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RESUMO – “INTRODUCING MORPHOLOGY”

CAPÍTULO 6 – FLEXÃO

6.1 INTRODUÇÃO

A flexão é a formação de palavras que não muda categorias nem cria novos lexemas,
mas sim cria novas formas dos lexemas para que eles se encaixem em diferentes contextos
gramaticais. A formação de palavras pela flexão utiliza muitas das regras de formação de
palavras (afixação, reduplicação, conversão etc.) com exceção da composição. A forma, ou
seja, o tipo de processo de formação de palavra, independe da função – derivação ou flexão.

6.2 TIPOS DE FLEXÃO

- NÚMERO = singular ou plural. Tanto no inglês quanto no PB há a necessidade de se


marcar o plural de nomes em um contexto em que mais de um desses nomes está em
discussão. Essa característica não é categórica, além da possibilidade de existir mais
categorias de número além do singular e plural.

- PESSOA = a palavra em questão exibe terminações diferentes dependendo se o sujeito


da sentença é o falante (primeira pessoa), o ouvinte (segunda pessoa) ou outro
(terceira pessoa). Pode ser marcada em verbos, como no PB e no latim, ou em nomes.
No caso dos nomes, não é incomum que a marcação de pessoa denote posse.

- GÊNERO = os nomes se dividem em duas ou mais classes de gênero em línguas que


possuem gênero gramatical, e os outros elementos de uma oração (como artigos e
adjetivos) concordam com esse gênero. Embora o gênero gramatical muitas vezes seja
determinado pelo gênero do referente da palavra, também há escolhas arbitrárias de
gênero, como A mesa, algo que varia de língua para língua. O gênero pode ser, além
de masculino e feminino, humano/não humano ou animado/inanimado.

- CASO = os nomes são distinguidos com base na posição que ocupam em uma frase.
Os nomes podem ter função de sujeito, objeto direto ou indireto, local, tempo ou
instrumento, ou mesmo o objeto de uma preposição. Há dois sistemas de caso
possíveis na língua humana:
1 Nominativo/acusativo (latim, PB): tem o nominativo sempre em posição de
sujeito e o acusativo de objeto – não importando se o verbo é transitivo ou não.
2 Ergativo/absolutivo (georgiano): na sentença transitiva, o caso ergativo faz a
função de sujeito, e o absolutivo, de objeto. Já em frases intransitivas, o sujeito
é absolutivo.

- TEMPO = refere-se ao ponto no tempo de um evento em relação a outro ponto –


geralmente, o ponto no qual o falante está falando. No presente, o ponto no qual a fala
ocorre e o evento mencionado são o mesmo. Já no passado, o evento mencionado é
anterior ao momento da fala, e no futuro o evento é posterior. No inglês, utiliza-se o
sufixo flexional –ed para marcar o passado, mas o futuro é marcado pelo verbo
auxiliar will, uma marcação perifrástica. Pode haver divisões entre o tempo passado ou
futuro de acordo com a distância dos eventos a que se refere. É possível também fazer
marcações de tempo em nomes, como no português “ex-esposa”.
- ASPECTO = o aspecto também pode ser marcado em verbos e se refere ao tempo.
Entretanto, ele fornece informações sobre a composição interna do evento, ou seja, o
modo como o evento ocorre no tempo. No inglês, o aspecto não é totalmente
diferenciado do tempo verbal – como em outras línguas, logo, a característica do
aspecto é marcada de forma perifrástica, lexical ao invés de flexional (inceptivo: she
began to walk; habitual: she usually walks). O aspecto pode ter diferentes focos:
a) Foco na completude: um exemplo comum são os aspectos perfectivos ou
imperfectivos – se o perfectivo é utilizado, o evento em questão foi concluído.
Isso significa que o falante observa esse evento de fora. Se o imperfeito é
usado, o evento é tomado como algo em andamento; o falante, portanto, está
dentro dele.
b) Foco em pontos específicos de um evento: o aspecto inceptivo foca no início
de um evento. O continuativo foca em seu meio, na progressão do evento; e
finalmente o aspecto completivo foca no final, no término do evento.
c) Foco na quantidade de eventos: Esses aspectos denotam a frequência de um
evento. O aspecto semelfactivo se refere a um evento que ocorre uma vez; o
iterativo caracteriza um evento que ocorre repetidamente, enquanto o habitual
se refere a algo que ocorre usualmente.

- VOZ = possibilita que diferentes sintagmas nominais recebam o foco na sentença. Há


dois tipos de vozes: a voz ativa, em que o foco da sentença é o agente, que ocupa a
posição de sujeito; e a voz passiva, na qual o foco da sentença é o paciente, que ocupa
a posição de sujeito. No inglês, a voz passiva é marcada perifrasticamente com a
combinação do verbo auxiliar “be” mais o particípio passado. O latim, entretanto,
marca as vozes pela flexão, com terminações distintas para cada uma.

- MODO E MODALIDADE = essas categorias flexionais possuem distinções que


sinalizam o tipo de ato de fala com o qual um verbo é empregado. Atos de fala são o
que podemos fazer com as palavras – afirmar, declarar, perguntar, ordenar.
Geralmente, as línguas apresentam três modos: o declarativo para afirmações comuns
e normais, interrogativo para fazer perguntas e imperativo para dar ordens – outras
línguas apresentam mais modos, como exclamatório ou exortativo. Há também a
distinção entre realis/irrealis que ocorre em algumas línguas: se a forma realis é usada,
o falante está sinalizando que o evento mencionado é real, ou seja, aconteceu ou está
acontecendo. Se a forma irrealis é usada, o evento é imaginário. No inglês, não há
formas flexionais que representam os modos.

6.3 FLEXÃO NO INGLÊS

- O inglês é uma língua bastante pobre em flexão.


- A distinção entre singular e plural é marcada em nomes (cats, mice, children)
- Há um pouco de marcação de casos em nomes, com o morfema –s (–‘s no singular, –
s’ no plural) para sinalizar posse. (child’s, childrens’).
- O número só é marcado na terceira pessoa no tempo presente, com o –s sinalizando
um sujeito singular (he walks, he runs). O inglês não apresenta marcas de flexão para
o futuro, utilizando um auxiliar (will do, will walk). Há flexão para o tempo passado
(walked, ran), além de dois particípios (presente com –ing e passado com –ed).
- Os particípios + verbos auxiliares geram distinções de aspecto. Essas distinções são
expressas no inglês com uma combinação entre a escolha de verbos auxiliares e a
escolha do particípio.
- O progressivo (presente, passado e futuro), que expressa ações em andamento, é
formado com o auxiliar be + particípio presente.
- O perfeito (I have eaten) expressa algo que aconteceu no passado, mas que ainda tem
relevância para o presente. Isso é sinalizado com o particípio passado + verbo auxiliar
have.
- A voz passiva é formada com o particípio passado + verbo auxiliar be.
- É possível combinar vários verbos auxiliares com formas de particípio para expressar
distinções de tempo e aspecto.

O inglês tem flexões regulares e irregulares. Todas as regulares são sufixais, mas as
irregulares são geralmente formadas por mudanças na estrutura interna da palavra (ablaut:
processo morfológico que afeta a qualidade, quantidade ou tonalidade da vogal ou umlaut:
anteriorização da vogal que ocorre quando o sufixo possui uma vogal anterior) ou por uma
combinação disso com a sufixação. Os plurais e as formas de passado irregulares formam as
chamadas classes fechadas – uma lista fixa de quais formas podem ser perdidas, mas para as
quais nenhuma nova forma pode ser adicionada. As terminações do plural e das formas de
passado regulares são consideradas terminações padrão, ou seja, quando novas palavras são
formadas no inglês ou “emprestadas” de outra língua, as terminações de plural e passado
serão –s e –ed.
Formas irregulares são, em alguns casos, remanescentes de formas plurais ou de
passado que não existem mais na língua. A flexão de verbos irregulares também tem a ver
com a sua etimologia, sendo originários muitas vezes de línguas ancestrais do inglês.
Por que o inglês tem tão pouca flexão? O inglês antigo tinha mais marcas de flexão
que o atual, além de mais complexidade na flexão verbal, entre outras diferenças. Há duas
razões para a perda de flexões: a primeira é relacionada com o sistema de tonicidade do inglês
– no inglês antigo, a tonicidade era voltada à primeira sílaba das palavras, e por conta disso os
sufixos flexionais não eram enfatizados. Isso levou, com o tempo, a um enfraquecimento da
flexão. A segunda razão para essa perda seria o contato com as línguas do norte da Inglaterra,
pois a comunicação entre falantes do inglês antigo e do nórdico antigo era dificultada pelas
flexões presentes no inglês; essas, portanto, eram retiradas da fala.

6.4 PARADIGMA

O paradigma consiste de todas as diferentes formas flexionais de um lexema ou classe


de lexemas. Cada forma distinta de um lexema apresenta uma combinação específica das
propriedades flexionais que são expressas na língua em questão. É possível representar um
paradigma como uma tabela, sendo cada célula uma forma flexionada de um lexema. O
paradigma de um substantivo ou adjetivo é chamado de declinação, e o de um verbo é sua
conjugação.

CLASSES FLEXIONAIS
Nem todos os verbos e nomes de uma língua são flexionados da mesma forma exata;
as formas de casos, número, tempo e outras propriedades variam de acordo com o grupo de
nomes ou de verbos. As classes flexionais são grupos de palavras que obedecem ao mesmo
paradigma, comportando-se da mesma forma perante ao mesmo paradigma.
SUPLEÇÃO E SINCRETISMO
Os dois termos se referem às relações entre formas flexionadas em um paradigma. A
supleção ocorre quando uma ou mais formas flexionadas de um lexema é construída em uma
base que não tem relação com a base de outros membros do paradigma. A construção
fonológica dessa forma flexionada não se relaciona à forma original. Um exemplo é go –
went. A forma supletiva went não tem nada fonologicamente semelhante à original go.
O sincretismo é outra relação que encontramos entre os membros de um paradigma,
especificamente um que tenha duas ou mais células da tabela preenchidas com a mesma
forma. Isso significa que a mesma forma se aplica a mais de um contexto – por exemplo: uma
mesma forma que se aplica à primeira e segunda pessoa, no plural. A tabela seria dessa forma:

Singular Plural
Primeira
X
pessoa
Y
Segunda
Z
pessoa

A forma Y é sincrética para a propriedade de pessoa, pois está presente tanto para a
primeira quanto para a segunda pessoas do plural. No entanto, Y não tem uma semântica de
pessoa – não é possível dizer, somente a partir da forma Y, qual pessoa ela representaria.
Logo, ela possui semântica de número (plural), mas não de pessoa.

6.5 FLEXÃO E PRODUTIVIDADE

Os processos flexionais são muito mais produtivos que os derivacionais. Isso ocorre
porque a flexão é obrigatória. Toda vez que um determinado contexto para a aplicação de uma
regra ocorre, essa regra se aplica obrigatoriamente.

6.6 FLEXÃO INERENTE VERSUS CONFIGURACIONAL

A flexão configuracional é determinada pela construção sintática na qual uma palavra


se encontra. Já a flexão inerente não depende do contexto sintático da palavra, é escolhido
arbitrariamente por cada língua – em português, a palavra “mesa” é feminina, mas em alemão
a mesma palavra é do gênero masculino. A propriedade do número, porém, é configuracional
em verbos, mas inerente nos nomes e pronomes. Tempo e aspecto, ao contrário, são inerentes
para os verbos, mas para nomes e pronomes, configuracionais.

6.7 FLEXÃO VERSUS DERIVAÇÃO

FLEXÃO DERIVAÇÃO
Nunca muda a categoria Pode mudar a categoria
Adiciona significado gramatical Pode adicionar significado gramatical
Produz novas formas de lexemas existentes Produz novos lexemas
Importa para a sintaxe Pode ser improdutiva ou produtiva
Muito produtiva
Outra diferença entre a flexão e a derivação é que, em palavras com afixos tanto
derivacionais quanto flexionais, os afixos derivacionais quase sempre ocorrem dentro, antes,
dos flexionais; ou seja, os derivacionais se aproximam mais da raiz da palavra. No inglês, um
exemplo é pur-ify-ed sendo que –ify é um sufixo derivacional e –ed é flexional. Não seria
possível trocar a ordem dos sufixos. Nem sempre, entretanto, a distinção entre os processos é
tão clara. Há línguas em que essas diferenças se confundem!

6.8 ANÁLISE MORFOLÓGICA

Como analisar a morfologia flexional de uma língua desconhecida?

1 Observar um corpus e comparar as formas para buscar sobreposições entre elas.


2 Notar diferenças e sobreposições em todo o corpus, tentar separar cada elemento.
3 Comparar as formas para encontrar a estruturação interna das palavras.
4 Fazer hipóteses e confirmá-las dentro dos dados do corpus, se possível.
5 Reconhecer limitações do corpus!

CAPÍTULO 7 – TIPOLOGIA

7.1 INTRODUÇÃO

Como a formação de palavras funciona, geralmente, nas línguas do mundo? Como os


sistemas morfológicos variam? O capítulo trata desse quadro mais geral, objeto de estudo da
tipologia. É possível construir uma análise dos sistemas morfológicos de diferentes línguas ao
entender os processos morfológicos que cada uma utiliza; comparar línguas para encontrar
correlações com outras áreas de sua gramática; além de observar a distribuição de padrões
morfológicos na perspectiva genética (famílias de línguas) ou de uma perspectiva espacial.

7.2 LINGUÍSTICA HISTÓRICA

A linguística, historicamente, traz um conflito entre teorias que enfatizam o universal


– que é comum a todas as línguas humanas, logo pode ser comum à biologia humana; e outras
teorias que priorizam o particular, o que é único e parece distinguir línguas umas das outras.
Chomskianos, ou seja, defensores da teoria gerativista, enfatizam o que é universal na
língua, buscando formas de explicar as diferenças linguísticas como o resultado de pequenas
escolhas que a língua faz dentro de um conjunto universal de opções. Essas opções seriam
possíveis por conta da programação biológica que temos para a linguagem.
Universais e particulares são importantes; até que tenhamos um senso da extensão das
particularidades no mundo, é preciso estudar os universais. Sobre eles, sabe-se que há muitas
estratégias para a formação de palavras que aparecem nas línguas do mundo. Também vemos
que há estratégias que nunca são usadas, mas podem ser concebidas. Entretanto, há muito que
não se sabe – logo, estudar universalidades e particularidades vem sempre em conjunto.

7.3 O GÊNIO DAS LÍNGUAS


O linguista Edward Sapir criou, no século XX, o termo “gênio das línguas” para
designar as combinações únicas de processos morfológicos que caracterizam a gramática de
cada língua. Pensando nesse termo, analisaremos 5 línguas: turco, mandarim, samoano, latim
e a língua algonquina.

TURCO
- Muita sufixação, pode criar palavras longuíssimas com significados bem específicos e
complexos. A formação de palavras predominante é a sufixação, tanto para derivação
quanto para flexão.
- Cada sufixo tem uma função, como formar verbos causativos (causar X) ao se juntar
com intransitivos, ou mudar a categoria de uma palavra.
- O turco não tem quase nenhuma prefixação! Seu sistema morfológico é abundante,
mesmo utilizando poucos processos.

MANDARIM
- Muito rica em composição! Há compostos de todos os tipos, inclusive em verbos, e a
maioria é endocêntrica.
- A flexão é mínima: não há flexão de número em nomes e verbos, o tempo e o aspecto
não são marcados morfologicamente.

SAMOANO
- Utiliza uma variedade de processos de formação de palavra, não necessariamente
favorecendo um ou outro. Possui processos de sufixação, prefixação, circunfixação,
reduplicação total e parcial e alguma composição, além do alongamento de vogais.
- O samoano não tem paradigmas flexionais. As propriedades de caso, aspecto, tempo e
modo são expressos por partículas independentes.

LATIM
- Língua com muita flexão, quase inteiramente sufixal como o turco. Porém, a flexão do
latim acumula vários significados em um só morfema flexional, algo que difere do
turco. Tem mais prefixação e composição que o turco, também.
- Flexão: caso, número e gênero (para nomes), concordando com os adjetivos.
- Prefixos e sufixos derivacionais

NISHNAABEMWIN OU ALGONQUIANO
- Língua algonquina falada no sul de Ontario, no Canadá.
- Muita afixação, especialmente com sufixos. Os nomes são separados entre animados
ou inanimados, podendo ser flexionados para número – há diferentes formas para
diminutivo, plural, pejorativo etc. Elas podem se combinar em uma ordem específica.
- Flexão verbal é muito complexa. Há, por exemplo, uma forma positiva e uma negativa
para cada verbo!
- A derivação também é complexa. São poucas as palavras constituídas de um morfema;
a maioria é composta de bases presas, de muitos morfemas.

SÍNTESE
Comparando essas línguas, é possível ver diferentes combinações de processos de
formação de palavras e os pesos diferentes dados a cada processo. Cada língua é única, cada
combinação é única – esse é o conceito de gênio da língua de Sapir. Mas é importante
também observar o que há em comum, o universal que marca todas as línguas como humanas.
7.4 FORMAS DE CARACTERIZAR LÍNGUAS

Observar línguas e descrevê-las também envolve estudar o que há em comum para


pensar a faculdade da linguagem como um todo, além de classificar as línguas a partir dos
traços que elas combinam – e pensar também o que esses traços nos dizem sobre a natureza da
linguagem. A tipologia estuda justamente a classificação e seus impactos na linguagem
humana.

CLASSIFICAÇÃO QUÁDRUPLA
A tipologia morfológica vem desde o século XIX, com o trabalho de Humboldt. Essa
tradição dividia as línguas em quatro tipos morfológicos: isoladora ou analítica, aglutinante,
fusional, e polissintética.

1 ISOLADORA/ANALÍTICA = Cada palavra da língua é constituída por um morfema.


O vietnamita é um exemplo de língua isoladora, já que não há flexão de número nem
de tempo; se o falante quer especificar essas questões, utiliza outra palavra como
advérbios ou numerais. O mandarim tem essa mesma característica, e por isso, das
línguas analisadas, chega mais perto de ser uma língua analítica.
2 AGLUTINANTE = Diferentemente da primeira categoria, tem palavras complexas
que podem ser segmentadas facilmente em morfemas – cada um carrega somente um
significado. Das línguas do item 7.3, o turco é o mais próximo disso.
3 FUSIONAL = Tem palavras complexas, mas essas não são sempre facilmente
segmentáveis. Pode haver muitos significados acumulados em um morfema, e muitas
vezes é difícil saber onde um termina e o outro começa. O latim é um bom exemplo
dessa categoria, pois é possível separar uma raiz de uma terminação, mas a segunda
carrega informação de caso, gênero, e número.
4 POLISSINTÉTICA = A língua polissintética tem palavras extremamente complexas
que consistem de muitos morfemas – alguns desses têm significados que, em outras
línguas, seriam expressos por lexemas separados. O algonquiano é polissintético.

ÍNDICE DE SÍNTESE E ÍNDICE DE FUSÃO


O problema dessa classificação quádrupla tradicional é que as línguas dificilmente
recaem exatamente em uma das quatro classes. Por exemplo, o inglês não é bem uma língua
analítica, tem flexão, mas também não é fusional ou aglutinante. Outra questão é que, muitas
vezes, o sistema flexional de uma língua se encaixa em uma classe, e o sistema derivacional,
em outra. O inglês mesmo tem um sistema derivacional que poderia se encaixar na classe
aglutinante, enquanto o flexional seria próximo da analítica.
Uma forma de lidar com essas adversidades é o uso, ao invés da classificação
quádrupla, duas escalas: Comrie as chama de índice de síntese e índice de fusão. O índice de
síntese observa quantos morfemas há por palavra em uma língua. As isoladoras têm, então,
poucos morfemas por palavras, no mínimo um. Já as línguas aglutinante e polissintéticas
geralmente têm muitos morfemas por palavra. O inglês recairia no meio da escala.
O índice de fusão mede quantos significados são atribuídos em cada morfema de uma
língua. A flexão no latim seria considerada alta no índice, pois os morfemas flexionais
carregam pelo menos três conceitos em cada. Já o turco, uma língua aglutinante, seria baixa
no índice, já que cada morfema carrega apenas um significado.
É possível analisar a morfologia flexional e derivacional de uma língua separadamente
e ver onde cada um se encaixa nas escalas. Observando o índice de síntese, a flexão do inglês
teria um número baixo, enquanto a derivação, alto. Já no indicie de fusão, a derivação seria
baixa, enquanto a flexão estaria mais alta.
CABEÇA VERSUS DEPENDENT-MARKING
Algo a ser analisado é a forma que a morfologia sinaliza a relação entre as palavras
dentro de frases. O elemento principal em cada frase sintática é a chamada cabeça. A cabeça
de um sintagma nominal (NP) é o nome, a de um sintagma verbal (VP) é o verbo, etc. Os
elementos que se combinam à cabeça para formar um sintagma são os seus complementos,
seus dependentes. Os complementos de um nome podem ser, por exemplo, adjetivos. os de
um verbo, sujeito ou objeto.
A relação entre cabeça e seus complementos pode ser marcada de diferentes formas:
exclusivamente na cabeça (chamado de head-marking), exclusivamente no complemento
(dependent-marking), ambos ou nenhum. Um exemplo do inglês é a frase the man’s house, na
qual a relação entre a cabeça (house) e seu possuidor (man) é marcada no segundo, que é
complemento; assim, é dependent-marking. Esses conceitos também podem ser marcados em
frases completas. Há também casos de línguas que não possuem nenhum dos marcadores,
como seria uma língua analítica sem flexão; ou mesmo línguas que apresentam marcadores
flexionais tanto na cabeça quanto em seus complementos – o que é chamado de double-
marking.

CORRELAÇÕES
Um grande interesse da morfologia é a busca de correlações entre características
morfológicas especificas ou entre características morfológicas e outros aspectos (sintáticos,
fonológicos) gramaticais. O morfologista busca entender se há padrões dentro dos tipos de
morfologia de uma língua, e, se houver, o porquê desses padrões existirem.
Existem conceitos que observam essas correlações linguísticas, chamados de
universais implicacionais. Esses são fenômenos que ocorrem em um número significativo de
línguas, e estão condicionados à ocorrência de outro fenômeno. Por exemplo: “se uma língua
tem flexão, ela terá derivação”.

7.5 TENDÊNCIAS GENÉTICAS E DE ÁREA

É possível fazer a observação de padrões tipológicos de forma mais global. Existem


duas formas para tal: a primeira seria buscar padrões morfológicos em famílias linguísticas, e
a segunda, buscá-los em áreas geográficas, mesmo que tenham línguas de famílias distintas.
Há vários exemplos de tendências genéticas. Um exemplo é a composição em duas
ramificações da família Indo-Europeia: as línguas germânicas tendem a favorecer compostos
atributivos e endocêntricos, enquanto línguas românicas priorizam compostos atributivos e
subordinativos exocêntricos. As duas utilizam compostos, mas de tipos diferentes.
Já para tendências geográficas ou de área, podemos pensar em outro exemplo: três
línguas, faladas com bastante proximidade na região dos Bálcãs, utilizam sufixos para
expressar nomes definitivos (O amigo, O corpo). São línguas de subfamílias totalmente
diferentes que usam a mesma ferramenta – uma explicação para isso pode ser justamente a
proximidade geográfica entre línguas.

CAPÍTULO 8 – INTERFACE ENTRE MORFOLOGIA E SINTAXE

8.1 INTRODUÇÃO

A sintaxe, em contraste com a morfologia – que pensa a formação de palavras, faz o


estudo das regras que permitem a combinação de palavras em sentenças. Logo, as duas
ciências operam em níveis diferentes da organização linguística. Um sintaticista faz o estudo
da estrutura da sentença e das regras de movimento, além das regras que interpretam anáforas
e pronomes. No entanto, há muita interação entre a morfologia e a sintaxe.
A morfologia flexional, por carregar um significado gramatical, é relevante para os
processos sintáticos. Há tipos de morfologia verbal que afetam a estrutura da sentença ao
mudar a chamada valência verbal, ou seja, o número de argumentos em uma sentença. Os
argumentos são sintagmas nominais como o sujeito ou o objeto, selecionados pelo verbo.

8.2 A ESTRUTURA DOS ARGUMENTOS E A MORFOLOGIA

Os argumentos são definidos como os sintagmas que são semanticamente necessárias


para um verbo ou que estão implícitos no significado do verbo. Geralmente, eles ocorrem de
forma obrigatória com um verbo, como na frase “João ronca”: o verbo roncar só tem um
argumento, o sintagma nominal de sujeito. Verbos que possuem apenas um argumento são os
intransitivos. Os verbos que requerem dois argumentos são os transitivos, e os que requerem
três são os bitransitivos.
Nem sempre os argumentos de um verbo são obrigatórios. O verbo to eat, do inglês,
requere um sujeito e pode ter um objeto, mas esse objeto não é necessário. Pode-se dizer “my
dog eats fruit” e “my dog eats” – ambos estão corretos. O objeto, mesmo opcional, continua
sendo um argumento do verbo, pois ele implica algo a ser comido, ainda que não abertamente.
A morfologia que muda a valência verbal altera o número de argumentos que ocorrem
em um verbo, mudando, portanto, a transitividade desse verbo.
* No inglês, há adjuntos, frases que expressam o tempo, o instrumento e a forma de fazer uma
ação. Essas são as prepositional phrases, não são argumentos e nem necessárias para o sentido
do verbo.

PASSIVA E ANTIPASSIVA
Um exemplo de morfologia que modifica a valência verbal no inglês é a voz passiva.
Em uma sentença com voz ativa, há dois argumentos: o agente, que funciona como o sujeito,
e o paciente, o objeto. Já na voz passiva, o agente é desnecessário; se há agente, ele aparece
em um adjunto, uma prepositional phrase, usando a preposição by. O paciente é o sujeito da
sentença passiva – como não tem objeto, a forma passiva do verbo tem um argumento apenas.
A voz passiva no inglês é construída com morfologia, com um verbo auxiliar be e um
particípio passado, com o sufixo –ed para verbos regulares e outras formas para irregulares. A
chamada voz antipassiva (que não existe no inglês) também elimina um argumento do verbo,
tornando-o intransitivo, mas é o objeto que desaparece.

CAUSATIVO E APLICATIVO
O causativo sinaliza a adição de um novo argumento de sujeito, que é o causador da
ação, semanticamente falando. Um exemplo é “a bola murchou”  “o sol quente murchou a
bola”. Na segunda sentença há um causador, e esse pode ser morfologicamente marcado,
como ocorre em muitas línguas. A primeira frase tem um argumento, o paciente. Já a segunda
tem um argumento externo causador, o sujeito.
A morfologia aplicativa, como a causativa, sinaliza a adição de um argumento de
objeto na valência verbal. Pode haver, por exemplo, um sufixo que significa a adição de mais
um objeto.

INCORPORAÇÃO DE NOMES
Há mais uma forma de interação da morfologia com a estrutura de argumentos dos
verbos. A incorporação de nomes é uma estrutura em que o objeto ou outro argumento do
verbo forma uma palavra complexa junto com o verbo. Esse fenômeno tende a ocorrer em
línguas com uma morfologia polissintética. O objeto pode ser posicionado após a base do
verbo nas formas incorporadas e não incorporadas, ou mesmo mudar de posição dependendo
se a forma é incorporada ou não.

8.3 SOBRE AS FRONTEIRAS

Um dos pontos de tangência entre a morfologia e a sintaxe é quando ocorre uma


interferência morfológica na estrutura de argumentos dos verbos – quando um afixo, como
exemplificado anteriormente, aumenta ou diminui o número de argumentos de um verbo. No
entanto, existem casos em que os limites entre uma e outra área não são tão claros, habitando
uma zona fronteiriça entre elas.

CLÍTICOS
Os clíticos são pequenos elementos gramaticais que não ocorrem de forma
independente, e portanto não podem ser chamados de morfemas livres. Mas eles também não
entram na categoria dos afixos. Em termos fonológicos, os clíticos não possuem tonicidade, e
formam uma única palavra fonológica com uma palavra vizinha, chamada de “hospedeira” do
clítico. Os que vêm antes da palavra vizinha são proclíticos, e os que vêm depois são os
enclíticos.
Há uma divisão entre dois tipos de clíticos: os simples e os especiais. Os simples são
definidos como variantes não acentuadas de morfemas livres, que podem ser fonologicamente
reduzidas e subordinadas a uma palavra vizinha. Podem aparecer na mesma posição em que o
morfema livre correspondente estaria. Um exemplo no inglês é o –ll em “I’ll”. O –ll é a forma
contraída do verbo auxiliar will. Como um afixo, é pronunciado como parte da palavra que o
precede, mas não seleciona uma categoria para a base e nem adiciona informação gramatical a
ela (ou mesmo muda sua categoria).
Os clíticos especiais também são fonologicamente dependentes de uma palavra, mas
não são formas reduzidas de palavras independentes. No francês, o “le” de depende do verbo
– são pronunciados juntos como uma palavra fonológica só, para significar “ele”.
Esse conceito traz características de morfemas presos (o fato de não existirem
sozinhos) e de unidades sintáticas. Diferentemente dos morfemas, os clíticos não fazem uma
seleção categorial para se associar, além de terem suas funções independentes em sintagmas.

OS PHRASAL VERBS E VERBOS PREFIXADOS SEPARÁVEIS


Os phrasal verbs do inglês consistem de um verbo e uma preposição ou particípio.
Eles possuem significados idiomáticos, como put down (insultar). Nesse sentido, são como
palavras. As duas partes deles podem (e muitas vezes devem) ser separadas – quando o objeto
é um sintagma nominal inteiro, a partícula pode vir antes ou depois dele.
Há também os verbos prefixados separáveis em holandês. Eles também possuem um
sentido idiomático, e cada um deles é constituído por um verbo precedido por uma palavra de
outra categoria.

COMPOSTOS SINTAGMÁTICOS
Um composto sintagmático é uma palavra feita de um sintagma e um nome em
seguida dele. Ele pode ser encontrado em muitas línguas germânicas, como o inglês, o
holandês e o alemão. Exemplo do inglês: stuff-blowing-up effects. É impossível colocar um
modificador entre a frase e o nome, e esses compostos estão muito presentes em variantes
mais informais e até na linguagem jornalística.

CAPÍTULO 9 – INTERFACE ENTRE MORFOLOGIA E FONOLOGIA

9.1 INTRODUÇÃO

A fonologia é a área da linguística que se preocupa com as regularidades sonoras em


línguas: os sons existentes em uma língua, como eles se combinam entre si em sílabas e
palavras, e como a prosódia (tonicidade/acento, tom) de uma língua funciona. Há várias
formas de interação entre a morfologia e a fonologia: Morfemas podem ter duas ou mais
formas fonológicas; algumas regras fonológicas podem se aplicar quando dois ou mais
morfemas se juntem; além disso, em certas línguas, os morfemas podem ter um
comportamento fonológico diferente dependendo de sua origem (nativo ou não nativo).

9.2 ALOMORFES

Os alomorfes são variantes fonologicamente distintas de um mesmo morfema. Isso


significa que têm sons similares, mas não idênticos, e que compartilham o mesmo significado
ou função. Um exemplo é o prefixo in– do inglês, que tem as formas im–, il– e ir–. Todas
essas carregam o significado de negação. Em muitos casos é possível prever fonologicamente
qual forma ocorrerá, mas nem sempre.

ALOMORFIA PREVISÍVEL
Analisando o in– do inglês, pode-se ver que ele possui 5 variantes: in–, il–, im–, ir– e
in– (nasal velar). A ocorrência de cada alomorfe depende do som inicial da base:

- [in–] = palavras com vogais, palavras com consoantes alveolares [t, d, s, z, n]


- [im–] = palavras com consoantes bilabiais
- [il–] ou [ir–] = palavras com [l] ou [r]
- [in–] (nasal velar) = palavras com consoantes velares como [k]

Essa alomorfia é resultado de um processo de assimilação do ponto de articulação da


consoante seguinte. No caso é uma assimilação nasal. A forma mais utilizada é o in–, logo o
alomorfe é representado como iN–, sendo N uma nasal homorgânica que varia de acordo com
o contexto fonológico. Outro exemplo de uma alomorfia previsível é a formação do passado
regular no inglês, com 3 alomorfes:

- pronúncia [t] = slap, laugh, kiss – terminados em consoante surda


- pronúncia [d] = bathe, rub, judge – terminados em consoante sonora ou em vogal
- pronúncia [ed] (schwa) = defeat, bond

Aqui também há assimilação, mas de sonoridade. Os sons se tornam sonoros ou surdos


dependendo do contexto fonológico. No terceiro item, há um processo de dissimilação, com o
schwa separando as consoantes similares. Para essa alomorfia, a pronúncia [d] tem uma
distribuição maior que as outras formas, já que ocorre em todas as consoantes sonoras (menos
[d]) e com todas as vogais.

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