimentos em relação sempre m’eu querria viver,
à mulher amada que é, invariavelmente, de classe supe- e atender e atender!
rior à do trovador. (Garcia de Guilhade)
74
De origem galega (Ibérica), ela é mais popular e
Cantiga de amor (tradução) por isso mais repetitiva, possui muitos refrões e paralelis-
mo com uma estrutura simples e um amor terreno.
Quantos o amor faz padecer
penas que tenho padecido Esta voz feminina expressa desejo pela ausência
querem morrer e não duvido do amigo (namorado ou amado) e relaciona-se com ele-
que alegremente queiram morrer. mentos da natureza para clamar seu retorno. O ambien-
Porém enquanto vos puder ver,
te campesino corrobora para construir esse sentimento
vivendo assim eu quero estar
e esperar, e esperar! que é sempre compartilhado com a mãe, as amigas e
Sei que a sofrer estou condenado damas de companhia.
e por vós cegam os olhos meus.
Além disso, em função de sua temática, elas são
Não me acudis; nem vós, nem Deus
Mas, se sabendo-me abandonado, também divididas em:
ver-vos, senhora, me for dado. §§ Alvas
vivendo assim eu quero estar Levantou-s’a velida (a bela)
e esperar, e esperar! Levantou-s’à alva;
Esses que veem tristemente e vai lavar camisas
desamparada sua paixão e no alto (no rio)
querendo morrer, loucos estão. vai-las lavar à alva (de madrugada)
Minha fortuna não é diferente; (D. Dinis)
porém eu digo constantemente:
§§ Bailias
vivendo assim eu quero estar
e esperar e esperar! E no sagrado em vigo
bailava corpo velido (uma linda moça) amor ei!
(Martim Codax)
§§ Pastorelas
Oi (ouvi) oj’eu ua pastor andar.
du (onde) cavalgava per ua ribeira,
e o pastor estava i senlheira. (sozinha)
a ascondi-me póla escuitar...
(Airas Nunes de Santiago)
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1. O eu lírico das cantigas de amigo é sempre
Cantiga de amigo feminino, canta a saudade do amado distante.
2. Há uso de repetições de palavras, de ver-
– Ai flores, ai flores do verde piño,
sos inteiros.
se sabedes novas do meu amigo?
Ai, Deus, e u é? 3. O homem amado é de classe superior à da
Ai flores, ai flores do verde ramo, mulher que canta.
se sabedes novas do meu amado? 4. O amigo/amado, a que se referem as cantigas,
Ai, Deus, e u é? deve ser entendido como amante/namorado.
Se sabedes novas do meu amigo,
5. A mulher queixa-se [à natureza] de ter perdido o
aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai, Deus, e u é? amado ou se distanciado dele.
Se sabedes novas do meu amado, 6. Geralmente tais cantigas são dialogadas.
aquel que mentiu do que mi á jurado? 7. A cantiga de amigo se vale de descrição.
Ai, Deus, e u é?
– Vós me perguntades pelo voss’ amigo?
E eu ben vos digo que é san’e vivo Satíricas
Ai, Deus, e u é?
Vós me perguntades pelo voss’ amado? As cantigas satíricas fazem críticas ao compor-
E eu ben vos digo que é viv’ e sano: tamento das pessoas em suas ações sociais, usavam
Ai, Deus, e u é?
o humor e o vocabulário chulo para denunciar alguns
E eu ben vos digo que é san’e vivo,
e será vosc’ant’o prazo saído. nobres e damas.
Ai, Deus, e u é? Além disso, a sátira se estendia a instituições
E eu ben vos digo que é viv’e sano, sociais, censurava os males da sociedade ou dos indiví-
e será vosc’ant’o prazo passado. duos, quase tudo com tom sarcástico, irônico e obsceno.
Ai, Deus, e u é?
Elas podem ser de escárnio ou de maldizer.
(Dom Dinis)
Cantigas de escárnio
Cantiga de amigo (tradução)
– Ai, flores do verde pinheiro, A principal característica da cantiga de escárnio
sabeis notícias do meu namorado? é o fato de ela ser indireta, especialmente por ser de-
Ai, Deus, onde está? clamada no ambiente palaciano. O efeito satírico que
Ai flores, ai flores, do verde ramo, caracteriza essas cantigas é obtido por meio de ironias,
Sabeis notícias do meu amado?
trocadilhos e jogos semânticos. De modo geral, ridicu-
Ai, Deus, onde está?
Sabeis notícias do meu namorado,
larizam o comportamento de nobres ou denunciam as
Aquele que mentiu sobre o que combinou comigo? mulheres que não seguem o código do amor cortês.
Ai, Deus, onde está? A sátira indireta sublima o nome da pessoa cri-
Sabeis notícias do meu amado, ticada e sempre explora os duplos sentidos e os tro-
Aquele que mentiu sobre o que jurou? cadilhos. Seus significados normalmente são implícitos,
Ai, Deus, onde está?
velados e comedidos.
Vós perguntais pelo vosso namorado?
E eu bem vos digo que está são e vivo:
Ai, Deus, onde está? §§ Escárnio (sirventes – moral)
Vós perguntais pelo vosso amado? (Airas Nunes, clérigo compostelano)
76
Nos mosteiros dos frades regrados
a demandei e disseron-m’assi: Três cancioneiros
“non busquedes vós a verdad’ aqui,
ca muitos anos havemos passados Três cancioneiros concentram boa parte da pro-
que non morou nosco, per boa fé, dução conhecida dos séculos XII, XIII e XIV: Cancioneiro
nen sabemos ond’ela agora esté da Ajuda, Cancioneiro da Biblioteca Nacional e Cancio-
e d’al havemos maiores cuidados.” neiro da Vaticana.
E en Cistel, u verdade soía Os cancioneiros são manuscritos, coletâneas de
sempre morar, disseron-me que non cantigas com características variadas e escritas por di-
morava i, havia gran sazon, versos autores. Os mais importantes são:
nen frade d’i já a non conhocia,
nen o abade outro si estar Cancioneiro da Ajuda
sol non queria que fôss’i pousar,
e anda já fora da abadia. Coleção de poesias em galego-português do fi-
nal do século XIII, influenciadas pela lírica provençal.
En Santiago seend’albergado,
en mia pousada chegaron romeus Recebe o nome de “da Ajuda” por se conservar na bi-
preguntei-os e disseron: “par Deus, blioteca do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa.
muito levade-lo caminh’ errado, É o mais antigo de todos e é também o menos
ca, se verdade quiserdes achar, completo, compreende apenas cantigas anteriores ao
outro caminho conven a buscar, reinado do “rei trovador”, D. Dinis.
ca non saben aqui d’ela mandado.
Ondas do mar de Vigo,
Se vistes meu amigo?
Cantigas de maldizer E, ai Deus, ele virá cedo?
Nas cantigas de maldizer, o trovador utiliza um Ondas do mar levado,
vocabulário agressivo para fazer uma crítica direta e cla- se vistes meu amado?
ra, identificando o nome das pessoas satirizadas. Essa lin-
E ai, Deus ele virá cedo?
Se vistes meu amigo,
guagem de baixo calão, palavrões e até vocabulário eró-
aquele por quem suspiro?
tico aconteciam, pois eram proferidas nas ruas, em praças
E, ai Deus, ele virá cedo?
públicas e feiras livres. Os significados eram explícitos e
Se vistes meu amado,
não poupavam nenhuma instituição social: atacavam o
por quem tenho muito cuidado?
clero, as freiras, os fidalgos e toda a sorte de pessoas que,
E, ai Deus, ele virá cedo?
dentro de suas classes, indiquem decadência moral.
Cancioneiro da Vaticana
As novelas de cavalaria
Compilado na Itália no século XV – encontra-se
na Biblioteca do Vaticano.
Chama-se da Vaticana porque foi encontrado na
Biblioteca do Vaticano, em Roma, onde foi preservado.
78
§§ Ciclo carolíngio ou francês: histórias sobre o – Senhor, disse o ermitão, cedo o vereis em bom
rei Carlos Magno e os 12 pares de frança. começo.
Dos três ciclos, o arturiano permanece como um Então fê-lo vestir os panos que trazia e foi assen-
dos temas literários mais explorados, sendo objeto de tá-lo no assento perigoso. E disse:
romances, poemas, filmes e óperas até hoje. – Filho, agora vejo o que muito desejei, quando
No trecho a seguir, extraído de A demanda do vejo o assento perigoso ocupado.
Santo Graal, Galaaz chega à Távola Redonda. [...]
O cavaleiro de quem Merlim e todos os profe-
Como Galaaz entrou no paço e acabou o tas falaram. O rei, assim que viu no assento perigoso o
assento perigoso. cavaleiro de quem Merlim e todos os profetas falaram
(A demanda do Santo Graal, manuscrito do século XIII)
na Grã-Bretanha, então bem soube que aquele era o
Eles [...] olharam e viram que todas as portas do cavaleiro por quem seriam acabadas as aventuras do
reino de Logres, e ficou com ele tão alegre e tão feliz
paço se fecharam e todas as janelas, mas não escureceu
que bendisse a Deus:
por isso o paço, porque entrou um tal raio de sol, que por
Deus, bendito sejas tu que te aprouve de tanto
toda a casa se estendeu. E aconteceu então uma grande
viver eu que, em minha casa, visse aquele de quem to-
maravilha, não houve quem no paço não perdesse a fala;
dos os profetas desta terra e das outras profetizaram,
e olhavam-se uns aos outros e nada podiam dizer, e não
tão longo tempo há já.
houve alguém tão ousado, que disso não ficasse espan-
[...]
tado; mas não houve quem saísse do assento, enquanto
isto durou. Aconteceu que entrou Galaaz arma-
do de loriga e brafoneiras e de elmo e de suas divisas de
veludo vermelho; e, após ele, chegou o ermitão, que lhe
rogara que o deixasse andar com ele, e trazia um manto
e uma gamacha de veludo vermelho em seu braço.
Mas tanto vos digo que não houve no paço
quem pudesse entender por onde Galaaz entrara, que
em sua vinda não abriram porta nem janela. Mas do
ermitão não vos digo, porque o viram entrar pela porta
grande. E Galaaz, assim que chegou ao meio do paço,
disse de modo que todos ouviram:
– A paz esteja convosco.
E o homem bom pôs as vestes que trazia sobre
um tapete, e foi ao rei Arthur e disse-lhe:
– Rei Arthur, eu trago o cavaleiro desejado,
aquele que vem da alta linhagem do rei Davi e de José
de Arimateia, pelo qual as maravilhas desta terra e das
outras terão fim.
E com isto que o homem bom disse, ficou o rei
muito alegre. E disse:
– Se isto é verdade, sede bem-vindo. E bem vin-
do seja o cavaleiro, porque este é o que há de dar cabo
às aventuras do santo Graal. Nunca foi feita nesta corte
tanta honra como lhe nós faremos; e quem quer que ele
seja, eu queria que lhe fosse muito bem, pois de tão alta
linhagem vem como dizeis.
79
INTERATIVI
A DADE
ASSISTIR
Após dez anos, um cavaleiro (Max Von Sydow) retorna das Cruzadas e encontra o
país devastado pela peste negra. Sua fé em Deus é sensivelmente abalada e
enquanto reflete sobre o significado da vida, a Morte (Bengt Ekerot) surge a sua
frente querendo levá-lo, pois chegou sua hora.
Balian (Orlando Bloom) é um jovem ferreiro francês, que guarda luto pela morte de
sua esposa e filho. Ele recebe a visita de Godfrey de Ibelin (Liam Neeson), seu pai,
que é também um conceituado barão do rei de Jerusalém e dedica sua vida a
manter a paz na Terra Santa.
80
ACESSAR
Sites
cantigas.fcsh.unl.pt
LER
tt
Livros
A lírica trovadoresca. Segismundo Spina
81
INTERDISCIPLINARIDADE
APLICAÇÃO NO COTIDIANO
Artes plásticas
Obras medievais
O sepultamento de Cristo (iluminura medieval) “Madonna e o Menino” de Duccio, pintor italiano do período gótico
(c.1255-1319)
82
Estrutura Conceitual
Idade Média Idade Moderna
Crescimento da
cultura cristã
Regime Feudal
83
0 6
5 0 Humanismo e Classicismo
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
© Peter Paul Rubens/Wikimedia Commons
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Humanismo
DORÉ, Gustave. Demônios confrontando Dante e Virgílio. Ilustração para o livro A divina Comédia (Inferno), de Dante Alighieri,
publicado em 1885 – Biblioteca de Artes Decorativas (Paris, França). A ilustração reflete a confiança dos humanistas.
Dante e Virgílio enfrentam os demônios por meio da razão, que os ajuda a afastar as “trevas” do pensamento vinculado à Idade Média.
Cronologia do Humanismo
Início: nomeação de Fernão Lopes, em 1418, como o cronista-mor da Torre do Tombo.
Fim: em 1527, com a chegada do poeta Sá de Miranda, da Itália, com a Medida Nova (verso decassílabo).
Contexto
O Humanismo foi um movimento artístico e in-
telectual que se estabeleceu como uma transição entre
o teocentrismo da Idade Média e o pensamento an-
tropocêntrico do Renascimento, que surgiu na Itália no
final da Idade Média (século XIV). A organização social
passou por uma reformulação, e nas áreas mais longín-
quas aos feudos medievais passaram a surgir pequenas
cidades que funcionavam de forma independente do
poder absoluto dos monarcas, eram os burgos e seus
habitantes, os burgueses.
A lógica dos humanistas era colocar em primei-
ro plano o próprio ser humano, o que os afastava do Monteriggioni - Burgo (Itália)
87
teocentrismo medieval. Muitos camponeses, atraídos Projeto literário
pelas promessas de prosperidade, transferiram-se para
os burgos, estas cidades ou vila medievais normalmente O abandono da subordinação ao Clero e o res-
muradas e associadas a um mosteiro ou castelo, onde gate dos valores clássicos fazem com que ganhe força
começaram a trabalhar como pequenos mercadores. um olhar mais racional sobre o mundo, buscando na
Em função da substituição da sociedade do es- Ciência uma explicação para os fenômenos até então
cambo e das trocas pelo surgimento do comércio e, pri- atribuídos a Deus.
mordialmente, da moeda, o homem se viu rompendo O contexto de produção é o mesmo do Trovado-
com a lógica feudal das castas imóveis. Diante da possi- rismo, mas em função do desenvolvimento intelectual
bilidade de ascensão social passaram a investir mais em vindo da ampliação cultural promovida pela burguesia,
si, num individualismo que colocava o próprio homem os textos passam a ser escritos para ser lidos e não mais
e sua busca por poder e acúmulo em primeiro plano, cantados, como seguia a tradição oral das cantigas. A
partir do início da produção de livros na Europa, sobre-
surgindo, assim, a burguesia.
tudo com a invenção da gráfica, por Johann Gutenberg,
por volta de 1450, a Literatura ganha com obras que
permitem ao escritor se valer de novos recursos técnicos
de escrita e linguagem, sem ficarem presos à oralidade
e à memória, como faziam até então. Para se ter uma
ideia, surge na Alemanha em 1455, o primeiro livro im-
presso por Gutemberg, a Bíblia.
88
Língua Portuguesa moderna ao criar uma visão de mun- nítida no que diz respeito à constituição de uma Língua
do independente das imposições do clero. Portuguesa sem tantas influências provençais e galegas,
fato esse que contribuiu para o aperfeiçoamento da lin-
guagem com técnicas como as aliterações, o jogo de
palavras, a conotação e a ambiguidade. Além disso, ex-
plorou-se o metro fixo das Redondilhas (Medida Velha).
89
§§ o vilancete: composto de um mote (motivo de
dois ou três versos) seguido de voltas ou glosas
(estrofes em que o mote é desenvolvido) de sete
versos;
§§ a cantiga: composta de um mote de quatro ou
cinco versos e de uma glosa de oito ou dez ver-
sos, com repetição total ou parcial do mote no
fim da glosa;
§§ a esparsa: composta de uma única estrofe de
oito, nove ou dez versos de seis sílabas métricas.
Exemplo de poema compilado no Cancioneiro
Geral:
Uns tempos com grande engano Acredita-se que ele tenha nascido por volta de
vivi eu mesmo comigo, 1495. Pouco se conhece de sua vida particular e acre-
agora no maior perigo
dita-se que tenha se mantido distante de exageros e
se me descobre maior dano.
modismos, mas sabe-se que ele legou à sociedade uma
Caro custa um desengano,
vasta obra teatral, com forte caráter moralizante, em
embora este não me tenha matado
quão caro que me custou! que a religião aparece como padrão e referência de
comportamento, a partir da qual se julgam as virtudes e
De mim me sou feito outro, os erros dos humanos.
entre o cuidado e cuidado Viveu a transição dos valores medievais para os re-
está um mal derramado, nascentistas, trazendo, de um lado, a crença teocêntrica na
que por mal grande me veio. providência divina e, de outro, a crítica de costumes, como
Nova dor, novo receio a audácia humanista fundindo o antigo ao moderno.
foi este que me tomou,
assim me tem, assim estou.
(Bernardim Ribeiro)
Ridendo castigat mores
A arte teatral vicentina tem caráter moralizan-
O teatro de Gil Vicente te, pois enfoca os desvios comportamentais inseridos
num contexto em que a religião católica era o padrão
O grande nome do teatro no Humanismo é Gil de comportamento. No entanto, sua crítica sempre se
Vicente, considerado o pai do teatro em Portugal. Escrita voltava para os sujeitos e não para as instituições, prin-
em 1502, sua primeira peça foi Auto da Visitação, em cipalmente as religiosas.
homenagem à rainha D. Maria pelo nascimento de seu A evidente intenção na maioria de suas obras
filho, o futuro rei D. João III. Em seus 71 anos de vida, Gil é criar o riso crítico, usando a máxima latina ridendo
Vicente se manteve em cena durante 34 anos e testemu- castigat mores, ou seja, rindo castiga-se a moral
nhou muitas modificações ocorridas em Portugal, viu, por sem fazer distinção de classe, seja rico, pobre, plebeu
exemplo, seu país sair de uma sociedade agrária e tornar- ou nobre, todos eram sua matéria-prima e recebiam a
-se uma potência naval, comercial e militar. mesma força de suas críticas.
90
O teatro vicentino coloca no centro da cena erros O velho da horta (1512)
de ricos e pobres, nobres e plebeus. O autor denuncia os
exploradores do povo, como o fidalgo, o sapateiro e o A farsa gira em torno dos amores de um velho e uma
agiota no Auto da barca do inferno; e ridiculariza os mocinha que vai até sua horta “buscar cheiros para a panela”.
velhos que se interessam por mulheres mais jovens na O velho a corteja e apaixona-se por ela. Uma
farsa O velho da horta. alcoviteira, aproveitando-se da situação, põe-se a tirar a
Um recurso muito explorado por Gil Vicente é o uso fortuna do Velho e o deixa na miséria.
de alegorias, ou seja, de representações por meio de perso- Leia um trecho:
nagens ou objetos, de ideias abstratas, geralmente relacio-
[...]
nadas aos vícios e às virtudes humanas. Assim, no Auto da
Entra a moça na horta e diz o velho: Senhora, benza-vos
barca do inferno, o agiota traz consigo uma bolsa cheia de
Deus!
moedas que representa, alegoricamente, a sua ganância.
MOÇA: Deus vos mantenha, senhor.
Outro recurso são os tipos sociais, nos quais são
VELHO: Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus.
elencadas figuras que formam um quadro da socieda-
MOÇA: Mas no chão.
de portuguesa da época, como papas, fidalgos, juízes,
VELHO: Pois damas se acharão que não são vosso sapato!
onzeneiros, alcoviteiras, prostitutas, espertalhões, tolos,
MOÇA: Ai! Como isso é tão vão, e como as lisonjas são-
mulheres ambiciosas, clérigos, frades etc.
de barato!
Afastou-se totalmente dos gêneros de grande pres-
VELHO: Que buscais vós cá, donzella, senhora, meu coração?
tígio no teatro da Antiguidade Clássica, ou seja, a tragédia e
MOÇA: Vinha ao vosso hortelão, por cheiros para a panella.
a comédia são caracterizadas por três unidades: ação, tempo
VELHO: E a isso vinde vós, meu paraíso. Minha senhora,
e lugar. Gil Vicente, ao contrário, caracteriza sua obra pela
amplitude temática, maior duração da ação cênica, maior e não a aí?
número de atores em cena e despreocupação com grande MOÇA: Vistes vós! Segundo isso, nenhum velho não
cenário para que possa justapor espaços com mais facilida- tem siso natural.
de. Além disso, misturava no registro de fala tanto o erudito VELHO: Ó meus olhinhos garridos, minha rosa, meu arminho!
como o popular, o dito “elevado” com o “baixo”. MOÇA: Onde he vosso ratinho? Não tem os cheiros colhidos?
As obras de Gil Vicente costumam ser divididas VELHO: Tão depressa vinde vós, minha condensa, meu
em três tipos: amor, meu coração!
MOÇA: Jesus! Jesus! Que cousa he essa? E que prá-
§§ Autos pastoris (éclogas): gênero a que per-
tica tão avessa da razão! Falai, falai doutra maneira!
tencem algumas das primeiras obras do autor.
Mandai-me dar a hortaliça.
Algumas dessas peças têm caráter religioso,
VELHO: Grão fogo de amor me atiça, ó minha alma ver-
como o auto pastoril português;
dadeira!
§§ Autos de moralidade: gênero em que Gil Vi- MOÇA: E essa tosse? Amores de sobreposse serão os da
cente se celebrizou. Suas peças mais conhecidas vossa idade; o tempo vos tirou a posse.
são os da trilogia das barcas (Auto da barca do VELHO: Mais amo que se moço fosse com a metade.
inferno, Auto da barca do purgatório e Auto da MOÇA: E qual será a desastrada que atende vosso amor?
barca da glória) e o Auto da alma. VELHO: Ó minha alma e minha dor, quem vos tivesse fur-
§§ Farsas: peças de caráter crítico, utilizam como tada!
personagens tipos populares e desenvolvem-se em MOÇA: Que prazer! Quem vos isso ouvir dizer cuidará
torno de problemas da sociedade. As mais popu- que estais vós vivo, ou que estais para viver!
lares são a Farsa de Inês Pereira, história de uma VELHO: Vivo não no quero ser, mas cativo!
jovem que vê no casamento a sua chance de as- [...]
censão social, e O velho da horta, que ridiculariza a
paixão de um velho casado por uma jovem virgem.
91
A farsa de Inês Pereira (1523) a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa ter-
mina com o marido (cantado por ela como cuco, gamo
A farsa de Inês Pereira é considerada a mais com- e cervo, tradicionalmente concebidos como símbolos
plexa peça de Gil Vicente. Ao apresentá-la, o teatrólogo do homem traído) levando-a às costas (asno que me
português diz: carregue) até a gruta em que vive o ermitão, para um
encontro nada ingênuo.
A seguinte farsa de folgar foi re- Leia um trecho:
presentada ao muito alto e mui poderoso INÊS PEREIRA: Quien con veros pena y muere
rei D. João, o terceiro do nome em Por-
qué hará cuando no os viere? 1
tugal, no seu Convento de Tomar, na era
FALADO: Renego deste lavrar e do primeiro que
do Senhor 1523. O seu argumento é que,
porquanto duvidavam certos homens de
o usou 2 ao diabo que o eu dou que tam mau é d’aturar.
bom saber, se o Autor fazia de si mesmo Oh, Jesus! Que enfadamento, e que raiva, e que
estas obras, ou se as furtava de outros tormento, que cegueira, e que canseira! 3 Eu hei-de bus-
autores, lhe deram este tema sobre que car maneira d’algum outro aviamento 4.
fizesse: é um exemplo comum que dizem: Coitada, assi hei-de estar encerrada nesta casa
Mais vale asno que me leve como panela sem asa que sempre está num lugar?
que cavalo que me derrube. E assi hão-de ser logrados 5 dou dias amargura-
E sobre este motivo se fez esta farsa. dos, que eu possa estar cativa 6 em poder de desfiados?
7
A obra pode ser dividida em cinco partes: a pri-
Antes o darei ao Diabo que lavrar mais nem pon-
meira é um retrato da rotina na qual se insere a pro-
tada; já tenho a vida cansada de jazer sempre dum
8
tagonista; a segunda reflete a situação da mulher na
cabo. 9
sociedade da época, cujos registros são dados pela mãe
Todas folgam e eu não, todas vêm e todas vão
de Inês, pela própria Inês e por Lianor Vaz; a terceira
onde querem, senão eu. Hui! E que pecado é o meu, Oh
mostra o comércio casamenteiro, representado pelos ju-
que dor de coração!
deus comerciantes e pelo arranjo matrimonial-mercantil
Esta vida é mais que morta. Sou eu coruja ou
de Inês com Brás da Mata; a quarta considera o ca-
corujo, ou sou algum caramujo,10 que não sai senão à
samento, o despertar para a realidade, contrapondo-a
porta? E quando me dão algum dia licença, como a bu-
ao sonho que embalava as fantasias da protagonista
gia,11 que possa estar à janela é já mais que a Madane-
e; finalmente, a quinta parte reflete a realidade brutal
da qual Inês, experiente e vivida, procura tirar proveito la 12 quando achou a aleluia.
1. Quem, vendo-vos, sofre e morre que fará se vos não vir?
próprio. A peça apresenta uma situação concreta, com 2. Amaldiçoado seja o trabalho doméstico e quem o inventou.
uma personagem bem delineada psicologicamente e 3. Que trabalho cansativo e sem propósito.
4. Aviamento: solução.
um fio condutor melhor configurado que as produções 5. Lograr: desfrutar, aproveitar.
anteriores de Gil Vicente. 6. Ao afirmar que desfruta (aproveita) os dias presa em casa,
sempre bordando e costurando, Inês ironiza a vida enfadonha a
O enredo é simples: uma jovem sonhadora pro- que está submetida.
7. Desfiados: tecidos para bordar e costurar.
cura, por meio do casamento com um homem que sai-
8. Que vá tudo ao Diabo, não darei nem mais um ponto no
ba tanger viola, fugir à rotina doméstica. Despreza a bordado.
9. Estou cansada de estar sempre cativa, condenada às mesmas
proposta de Pero Marques, filho de um camponês rico, e repetitivas tarefas, como as panelas que estão sempre depen-
homem tolo e ingênuo, e aceita se casar com Brás da duradas em uma mesma posição.
10. Ao comparar-se à coruja e ao caramujo, Inês ressalta,
Mata, escudeiro pelintra e pobretão. No entanto, os so- respectivamente, os seguintes lamentos: não participa da vida
nhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido social e é prisioneira da própria casa.
11. Bugia: macaca.
revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e 12. Madanela: Madalena, personagem bíblica.
explorando-a. Brás da Mata vai para a África e lá vem
a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma
consciência da realidade e aceita se casar com Pero
Marques, seu primeiro pretendente. Depressa também
92
Auto da barca do inferno (1514) que enganara seiscentos homens, dizendo que tais me-
ninas eram virgens. Brísida Vaz tenta convencer o anjo
O Auto da barca do inferno representa o juízo a levá-la na barca do céu inutilmente. Ela é condenada
final católico de forma satírica e com forte apelo moral. por prostituição e feitiçaria.
O cenário é uma espécie de porto, onde se encontram A seguir, é a vez do judeu, que chega acom-
duas barcas: uma com destino para o inferno, coman- panhado por um bode. Encaminha-se direto ao diabo,
dada pelo diabo, e a outra, com destino para o paraíso, pedindo para embarcar, mas até o diabo recusa-se a
comandada por um anjo. Ambos os comandantes aguar- levá-lo. Ele tenta subornar o diabo, porém este, com
dam os mortos, que são as almas que seguirão para o a desculpa de não transportar bodes, o aconselha a
paraíso ou para o inferno. procurar outra barca. O judeu fala, então, com o anjo,
Os mortos começam a chegar e um fidalgo é o porém não consegue aproximar-se dele: é impedido,
primeiro. Ele representa a nobreza, e é condenado ao acusado de não aceitar o cristianismo. Por fim, o diabo
inferno por seus pecados, tirania e luxúria. O diabo or- aceita levar o judeu e seu bode, mas não dentro de sua
dena ao fidalgo que embarque. Este, arrogante, julga-se barca, e, sim, rebocados.
Durante o reinado de Dom Manuel, de 1495-
merecedor do paraíso, pois deixou muita gente rezando
1521, muitos judeus foram expulsos de Portugal, e os
por ele. Recusado pelo anjo, encaminha-se, frustrado,
que ficaram tiveram que se converter ao cristianismo,
para a barca do inferno; mas tenta convencer o diabo a
sendo perseguidos e chamados de “cristãos novos”. Ou
deixá-lo rever sua amada, pois esta “sente muito” sua
seja, Gil Vicente segue, nessa obra, o espírito da época.
falta. O diabo destrói seu argumento, afirmando que ela
O corregedor e o procurador, representantes do
o estava enganando.
judiciário, chegam, a seguir, trazendo livros e processos.
Um agiota chega a seguir e é condenado ao in-
Quando convidados pelo diabo a embarcarem, come-
ferno por ganância e avareza. Tenta convencer o anjo a
çam a tecer suas defesas e encaminham-se ao anjo.
ir para o céu pedindo ao diabo que o deixe voltar para
Na barca do céu, o anjo os impede de entrar: são con-
pegar a riqueza que acumulou, mas é impedido e acaba
denados à barca do inferno por manipularem a justiça
na barca do inferno.
em benefício próprio. Ambos farão companhia à Brísida
O terceiro indivíduo a chegar é o parvo (um tolo,
Vaz, revelando certa familiaridade com a cafetina – o
ingênuo). O diabo tenta convencê-lo a entrar na barca
que nos faz crer ter havido trocas de serviços entre eles.
do inferno; quando o parvo descobre qual é o destino
O próximo a chegar é o enforcado, que acredita
dela, vai falar com o anjo. Este, agraciando-o por sua
ter perdão para seus pecados, pois em vida foi julgado e
humildade, permite-lhe entrar na barca do céu.
enforcado. Mas também é condenado a ir para o inferno
A alma seguinte é a de um sapateiro, com todos
por corrupção.
os seus instrumentos de trabalho. Durante sua vida en-
Por fim, chegam à barca quatro cavaleiros que
ganou muitas pessoas, e tenta enganar também o dia-
lutaram e morreram defendendo o cristianismo. Estes
bo. Como não consegue, recorre ao anjo, que o condena
são recebidos pelo anjo e perdoados imediatamente.
como alguém que roubou do povo.
O frade é o quinto a chegar cantarolando com O bem e o mal
sua amante. Sente-se ofendido quando o diabo o con-
vida a entrar na barca do inferno, pois, sendo represen- Todos os personagens que têm como destino o
tante religioso, crê que teria perdão. Foi, porém, conde- inferno chegam trazendo consigo objetos terrenos, re-
nado ao inferno por falso moralismo religioso. presentando seu apego à vida; por isso, tentam voltar.
Brísida Vaz, feiticeira e alcoviteira, é recebida Os personagens a quem se oferece o céu são cristãos e
pelo diabo, que lhe diz que seu o maior bem são “seis- puros. O mundo aqui ironizado é maniqueísta: o bem e
centos virgos postiços”. Virgo é hímen, representa a o mal, o bom e o ruim são metades de um mundo moral
virgindade. Compreendemos que essa mulher prostituiu simplificado. O Auto da barca do inferno faz parte de
muitas meninas virgens, e “postiço” nos faz acreditar uma trilogia (Autos da barca da glória, do inferno e do
93
purgatório). Escrito em versos de sete sílabas poéticas,
possui apenas um ato, dividido em várias cenas. A lin-
Classicismo
guagem entre os personagens é coloquial – e é através
das falas que podemos classificar a condição social de
cada um dos personagens.
Leia um trecho:
94
emancipar do velho sistema feudal. A certeza de que o Na escultura, o que mais chama a atenção é a
ser humano é uma força racional, capaz de dominar e busca pela representação ideal do homem, normalmen-
de transformar o Universo, levou o europeu a uma iden- te retratado nu a fim de exaltar as formas humanas.
tificação com a cultura clássica, que valorizava a vida A arquitetura também teve influência dos traços
terrena. O mundo, as pessoas e a vida passaram a ser clássicos, retratando a figura humana e o conceito de
vistos sob o prisma da razão. beleza dos templos construídos de maneira harmônica,
normalmente coberta por uma cúpula.
Entre os artistas mais importantes da arte renas-
centista estão Leonardo da Vinci (1452-1519), Miche-
langelo (1475-1564) e Rafael Sanzio (1483-1520).
O palco
A Itália foi onde essa tendência renascentista
apareceu com mais intensidade, sendo o palco deste
retorno ao mundo da Antiguidade Clássica, ou seja, fez
Monalisa, de Leonardo da Vinci. Museu do Louvre, Paris, França.
renascer os ideais de valorização dos gregos e latinos,
desde meados do século XIII, dos esforços individuais,
da perfeição, da superioridade humana e da razão como
parâmetro de observação e interpretação da realidade.
Pietà, de Michelangelo.
Literatura
Pintura, escultura e arquitetura
O poeta Dante Alighieri, autor da Divina comé-
Na pintura, um dos principais traços do Renasci- dia, introduziu o verso decassílabo – chamado de “a
mento foi a noção de perspectiva e a tematização de ele- medida nova”, em contraponto à redondilha, conside-
mentos da Antiguidade Clássica, bem como a humaniza- rada como “medida velha”. O poeta Francesco Petrarca,
ção do tema sacro. A técnica era levada em conta acima de criador do soneto, influenciou vários poetas europeus,
tudo, o sombreado realçava a ideia de volume dos corpos. entre o quais o inglês William Shakespeare e os portu-
Também teve início a utilização da tela e a tinta a óleo. gueses Luís Vaz de Camões e Sá de Miranda.
95
Leia um soneto de Francesco Petrarca: O marco de seu início se dá em 1527, quando o
poeta Sá de Miranda retorna de sua incursão pela Itália
Se a minha vida do áspero tormento
renascentista e introduz em Portugal novas formas de
E tanto afã puder se defender,
composição. Ele trouxe a postura amorosa, o soneto e,
Que por força da idade eu chegue a ver
principalmente, a forma fixa do verso decassílabo cha-
Da luz do vosso olhar o embaciamento,
mado de Medida Nova, o Dolce Stil Nuovo (o doce estilo
E o áureo cabelo se tornar de argento,
novo) criado pelo escritor italiano Francesco Petrarca.
E os verdes véus e adornos desprender,
E o rosto, que eu adoro, empalecer,
Que em lamentar me faz medroso e lento, Tendências fundamentais
E tanta audácia há de me dar o Amor, §§ Criação e imitação
Que vos direi dos martírios que guardo, Retomado do princípio aristotélico da mimese,
Dos anos, dias, horas o amargor. ou seja, da reprodução os comportamentos hu-
Se o tempo é contra este querer em que ardo, manos por intermédio da arte.
Que não o seja tal que à minha dor §§ Racionalismo
Negue o socorro de um suspiro tardo.
O desenvolvimento de um raciocínio completo
sobre os temas abordados, inclusive o amor. Na
Sá de Miranda poesia, essa tentativa de conciliar razão e emo-
ção se apresentou por meio de uma figura de
Em Portugal, considera-se como marco inicial do linguagem chamada “paradoxo”.
Classicismo o ano de 1527, data em que o poeta Sá de
§§ Humanismo e ideal de beleza
Miranda regressou da Itália, de onde trouxe as inova-
Recriação da natureza humana por meio de um
ções literárias do Renascimento italiano, introduzindo-
ideal de beleza, proporção, harmonia e simetria.
-as em Portugal. O encerramento desse primeiro perío-
do clássico ocorre em 1580, ano da morte de Camões e §§ Universalismo
do domínio espanhol sobre Portugal. A busca por novos territórios, expansão marítima.
Além do Classicismo, há dois outros períodos O homem quer se colocar acima da natureza e,
automaticamente, acima de Deus. O planeta Ter-
clássicos: o Barroco, momento em que Portugal é do-
ra passa a ser um espaço de dominação humana.
minado e governado pela Espanha, e o Arcadismo,
que avança até a segunda década do século XIX.
Características do Classicismo
O Classicismo queria recuperar a “classe” dos au-
tores antigos a partir do cultivo dos valores greco-latinos,
inclusive da mitologia pagã, própria dos antigos. Isso
levou os poetas renascentistas a recorrer às entidades
mitológicas para pedir inspiração, simbolizar emoções,
exemplificar comportamentos. Pastores, deuses, deusas
e ninfas estão presentes nas obras de arte e na literatura
renascentista de forma natural, convivendo até mesmo
com tradições cristãs, herdadas da época medieval.
É hora de o ser humano se orgulhar de suas con-
quistas terrenas. O homem descobre que a Terra é redon-
da e passa ter um olhar universalista sobre a realidade.
96
INTERATIVI
A DADE
ASSISTIR
97
LER
tt
Livros
Lírica – Luís de Camões – Massaud Moisés
Considerado o maior poeta lírico português de todos os tempos, sua
poesia lírica é marcada por uma dualidade: ora revela textos de nítida
herança tradicional portuguesa, ora sua poesia se enquadra na medida
nova renascentista.
98
ARTES PLÁSTICAS
Obras renascentistas
Morte de Inês ou Drama de Inês de Castro, de Columbano Bordalo Pinheiro, século XIX
99
Estrutura Conceitual
Idade Média Idade Moderna
100
100
0 8
7 0 Classicismo:
Camões épico e lírico
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
© José Veloso Salgado
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Luis Vaz de Camões
Camões teria nascido em 1524 ou 1525, provavelmente na cida-
de de Lisboa (talvez Coimbra ou Santarém), descendente de uma família
da pequena nobreza. Estudou numa das mais conceituadas instituições de
Portugal, a Universidade de Coimbra. Em sua juventude, tornou-se um leitor
voraz de Homero, Virgílio, Ovídio e Petrarca. Lutando contra os mouros em
1549, acabou por perder a o olho direito.
Sua biografia é um tanto quanto nebulosa e cheia de confusões.
Em 1552, foi preso por ter brigado com Gonçalo Jorge, que era oficial
da corte, e sai perdoado da cadeia conquanto servisse militarmente Por-
tugal na Índia. Em 1556 é nomeado “provedor-mor dos bens de defun-
tos ausentes” em Macau, então colônia de Portugal. Durante os nove
anos que passou na cadeia, começou a escrever Os Lusíadas. Acusado
de desviar bens enquanto provedor-mor, vai para Goa a fim de se defen-
der das acusações. Na viagem, seu navio naufraga na foz do Rio Mekong
(Indochina) e diz a lenda que ele se salvou e deixou sua companheira chinesa, Dinamene, morrer afogada, com a
desculpa de salvar o manuscrito de Os Lusíadas, que já estava em sua fase final. Viveu na miséria, foi preso outra
vez, agora em Moçambique, por causa de dívidas, e voltou a Lisboa no ano de 1569 com a ajuda de amigos.
Em 1572 publica Os Lusíadas, sua obra prima, e recebe uma pensão anual de 15 mil réis oferecida por Dom
Sebastião. Morre pobre em 10 de junho de 1580. Curiosamente, o herói da poesia portuguesa expira com o início
do declínio do poderio imperial de Portugal, mesmo ano da União da Península Ibérica, quando o país fica sob o
domínio da coroa espanhola.
Em 1595 é publicada a obra Rimas, com uma compilação de sua obra lírica, de versos redondilhos elabora-
dos à maneira medieval, e também seus sonetos decassílabos de influência petrarquiana.
Leia o poema que Camões escreveu por ocasião da morte de Dinamene:
103
Camões épico
Engenho e arte
A obra épica Os Lusíadas, publicada no reinado
de Dom Sebastião em 1572, é a mais importante epo-
peia em língua portuguesa, teve como modelos estru-
turais as epopeias da Antiguidade: a Ilíada e a Odisseia,
do poeta grego Homero, e a Eneida, do poeta latino
Virgílio. Entretanto, Camões introduziu uma novidade,
pois, em Os Lusíadas, o herói é coletivo, ou seja, é
o povo português; ao contrário do que ocorre nas epo-
peias modelares, em que um relevante herói individual
se sobressai (a exemplo de Aquiles, Ulisses e Eneias).
Essa modalidade de escrita passou a ser chamada de
epopeia secundária.
Na narrativa épica camoniana, o herói, Vasco da Estátua de Luís de Camões, na praça Luís de Camões, Bairro Alto, Lisboa;
Gama, comandante da expedição que buscou o cami- ao fundo o edifício onde se localiza o Consulado do Brasil em Lisboa
Disponível em:<https://commons.wikimedia.org/wiki/
nho marítimo para as Índias, tem seu espaço compar- File:Camoes_2.jpg.
tilhado com os portugueses, o povo heroico português, Acessado em: Dez.2015
104
2. Invocação (canto I, estrofes 4 e 5) Por fim, A ilha dos amores (canto IX), com o ero-
O poeta invoca as Tágides, ninfas do rio Tejo, pedin- tismo de seus símbolos, conclamando os portu-
do a elas para inspirá-lo na composição da obra. gueses a contemplarem a “Máquina do Mundo”.
E vós, Tágides minhas, pois criado 5. Epílogo
Tendes em mim um novo engenho ardente,
É a conclusão do poema (estrofes 145 a 156 do
Dai-me agora um som alto e sublimado, canto X), em que o poeta demonstra cansaço e,
Um estilo grandíloquo e corrente,
em tom melancólico e pessimista, aconselha ao
3. Dedicatória ou oferecimento rei e ao povo português que sejam fiéis à pátria
(canto I, estrofes 6 a 18) e ao cristianismo.
106
– “Ó Potestade (disse) sublimada: Episódio “A Ilha dos Amores”
Que ameaço divino ou que segredo (canto IX, estrofes 68 a 95)
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?”
[...]
Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo As Nereidas (Ninfas) da Ilha dos Amores
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo. Nos cantos de VI a IX, os portugueses chegam
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso, a Calicute, na Índia, e têm problemas com os mouros.
Que pareceu sair do mar profundo.
Preparam-se, então, para voltar para Portugal, mas, de-
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
vido a seus esforços e à sua coragem, são premiados
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
por Vênus, que lhes oferece uma passagem pela Ilha
E disse: – “Ó gente ousada, mais que quantas dos Amores, onde podem livremente amar as ninfas, li-
No mundo cometeram grandes cousas, deradas por Tétis. Além disso, a Ilha dos Amores celebra
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, a virilidade dos argonautas portugueses com o erotismo
E por trabalhos vãos nunca repousas, de seus símbolos levando-os a refletir sobre a “Máqui-
Pois os vedados términos quebrantas na do Mundo”. Todo o fervor religioso em defesa dos
E navegar meus longos mares ousas, portugueses que tentavam impor aos infiéis mouros sua
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
fé cristã não impediu a utilização do erotismo no episó-
Nunca arados de estranho ou próprio lenho;
dio que foi beneficiado por uma deusa pagã, a Venus,
[...] que durante todo o poema protege os portugueses, em
– “Eu sou aquele oculto e grande Cabo contraposição a Baco (o Dionísio dos gregos), que tinha
A quem chamais vós outros Tormentório, tudo para ser favorável a essa situação, por ser o deus
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, do vinho, mas que, na obra, é constituído como inimigo
Plínio, e quantos passaram, fui notório. dos portugueses, uma vez que seu desregramento e re-
Aqui toda a Africana costa acabo presentação por chifres e rabo o aproximava da imagem
Neste meu nunca visto Promontório, do diabo utilizada pela Igreja Católica.
Que para o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende. Oh, que famintos beijos na floresta!
cinco sóis = cinco dias; esquálida = suja, desalinhada; E que mimoso choro que soava
colosso = uma das setes maravilhas do mundo, a está-
tua do deus Apolo, em Rodes, na Grécia; Tormentório = Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Cabo das Tormentas; Ptolomeu = astrônomo grego; Pom-
pónio = geógrafo romano; Estrabo = geógrafo grego. Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manha e na sesta,
Que Vênus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
A Ilha dos Amores, na visão de Jorge Golaço.
107
Camões lírico Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
“Tu, só tu, puro amor” é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
A obra lírica de Camões compreende poemas é um andar solitário entre a gente;
feitos na medida velha e na medida nova. A medida é nunca contentar-se de contente;
velha obedece à poesia de tradição popular, na forma é um cuidar que ganha em se perder.
e no conteúdo. São exploradas as redondilhas, de cinco É querer estar preso por vontade;
ou de sete sílabas (menor ou maior, respectivamente). é servir a quem vence, o vencedor;
Quanto à medida nova, os poemas em medida é ter com quem nos mata, lealdade.
nova são relacionados à tradição clássica: sonetos, éclo- Mas como causar pode seu favor
gas, elegias, oitavas, sextinas. Quanto ao conteúdo, a nos corações humanos amizade,
poesia lírica clássica se relaciona com o petrarquismo. se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Francesco Petrarca foi o responsável por fixar a forma Amor é fogo que arde sem se ver.
do soneto, no século XIV; o conteúdo de sua poesia In: CAMÕES, Luís Vaz de. Lírica. São Paulo: Cultrix, 1976.
delineia um lirismo amoroso platônico, relacionado in- Dessa forma, o amor que uma pessoa sente por
dissoluvelmente a uma mulher inacessível, Laura, a que outra não passa de uma manifestação particular e im-
dedicou perto de 360 sonetos, no seu Cancioneiro. perfeita de algo superior, universal e perfeito: o Amor-
-ideal, grafado com A maiúsculo.
A lírica amorosa É dessa concepção que advém o amor neopla-
tônico dos humanistas e renascentistas: quanto mais o
O tema amoroso é explorado na lírica camonia- amor por uma pessoa estiver desvinculado de prazeres
na sob dupla perspectiva. Com frequência, aparece o físico-sensoriais e se aproximar do amor-ideal, maior e
mais puro será. É o que se observa nas 1a e 2a estrofes
amor sensual, próprio da sensualidade renascentista,
do soneto de Camões:
inspirada no paganismo da cultura greco-latina. Predo-
mina, porém, o amor neoplatônico, espécie de exten- Transforma-se o amador na cousa amada,
são e aprofundamento da tradição da poesia medieval por virtude do muito imaginar;
portuguesa ou da poesia humanista italiana, em que não tenho, logo, mais que desejar,
o amor e a mulher se configuram como idealizados e pois em mim tenho a parte desejada.
inacessíveis. Se nela está minha alma transformada,
Na poesia lírica camoniana, tal qual no modelo que mais deseja o corpo de alcançar?
legado por Petrarca, o amor é um sentimento que eleva o Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está ligada.
homem, tornando-o capaz de atingir o Bem, a Beleza e a
Verdade, de acordo com a filosofia platônica. Para Platão, Mas esta linda e pura semideia,
a realidade se divide em “mundo dos sentidos” e “mundo que, como um acidente em seu sujeito,
assim como a alma minha se conforma,
das ideias”. No mundo sensorial, nada é perene; no mun-
do das ideias, tudo é eterno, imutável. O amor ideal, de está no pensamento como ideia:
acordo com Platão, é um sentido essencialmente puro e [E] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.
desprovido de paixões, ao passo que estas são essencial-
(Lírica, cit., p.109)
mente cegas, materiais, efêmeras e falsas.
Em Camões, percebe-se o conflito entre o sen- Nessas estrofes iniciais do poema, a realização
timento espiritual, idealizado, e o sentimento de ma- amorosa se dá por meio de imaginação. Não é preciso
nifestação carnal. O amor é, dessa forma, complexo, ter a pessoa amada fisicamente, basta tê-la em pen-
samento. Tendo-a, em si, na imaginação, o eu lírico se
contraditório. Esse duplo enfoque do amor é bastante
transforma na pessoa amada, confunde-se com ela e,
acentuado no soneto Amor é fogo que arde sem se ver.
dessa forma, já a tem.
108
Observe, porém, que, nas duas últimas estrofes, o
A mutabilidade e o mundo
poeta abandona o neoplatonismo e, com uma compara-
ção, manifesta seu desejo físico pela mulher amada: do desconcertante
mesmo modo que toda matéria busca uma forma, o seu
amor puro, amor-ideia, busca o objeto desse amor, ou A perfeição do mundo das ideias é contrastada por
seja, a mulher real. Camões com as imperfeições do mundo terreno. Em sua obra
Esses sentimentos contraditórios, bem como certo lírica, nota-se que a vida humana está condicionada a essas
pessimismo existencial que marca a poesia lírica de Ca- imperfeições, enquanto o espírito busca outros horizontes.
mões, fogem ao espírito harmonioso e racional do Renas-
Desse contraponto, resulta uma visão pessimista da vida, que
cimento e prenunciam o movimento literário do século
brota dos problemas existenciais do próprio poeta, de suas
XVII: o Barroco. Esse período de transição entre Renasci-
frustrações e atribuições.
mento e o Barroco é chamado, nas artes plásticas, de Ma-
neirismo; por isso, alguns críticos consideram como traços Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
maneiristas certas características da lírica de Camões. Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Um amor para sempre Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
O soneto Sete anos de pastor Jacó servia, é uma Diferentes em tudo da esperança;
amostra marcante do amor platônico, que tem duração Do mal ficam as mágoas na lembrança,
idealizada, independentemente de realização física. E do bem, se algum houve, as saudades.
Esse poema de Camões narra o episódio bíblico em que
O tempo cobre o chão de verde manto,
Jacó trabalha para Labão, visando casar-se com sua fi-
Que já coberto foi de neve fria,
lha Raquel, mas acaba recebendo a irmã dela, Lia.
E em mim converte em choro o doce canto.
Sete anos de pastor Jacob servia E, afora este mudar-se cada dia,
Labão, pai de Raquel, serrana bela; Outra mudança faz de mor espanto:
Mas não servia ao pai, servia a ela, Que não se muda já como soía.
E a ela só por prêmio pretendia.
CAMÕES, Luís Vaz de. 200 Sonetos. Porto Alegre: L&PM. 1998.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
109
INTERATIVI
A DADE
ASSISTIR
110
LER
tt
Livros
Lírica – Luís de Camões – Massaud Moisés
Considerado o maior poeta lírico português de todos os tempos, sua
poesia lírica é marcada por uma dualidade: ora revela textos de nítida
herança tradicional portuguesa, ora sua poesia se enquadra na medida
nova renascentista.
111
INTERDISCIPLINARIDADE
Artes plásticas
Os Portugueses e as Ninfas na Ilha dos Amores (ilustração do episódio do Canto IX de Os Lusíadas de Camões, de Bordalo Pinheiro, século XIX.
Nos ombros de um Tritão ... vai Dione, composição alusiva ao Canto II (est. XXI) de
Os Lusíadas de Camões, figurando Dione e um grupo de ninfas num mar revolto,
perto do casco de uma caravela de Bordalo Pinheiro, século XIX.
112
Estrutura Conceitual
Idade Média Idade Moderna
Camões Camões
Épico Lírico
113
0 0
9 1 Quinhentismo e Barroco
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
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L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Observe, na tabela abaixo, os períodos literários do Brasil Colônia.
117
Não se pode falar em uma literatura “do Brasil”, Na literatura informativa encontram-se docu-
como característica do país naquele período, mas em mentos, cartas e relatórios de navegantes, administrado-
literatura “no Brasil”, uma literatura ligada ao Brasil, res, missionários e autoridades eclesiásticas. Descrevem
que denota as ambições e as intenções do homem eu- e exaltam a flora, a fauna e os índios do Brasil, bem
ropeu. Divide-se em literatura informativa e litera- como o exotismo e a exuberância de um mundo tropical.
tura jesuítica. O Quinhentismo serviu de inspiração Também predomina o registro referencial da linguagem
literária para alguns poetas e escritores do Romantismo que reflete tal louvor à terra com o emprego exagerado
– Gonçalves Dias, José de Alencar – e do Modernismo – de adjetivos no superlativo, bem como modelos clássi-
Oswald de Andrade, Murilo Mendes. cos e renascentistas que tendem à erudição.
Os textos informativos formam um painel da
Literatura de informação vida dos anos iniciais do Brasil Colônia, dando notícias
dos primeiros contatos entre os europeus e a realidade
A expansão ultramarina europeia levou inúme- da nova terra. A opulência da flora e da fauna impres-
ros viajantes às terras recém-descobertas ou exploradas sionou vivamente o colonizador, enquanto o modo de
da Ásia, África e América com a missão de produzir re- vida dos indígenas foi motivo de muita curiosidade e de
latórios informativos sobre essas terras e aspectos exó- incompreensão – os colonizadores nunca abandonaram
ticos e pitorescos de seus habitantes. Esses relatórios, sua concepção de que eram donos de uma cultura supe-
denominados “crônicas de viagem”, têm caráter mais rior no interior do próprio sistema colonial. Esses textos
histórico do que literário, e a linguagem é predominan- cumpriam, acima de tudo, uma finalidade prática.
temente referencial ou denotativa.
§ Carta, de Pero Vaz da Caminha, escrita em 1500;
A Carta, de Pero Vaz de Caminha, considerada o
§ Diário de navegação, de Pero Lopes de Souza,
primeiro documento da literatura no Brasil, inaugurou a
escrito entre 1530 e 1532, durante a expedição
chamada literatura informativa: manifestações literárias
de Martim Afonso de Sousa;
de considerável valor histórico e profundo caráter docu-
§ História da Província de Santa Cruz e Tratado da
mental sobre o Brasil, escritas por cronistas e viajantes
Terra do Brasil, de Pero de Magalhães Gandavo,
estrangeiros. Descrevem e informam sobre a nova co-
ou Gândavo, publicados, respectivamente, em
lônia portuguesa, salientando a conquista material e a
1576 e 1826;
exaltação da terra nova. Estes relatos visavam a satisfa-
§ Tratado descritivo do Brasil em 1587 ou Notícias
zer a curiosidade e a imaginação dos europeus.
do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, publicado
© Albert Eckhout/Wikimedia Commons
em 1851.
§ Diálogos das grandezas do Brasil (1618), atribu-
ídos a Ambrósio Fernandes Brandão, e a História
do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador, pu-
blicados no século XVII.
Para a história da literatura brasileira, a literatura
informativa adquire importância principalmente como
fonte de temas e formas para momentos literários pos-
teriores: o Romantismo e o Modernismo.
118
Lendo a Carta Segundo trecho
A Carta enviada ao rei Dom Manuel é uma es- Dali avistamos homens que andavam pela praia,
pécie de “certidão de nascimento” do Brasil, pois foi o obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pe-
primeiro documento escrito nestas terras. É o texto que quenos, por chegarem primeiro. Então lançamos fora
marca o princípio da literatura brasileira. os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães
A Carta de Caminha, embora escrita nos primór- das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram
dios da colonização (1500), só veio a ser impressa em entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel
1817, na Corografia Brasílica, pela imprensa Régia do a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele
Rio de Janeiro. começou de ir para lá, acudiram pela praia homens,
quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao
Primeiro trecho chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vin-
te homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma
Senhor, posto que o Capitão-mor desta vossa que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam
frota, e assim os outros Capitães escrevam a Vossa Al- arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o ba-
teza a notícia do achamento desta vossa terra nova, tel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os
que nesta navegação agora se achou, não deixarei de arcos. E eles os pousaram.
também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim Ali não pôde deles haver fala, nem entendimen-
como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar to de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente
e falar – o saiba pior que todos faze! [...] Tome Vossa deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de li-
Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e nho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um
creia bem por certo que, para aformosear nem afear, deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, com-
não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu. pridas, com uma copazinha de penas vermelhas e
[...] pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal
Então seguimos nosso caminho por este mar de grande de continhas brancas, miúdas, que querem
longo até terça-feira de Oitavas de Páscoa, que foram parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Ca-
21 dias de abril, quando topamos alguns sinais de pitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às
terra [...] a saber: Em primeiro lugar um monte gran- naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala,
de, muito alto e redondo e outras serras mais baixas por causa do mar. [...]
ao sul dele; e terra rasa, com grandes arvoredos. Ao
mesmo monte alto pôs o Capitão o nome de Monte Terceiro trecho
Pascoal; e à terra – Terra de Vera Cruz.
A feição deles é serem pardos, maneira de
© Tonyjeff/Wikimedia Commons
119
para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de Leia também este trecho da História da Província
ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, Santa Cruz, e observe que Gândavo traz aqui uma inver-
mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as
tida noção sobre a língua dos indígenas, além de fazer
orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena,
uma descrição minuciosa sobre o tipo físico do silvícola.
com uma confeição branda como cera (mas não o
era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda
e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais História da Província
lavagem para a levantar.
Estes índios são de cor baça, e cabelo corredio; têm
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado
o rosto amassado, e algumas feições dele à maneira de
em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro
chinês. Pela maior parte são bem dispostos, rijos e de
mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por
boa estatura; gente mui esforçada, e que estima pouco
estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nico-
morrer, temerária na guerra, e de muito pouca conside-
lau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na
ração: são desagradecidos em grande maneira, e mui
nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa.
desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos
Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram si- por extremo.
nal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a nin- Vivem todos mui descansados sem terem outros
guém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, pensamentos senão comer, beber, e matar gente, e por
e começou de acenar com a mão para a terra e de- isso engordam muito, mas com qualquer desgosto pelo
pois para o colar, como que nos dizendo que ali havia conseguinte tornam a emagrecer, e muitas vezes pode
ouro. Também olhou para um castiçal de prata e as- deles tanto a imaginação que se algum deseja a morte,
sim mesmo acenava para a terra e novamente para o ou alguém lhe mete em cabeça que há de morrer tal dia
castiçal como se lá também houvesse prata. ou tal noite não passa daquele termo que não morra.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao rei D. Manuel. São mui inconstantes e mudáveis: creem de ligei-
In: VOGT, Carlos; LEMOS, J.A. Guimarães de. Ironistas e viajantes.
São Paulo: Abril Educação, s.d. (Coleção Literatura Comentada.) ro tudo aquilo que lhes persuadem por dificultoso e im-
possível que seja, e com qualquer dissuasão facilmente
Pero de Magalhães Gândavo o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados à
sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se
Autor de O Tratado da Terra do Brasil e da His- neles não houvera razão de homens: ainda que todavia
em seu ajuntamento os machos e fêmeas têm o devido
tória da Província de Santa Cruz, compostas em louvor
resguardo, e nisto mostram ter alguma vergonha.
ao clima, à terra e à paisagem, e que estimulam a imi-
gração do leitor.
Uma planta se dá também nesta Província, que
da ilha de São Tomé, com a fruita da qual se ajudam
muitas pessoas a sustentar a terra. Esta planta é mui
tenra e não muito alta, não tem ramos senão umas fo-
lhas que serão seis ou sete palmos de comprido. A fruita
dela se chama banana. Parecem-se na feição com pepi-
nos, criam-se em cachos. Esta fruita é mui saborosa, e
das boas, que há na terra: tem uma pele como de figo
(ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a
querem comer: mas faz dano à saúde e causa febre a
quem se desmanda nela.
GÂNDAVO, Pero de Magalhães.
História da Província de Santa Cruz.
120
A língua de que usam, toda pela costa, é uma: ain- Dentre suas obras,sobressaem os autos Quando no
da que em certos vocábulos difere n’algumas partes; Espírito Santo,se recebeu uma relíquia das onze milVirgens;
mas não de maneira que se deixem uns aos outros de Na Vila de Vitória; Auto de São Lourenço; e o poema De
entender: e isto até a altura de vinte e sete graus, que Beata Virgine Dei Madre Maria (À beata Virgem Maria
daí por diante há outra gentilidade, de que nós não te- Mãe de Deus).
mos tanta notícia, que falam já outra língua diferente. Veio ao Brasil com a segunda leva de jesuítas
Esta de que trato, que é geral pela costa, é mui branda, na esquadra de Duarte da Costa, segundo Governador-
e a qualquer nação fácil de tomar. Alguns vocábulos há -Geral do Brasil. Em 1554, participou da fundação do
nela de que não usam senão as fêmeas, e outros que colégio, onde também foi professor, na Vila de São Pau-
não servem senão para os machos: carece de três le- lo de Piratininga, núcleo da futura cidade que receberia
tras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, o nome de São Paulo. Exerceu o cargo de provincial dos
coisa digna de espanto porque assim não tem Fé, nem jesuítas, entre os anos de 1577 e 1587. Escreveu cartas,
Lei, nem Rei e desta maneira vivem desordenadamen- sermões, poesias, a gramática da língua mais falada na
te sem terem além disto conta nem peso, nem medida. costa brasileira (o tupi) e peças de teatro, tornando-se
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. representante do Teatro Jesuítico no Brasil.
In: VOGT, Carlos; LEMOS. J. A. Guimarães de, Op. Cit. Sua obra é considerada a primeira manifesta-
ção literária em terras brasileiras. A coleção das obras
Literatura de formação ou jesuítica completas do padre José de Anchieta é dividida em
três gêneros: poesia, prosa e obras sobre Anchieta,
que somam um total de dezessete volumes.
Ao lado da prosa informativa, ocorreram mani-
Leia abaixo A Santa Inês, um dos poemas
festações em poesia e teatro escritas por jesuítas, com
a finalidade de catequizar os índios. A essa produção mais conhecidos de José de Anchieta.
chamamos de literatura de formação, em decorrência Cordeirinha linda,
do aspecto didático que apresenta. como folga o povo
porque vossa vinda
Padre José de Anchieta (1534-1597) lhe dá lume novo!
Cordeirinha santa,
© Benedito Calixto/Wikimedia Commons
de Iesu querida,
Vossa santa vinda
o diabo espanta
122
Barroco ou Seiscentismo da de fiéis, a Igreja fortaleceu o Tribunal da Inquisição,
que passou a investigar crimes contra a fé católica e deu
início à Contrarreforma, com a fundação da Compa-
O contexto português:
A dúvida de São Tomé, de Caravaggio.
a união da península Ibérica
Contexto Em 1580, Portugal foi anexado à Espanha,
em razão do desaparecimento do rei português
Os embates religiosos Dom Sebastião – que não deixou descendentes di-
retos –, na batalha de Alcácer-Quibir, na África, em
O movimento denominado Barroco ou Seis- 1578. O rei espanhol Felipe II, um dos parentes mais
centismo aconteceu no segundo período clássico e de- próximos de Dom Sebastião, foi proclamado mo-
signou genericamente todas as manifestações artísticas narca dos lusitanos e deu início à dinastia Filipina
produzidas no século XVII até meados do século XVIII. em Portugal, que se estendeu até 1640.
O estilo barroco sucede o movimento religioso conheci-
do como Reforma Protestante, liderado pelo teólogo Sucessivamente, três reis espanhóis adotaram
alemão Martinho Lutero (1483-1546). o nome Felipe (I, II e III). Foi em dezembro de 1640,
que Portugal retomou sua independência, quando
o duque de Bragança foi coroado rei, com o nome
A Reforma Protestante foi um movimento de Dom João IV, e cujo reinado durou até 1656.
reformista cristão iniciado em 1517 por Martinho
Lutero. Ele apresentou 95 teses, mediante as quais
Na Europa seiscentista, Portugal e Espanha confi-
protestava contra a Igreja Católica. À luz delas, pro-
guraram o modelo de absolutismo católico, que patroci-
pôs uma reforma baseada em cinco princípios:
1. somente a fé; nou a Contrarreforma, recrudesceu a perseguição aos in-
2. somente a Escritura; fiéis pela Inquisição e exigiu obediência ao Index Librorum
3. somente Cristo; Prohibitorum, uma relação de livros proibidos publicada
4. somente a graça; e
5. somente a glória de Deus. pela Igreja Católica.
Lutero denunciou os abusos e equívocos do Sob dominação filipina, o Barroco português foi
catolicismo da época, entre eles atos de corrupção, significativamente influenciado pelo espanhol, principal
como venda de indulgências a troco do perdão dos
foco irradiador dessa estética que expressa a espirituali-
pecados e da salvação eterna. O protestantismo nas-
ceu em decorrência da resistência à Igreja Católica dade e o teocentrismo medievais misturados ao raciona-
lismo e ao antropocentrismo herdados do Renascimento.
123
A arte barroca O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
© Michelangelo Merisi da Caravaggio/Wikimedia Commons
Disponível em <http://interata.squarespace.com>
A indefinição entre o divino e o terreno traduz-se
em conflito e descontentamento existencial humano.
São comuns os temas pessimistas, as advertências so-
bre a brevidade da vida, a ênfase na dor e na vergonha
de permanecer em pecado. A relação com a vida terrena
é pessimista, só minorada com a crença na vida celeste.
O tema da penitência é constantemente enfatizado pelo
martírio da dor.
Detalhe preciosista de igreja barroca.
O Barroco em Portugal
O Barroco português conviveu com um país que
vivia uma crise de identidade, uma vez que estava sob o
domínio político da Espanha. Dois aspectos ressaltam a
produção literária desse período: o esforço dos portugue-
ses de preservar sua cultura e língua e a Contrarreforma,
Cristo bailarino. Madeira com vestígios de policromia.
que deu à produção literária amplo caráter religioso, por
Aleijadinho (1781-1790).
exemplo as obras do padre Antônio Vieira, principal escri-
tor português do século XVII.
Em 1580, dois fatos significativos marcaram a vida
cultural e política de Portugal: a morte de Camões e a pas-
sagem do país para o domínio espanhol (1580-1640).
125
A literatura e as artes portuguesas foram in- A presença estrangeira mais marcante, no entan-
fluenciadas pelas manifestações culturais espanholas, to, foi a dos holandeses. Enviado pela Companhia das
que conheceram nesse período o “século de ouro” – Índias Ocidentais com o fim de controlar o comércio do
Cervantes, Gôngora, Quevedo, Lope de Vega e Calderón açúcar nordestino, o general de origem alemã Johann
de La Barca são importantes escritores desse período. O Maurits, conhecido como conde Maurício de Nassau,
florescimento do Barroco em Portugal não se deu com desembarcou no Brasil, em Recife, em 1637, quando já
a mesma intensidade que na Espanha. Como forma de se estabilizara o domínio holandês nas colônias portu-
resistência política ao domínio espanhol, os escritores guesas, iniciado em 1624.
portugueses procuraram preservar a língua e a cultu- Nassau trouxe consigo uma equipe cultural com
ra lusitanas. Assumiram uma postura saudosista, valo- pintores, arquitetos, escritores, naturistas, médicos, as-
rizando personagens e escritores do passado heroico trólogos etc., com o objetivo de documentar as terras
recente: Vasco da Gama, Dom Sebastião, Camões. ocupadas pela Holanda e angariar investimentos euro-
Influenciado pela Contrarreforma, o Barroco peus para a produção açucareira.
português também ganhou fortes matizes religiosos, Com Nassau, Recife sofreu uma verdadeira re-
bem como em todos os países ibéricos. A atuação da formulação urbana: jardins, lagos, palácio para sua aco-
Companhia de Jesus e do Tribunal da Inquisição, ins- modação na ilha de Antônio Vaz, uma cidade inteira foi
taurado em Portugal em meados do século XVI, com- modelada a seu gosto. A cidade Maurícia, ao lado de
pletaram o quadro cultural lusitano daquele período Recife, entre a foz do rio Capibaribe e Beberibe, emergiu
religioso e austero. sob sua administração.
As marcas desse tempo ficaram registradas em
O Barroco no Brasil pinturas e desenhos de Frans Post, encarregado das pai-
sagens e feitos do Governador-Geral, e Albert Eckout,
O marco inicial do Barroco brasileiro data de
responsável pelo registro dos tipos humanos, da fauna
1601, quando Bento Teixeira publicou o poema épico
e flora da “Nova Holanda”, nome de Pernambuco na-
Prosopopeia, com estrofes em oitava rima e versos de-
quela época.
cassílabos, tal qual Os Lusíadas, de Camões, cujo mode-
Frans Post tinha apenas 24 anos quando che-
lo ele seguiu de perto.
gou ao Brasil. Morador de Recife entre 1637 e 1644,
Embora naquela época não houvesse um público
acompanhou a movimentada campanha do governador,
leitor significativo no Brasil, a poesia barroca ganhou
documentando a paisagem e registrando portos e forti-
impulso com a fundação de várias academias literárias
ficações do Maranhão à Bahia.
entre os anos de 1720 e 1750. Vicejaram por todo o sé-
© Divulgação
126
Um Barroco miscigenado
O mundo colonial brasileiro do século XVII não foi influenciado apenas pelo Barroco português, mas, sobre-
tudo, foi pressionado economicamente, graças à imensa exploração de riquezas naturais, de ouro, principalmente.
Em razão disso, o Barroco brasileiro tornou-se uma manifestação miscigenada das culturas europeia, negra e
nativa. Os espaços do Brasil colonial que lhe serviram de cenário foram principalmente o Nordeste e o estado de
Minas Gerais.
Ligado ao ciclo da cana-de-açúcar, o Barroco nordestino aproximou-se da aristocracia rural, exuberante e
pomposa, e refletiu-se na riqueza das construções eclesiásticas e nas amplas acomodações das casas-grandes.
A cidade de Salvador, na Bahia, ainda conta com cerca de 80 igrejas e vários solares e casarões inspirados
no Barroco.
No século XVIII, o Barroco mineiro sobrepujou o da metrópole portuguesa, notadamente nas cidades au-
ríferas de Minas Gerais. Naquela região, sobressaíram as notáveis obras do escultor e arquiteto Antonio Francisco
Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho, cujo trabalho pautou-se pela experiência com materiais locais – pedra-sabão e
madeira. O pintor Manuel da Costa Ataíde (1762-1830) deixou mostras de seu talento em pinturas e afrescos nos
tetos e laterais de igrejas mineiras.
127
INTERATIVI
A DADE
ASSISTIR
128
LER
tt
Livros
Dialética da colonização – Alfredo Bosi
Em capítulos que vão de Anchieta à indústria cultural, Alfredo Bosi, o
conceituado autor da clássica História concisa da Literatura Brasileira,
persegue com sensibilidade as formas históricas que enlaçaram coloniza-
ção, culto e cultura. Dialética da colonização é o resultado deste percurso
sui generis na história do pensamento brasileiro.
129
ARTES PLÁSTICAS
Projeto para a fachada da Igreja de São Francisco, em São João del-Rei (Aleijadinho)
130
Estrutura Conceitual
Literatura de informação
e literatura jesuítica
Quinhentismo
Trovadorismo Humanismo Classicismo
Barroco
Movimento vinculado a
conflitos de cunho religioso
Uso de antíteses
e paradoxos
Cultismo e conceptismo
131
Abordagem de LITERATURA nos principais vestibulares.
FUVEST
A maior parte das questões de literatura da Fuvest refere-se às obras obrigatórias. Neste cader-
no, você encontrará alguns desses exercícios de anos anteriores, bem como questões sobre as
estéticas do QUINHENTISMO, do BARROCO e do ARCADISMO.
LD
ADE DE ME
D
UNESP
U
IC
FAC
INA
BO
1963
T U C AT U Como a Unesp não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste vestibular contem-
plam o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes. Neste
caderno, estão presentes questões sobre QUINHENTISMO, BARROCO e ARCADISMO.
UNICAMP
A maior parte das questões de literatura da Unicamp refere-se às obras obrigatórias. Neste caderno,
você encontrará alguns desses exercícios de anos anteriores, bem como questões sobre as estéticas
do QUINHENTISMO, do BARROCO e do ARCADISMO.
UNIFESP
Como a Unifesp não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste vestibular contem-
plam o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes. Neste
caderno, estão presentes questões sobre QUINHENTISMO, BARROCO e ARCADISMO.
ENEM/UFMG/UFRJ
Como o Enem não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste exame contemplam
o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes.
UERJ
Neste caderno, você encontrará exercícios da Uerj apenas na aula 1. O vestibular da Uerj não
exige os demais conteúdos contidos neste livro.
0 1 A arte literária e
o estudo dos gêneros
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
O que é arte?
Esse é um conceito historicamente muito discutido. Um estudo de Literatura que se pretenda aprofundado
deve levar em consideração os sentidos da arte e notadamente a análise técnica dela. A palavra literatura é
de origem latina e significa “arte de escrever”. Portanto, conjugar essa relação entre arte e escrita é o primeiro
passo para dar corpo à maneira de divulgar os valores culturais que estruturam uma sociedade e uma civilização.
Entender os conhecimentos científicos, filosóficos, religiosos e artísticos de um dado contexto é de fato conhecer o
próprio homem e compreender sua identidade.
O filósofo Aristóteles considerava que a arte era uma maneira de “imitar” (mimesis, do grego) a realidade
do homem, que, em seus vários suportes, cria essa possibilidade de fazê-lo pensar sua própria vida, conhecer a si
próprio, encontrar-se como ser humano, observar criticamente a realidade, divertir-se e sonhar.
Da Antiguidade Clássica às Idades Moderna e Contemporânea, a arte se manifesta em vários suportes de
diversas formas – música, pintura, literatura, dança, escultura e teatro. Funciona como elemento transformador da
consciência humana. O artista, esse criador, cria e recria realidades, expressa valores estéticos com beleza, harmo-
nia e equilíbrio e estrutura-se à luz de um contexto de circulação, de transformação, de um agente e de um público.
No decorrer dos tempos, esses conceitos foram se transformando sem perder sua lógica. Seja na perfeição
e harmonia das formas da Antiguidade Clássica (período greco-latino), seja no teocentrismo medieval, com suas
relações de vassalagem, seja no século XIX, com suas utopias românticas, seja nas vanguardas artísticas do século
XX. Emoções humanas, alegrias e angústias, ideologias, religião, luta social e cultura sempre perpassaram e fre-
quentaram os conceitos estéticos da arte e da literatura.
A Literatura é um mundo aberto ao mesmo tempo às múltiplas reflexões sobre a história do mundo, sobre
as ciências naturais, sobre as ciências sociológicas, sobre a antropologia cultural, sobre os princípios éticos, sobre
política, economia, ecologia (...)
MORIN, Edgar. Meus demônios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
O que nos leva a ir ao cinema, a um show, à biblioteca, ao museu e, principalmente, a ler um livro? A res-
posta está no reflexo da própria condição humana, no processo de identificação do homem com a arte. Essa atitude
transforma só pelo fato de estarmos refletindo, primeira condição da arte. Esse ponto de partida, independente-
mente de sua presumível qualidade, é uma forma de compreender o mundo que nos cerca.
137
É impossível não se identificar com o eu lírico, a arte, diferenciando-os, por exemplo, dos textos informa-
voz do poema, ao lermos versos como estes, de Manuel tivos ou instrucionais. O texto literário deve explorar o
Bandeira: potencial significativo e sonoro das palavras, bem como
os aspectos ora denotativos, em sua literalidade de di-
O bicho (Manuel Bandeira) cionário, ora conotativos em que as palavras adquirem
Vi ontem um bicho novo sentido a fim de produzir efeito artístico.
Na imundice do pátio O poder de explorar os sentidos coloca essas pa-
Catando comida entre os detritos. lavras em situações inusitadas, criando imagens com as
figuras de linguagem com as quais o escritor “desenha”
Quando achava alguma coisa,
para o leitor comparações que concretizam as emoções.
Não examinava nem cheirava:
Como no uso da metáfora, que aproxima dois elementos
Engolia com voracidade.
num contexto específico, transferindo de um para outro
O bicho não era um cão, suas características. Tal processo fica evidente no exem-
Não era um gato, plo a seguir, de Mário Quintana, em que a “inspiração” é
Não era um rato. comparada, por metáfora, a “um pássaro que pousa no
O bicho, meu Deus, era um homem. livro que lês”.
138
O que é gênero literário? uma representação de seu povo, cujo comportamento
exemplar vai caracterizá-lo como figura predestinada a
cumprir determinada missão.
Gênero é o modo como se veicula a mensagem
Narrados de maneira elevada e com vocabulário
literária, o padrão a ser utilizado na composição artística.
grandiloquente e solene, os assuntos históricos sofrem
Há grandes diferenças entre o conteúdo e a forma dos
influência do imaginário e não se privam de recorrer à
textos. Um poema não se confunde com um conto, e um
imaginação, bem como à mitologia.
romance segue padrões bastante próprios em relação a
Na cena inicial da Odisseia, de Homero, é possí-
uma peça de teatro, por exemplo. Dessa forma, gênero é
vel identificar características primordiais do texto épico,
a denominação dada a um grupo de textos que comparti-
como o pedido de inspiração do poeta às musas para
lham características de forma e de conteúdo.
contar a história de Odisseu, que passou por terríveis
Na Antiguidade Clássica, Aristóteles conceituou
provações até retornar a sua casa, Ítaca:
conteúdo como elemento constitutivo da representação
das paixões, das ações e do comportamento humano. A Musa, reconta-me os feitos do herói astucioso
forma desse conteúdo, a princípio aplicada apenas à po- que muito peregrinou, dês que esfez as muralhas sa-
esia, compreende três gêneros: épico, lírico e dramático. gradas de Troia; muitas cidades dos homens viajou, co-
nheceu seus costumes, como no mar padeceu sofrimen-
tos inúmeros na alma,para que a vida salvasse e a de
seus companheiros a volta.
Homero. Odisseia. Tradução de: Carlos Alberto Nunes.
5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. Coleção Universidades.
139
Epopeias clássicas ou primárias As transformações do herói
A estrutura dos poemas de Homero serviu de inspi- 1. Na Ilíada e na Odisseia, o herói é guiado pelas
ração para outros poetas, como o latino Virgílio, em Eneida divindades.
(19 a.C.), e Camões, em Os Lusíadas (1572). A Odisseia e 2. Na Eneida e em Os Lusíadas, o herói é represen-
a Ilíada, de Homero, são textos clássicos que inspiraram e tante de um povo.
sistematizaram regras e estruturas formais para os demais. 3. Em Robson Crusoé e em O conde de Monte Cris-
to, o herói é humano e individual.
O gênero lírico
Esse gênero nasceu na Grécia antiga, cujos po-
emas eram acompanhados musicalmente pela lira. É o
gênero centrado na expressão do “eu poético” ou “eu
poemático” – voz que fala no poema, não necessaria-
Eneias foge em direção à península Itálica. mente correspondente à voz do autor.
Menos grandiosos que os da epopeia, seus te-
Nesse tipo de texto, os deuses são apresentados mas dizem respeito ao mundo interior do eu lírico, aos
como seres reais que são tomados por sentimentos hu- sentimentos, ao individualismo, às relações consigo
manos e podem tanto prejudicar como ajudar o herói, de- mesmo. Pronomes e verbos vêm normalmente na pri-
pendendo do seu estado emocional e da preponderância meira pessoa do singular e predominam as emoções,
do tema narrado. Outro aspecto importante é perceber a rimas, ritmo, sonoridade das palavras, metáforas, repeti-
preocupação do poeta em relacionar as ações do herói ções, entre outras figuras de linguagem, que trazem aos
com o povo a que pertence a fim de enaltecer a identi- versos musicalidade e suavidade.
dade pátria. O gênero lírico é subdividido em: soneto, elegia,
ode, madrigal, écloga etc.
Epopeias de imitação ou secundárias §§ Soneto – forma lírica bastante conhecida, é
composta de catorze versos, com dois quartetos
Entre os anos 30 e 19 a.C., o poeta latino Virgí- e dois tercetos.
lio escreveu a Eneida, considerada a “epopeia nacional
dos romanos”. No classicismo renascentista, o portu- Soneto da fidelidade
guês Luís de Camões escreveu Os Lusíadas, um dos (Vinicius de Moraes)
mais conhecidos poemas épicos de imitação. Nele, são De tudo ao meu amor serei atento
reveladas as aventuras e peripécias do herói Vasco da Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Gama, primeiro navegante que cruzou o Cabo da Boa Que mesmo em face do maior encanto
Esperança, ao sul da África, e levou os portugueses às
Dele se encante mais meu pensamento.
Índias, criando uma nova rota comercial.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
140
§§ Elegia – poema em tom triste e fúnebre origi- fazendo-se paisagem,
nado na Grécia antiga. Caracterizam as digres- adquirindo pintas, graça, voo.
sões moralizantes destinadas a ajudar ouvintes O gato,
ou leitores a suportar momentos difíceis da vida, só o gato
como a morte de um ente querido ou de uma apareceu completo
personalidade pública. e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
Elegia na sombra
Fernando Pessoa (2 jun. 1935) anda sozinho e sabe o que quer.
141
de todo o terrestre, A beleza é um conceito.
porque tudo E a beleza é triste.
é imundo Não é triste em si,
para o imaculado pé do gato. Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
Oh fera independente O que eu adoro em ti,
da casa, arrogante Não é a tua inteligência.
vestígio da noite, Não é o teu espírito sutil,
preguiçoso, ginástico Tão ágil, tão luminoso,
e alheio, – Ave solta no céu matinal da montanha.
profundíssimo gato, Nem é a tua ciência
polícia secreta Do coração dos homens e das coisas.
dos quartos,
O que eu adoro em ti,
insígnia
Não é a tua graça musical,
de um desaparecido veludo,
certamente não há Sucessiva e renovada a cada momento,
enigma na tua maneira, Graça aérea como o teu próprio pensamento.
talvez não sejas mistério, Graça que perturba e que satisfaz.
todo o mundo sabe de ti e pertences O que eu adoro em ti,
ao habitante menos misterioso Não é a mãe que já perdi.
talvez todos o acreditem, Não é a irmã que já perdi.
todos se acreditem donos, E meu pai.
proprietários, tios
O que eu adoro em tua natureza,
de gato, companheiros,
Não é o profundo instinto maternal
colegas,
Em teu flanco aberto como uma ferida.
discípulos ou amigos do seu gato.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
Eu não. O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
Eu não subscrevo. O que eu adoro em ti, é a vida.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago, §§ Écloga – poema ambientado no campo, pastoril
o mar e a cidade incalculável,
e bucólico.
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
Écloga IV (v. 52-59)
o pôr e o menos da matemática, (Virgílio)
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo, Vê como, com os séculos por vir, tudo se alegra.
a bondade ignorada do bombeiro, A última parte desta vida seja-me tão longa,
o atavismo azul do sacerdote, que para dizer os feitos não me falte alento!
mas não posso decifrar um gato. O trácio Orfeu não poderá vencer-me nestes cantos,
Minha razão resvalou na sua indiferença, nem Lino, ainda que a Orfeu a mãe Calíope socorra
os seus olhos têm números de ouro. e por seu turno a Lino dê assistência o belo Apolo.
Se competir comigo o próprio Pã, por juiz a Arcádia,
§§ Madrigal – composição poética elegante cujos dar-se-á por vencido o próprio Pã, por juiz a Arcádia.
temas invocam atos heroicos e pastoris.
Madrigal melancólico
(Manuel Bandeira)
142
Natureza das rimas Disposição das rimas no poema
§§ Ricas – entre palavras de classes gramaticais
§§ Mistas – sem posição regular:
diferentes:
De uma, eu sei, entretanto 1,
Cristina e ensina
Que cheguei a estimar 2
§§ Pobres – entre palavras de mesma classe Por ser tão desgraçada 3!
gramatical: Tive-a hospedada 3 a um canto 1
Precisava esconder sua afeição... Do pequeno jardim 4;
Era toda riscada 3
Na Idade Média, uma imortal paixão
De um traço cor de mar 2
§§ Toantes – coincidem apenas as vogais tônicas: E um traço carmesim 4.
(Alberto de Oliveira)
hora e bola; saltava e mata
§§ Aliterantes – entre sons consonantais idênti- §§ Emparelhadas (AABB):
cos ou semelhantes: No rio caudaloso que a solidão retalha A,
vozes, veladas, veludosas, vozes/ na funda correnteza na límpida toalha A,
vagam nos velhos vórtices velozes deslizam mansamente as garças alvejantes B;
nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes B...
§§ Consoantes – a correspondência dos sons é com- (Fagundes Varela)
143
em/ ro/sas a/man/do,/ se/rei/ fe/liz./
(Menotti del Picchia)
for/mo/sas
de/ vi/vo §§ Octossílabos – oito sílabas:
car/mim/
(Casimiro de Abreu) No ar/ so/sse/ga/do, um/ si/no/ can/ta
§§ Trissílabos – três sílabas: Um/ si/no/ can/ta/ no ar/ som/bri/o
(Olavo Bilac)
Vem/ a au/ro/ra
pre/ssu/ro/sa §§ Eneassílabos – nove sílabas:
cor/ de/ ro/sa A/deus,/ ó/ Lu/a,/ Lu/a/ dos/ me/ses,
que/ se/co/ra Lu/a/ dos/ Ma/res,/ o/ra/ por/ nós!.../
de/ car/mim/ (Antônio Nobre)
as/ es/tre/las
que e/ram/ be/las §§ Decassílabos ou Medida Nova – dez sílabas:
têm/ des/mai/os A/mo/-te, ó/ cruz, /no/ vér/ti/ce/ fir/ma/da
já/ por/ fim/
(Gonçalves Dias)
§§ Hendecassílabos – onze sílabas:
§§ Tetrassílabos – quatro sílabas:
Nas/ ho/ras/ ca/la/das/ das/ noi/tes/ d’es/ti/o
O in/ver/no/ bra/da Sen/ta/do/ so/zi/nho/ c’oa/ fa/ce/ na/ mão/,
for/çan/do as/ por/tas Eu/ cho/ro e/ so/lu/ço/ por/ quem/ me/ cha/ma/va
Oh!/ Que/ re/voa/da — “Oh/ fi/lho/ que/ri/do/ do/ meu/ co/ra/ção/!”
de/ fo/lhas/ mor/tas (C. de Abreu)
o/ ven/to es/pa/lha
§§ Dodecassílabos ou Alexandrinos – doze
por/ so/bre o/ chão/...
(Alphonsus de Guimarães) sílabas:
§§ Pentassílabos ou redondilha menor – cinco A/ ca/sa/ que/ foi/ mi/nha,/ ho/je é/ ca/sa/ de/ Deus.
sílabas: Traz/ no/ to/po u/ma/ cruz./ A/li/ vi/vi/ com os/ meus
(Aberto de Oliveira)
Meu/ can/to/ de/ mor/te,
Gue/rrei/ros/ ou/vi/ §§ Bárbaros – mais de doze sílabas:
Sou/ fi/lho/ das/ sel/vas
Nun/ca /co/nhe/ci /quem/ ti/ve/sse/ le/va/do/
Nas/ sel/vas/ cres/ci/
po/rra/da.
Gue/rrei/ros/ des/cen/do
Da/ tri/bo/ tu/pi To/dos os/ meus/ co/nhe/ci/dos/ têm/ si/do/
(Gonçalves Dias)
cam/pe/ões/ em/ tu/do.
(Fernando Pessoa)
§§ Hexassílabos – seis sílabas:
Ou/ de/sse/ mes/mo e/nig/ma
[...] O gênero dramático
Pro/pí/cios/ a/ nau/frá/gio
[...] A característica e a finalidade primordiais do
De/ me in/cli/nar/ a/fli/to gênero dramático (do grego drân: agir) é ser levado à
(Carlos Drummond de Andrade)
representação, à “ação”.
§§ Heptassílabos ou redondilha maior – sete Compreende o gênero teatral, cuja encenação,
sílabas: no entanto, escapa à alçada da literatura. O eu poético
An/tes/ de a/mar,/ eu/ di/zi/a relaciona-se com um tu/vós, segunda pessoa do discur-
pa/ra/ cor/tar/ na/ ra/iz/ so, a plateia. O texto dramático pressupõe essa plateia,
es/ta/ cons/tan/te a/go/ni/a que o vivencia e pode fruir emoções mediante a
pre/ci/so a/mar/ al/gum/ di/a representação do texto.
144
§§ Comédia
Enfatiza o comportamento ridículo do ser hu-
mano mediante exposição e crítica de costu-
mes sociais. Exemplos: O doente imaginário, de
Molière; A tempestade, de Shakespeare; e Lisís-
trata, de Aristófanes.
§§ Drama
A peça funde tragédia e comédia sem, no en-
tanto, que a história caminhe para resultados
irreversíveis. Em geral, trata de fatos do coti-
diano com final feliz ou não, mas com trajetória
Caracterizam o gênero dramático a ausência de intrigante, de difícil solução. Exemplo: Leonor de
narrador, o discurso direto – estrutura dialogada – e as Mendonça, de Gonçalves Dias; e Macário, de Ál-
rubricas – indicações cênicas que sinalizam ao diretor e vares de Azevedo.
aos atores a postura no palco, o tom de voz etc.
§§ Auto
Ao invés da presença do narrador, o texto dramáti-
Peça teatral curta regularmente com temática
co conta a história pretendida mediante diálogos entre os
religiosa e moralizante e com finalidade cate-
personagens, que estabelecem com o público uma relação
quética, que discute conceitos abstratos e sim-
direta, a fim de comprometê-lo emocionalmente com a his-
bólicos. Exemplo: O auto da barca do inferno, de
tória contada e os personagens dela. O termo teatro deriva
Gil Vicente.
do grego théatron, que significa “ver”, “contemplar”.
Esse gênero subdivide-se em tragédia, comédia, §§ Farsa
drama, auto e farsa. Peça teatral de crítica social que apresenta per-
sonagens e situações caricaturadas sem preocu-
§§ Tragédia pação com o questionamento de valores.
Conta histórias cujos resultados são destrutivos e Exemplo: A farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente.
irreversíveis. Em geral baseada em mitos e histó-
rias já conhecidas do público, a tragédia preten- O gênero narrativo
de causar no espectador terror, piedade, catarse,
ou seja, “descarga de desordens emocionais ou Oriunda do gênero épico, a narrativa organiza
afetos desmedidos a partir da experiência estética uma história levando em consideração aspectos primor-
oferecida pelo teatro, música e poesia”. Persona- diais de sua estrutura: apresentação, desenvolvimento,
gens lutam contra forças mais poderosas que elas, clímax e desfecho.
que, em princípio, são vencidas regularmente com Os gêneros narrativos apresentam-se como:
a morte. Sugestão: Édipo Rei, de Sófocles.
145
§§ Conto enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze
Narrativa curta centrada em um único aconteci- como eu, que não abro caminho para ninguém.
mento. Apresenta uma ação que se encaminha Onde me espetam, fico.
para uma tensão (clímax) entre personagens, Contei esta história a um professor de melanco-
delimitados num tempo e espaço reduzidos. lia, que me disse, abanando a cabeça:
Exemplos: Amor, de Clarice Lispector; O menino – Também eu tenho servido de agulha a muita
do boné cinzento, de Murilo Rubião; e A causa linha ordinária!”
secreta, de Machado de Assis. §§ Fábula
§§ Novela Difere do apólogo, uma vez que seus persona-
Narrativa situada entre a brevidade do conto e gens são animais. Esse gênero teve ilustres cul-
a longevidade do romance. Exemplos: A hora e tores na literatura ocidental, como Esopo, Fedro
a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa; e La Fontaine.
e Os crimes da rua Morgue, de Edgar Allan Poe.
§§ Crônica
Narrativa breve baseada na vida cotidiana, deli-
mitada por tempo cronológico curto, em lingua-
gem coloquial e leve toque de humor e crítica.
Exemplos: Comédias da vida privada – 101 crô-
nicas escolhidas, de Luís Fernando Veríssimo.
§§ Romance
Narrativa longa que discorre sobre um grande con-
flito central que dá origem a outros secundários,com
preendendo vários personagens em constante
conflito psicológico, envolvidos pela trama que
caminha para um clímax. Exemplos: Grande ser-
tão: veredas, de Guimarães Rosa; São Bernardo,
de Graciliano Ramos; e O senhor dos anéis, de
J.R.R. Tolkien.
§§ Anedota
Relato de um acontecimento curioso ou engra-
çado. Como o provérbio, a anedota, além da tra-
dição oral, vem inserida em textos literários.
§§ Apólogo
Historinha entre objetos inanimados com moral
implícita ou explícita. Um apólogo, de Macha-
do de Assis, trata da conversa entre uma agulha
e uma linha que discutem sobre a importância
delas. Observe o último parágrafo em que está
implícita a moral:
“Parece que a agulha não disse nada; mas um
alfinete, de cabeça grande e não menor experi-
ência, murmurou à pobre agulha:
– Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir ca-
minho para ela e ela é que vai gozar da vida,
146
INTERATIVI
A DADE
LER
tt
Livros
O que é literatura – Marisa Lajolo
Definir o que é, o que não é e o que pode ser literatura depende do
ponto de vista, do sentido que a palavra tem para cada um, da situa-
ção na qual se discute o que é literatura.
147
Estrutura Conceitual
Arte Literária
148 68
0 2 Quinhentismo e Barroco
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
© Wikimedia Commons
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e
da própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante
a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Observe, na tabela abaixo, os períodos literários do Brasil Colônia.
151
Não se pode falar em uma literatura “do Brasil”, Na literatura informativa encontram-se docu-
como característica do país naquele período, mas em mentos, cartas e relatórios de navegantes, administrado-
literatura “no Brasil”, uma literatura ligada ao Brasil, res, missionários e autoridades eclesiásticas. Descrevem
que denota as ambições e as intenções do homem eu- e exaltam a flora, a fauna e os índios do Brasil, bem
ropeu. Divide-se em literatura informativa e litera- como o exotismo e a exuberância de um mundo tropical.
tura jesuítica. O Quinhentismo serviu de inspiração Também predomina o registro referencial da linguagem
literária para alguns poetas e escritores do Romantismo que reflete tal louvor à terra com o emprego exagerado
– Gonçalves Dias, José de Alencar – e do Modernismo – de adjetivos no superlativo, bem como modelos clássi-
Oswald de Andrade, Murilo Mendes. cos e renascentistas que tendem à erudição.
Os textos informativos formam um painel da
Literatura de informação vida dos anos iniciais do Brasil Colônia, dando notícias
dos primeiros contatos entre os europeus e a realidade
A expansão ultramarina europeia levou inúme- da nova terra. A opulência da flora e da fauna impres-
ros viajantes às terras recém-descobertas ou exploradas sionou vivamente o colonizador, enquanto o modo de
da Ásia, África e América com a missão de produzir re- vida dos indígenas foi motivo de muita curiosidade e de
latórios informativos sobre essas terras e aspectos exó- incompreensão – os colonizadores nunca abandonaram
ticos e pitorescos de seus habitantes. Esses relatórios, sua concepção de que eram donos de uma cultura supe-
denominados “crônicas de viagem”, têm caráter mais rior no interior do próprio sistema colonial. Esses textos
histórico do que literário, e a linguagem é predominan- cumpriam, acima de tudo, uma finalidade prática.
temente referencial ou denotativa.
§ Carta, de Pero Vaz da Caminha, escrita em 1500;
A Carta, de Pero Vaz de Caminha, considerada o
§ Diário de navegação, de Pero Lopes de Souza,
primeiro documento da literatura no Brasil, inaugurou a
escrito entre 1530 e 1532, durante a expedição
chamada literatura informativa: manifestações literárias
de Martim Afonso de Sousa;
de considerável valor histórico e profundo caráter docu-
§ História da Província de Santa Cruz e Tratado da
mental sobre o Brasil, escritas por cronistas e viajantes
Terra do Brasil, de Pero de Magalhães Gandavo,
estrangeiros. Descrevem e informam sobre a nova co-
ou Gândavo, publicados, respectivamente, em
lônia portuguesa, salientando a conquista material e a
1576 e 1826;
exaltação da terra nova. Estes relatos visavam a satisfa-
§ Tratado descritivo do Brasil em 1587 ou Notícias
zer a curiosidade e a imaginação dos europeus.
do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, publicado
© Albert Eckhout/Wikimedia Commons
em 1851.
§ Diálogos das grandezas do Brasil (1618), atribu-
ídos a Ambrósio Fernandes Brandão, e a História
do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador, pu-
blicados no século XVII.
Para a história da literatura brasileira, a literatura
informativa adquire importância principalmente como
fonte de temas e formas para momentos literários pos-
teriores: o Romantismo e o Modernismo.
152
Lendo a Carta Segundo trecho
A Carta enviada ao rei Dom Manuel é uma es- Dali avistamos homens que andavam pela praia,
pécie de “certidão de nascimento” do Brasil, pois foi o obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pe-
primeiro documento escrito nestas terras. É o texto que quenos, por chegarem primeiro. Então lançamos fora
marca o princípio da literatura brasileira. os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães
A Carta de Caminha, embora escrita nos primór- das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram
dios da colonização (1500), só veio a ser impressa em entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel
1817, na Corografia Brasílica, pela imprensa Régia do a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele
Rio de Janeiro. começou de ir para lá, acudiram pela praia homens,
quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao
Primeiro trecho chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vin-
te homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma
Senhor, posto que o Capitão-mor desta vossa que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam
frota, e assim os outros Capitães escrevam a Vossa Al- arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o ba-
teza a notícia do achamento desta vossa terra nova, tel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os
que nesta navegação agora se achou, não deixarei de arcos. E eles os pousaram.
também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim Ali não pôde deles haver fala, nem entendimen-
como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar to de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente
e falar – o saiba pior que todos faze! [...] Tome Vossa deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de li-
Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e nho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um
creia bem por certo que, para aformosear nem afear, deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, com-
não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu. pridas, com uma copazinha de penas vermelhas e
[...] pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal
Então seguimos nosso caminho por este mar de grande de continhas brancas, miúdas, que querem
longo até terça-feira de Oitavas de Páscoa, que foram parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Ca-
21 dias de abril, quando topamos alguns sinais de pitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às
terra [...] a saber: Em primeiro lugar um monte gran- naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala,
de, muito alto e redondo e outras serras mais baixas por causa do mar. [...]
ao sul dele; e terra rasa, com grandes arvoredos. Ao
mesmo monte alto pôs o Capitão o nome de Monte Terceiro trecho
Pascoal; e à terra – Terra de Vera Cruz.
A feição deles é serem pardos, maneira de
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153
para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de Leia também este trecho da História da Província
ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, Santa Cruz, e observe que Gândavo traz aqui uma inver-
mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as
tida noção sobre a língua dos indígenas, além de fazer
orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena,
uma descrição minuciosa sobre o tipo físico do nativo.
com uma confeição branda como cera (mas não o
era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda
e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais História da Província
lavagem para a levantar.
Estes índios são de cor baça, e cabelo corredio; têm
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado
o rosto amassado, e algumas feições dele à maneira de
em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro
chinês. Pela maior parte são bem dispostos, rijos e de
mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por
boa estatura; gente mui esforçada, e que estima pouco
estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nico-
morrer, temerária na guerra, e de muito pouca conside-
lau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na
ração: são desagradecidos em grande maneira, e mui
nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa.
desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos
Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram si- por extremo.
nal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a nin- Vivem todos mui descansados sem terem outros
guém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, pensamentos senão comer, beber, e matar gente, e por
e começou de acenar com a mão para a terra e de- isso engordam muito, mas com qualquer desgosto pelo
pois para o colar, como que nos dizendo que ali havia conseguinte tornam a emagrecer, e muitas vezes pode
ouro. Também olhou para um castiçal de prata e as- deles tanto a imaginação que se algum deseja a morte,
sim mesmo acenava para a terra e novamente para o ou alguém lhe mete em cabeça que há de morrer tal dia
castiçal como se lá também houvesse prata. ou tal noite não passa daquele termo que não morra.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao rei D. Manuel. São mui inconstantes e mudáveis: creem de ligei-
In: VOGT, Carlos; LEMOS, J.A. Guimarães de. Ironistas e viajantes.
São Paulo: Abril Educação, s.d. (Coleção Literatura Comentada.) ro tudo aquilo que lhes persuadem por dificultoso e im-
possível que seja, e com qualquer dissuasão facilmente
Pero de Magalhães Gândavo o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados à
sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se
Autor de O Tratado da Terra do Brasil e da His- neles não houvera razão de homens: ainda que todavia
em seu ajuntamento os machos e fêmeas têm o devido
tória da Província de Santa Cruz, compostas em louvor
resguardo, e nisto mostram ter alguma vergonha.
ao clima, à terra e à paisagem, e que estimulam a imi-
gração do leitor.
Uma planta se dá também nesta Província, que
da ilha de São Tomé, com a fruita da qual se ajudam
muitas pessoas a sustentar a terra. Esta planta é mui
tenra e não muito alta, não tem ramos senão umas fo-
lhas que serão seis ou sete palmos de comprido. A fruita
dela se chama banana. Parecem-se na feição com pepi-
nos, criam-se em cachos. Esta fruita é mui saborosa, e
das boas, que há na terra: tem uma pele como de figo
(ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a
querem comer: mas faz dano à saúde e causa febre a
quem se desmanda nela.
GÂNDAVO, Pero de Magalhães.
História da Província de Santa Cruz.
154
A língua de que usam, toda pela costa, é uma: ain- Dentre suas obras,sobressaem os autos Quando no
da que em certos vocábulos difere n’algumas partes; Espírito Santo,se recebeu uma relíquia das onze milVirgens;
mas não de maneira que se deixem uns aos outros de Na Vila de Vitória; Auto de São Lourenço; e o poema De
entender: e isto até a altura de vinte e sete graus, que Beata Virgine Dei Madre Maria (À beata Virgem Maria
daí por diante há outra gentilidade, de que nós não te- Mãe de Deus).
mos tanta notícia, que falam já outra língua diferente. Veio ao Brasil com a segunda leva de jesuítas
Esta de que trato, que é geral pela costa, é mui branda, na esquadra de Duarte da Costa, segundo Governador-
e a qualquer nação fácil de tomar. Alguns vocábulos há -Geral do Brasil. Em 1554, participou da fundação do
nela de que não usam senão as fêmeas, e outros que colégio, onde também foi professor, na Vila de São Pau-
não servem senão para os machos: carece de três le- lo de Piratininga, núcleo da futura cidade que receberia
tras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, o nome de São Paulo. Exerceu o cargo de provincial dos
coisa digna de espanto porque assim não tem Fé, nem jesuítas, entre os anos de 1577 e 1587. Escreveu cartas,
Lei, nem Rei e desta maneira vivem desordenadamen- sermões, poesias, a gramática da língua mais falada na
te sem terem além disto conta nem peso, nem medida. costa brasileira (o tupi) e peças de teatro, tornando-se
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. representante do Teatro Jesuítico no Brasil.
In: VOGT, Carlos; LEMOS. J. A. Guimarães de, Op. Cit. Sua obra é considerada a primeira manifesta-
ção literária em terras brasileiras. A coleção das obras
Literatura de formação ou jesuítica completas do padre José de Anchieta é dividida em
três gêneros: poesia, prosa e obras sobre Anchieta,
que somam um total de dezessete volumes.
Ao lado da prosa informativa, ocorreram mani-
Leia abaixo A Santa Inês, um dos poemas
festações em poesia e teatro escritas por jesuítas, com
a finalidade de catequizar os índios. A essa produção mais conhecidos de José de Anchieta.
chamamos de literatura de formação, em decorrência Cordeirinha linda,
do aspecto didático que apresenta. como folga o povo
porque vossa vinda
Padre José de Anchieta (1534-1597) lhe dá lume novo!
Cordeirinha santa,
© Benedito Calixto/Wikimedia Commons
de Iesu querida,
Vossa santa vinda
o diabo espanta
156
Barroco ou Seiscentismo a Igreja fortaleceu o Tribunal da Inquisição, que passou a
investigar crimes contra a fé católica e deu início à Con-
trarreforma, com a fundação da Companhia de Jesus, a
O contexto português:
a união da península Ibérica
A dúvida de São Tomé, de Caravaggio.
Em 1580, Portugal foi anexado à Espanha,
em razão do desaparecimento do rei português
Contexto Dom Sebastião – que não deixou descendentes di-
retos –, na batalha de Alcácer-Quibir, na África, em
Os embates religiosos 1578. O rei espanhol Felipe II, um dos parentes mais
próximos de Dom Sebastião, foi proclamado mo-
O movimento denominado Barroco ou Seis- narca dos lusitanos e deu início à dinastia Filipina
centismo aconteceu no segundo período clássico e de- em Portugal, que se estendeu até 1640.
signou genericamente todas as manifestações artísticas
produzidas no século XVII até meados do século XVIII. Sucessivamente, três reis espanhóis adotaram
O estilo barroco sucede o movimento religioso conheci- o nome Felipe (I, II e III). Foi em dezembro de 1640,
do como Reforma Protestante, liderado pelo teólogo que Portugal retomou sua independência, quando
alemão Martinho Lutero (1483-1546). o duque de Bragança foi coroado rei, com o nome
de Dom João IV, e cujo reinado durou até 1656.
157
A arte barroca O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
© Michelangelo Merisi da Caravaggio/Wikimedia Commons
158
Características do Barroco literário Tendência ao dualismo e ao
culto do contraste
O Barroco se traduz como uma arte tensa que
oscila entre opostos, marcada pela crise de valores, No intuito de aproximar opostos, a visão do uni-
contradições entre o espírito cristão, antiterreno e te- verso dualista é, ao mesmo tempo, mística e sensual,
ocêntrico, e o espírito renascentista, antropocêntrico, religiosa e erótica, espiritual e humana. O homem vive
racionalista e mundano. em conflito com o mundo. Para traduzi-lo, abundam an-
títeses, metáforas, sinestesias e hipérboles.
Conflitos e descontentamentos existenciais
Disponível em <http://interata.squarespace.com>
A indefinição entre o divino e o terreno traduz-se
em conflito e descontentamento existencial humano.
São comuns os temas pessimistas, as advertências so-
bre a brevidade da vida, a ênfase na dor e na vergonha
de permanecer em pecado. A relação com a vida terrena
é pessimista, só minorada com a crença na vida celeste.
O tema da penitência é constantemente enfatizado pelo
martírio da dor.
Detalhe preciosista de igreja barroca.
O Barroco em Portugal
O Barroco português conviveu com um país que vi-
via uma crise de identidade, uma vez que estava sob o do-
mínio político da Espanha. Dois aspectos ressaltam a pro-
dução literária desse período: o esforço dos portugueses
de preservar sua cultura e língua e a Contrarreforma, que
Cristo bailarino. Madeira com vestígios de policromia.
deu à produção literária amplo caráter religioso, como, por
Aleijadinho (1781-1790).
exemplo as obras do padre Antônio Vieira, principal escri-
tor português do século XVII.
Em 1580, dois fatos significativos marcaram a vida
cultural e política de Portugal: a morte de Camões e a pas-
sagem do país para o domínio espanhol (1580-1640).
159
A literatura e as artes portuguesas foram in- A presença estrangeira mais marcante, no entan-
fluenciadas pelas manifestações culturais espanholas, to, foi a dos holandeses. Enviado pela Companhia das
que conheceram nesse período o “século de ouro” – Índias Ocidentais com o fim de controlar o comércio do
Cervantes, Gôngora, Quevedo, Lope de Vega e Calderón açúcar nordestino, o general de origem alemã Johann
de La Barca são importantes escritores desse período. O Maurits, conhecido como conde Maurício de Nassau,
florescimento do Barroco em Portugal não se deu com desembarcou no Brasil, em Recife, em 1637, quando já
a mesma intensidade que na Espanha. Como forma de se estabilizara o domínio holandês nas colônias portu-
resistência política ao domínio espanhol, os escritores guesas, iniciado em 1624.
portugueses procuraram preservar a língua e a cultu- Nassau trouxe consigo uma equipe cultural com
ra lusitanas. Assumiram uma postura saudosista, valo- pintores, arquitetos, escritores, naturistas, médicos, as-
rizando personagens e escritores do passado heroico trônomos etc., com o objetivo de documentar as terras
recente: Vasco da Gama, Dom Sebastião, Camões. ocupadas pela Holanda e angariar investimentos euro-
Influenciado pela Contrarreforma, o Barroco peus para a produção açucareira.
português também ganhou fortes matizes religiosos, Com Nassau, Recife sofreu uma verdadeira re-
bem como em todos os países ibéricos. A atuação da formulação urbana: jardins, lagos, palácio para sua aco-
Companhia de Jesus e do Tribunal da Inquisição, ins- modação na ilha de Antônio Vaz, uma cidade inteira foi
taurado em Portugal em meados do século XVI, com- modelada a seu gosto. A cidade Maurícia, ao lado de
pletaram o quadro cultural lusitano daquele período Recife, entre a foz do rio Capibaribe e Beberibe, emergiu
religioso e austero. sob sua administração.
As marcas desse tempo ficaram registradas em
O Barroco no Brasil pinturas e desenhos de Frans Post, encarregado das pai-
sagens e feitos do Governador-Geral, e Albert Eckout,
O marco inicial do Barroco brasileiro data de
responsável pelo registro dos tipos humanos, da fauna
1601, quando Bento Teixeira publicou o poema épico
e flora da “Nova Holanda”, nome de Pernambuco na-
Prosopopeia, com estrofes em oitava rima e versos de-
quela época.
cassílabos, tal qual Os Lusíadas, de Camões, cujo mode-
Frans Post tinha apenas 24 anos quando che-
lo ele seguiu de perto.
gou ao Brasil. Morador de Recife entre 1637 e 1644,
Embora naquela época não houvesse um público
acompanhou a movimentada campanha do governador,
leitor significativo no Brasil, a poesia barroca ganhou
documentando a paisagem e registrando portos e forti-
impulso com a fundação de várias academias literárias
ficações do Maranhão à Bahia.
entre os anos de 1720 e 1750. Vicejaram por todo o sé-
© Divulgação
160
Um Barroco miscigenado
O mundo colonial brasileiro do século XVII não foi influenciado apenas pelo Barroco português, mas, sobre-
tudo, foi pressionado economicamente, graças à imensa exploração de riquezas naturais, de ouro, principalmente.
Em razão disso, o Barroco brasileiro tornou-se uma manifestação miscigenada das culturas europeia, negra e
nativa. Os espaços do Brasil colonial que lhe serviram de cenário foram principalmente o Nordeste e o estado de
Minas Gerais.
Ligado ao ciclo da cana-de-açúcar, o Barroco nordestino aproximou-se da aristocracia rural, exuberante e
pomposa, e refletiu-se na riqueza das construções eclesiásticas e nas amplas acomodações das casas-grandes.
A cidade de Salvador, na Bahia, ainda conta com cerca de 80 igrejas e vários solares e casarões inspirados
no Barroco.
No século XVIII, o Barroco mineiro sobrepujou o da metrópole portuguesa, notadamente nas cidades au-
ríferas de Minas Gerais. Naquela região, sobressaíram as notáveis obras do escultor e arquiteto Antonio Francisco
Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho, cujo trabalho pautou-se pela experiência com materiais locais – pedra-sabão e
madeira. O pintor Manuel da Costa Ataíde (1762-1830) deixou mostras de seu talento em pinturas e afrescos nos
tetos e laterais de igrejas mineiras.
161
INTERATIVI
A DADE
ASSISTIR
162
LER
tt
Livros
Dialética da colonização – Alfredo Bosi
Em capítulos que vão de Anchieta à indústria cultural, Alfredo Bosi, o
conceituado autor da clássica História concisa da Literatura Brasileira,
persegue com sensibilidade as formas históricas que enlaçaram coloniza-
ção, culto e cultura. Dialética da colonização é o resultado deste percurso
sui generis na história do pensamento brasileiro.
163
ARTES PLÁSTICAS
Projeto para a fachada da Igreja de São Francisco, em São João del-Rei (Aleijadinho)
164
Estrutura Conceitual
Literatura de informação
e literatura jesuítica
Quinhentismo
Trovadorismo Humanismo Classicismo
Barroco
Movimento vinculado a
conflitos de cunho religioso
Uso de antíteses
e paradoxos
Cultismo e conceptismo
165
0 3 Gregório de Matos Guerra,
o Boca do Inferno
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
© Wikimedia Commons
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas
e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da iden-
tidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da
própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a
natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da reali-
dade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
O primeiro poeta brasileiro: adequação e irreverência
Gregório de Matos (1633-1696) é o maior poeta barroco brasileiro e um dos fundadores da poesia lírica
e satírica no Brasil. Nasceu em Salvador, estudou no Colégio dos Jesuítas e depois em Coimbra (Portugal), onde
cursou Direito, tornou-se juiz e ensaiou seus primeiros poemas satíricos. De volta ao Brasil, em 1681, exerceu os
cargos de tesoureiro-mor e de vigário-geral, apesar de sempre ter se recusado a vestir-se como clérigo.
Graças às suas sátiras, foi perseguido pelo governador baiano Antônio de Souza Menezes, o “Braço de
Prata”. Depois de se casar com Maria dos Povos e exercer a advocacia, saiu pelo Recôncavo baiano como cantor
itinerante, dedicando-se às sátiras e aos poemas erótico-irônicos, o que lhe custou alguns anos de exílio em Angola.
Voltou doente ao Brasil e, impedido de entrar na Bahia, morreu em Recife.
Ao contrário do padre Antônio Vieira, Gregório foi de encontro a uma tendência generalizadora da época,
alastrando-se e acolhendo a poesia religiosa, os costumes e a reflexão moral.
Em relação aos temas, convivem em seus poemas um desenfreado sentimento de sensualismo, erotismo e
paixão idealizada. Seus poemas são dados ao gosto pelo jogo de palavras e das brincadeiras.
Cronologia biográfica
Gregório de Matos viveu durante o ciclo da cana-de-açúcar e fez parte da elite, à qual ele mesmo se contra-
pôs, ao se indignar com o atraso da sociedade patriarcal brasileira depois de voltar de Portugal.
Ele nada publicou em vida. Depois de sua morte, seus manuscritos foram reunidos em um códice, cuja capa
trazia o brasão da Coroa portuguesa com a seguinte insígnia: Inéditas poezias do doutor Gregório de Mattos Guerra.
169
Exemplo desse pioneirismo é a semelhança do poema
“Ao mesmo desembargador Belchior da Cunha Brocha-
do” com o poema “Rosa tumultuada”, de Manuel Ban-
deira (poeta do século XX).
Disponível em: <http://imirante.globo.com>
O “língua de trapo”
Gregório de Matos primou pela irreverência ao
afrontar os valores e a falsa moral da sociedade baiana 1. Erobo: mitologia, nome das trevas infernais, “onde nunca chega o dia”.
de seu tempo, cujo comportamento era considerado in- Entenda-se: já que tanto garbo tanta energia são gentil glória desta terra,
que sejam também alegria da terra mais remota (isso é, o Erebo).
decoroso. Irreverente como poeta lírico, seguiu e rompeu
Poemas escolhidos de Gregório de Matos. Seleção e prefácio de José
ao mesmo com os modelos barrocos europeus. Como Miguel Wisnik. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 205.
poeta satírico, denunciou as contradições da sociedade
baiana de século XVII, alvejando os grupos sociais – go-
vernantes, fidalgos, comerciantes, escravos, mulatos etc.
A linguagem empregada agrega ao código da
língua portuguesa vocábulos indígenas e africanos, bem
como palavras de baixo calão.
Pelo fato de não ter publicado nenhuma obra em
vida, seus poemas foram transmitidos oralmente, até
meados do século XIX, quando então foram reunidos Manuel Bandeira. Estrela da tarde. 3. ed.
em livro por Varnhagen. São Paulo: Global, 2012, p. 139.
Esse trabalho enfrentou alguns problemas de
natureza autoral. Os copistas não necessariamente obe- Foi apelidado de Boca do Inferno, graças à
deceram a critérios científicos para tal. Há controvérsias sua poesia satírica, dirigida aos governantes corruptos,
sobre a autoria de alguns poemas atribuídos a ele e é co- a religiosos licenciosos e às hipocrisias da sociedade.
mum que um mesmo texto apresente variações de voca- Seus mais de 700 poemas de todos os gêneros e estilos
bulário ou de sintaxe, dependendo da edição consultada. poéticos (exceto o épico) permaneceram inéditos até o
Apesar disso, a obra de Gregório de Matos vem século XX. Entre os anos de 1923 e 1933, a Academia
sendo reconhecida como a que iniciou uma tradição en-
Brasileira de Letras organizou e publicou seis volumes
tre nós, bem como superou os limites do próprio Barro-
deles: I. Poesia sacra; II. Poesia lírica; III. Poesia graciosa;
co. Em pleno século XVII, o poeta chegou a ser um dos
IV e V. Poesia satírica; e VI. Últimas.
precursores da poesia moderna brasileira do século XX.
170
Poesia satírica “Para a tropa do trapo vazo a tripa é uma ex-
pressão idiomática que se aproxima de não quero
Não poupa aspecto algum do sistema e do po- mais dar importância a esse bando de miseráveis”.
der, o que faz dele um poeta maldito. Provoca os políti- WISNIK, José Miguel. Poemas escolhidos de Gregório de Matos.
cos e ridiculariza os que viviam para bajular e louvar os São Paulo: Cultrix, 1976.
171
Poesia lírica: sacra e amorosa Poesia lírica filosófica
A poesia lírica de Gregório de Matos é idealis-
A lírica filosófica de Gregório de Matos revela um
ta, às vezes emocional, às vezes conceitual, mas fre-
poeta que, tal qual os clássicos, transmite um forte senso
quentemente preocupada em entender contradições,
como ensina o professor Antonio Candido. A lírica sacra do “desconcerto do mundo”, ocupa-se com a transito-
ressalta o senso do pecado ao lado do desejo do perdão. riedade da vida, o escoamento do tempo e a fragilidade
do homem.
A Jesus Cristo Nosso Senhor
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, À instabilidade das coisas no mundo
Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinquido, Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Vos tenho a perdoar mais empenhado. Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Se basta a vos irar tanto pecado,
Em contínuas tristezas a alegria.
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Se uma ovelha perdida e já cobrada Como a beleza assim se transfigura?
Glória tal e prazer tão repentinho Como o gosto da pena assim se fia?
Vos deu, como afirmais na Sacra História:
Eu sou, senhor, a ovelha desgarrada, Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Cobrai-a; e a não queirais, Pastor divino, Na formosura não se dê constância,
Perder na vossa ovelha a vossa glória. E na alegria sinta-se tristeza.
despido: despeço; delinquido: cometido delito;
empenhado: comprometido Começa o mundo enfim pela ignorância,
WISNIK, José Miguel. Poemas escolhidos de Gregório de Matos.
São Paulo: Cultrix, 1976.
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
O lirismo amoroso é contraditório, marcado pela
MATOS, Gregório de. Obra completa. São Paulo: Cultura, 1943.
ambiguidade da mulher, vista como uma dualidade
entre matéria e espírito. No soneto abaixo, dedicado à
O tema desse soneto detém-se no estado transi-
dona Ângela de Souza Paredes, o eu lírico está diante
do dilema: qual a finalidade da beleza, se ela leva à per- tório da condição humana. A antítese repete-se na ten-
dição? Que papel tem o anjo (a mulher admirada), se tativa de aproximação entre duas ideias naturalmente
causa a desventura? opostas.
Na segunda estrofe, todos os versos interrogam
Não vira em minha vida a formosura,
Ouvia falar dela a cada dia o eu poético, bem como o deixam perplexo diante do
E ouvida, me incitava e me movia mistério do universo.
A querer ver tão bela arquitetura: Essa é uma visão de mundo que corresponde à
Ontem a vi, por minha desventura arte barroca: o homem é um ser instável em face da
Na cara, no bom ar, na galhardia realidade que lhe faz apelos dirigidos aos sentidos, diri-
De uma mulher, que em Anjo se mentia gidos ao espírito.
De um Sol, que se trajava em criatura:
Matem-me, disse eu vendo abrasar-me,
Se esta a coisa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo e tanto exagerar-me:
Olhos meus, disse então por defender-me,
Se a beleza heis de ver para matar-me,
Antes olhos cegueis, do que eu perder-me
172
INTERATIVIDADE
ASSISTIR
OBRAS
173
LER
Livros
O lúdico e as projeções do mundo barroco - Affonso Ávila,
Perspectiva, 1971
174
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES
Esta habilidade demanda que o estudante saiba lidar com o primeiro aspecto da tríade
analítica básica a arte literária (contexto / autor / obra). Conhecer o contexto, ou seja, a
história e as relações sociais e políticas nela impressas. Esta relação entre o texto literário
e o contexto político requer que o estudante abandone aquele senso comum do discurso:
“política não se discute”, pois no Enem não só se discute, como serve de base para re-
solução das questões de Literatura.
Modelo
(Enem)
Quando Deus redimiu da tirania
Da mão do Faraó endurecido
O Povo Hebreu amado, e esclarecido,
Páscoa ficou da redenção o dia.
Páscoa de flores, dia de alegria
Àquele povo foi tão afligido
O dia, em que por Deus foi redimido;
Ergo sois vós, Senhor, Deus da Bahia.
Pois mandado pela Alta Majestade
Nos remiu de tão triste cativeiro,
Nos livrou de tão vil calamidade.
Quem pode ser senão um verdadeiro
Deus, que veio estirpar desta cidade
o Faraó do povo brasileiro.
(DAMASCENO, D. Melhores poemas: Gregório de Matos. São Paulo: 2006)
Com uma elaboração de linguagem e uma visão de mundo que apresentam princípios barrocos, o
soneto de Gregório de Matos apresenta temática expressa por
a) visão cética sobre as relações sociais.
b) preocupação com a identidade brasileira.
c) crítica velada à forma de governo vigente.
d) reflexão sobre dogmas do Cristianismo.
e) questionamento das práticas pagãs na Bahia.
175
Análise Expositiva
Habilidade 15
O poema de Gregório de Matos estabelece uma intertextualidade com as Sagradas Escrituras:
“Quando Deus redimiu da tirania/Da mão do Faraó endurecido”.
Entender as características do escritor é premissa básica para a resolução da questão. Gre-
gório de Matos, conhecido como o “Boca do Inferno” utilizava sua literatura como meio de
criticar a sociedade de sua época, ainda que o fizesse por meio de metáforas, como ocorre no
texto acima: “Deus, que veio estirpar desta cidade/o Faraó do povo brasileiro.”
Alternativa C
Estrutura Conceitual
GREGÓRIO
DE MATOS
O BOCA DO INFERNO
2 Gregório de Matos ganhou o apelido
de “boca do Inferno” por conta de
suas poesias satíricas e sua
176
0 4 Padre Antônio Vieira
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
© Wikimedia Commons
L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas
e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da iden-
tidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da
própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a
natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da reali-
dade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Padre Antônio Vieira e o convencimento da fé cristã
Antônio Vieira (1608-1697) é a principal expressão do Barroco em Portugal. Sua obra pertence tanto
à literatura portuguesa quanto à brasileira. Compreende um vasto campo temático que vai da religião à política,
passando pela diplomacia num desfile de sua mais interessante capacidade: a de orador e pregador da fé cristã.
Português de origem, Vieira tinha sete anos quando veio com a família para o Brasil. Na Bahia, estudou com
os jesuítas e espontaneamente ingressou na Companhia de Jesus, iniciando seu noviciado com apenas 15 anos. A
maior parte de sua obra foi escrita no Brasil. Desempenhou várias atividades como religioso, conselheiro de Dom
João IV, rei de Portugal, e como mediador de Portugal em conflitos econômicos e políticos com outros países.
Disponível em: <http://www.colegioweb.com.br>
179
“Umas religiões são de descalços, outras de calçados; a
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vossa é de descalços e despidos. O vosso hábito é da mesma cor;
porque não vos vestem as peles das ovelhas e camelos, como a
Elias, mas aquelas com que vos cobriu ou descobriu a natureza,
expostos aos calores do sol e frios das chuvas. A vossa pobreza é
mais pobre que a dos menores, e a vossa obediência mais sujei-
ta dos que nós chamamos mínimos. As vossas abstinências mais
merecem nome de fome, que de jejum, e as vossas vigílias não
são de uma hora à meia-noite, mas de toda a noite sem meio. A
vossa regra é uma ou muitas, porque é a vontade e vontades de
vosso senhores. Vós estais obrigados a eles, porque não podeis
deixar o seu cativeiro, e eles não estão obrigados a vós, porque
vos podem vender a outro, quando quiserem. Em uma só reli-
Medalha do Padre Antônio Vieira, esculpida por Dorita Castelo Branco. gião se acha este contrato, para que também a vossa seja nisto
singular. Nos nomes do vosso tratamento não falo, porque não
Embora Vieira defendesse os índios da escravi- são de reverência nem de caridade, mas de desprezo e afronta.
dão, seus sermões eram reticentes em relação à escravi- Enfim, toda a religião tem fim e vocação, graça particular. A gra-
zação dos negros. Limitavam-se a descrever a situação a ça da vossa são açoutes e castigos” [...].
que eram submetidos os negros e a apontar a perspecti-
va de uma pós-morte que compensasse os sofrimentos Padre visionário
em vida. “A realidade na qual Vieira procura interferir
Vieira também foi sonhador e profeta, chegou
não é diretamente a exterior, mas a interior, tentando
a escrever três obras nesse sentido: História do futuro,
mudar as convicções tanto dos negros como dos bran- Esperança de Portugal e Clavis Prophetarum.
cos. Por isso, nestes sermões ele se dirige aos dois, ora a Baseado em textos bíblicos e nos textos proféticos
um, ora a outro, sabendo que o ouvem continuamente” do poeta português Bandarra, ele acreditava na ressurrei-
comenta o historiador Luiz Roncari (Literatura brasileira ção do rei Dom João IV, seu protetor, morto em 1656. Es-
– dos primeiros cronistas aos últimos românticos. 2. ed. sas ideias constam em Esperança de Portugal. Em razão
São Paulo: Edusp/FDE, 1995. p. 167). delas, entre 1665 e 1667, foi processado e preso pela In-
Observe tal postura neste fragmento do “Ser- quisição e teve cassado seu direito à palavra em Portugal.
Disponível em: <http://redememoria.bn.br>
180
atacar os judeus, como se fazia nos países católicos
pressionados pela Inquisição, Vieira defendia a perma-
nência e a entrada deles em Portugal como forma de
estimular o comércio naquele país. Paralelamente, pre-
Sermão da sexagésima
Metalinguagem
© Divulgação
181
Deus? Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, por Trecho IV
que não faz fruto a Palavra de Deus? Por culpa nossa.” Mas dir-me-eis: padre, os pregadores de hoje não pre-
Leia com atenção alguns trechos do “Sermão da gam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois
sexagésima”. como não pregam a palavra de Deus? – esse é o mal. Pregam
palavras de Deus, mas não pregam a Palavra de Deus.
Trecho II
[...] o pregar há de ser como quem semeia, e não
como quem ladrinha ou azuleja. Não fez Deus o céu em
xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão
em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, de
outra há de estar negro; se de uma parte está dia, de outra
há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da outra hão
de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra
hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num
sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre
em fronteira com o seu contrário? [...]
Trecho III
Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de
ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da
mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo
isto com os olhos? Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem tron-
co, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos.
Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas,
porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco,
porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste
tronco hão de nascer diversos ramos, que soa diversos discur-
Interior da igreja de Nossa Senhora da Ajuda, em Salvador (BA), onde o
sos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; es- padre Vieira proferiu o sermão contra os holandeses.
tes ramos hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque
os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. [...]
182
Trecho I Trecho I
(...) Pequei, que mais Vos posso fazer? E que fizestes vós, Vos estis sal terrae. Haveis de saber, irmãos peixes, que
Job, a Deus em pecar? Não Lhe fiz pouco; porque Lhe dei oca- o sal, filho do mar como vós, tem duas propriedades, as quais
sião a me perdoar, e perdoando-me, ganhar muita glória. Eu em vós mesmos se experimentam: conservar o são e preservá-
dever-Lhe-ei a Ele, como a causa, a graça que me fizer; e Ele lo para que se não corrompa. Estas mesmas propriedades
dever-me-á a mim, como a ocasião, a glória que alcançar. (...). tinham as pregações do vosso pregador Santo António, como
Em castigar, vencei-nos a nós, que somos criaturas fracas; mas também as devem ter as de todos os pregadores. Uma é louvar
em perdoar, vencei-Vos a Vós mesmo, que sois todo-poderoso o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o conservar
e infinito. Só esta vitória é digna de Vós, porque só vossa jus- e repreender o mal para preservar dele. Nem cuideis que isto
tiça pode pelejar com armas iguais contra vossa misericórdia; pertence só aos homens, porque também nos peixes tem seu
e sendo infinito o vencido, infinita fica a glória do vencedor. lugar. Assim o diz o grande Doutor da Igreja S. Basílio: Non
carpere solum, reprehendereque possumus pisces, sed sunt
Trecho II in illis, et quae prosequenda sunt imitatione: ’Não só há que
Não hei de pregar hoje ao povo, não hei de falar com os notar, diz o Santo, e que repreender nos peixes, senão tam-
homens, mais alto hão de sair as minhas palavras ou as minhas bém que imitar e louvar.’ Quando Cristo comparou a sua Igreja
vozes: a vosso peito divino se há de dirigir todo o sermão. à rede de pescar, Sagenae missae in mare, diz que os pesca-
dores ‘recolheram os peixes bons e lançaram fora os maus’:
Elegerunt bonos in vasa, malos autem foras miserunt. E onde
há bons e maus, há que louvar e que repreender. Suposto isto,
Sermão de Santo Antônio para que procedamos com clareza, dividirei, peixes, o vosso
(aos peixes) sermão em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas
virtudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios. E des-
Sermão de Santo Antônio, também chamado ta maneira satisfaremos às obrigações do sal, que melhor vos
de Sermão aos peixes, foi pregado em São Luís do está ouvi-las vivos, que experimentá-las depois de mortos.
Maranhão, em 1654, e refere-se a colonos que aprisio-
navam indígenas. Trecho II
Três dias antes do embarque escondido para Lis- Este é, peixes, em comum o natural que em todos
boa, na festa de Santo Antônio – 13 de junho de 1654 vós louvo, e a felicidade de que vos dou o parabém, não
–, em São Luís do Maranhão, Vieira causou surpresa: em sem inveja. Descendo ao particular, infinita matéria fora
vez de tematizar os milagres de Santo Antônio, detona a se houvera de discorrer pelas virtudes de que o Autor da
situação que estava vivendo, a pressão contra sua pes- natureza a dotou e fez admirável em cada um de vós. De
soa e alerta aos ouvintes que se não quisessem ouvi-lo alguns somente farei menção. E o que tem o primeiro lu-
que fossem como Santo Antônio, pregaria aos peixes, gar entre todos, como tão celebrado na Escritura, é aquele
que estavam ali a poucos passos. Os vícios e as virtudes santo peixe de Tobias a quem o texto sagrado não dá outro
dos homens são elencados na busca por uma legislação nome que de grande, como verdadeiramente o foi nas vir-
mais justa aos índios. tudes interiores, em que só consiste a verdadeira grandeza.
O sermão exalta as qualidades dos peixes, como Ia Tobias caminhando com o anjo S. Rafael, que o acom-
panhava, e descendo a lavar os pés do pó do caminho nas
a obediência, e critica a soberba e o oportunismo. O
margens de um rio, eis que o investe um grande peixe com
principal defeito que ele aponta é a intensidade e a
a boca aberta em ação de que o queria tragar. Gritou Tobi-
voracidade, uma vez que os peixes devoram uns aos
as assombrado, mas o anjo lhe disse que pegasse no peixe
outros, especialmente os maiores, que devoram os me-
pela barbatana e o arrastasse para terra; que o abrisse e
nores. Vieira exalta os peixes que, por sua natureza, não
lhe tirasse as entranhas e as guardasse, porque lhe haviam
podem ser sacrificados vivos a Deus e sacrificam-se en-
de servir muito. Fê-lo assim Tobias, e perguntando que vir-
tão, em respeito e reverência.
tude tinham as entranhas daquele peixe que lhe mandara
guardar, respondeu o anjo que o fel era bom para sarar da
cegueira e o coração para lançar fora os demônios:
183
Cordis eius particulam, si super carbones ponas, fumus
eius extricat omne genus daemoniorum: et fel valet ad ungen-
dos oculos, in quibus fuerit albugo, et sanabuntur. Assim o disse
o anjo, e assim o mostrou logo a experiência, porque, sendo o
pai de Tobias cego, aplicando-lhe o filho aos olhos um pequeno
do fel, cobrou inteiramente a vista; e tendo um demônio,
chamado Asmodeu, morto sete maridos a Sara, casou com ela
o mesmo Tobias; e queimando na casa parte do coração, fugiu
dali o Demônio e nunca mais tornou. De sorte que o fel daquele
peixe tirou a cegueira a Tobias, o velho, e lançou os demônios
de casa a Tobias, o moço. Um peixe de tão bom coração e de tão
proveitoso fel, quem o não louvará mais? Certo que se a este
peixe o vestiram de burel e o ataram com uma corda, parecia
um retrato marítimo de Santo António.
Trecho III
Ah peixes, quantas invejas vos tenho a essa natural
irregularidade! Quanto melhor me fora não tomar a Deus nas
mãos, que tomá-lo indignamente! Em tudo o que vos excedo,
peixes, vos reconheço muitas vantagens. A vossa bruteza é
melhor que a minha razão e o vosso instinto melhor que o
meu alvedrio. Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com as
palavras; eu lembro-me, mas vós não ofendeis a Deus com
a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o
entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a
vontade. Vós fostes criados por Deus, para servir ao homem, e
conseguis o fim para que fostes criados; a mim criou-me para
o servir a ele, e eu não consigo o fim para que me criou.
184
INTERATIVIDADE
ASSISTIR
105
LER
Livros
Livros
Padre Antônio Vieira - 400 Anos Depois - Lelia Parreira
Duarte e Maria Thereza Abelha Alves
OBRAS
Em obra do século XVIII, o padre Antônio Vieira aparece sendo expulso por revoltosos no Maranhão.
(Fundação Biblioteca Nacional)
106
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES
Esta habilidade demanda que o estudante saiba lidar com o primeiro aspecto da tríade analítica
básica: a arte literária (contexto / autor / obra). Conhecer o contexto, ou seja, a história e as rela-
ções sociais e políticas nela impressas. Esta relação entre o texto literário e o contexto político re-
quer que o estudante abandone aquele senso comum do discurso: “política não se discute”, pois
no Enem não só se discute, como serve de base para resolução das questões de Literatura.
Modelo
(Enem) Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado porque padeceis em um modo muito
semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz e em toda a sua paixão. A sua cruz foi
composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três. Também ali não faltaram as canas,
porque duas vezes entraram na Paixão: uma vez servindo para o cetro de escárnio, e outra vez para
a esponja em que lhe deram o fel. A Paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de
dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo
sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as
prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que,
se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio.
VIEIRA, A. Sermões. Tomo XI. Porto: Lello & Irmão, 1951 (adaptado).
O trecho do sermão do Padre Antônio Vieira estabelece uma relação entre a Paixão de Cristo e
a) a atividade dos comerciantes de açúcar nos portos brasileiros.
b) a função dos mestres de açúcar durante a safra de cana.
c) o sofrimento dos jesuítas na conversão dos ameríndios.
d) o papel dos senhores na administração dos engenhos.
e) o trabalho dos escravos na produção de açúcar.
187
Análise Expositiva
Habilidade 15
O consagrado sermão apresentado por Padre Antônio Vieira estabelece uma relação entre o
sofrimento de cristo crucificados e as condições de maus tratos sofridos pelos escravos nos
engenhos de açúcar. Este pressuposto embasa a habilidade 15 cobrada pelo Enem que deseja
que o estudante entenda sua denúncia para com o martírio vivido pelos cativos na sociedade
colonial. Um trecho do texto que confirma esta proposição é: “Em um engenho sois imita-
dores de Cristo crucificado porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo
Senhor padeceu na sua cruz e em toda a sua paixão”.
Alternativa E
Estrutura Conceitual
1
Veio para o Brasil com sua família humilde, desembarcando na Bahia
com seis anos de idade. Seu pai foi nomeado escrivão dos Agravos e
Apelações da Relação da Bahia. Fez seus primeiros estudos com sua
mãe, e depois no Colégio dos Jesuítas.
2 3
Vieira fez seu primeiro sermão “Os homens são como os olhos:
em Portugal no dia 1º de janeiro vendo tudo não se veem a si próprios”.
de 1642. Padre Antônio Vieira
188
0 5 Arcadismo no Brasil e
nativismo épico
Competência Habilidades
5 15, 16 e 17
Commons
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© Wikimedia
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L C
ENTRE LETRAS
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas
e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da iden-
tidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da
própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a
natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da reali-
dade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
Minas Gerais e o ciclo do ouro
O Arcadismo brasileiro teve origem e expressão principalmente em Vila Rica (hoje Ouro Preto), em Minas
Gerais, cuja manifestação se relaciona diretamente com o grande crescimento urbano no século XVIII nas cidades
mineiras e a expansão econômica graças à extração de ouro.
Em cidades maiores, cresciam a divulgação de ideias políticas e o florescimento da literatura. Jovens brasilei-
ros das camadas mais privilegiadas da sociedade costumavam ser mandados a Coimbra, em Portugal, para estudar.
Aqui, na Colônia, não havia cursos superiores. Ao retornarem de Portugal, traziam ideias que faziam fermentar a
vida cultural portuguesa à época das inovações políticas e culturais do ministro marquês de Pombal, adepto de
algumas ideias iluministas.
Em Vila Rica, essas ideias levaram vários intelectuais e escritores a sonhar com a independência do Brasil,
principalmente após a repercussão do movimento de independência dos Estados Unidos das América (1776), so-
nhos esses que culminaram na frustrada Inconfidência Mineira (1789).
191
das obras de Basílio da Gama e Santa Rita Durão; a por portugueses e espanhóis, e o Caramuru, de
expressão dos sentimentos, em Tomás Antônio Gonzaga Santa Rita Durão, narra as aventuras do portu-
e Silva Alvarenga, é mais espontânea e menos conven- guês Diogo Álvares Correia, que aprisionado
cional. Esses aspectos característicos da poesia árcade pelo tupinambás na costa brasileira, viveu entre
nacional foram mais tarde recuperados e aprofundados os selvagens e casou-se com uma indígena.
pelo Romantismo, movimento que buscou definir uma
identidade nacional à nossa literatura.
Além dessa espécie de adaptação do modelo eu-
ropeu a das peculiaridades locais, não se pode esquecer
da forte influência barroca exercida no Brasil ainda du-
rante o século XVIII. As igrejas de Ouro Preto de então
só tiveram sua construção concluída quando o Arcadis-
mo já vigorava na literatura.
Entre os autores árcades brasileiros, destacam-se: Os árcades e a Inconfidência
§§ líricos: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antô-
nio Gonzaga e Silva Alvarenga. Os escritores árcades mineiros Tomás Antonio
§§ épicos: Basílio da Gama, Santa Rita Durão e Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Cláudio Manuel da Costa
Cláudio Manuel da Costa. participaram diretamente do movimento da Inconfidên-
§§ satíricos: Tomás Antônio Gonzaga. cia Mineira. Chegados de Coimbra com ideias enciclo-
§§ encomiásticos: Silva Alvarenga e Alvarenga pedistas e influenciados pela independência dos EUA,
Peixoto.
eles não apenas se somaram aos revoltosos contra a
A poesia laudatória ou encomiástica, gênero poéti-
exploração pelo erário régio, que confiscava a maior
co de exaltação, foi muito praticada no século XVIII e serviu
parte do ouro extraído da Colônia, mas também ajuda-
de veículo para ideias políticas relacionadas ao Iluminismo.
A primeira obra árcade publicada no Brasil foi ram a divulgar os sonhos de um Brasil independente e
Obras poéticas, de Cláudio Manuel da Costa, em 1768. contribuíram para a organização do grupo inconfidente.
Peculiaridades do
Arcadismo brasileiro
§§ Apego aos valores da terra. Esse apego era
oferecido pela localização geográfica do “grupo
mineiro”, em quem brotou um nativismo que se
incorporou ao ideário da estética bucólica, em voga
no Arcadismo. Emergido da natureza brasileira, ser-
viu de pano de fundo para a poesia dos “pastores”.
§§ Sátira à corrupção. Em Cartas chilenas, Tomás Desse grupo, apenas um homem não tinha a
Antonio Gonzaga fez circular a sátira política em mesma formação intelectual dos demais nem era escri-
manuscritos anônimos, criticando a exploração tor, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes –
portuguesa e a corrupção dos governos coloniais, alcunha que recebeu por ser dentista prático –, maçom
o que revela significativa consciência política do Ar- e simpatizante dos ideais iluministas.
cadismo brasileiro graças à consciência política do Traídos por Joaquim Silvério dos Reis, que devia vul-
“grupo mineiro”. tosas somas ao governo português, os inconfidentes foram
§§ Incorporação do indígena. Os poemas épi- presos. À exceção de Tiradentes, todos negaram ter participa-
cos, O Uraguai, de Basílio da Gama, narram a luta ção do movimento. Segundo versão oficial, Cláudio Manuel
contra indígenas e jesuítas e são protagonizados da Costa teria se suicidado na prisão antes do julgamento.
192
Tiradentes, que assumiu para si a responsabilidade O poema apresenta inversões na ordem dos ter-
da liderança do grupo, e Alvarenga Peixoto foram conde- mos da frase (Nise, a matutina aurora, já rompe o negro
nados à morte por enforcamento. Tomás Antônio Gonzaga manto com que a noite escura tinha escondido a chama
e outros, condenados ao exílio temporário ou perpétuo. brilhadora, sufocando a face pura do Sol) e figuração
No dia 20 de abril de 1792, foi comutada a pena (“negro manto”, para noite, e “chama brilhadora”,
de todos os participantes do movimento, menos a de para Sol) tipicamente barrocas.
Tiradentes, enforcado no dia seguinte. Seu corpo foi es-
quartejado e as partes expostas por Vila Rica. Os bens
foram confiscados, a família, amaldiçoada por quatro
gerações e o chão de sua casa foi salgado para que nele
nenhuma planta voltasse a nascer.
193
O autor cultivou a poesia lírica e épica. Na lírica, des-
Tomás Antônio Gonzaga:
taca-se o tema da desilusão amorosa. A situação mais comum
observada em seus sonetos é a de Glauceste, o eu lírico pastor,
a renovação árcade
que se lamenta em razão de não ser correspondido por sua Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) é o mais
musa inspiradora, Nise, ou de encontrar-se num lugar de gran- popular dos poetas árcades mineiros, e sua obra ainda
hoje é lida com interesse. Nascido no Porto, em Portugal,
de beleza natural sem a companhia da mulher amada.
veio ainda menino com a família para a Bahia, onde vi-
Nise é uma personagem fictícia incorpórea, pre-
veu e estudou até a juventude. Posteriormente, fez o cur-
sente apenas pela citação nominal. Não se manifesta so de Direito, em Coimbra, e, como Cláudio Manuel da
na relação amorosa, não há nenhuma demonstração de Costa, lá estabeleceu contato com as ideias iluministas e
correspondência às invocações do eu lírico. Apenas repre- árcades. Escreve uma obra filosófica em homenagem ao
senta o ideal da mulher amada inalcançável – nítido tra- marquês de Pombal: Tratado de Direito Natural.
De volta ao Brasil, passou a viver em Vila Rica,
ço de reaproveitamento do neoplatonismo renascentista.
onde exerceu a função de ouvidor. Iniciou ali sua ativi-
Na poesia épica, o poema Vila Rica é inspirado dade literária e sua relação amorosa com Maria Doro-
nas epopeias clássicas, que trata da penetração ban- teia de Seixas, uma jovem então com 16 anos, cantada
deirante, da descoberta das minas, da fundação de Vila em seus versos com o pseudônimo de Marília.
Rica e das revoltas locais. Hoje, no conjunto da obra do Em 1789, acusado de participar da Inconfidência,
Gonzaga foi preso e mandado ao Rio de Janeiro, onde ficou
autor sobrepõe-se a lírica:
encarcerado até 1792, quando foi exilado para Moçambi-
que. Apesar dos sofrimentos passados na prisão, Gonzaga
Enfim serás cantada, Vila Rica, levou na África uma vida relativamente tranquila. Lá, casou-
Teu nome alegre notícia, e já clamava; -se, enriqueceu e ainda se envolveu com a política local.
Viva o senado! viva! repetia
Itamonte, que ao longe o eco ouvia.
A arte e a vida
Comparada a dos demais poetas árcades brasi-
leiros, a poesia de Tomás Antônio Gonzaga apresenta
inovações que apontam para uma transição do Arcadis-
mo para o Romantismo.
Incorporando muito de sua experiência pessoal à
poesia, escrita antes e durante a prisão, Gonzaga con-
seguiu quebrar a rigidez dos princípios árcades. Em con-
Ouro Preto, de Guignard. traposição à contenção dos sentimentos, sua poesia é
mais emotiva e espontânea. Em vez de apresentar uma
194
mulher irreal, como a Nise, de Cláudio Manuel da Costa,
sua Marília se mostra mais humana, próxima e real:
195
as peles dos cordeiros mal curtidas, O texto a seguir, de Tomás Antônio Gonzaga, é
e os panos feitos com lãs mais grossas. constituído por fragmentos da “Carta 2a”, na qual Cri-
Mas ao menos será o teu vestido tilo narra a seu amigo Doroteu o comportamento de
Por mãos de amor, por minhas mãos cosido. Fanfarrão Minésio na cidade de Santiago.
Nas noites de serão nos sentaremos
cos filhos, se os tivermos, à fogueira: Não cuides, Doroteu, que brandas penas
entre as falsas historias, que contares, me formam o colchão macio e fofo;
lhes contarás a minha, verdadeira. não cuides que é de paina a minha fronha
Pasmados te ouvirão; eu, entretanto, e que tenho lençóis de fina holanda,
ainda o rosto banharei de pranto. com largas rendas sobre os crespos folhos;
custosos pavilhões, dourados leitos
A poesia satírica: Cartas chilenas e colchas matizadas não se encontram
na casa mal provida de um poeta,
O poema satírico, incompleto, Cartas chilenas, aonde há dias o rapaz que serve
circulou em partes pela cidade de Vila Rica, entre 1787- nem na suja cozinha acende o fogo.
1788. Depois da Inconfidência Mineira, essas cartas desa- Mas nesta mesma cama tosca e dura,
descanso mais contente do que dorme
pareceram, o que fez supor que seus autores ou seu autor
aquele só põe o seu cuidado
fosse um dos poetas árcades presos, Cláudio Manuel da
em deixar a seus filhos o tesouro
Costa, Tomás Antônio Gonzaga ou Alvarenga Peixoto. Es-
que ajunta, Doroteu, com mão avara,
tudos estilísticos do português Rodrigues Lapa atribuem
furtando ao rico e não pagando ao pobre.
a autoria delas a Tomás Antônio Gonzaga. Aqui... mas onde vou, prezado amigo?
A omissão da autoria nas Cartas chilenas decorre Deixemos episódios que não servem,
do risco resultante de seu conteúdo. Elas satirizavam os des- e vamos prosseguindo a nossa história.
mandos administrativos e morais de Luiz da Cunha Meneses, Apenas, Doroteu, o nosso chefe
que governou a capitania de Minas entre 1783 e 1788. as rédeas manejou do seu governo,
A obra é um jogo de disfarces. Fanfarrão Minésio fingir nos intentou que tinha uma alma
é o pseudônimo do governo; chilenas equivale a minei- amante da virtude. Assim foi Nero.
ras; Santiago, de onde são assinadas, equivale a Vila Governou aos romanos pelas regras
Rica. O autor das cartas é identificado como Critilo, e da formosa justiça, porém logo
trocou o cetro de ouro em mão de ferro.
seu destinatário, Doroteu.
Manda, pois, aos ministros lhe deem listas
As Cartas chilenas são a principal expressão sa-
de quantos presos as cadeias guardam:
tírica da literatura colonial do século XVIII. Trilhando os
faz a muitos soltar e aos mais alenta
caminhos abertos por Gregório de Matos, Gonzaga dá
de vivas, bem fundadas esperanças.
continuidade à irregular tradição satírica de nossa lite-
ratura, ao mesmo tempo que oferece à historiografia Estranha ao subalterno, que se arroga
um rico painel social e político daqueles dois anos que o poder castigar ao delinquente
precederam a Inconfidência Mineira. com troncos e galés, enfim, ordena
que aos presos, que em três dias não tiveram
Embora a crítica do poema tenha como alvo apenas
assentos declarados, se abram logo
o governador e seus assessores, não o colonialismo portu-
em nome dele, chefe, os seus assentos.
guês propriamente, fica clara a fragilidade da estrutura po-
Aquele, Doroteu, que não é santo,
lítica colonial e os abusos de poder praticados pela Coroa.
mas quer fingir-se santo aos outros homens,
Apesar da suposição de que o poema tenha sido pratica muito mais do que pratica
escrito para ser distribuído em Vila Rica em forma de quem segue os sãos caminhos da verdade.
panfleto, sua qualidade apresenta certa regularidade. Ra- Mal se põe nas igrejas, de joelhos,
ramente cai no panfletário. O poema mantém certa atu- abre os braços em cruz, a terra beija,
alidade, acostumados que estamos a muitos fanfarrões. entorta o seu pescoço, fecha os olhos,
196
faz que chora, suspira, fere o peito e conseguiu uma façanha única entre os brasileiros da
e executa outras muitas macaquices, época: ingressar na Arcádia Romana, na qual assumiu o
estanho em parte onde o mundo as veja. pseudônimo de Termindo Sipílio.
Assim o nosso chefe, que procura
Em 1767, voltou ao Rio de Janeiro, onde foi
mostra-se compassivo, não descansa
preso no ano seguinte acusado de ter ligação com os
com estas poucas obras: passa a dar-nos
da sua compaixão maiores provas. jesuítas. Um decreto de então condenava ao exílio em
O povo, Doroteu, é como as moscas Angola quem mantivesse comunicação oral ou escrita
que correm ao lugar, aonde sentem com os jesuítas.
o derramado mel; é semelhante Preso, Basílio da Gama foi levado a Lisboa. Livrou-
aos corvos e aos abutres, que se ajuntam -se da prisão graças a um poema em homenagem à filha
nos ermos, onde fede a carne podre.
do conde de Oeiras, futuro marquês de Pombal. A amiza-
À vista, pois, dos fatos, que executa
de lhe rendeu novos contatos com os árcades portugue-
o nosso grande chefe, decisivos
ses e permitiu-lhe escrever sua obra máxima, O Uraguai.
da piedade que finge, a louca gente
de toda a parte corre a ver se encontra
algum pequeno alívio à sombra dele. O Uraguai
(In: Tomás Antônio Gonzaga. São Paulo: Abril Educação, 1980. p.
66-70. Literatura Comentada.
Publicado em 1769, O Uraguai é tematiza a luta
de portugueses e espanhóis contra índios e jesuítas que,
instalados nas missões jesuíticas do atual Rio Grande do
Sul, não queriam aceitar as decisões do Tratado de Madri.
Basílio da Gama e o
nativismo indianista
Basílio da Gama (1741-1795) nasceu na cida-
de que hoje é chamada Tiradentes, em Minas Gerais. A quebra do modelo clássico
Estudou em colégio jesuíta, no Rio de Janeiro, e tinha
intenção de ingressar na carreira eclesiástica. Comple- A luta travada por portugueses e espanhóis
tou seus estudos em Portugal e na Itália, no período contra índios e jesuítas é narrada por Basílio da Gama,
em que os jesuítas foram expulsos dos domínios portu- desde os preparativos até a conclusão. Os cantos apre-
gueses. Na Itália, Basílio construiu uma carreira literária sentam a seguinte sequência de fatos:
197
§§ Canto I: as tropas aliadas reúnem-se para com- Quem é o verdadeiro herói da história?
bater os índios e os jesuítas.
§§ Canto II: o exército avança e há uma tentativa de Pelo fato de O Uraguai ser uma obra de intenções
negociação com os chefes indígenas Sepé e Ca- épicas, seria de esperar que em nada tivessem destaque os
cambo. Sem acordo, trava-se a luta, que termina movimentos de guerra e os atos de heroísmo. Contudo, não
com a derrota e a retirada dos índios. é o que se verifica. Ao contrário, a própria guerra chega a ser
§§ Canto III: Cacambo ateia fogo à vegetação em questionada como meio de atuação política, o que revela
volta do acampamento aliado e foge para sua uma postura tipicamente iluminista do autor, cujas ideias
aldeia. O padre Balde, vilão da história, faz pren- coincidem com as de seu amigo Marquês de Pombal.
der e matar Cacambo para que seu filho sacrílego
Baldeta possa casar-se com Lindoia, esposa de Vinha logo de guardas rodeado,
Cacambo, e tomar a posição do chefe indígena Fonte de crimes, militar tesouro,
morto. Em uma visão, Lindoia prevê o terremoto Por quem deixa no rego o curto arado
de Lisboa e a expulsão dos jesuítas por Pombal. O lavrador, que não conhece a glória:
E vencendo a vil preço o sangue e a vida
§§ Canto IV: no mais bonito dos cinco cantos são re-
Move, e nem sabe por que move a guerra.
tratados os preparativos do casamento de Baldeta
com Lindoia. Chorando a morte do marido, não
O herói português Gomes Freire de Andrade, líder das
quer casar-se. Entra num bosque e deixa-se picar
tropas luso-espanholas, também não mostra o
por uma cobra venenosa. Chegam os brancos,
entusiasmo dos heróis épicos tradicionais:
que cercam a aldeia. Todos fogem. Antes, porém,
os padres mandam queimar as casas e a igreja.
§§ Canto V: o líder português Gomes Freire de An- ...Descontente e triste
drada prende os inimigos na aldeia próxima. Há Marchava o General: não sofre o peito
Compadecido e generosa a vista
referências ao domínio universal da Companhia
Daqueles frios e sangrados corpos,
de Jesus e a seus crimes.
Vitimas da ambição de injusto império
Escrito em apenas cinco cantos em versos bran-
cos (sem rima) e sem estrofação, O Uraguai não segue a
estrutura camoniana de Os Lusíadas. Embora apresente O genocídio de Sete Povos das Missões
as cinco partes tradicionais das epopeias – proposição,
invocação, dedicatória, narração e epílogo – o poema O Tratado de Madri (1750) determinava uma
inicia com a ação em pleno desenvolvimento: troca de territórios: os portugueses que viviam na colô-
nia de Sacramento – hoje parte do Uruguai – deveriam
Fumam ainda nas desertas praias desocupar a região e instalar-se nos sete povoados,
Lagos de sangue tépidos e impuros chamados Sete Povos, pertencentes a Portugal e ocu-
Em que ondeiam cadáveres despidos.
pados por índios. Em troca, a Espanha teria soberania
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
sobre as Tordesilhas. Provavelmente influenciados pelos
O rouco som da irada artilheria.
jesuítas, os indígenas que ocupavam aqueles povoados
não queriam passar ao domínio português. Diante do
O fato de o autor tratar de um episódio histórico impasse, os governos português e espanhol se uniram
recente – na época ocorrido havia pouco mais de dez para intervir militarmente na região. Foram necessárias
anos – revela outro aspecto que diferencia O Uraguai duas investidas para que conseguissem seu objetivo – a
dos poemas épicos tradicionais. segunda narrada em O Uraguai. Essas lutas ocasiona-
ram a morte de alguns milhares de índios e constituem
um dos principais genocídios do país.
198
Que alegre cena para os olhos! Podem
Daquela altura, por espaço imenso,
Ver as longas campinas retalhadas
De trêmulos ribeiros, claras fontes,
E lagos cristalinos, onde molha
As leves asas o lascivo vento.
Engraçados outeiros, fundos vales,
Verde teatro, onde se admira quanto
Produziu a supérflua Natureza.
199
Afirmando que a razão do poema Caramuru era O tema de Caramuru
“o amor à pátria”, Santa Rita, embora tenha passado
a maior parte de sua vida em Portugal, confirma a ten- O poema narra as aventuras, em parte históri-
dência nativista de seu poema. cas, em parte lendárias, do náufrago português Diogo
Álvares Correia, o Caramuru. Em meio às aventuras do
protagonista, o autor aproveita para fazer uma longa
descrição das qualidades da terra:
200
Ao naufragar na costa brasileira em 1510, Diogo
Álvares Correia foi aprisionado pelos tupinambás. Certa Em negro sangue o lívido veneno.
vez, pegou num mosquete e atirou num pássaro, ma- Leva nos braços a infeliz Lindoia
tando-o. Os índios, que não conheciam armas de fogo, O desgraçado irmão, que ao despertá-la
ficaram impressionados com a detonação e gritaram Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
“Caramuru! Caramuru!”, vocábulo que significa “ho-
Pelo dente sutil o brando peito.
mem de fogo” ou “dragão saído do mar”. Diogo viveu
Os olhos, em que Amor reinava, um dia.
entre os índios tupinambás, na Bahia, no século XVI,
Cheios de morte; e muda aquela língua
e desposou Paraguaçu, ambos personagens do poema
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Caramuru. De acordo com a lenda, confirmada pela ver-
Contou a larga história de seus males.
são de Santa Rita, Diogo foi resgatado por uma nau
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
francesa e, em companhia de Paraguaçu, levado à Corte E rompe em profundíssimos suspiros,
francesa, de onde, posteriormente, partiu para Portugal. Lendo na testa da fronteira gruta
A seguir, veja trechos retirados de O Uraguai, de Basílio De sua mão já trêmula gravado
da Gama (Texto I), e Caramuru, de Santa Rita Durão (Texto II). O alheio crime e a voluntária morte.
E por todas as partes respeito
O suspirado nome de Cacambo.
Texto I
Inda conserva o pálido semblante
Canto IV - Morte de Lindoia
Um não sei quê de magoado e triste.
Entram enfim na mais remota e interna Que os corações mais duros enternece.
Parte de antigo bosque, escuro e negro, Tanto era bela no seu rosto a morte!
Onde ao pé de uma lapa cavernosa In: CÂNDIDO, Antonio; CASTELLO, José A.
Cobre uma rouca fonte, que murmura, Ob. cit., p. 150-151, v.1.
201
Essa indígena, essa infame, essa traidora. Ode ao marquês de Pombal
Por serva, por escrava, te seguira.
Não os heróis, que o gume ensanguentado
Se não temera de chamar senhora
da cortadora espada,
A vil Paraguaçu, que, sem que o creia,
em alto pelo mundo levantado,
Sobre ser-me inferior, é néscia e feia.
trazem por estandarte
Enfim, tens coração de ver-me aflita,
dos furores de Marte;
Flutuar, moribunda, entre estas ondas;
Ensanguentados rios, quantas vezes
Nem o passado amor teu peito incita
vistes os férteis vales
A um ai somente, com que aos meus respondas.
semeados de laças e de arneses?
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
Que importam os exércitos armados,
(Disse, vendo-o fugir) ah! Não te escondas
no campo com respeito conservados,
Dispara sobre mim teu cruel raio...”
se lá do gabinete a guerra fazes
E indo a dizer o mais, cai num desmaio.
e a teu arbítrio dás o tom às pazes?
Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
que, sendo por mão destra manejada,
Pálida a cor, o aspecto moribundo;
a política vence mais que a espada.
Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Que importam tribunais e magistrados,
Entre as salsas escumas desce ao fundo.
asilos da inocência,
Mas na onda do mar, que, irado, freme,
se pudessem temer-se declarados
Tornando a aparecer desde o profundo,
patronos da insolência?
– Ah! Diogo cruel! – disse com mágoa, – e sem
De que servirão tantas
mais vista ser, sorveu-se na água.”
tão saudáveis leis, sábias e santas,
In: CIDADE, Hernâni. Santa Rita Durão.
Rio de Janeiro: Agir, 1957. p. 87-88. se, em vez de executadas,
forem por mãos sacrílegas frustradas?
Mas vives tu, que para o bem do mundo
Alvarenga Peixoto: sobre tudo vigias,
cansado teu espírito profundo,
o pombalismo e a colonização as noites e os dias.
Ah! quantas vezes, sem descanso uma hora,
Autor de poemas líricos e laudatórios – em ho-
vês recostar-se o sol, erguer-se a aurora,
menagem a alguém –, estes talvez sejam o melhor da enquanto volves com cansado estudo
produção de Alvarenga Peixoto. Veiculam ideias filo- as leis e a guerra, e o negócio, e tudo?
sóficas e políticas em discussão na época. Abordou o Vale mais do que um reino um tal vassalo:
pombalismo, a exploração colonialista, o nativo, a paz, graças ao grande rei que soube achá-lo.
a importância do saber e da razão. CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José A.
Ob. cit., p. 172-174.
Silva Alvarenga:
a poesia nativista e sensual
Silva Alvarenga (1749-1814), autor de Glaura, des-
tacou-se pelo cultivo de rondós e madrigais em que há forte
musicalidade e elementos da fauna e flora nacionais: beija-
-flor, pomba, cobra, onça, mangueiras, cajueiros, jambeiros.
Em razão desses traços, sua poesia é considerada nativista
com fortes indícios de transição para o Romantismo.
202
O beija-flor Se disfarças os meus erros,
E me soltas por piedade;
Deixo, ó Glaura, a triste lida
Não estimo a liberdade,
Submergida em doce calma;
Busco os ferros por favor.
E a minha alma ao bem se entrega,
Não me julgues inocente,
Que lhe nega o teu rigor.
Nem abrandes meu castigo;
Neste bosque alegre e rindo
Que sou bárbaro inimigo,
Sou amante afortunado,
Insolente e roubador.
E desejo ser mudado
No mais lindo Beija-flor. Deixo, ó Glaura, a triste lida
Todo o corpo num instante Submergida em doce alma;
Se atenua, exala e perde: E a minha alma bem se entrega,
É já de oiro, prata e verde Que lhe nega o teu rigor.
A brilhante e nova cor. CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José A.
Ob. cit., p. 179-180.
Deixo, ó Glaura, a triste lida
Submergida em doce calma;
E a minha alma ao bem se entrega,
Que lhe negar o teu vigor.
Já me chamas atrevido,
Já me prendes no regaço;
Não me assusta o terno laço,
203
INTERATIVI
A DADE
ASSISTIR
Filme Os Inconfidentes
Filme Tiradentes
204
LER
Livros
Arcadismo - Col. Roteiro da Poesia Brasileira
205
OBRAS
206
CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES
Esta habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso
o conceito de uma escola literária específica. A construção dos procedimentos literários estão
ligados aos fatores estéticos que podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto
em relação à concepção artística do contexto.
Modelo
(Enem)
Soneto VII
Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado;
E em contemplá-lo tímido esmoreço.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado:
Quando pode dos anos o progresso!
Árvores aqui vi tão florescentes
Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.
Eu me engano: a região esta não era;
Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera.
(COSTA, C.M. Poemas. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 7 jul 2012.)
207
Análise Expositiva
Habilidade 16
Esta questão, como acenado na habilidade e competência específica, constitui-se um pres-
suposto de que o estudante deva conhecer o contexto (escola literária do Arcadismo), em
função do autor e de sua concepção de escrita (no caso os tradicionais sonetos de Cláudio
Manuel da Costa). O soneto deste poeta é representativo de algumas características árcades:
o fugere urbem, o bucolismo e locus amoenus, presentes no retorno ao campo e no desejo de
vida tranquila que em outro momento o eu-lírico vislumbrara, como se vê em: “Uma fonte
aqui houve”/ (...) “Árvores aqui vi florescentes”. A busca por tranquilidade se contrapõe à
realidade, uma vez que o eu lírico revela ter encontrado um lugar diverso daquele presente
em sua memória: “Eu me engano: a região esta não era; / Mas que venho a estranhar, se estão
presentes /Meus males, com que tudo degenera.”.
Alternativa E
Estrutura Conceitual
2
Os poetas árcades encontram inspiração
ARCADISMO BRASIL nas terras mineiras, principalmente Vila
3
NATIVISMO ÉPICO Rica-Ouro Preto, cenário de suas poesias.
Os principais escritores brasileiros desse
1 O estilo literário árcade no Brasil tem período são: Cláudio Manuel da Costa,
início com a publicação das Obras poéticas
de Cláudio Manuel da Costa, em 1768.
4 Santa Rita Durão, Basílio da Gama e
Tomás Antônio Gonzaga
Autor do poema épico Caramuru
(1781), Freire Santa Rita Durão foi
poeta e orador, considerado um dos
precursores do indianismo no Brasil. 6
Apesar de Tomás Antônio Gonzaga ter
nascido em Portugal, a cidade de
208