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Eduardo Refkalefsky
1. INTRODUÇÃO
Jornalismo interpretativo é um conceito da moda. Ele surge quando se discute o valor
que um jornalista agrega a um texto, quando se fala na especialização das redações de
jornal ou como produto da briga da imprensa com a mídia eletrônica. A polissemia é
muito grande, por isso cabe relembrar a origem histórica do contexto e como ele foi
introduzido no país.
Quando veio a Segunda Guerra, não houve surpresa. Jornais e revistas haviam
desenvolvido a interpretação, correlação e contextualização de fatos para que o
público soubesse o que estava se passando. As notícias vindas da Europa eram
prontamente dissecadas pelos jornalistas da Time, Newsweek e mesmo do Reader’s
Digest. O New York Times também havia lançado seu review semanal para aprofundar
notícias e informações.
Foi com base nestes casos que, durante a década de 60, Alberto Dines montou no JB a
primeira estrutura industrial para incorporar o jornalismo interpretativo no país. Era
uma tentativa de ir além do relato factual do óbvio. O principal produto desta
estratégia foi o Caderno Especial, de 1962, contendo matérias longas, análises, artigos
e ensaios para aprofundar o noticiário da semana.
Mesmo assim, os jornalistas ainda têm resistências à disseminação do uso dos bancos
de dados como fonte para reportagens e matérias. Os cursos de Jornalismo, por sua
vez, apresentam pouquíssimas disciplinas ligadas a este assunto, como “Sistemas de
Armazenamento e Recuperação de Dados e Informações”, que faz parte do currículo
obrigatório da ECO/UFRJ — embora os alunos não valorizem a disciplina como
deveriam.
Lacerda criou o lide de sete perguntas, acrescentando o “e daí?” como sendo a última
e mais importante de todas. Com o “e daí?”, os jornalistas se preocupam não apenas
em relatar um fato, como na fórmula tradicional do lide, mas sua repercussão na vida
das pessoas. É claro que o conceito clássico de notícia também inclui a repercussão,
como no famoso exemplo do homem que morde o cachorro — e por isso é notícia.
Só que o lide de seis perguntas acabou se cristalizando na fórmula do jornalismo de
relato, que por sua vez se reduziu ao “jornalismo de taquígrafo”, em que o repórter
apenas se preocupa em relatar declarações das fontes. O jornalista Sérgio Souto, sub-
editor do Monitor Mercantil, do Rio de Janeiro, utiliza a expressão “jornalista
papagaio”, que fica repetindo o que os entrevistados dizem. E o professor Vitor
Gentilli acha os termos muito brandos: “eu chamo mesmo é de moleque de recados”.
Falar em Lacerda como criador do lide de sete perguntas pode estabelecer confusão. O
“derrubador de presidentes” era apaixonado pela política e seus textos deixavam
transparecer esta passionalidade violenta, que não media esforços quando se tratava de
humilhar adversários. Basta citar apelidos como “Centauro dos Pampas”, dado a
Batista Luzardo, que pode até parecer épico, mas significa “parte homem, parte
cavalo”. Ou nos trechos citados por Dulles, J. F. (1992), pag. 206 e 286-287:
“Jânio Quadros (...) egocêntrico infantil (...), paranóico (...), delirante virtuose da
felonia (...), que tinha o sorriso de uma grotesca Mona Lisa (...), charlatão, cuja moral
política era a de um comunista”. “Na presidência da república [JK], um cafajeste sem
escrúpulos. No Ministério da Guerra [Teixeira Lott], que o sustenta, um traidor cheio
de remorsos, que terá de trair várias vezes para ver se salva ao menos a face, já que
tudo o mais está perdido”.
Mesmo que se leve em consideração o fato do jornal da rua do Lavradio ter sido mais
opinativo do que interpretativo, a inclusão do “e daí?” por si só representa um grande
achado teórico. Nem Dines nem Hélio Fernandes criaram conceitos novos. O primeiro
criou um algo a mais, com a estrutura industrial da interpretação, enquanto Hélio
levou este tipo de jornalismo às últimas conseqüências. Mas nenhum questionou
diretamente o lide, pelo menos do ponto de vista teórico e conceitual, embora o
fizessem na prática.
De vez em quando, Hélio até publica algum furo espetacular, graças a fontes de
informações quentíssimas. Foi o que ocorreu com a Candidatura da Rio 2004. H.F.
contou, dois meses antes da escolha das cinco cidades finalistas, que um amigo ouviu
em Miami a conversa de dois integrantes do COI falando sobre a eliminação do Rio.
O membro do COI afirmou também que já estava tudo decidido para que a sede das
olimpíadas fosse em Atenas, que a Coca-cola “comprara” o evento. Isto para se
redimir das Olimpíadas de Atlanta, matriz da empresa que comemorava o centenário
naquele ano. Só que as Olimpíadas modernas também faziam 100 anos, mas o lobby
falou mais alto.
Mas em outros casos, não existe nenhuma fonte explícita. Trata-se apenas de dedução
lógica, de análises feitas pelo jornalista. Houve uma história famosa, durante o
governo Sarney, que rendeu uma série de notas e comentários na Tribuna. Roberto
Marinho pegou o avião e foi para Brasília, direto para o Palácio do Planalto.
Chegando lá, sem marcar hora, foi entrando para falar com José Sarney.
Como se diz no popular, segredo é aquilo que só uma pessoa sabe. Como, no caso,
foram duas, devem ter comentado com assessores de confiança, que comentaram com
outros assessores de confiança e assim por diante. Mesmo que este processo funcione
como um telefone sem fio, em que de uma ponta alguém diga “laranja” e do outro se
escute “abacaxi”, algumas informações residuais vão acabar passando. O trabalho que
Hélio faz é colar estes fragmentos isolados e, através da dedução lógica, unificá-los e
construir uma realidade virtual.
É claro que este modelo de jornalismo tem seus riscos. O maior deles é o da
credibilidade. É preciso “ter peito” para colocar o pescoço na forca, na medida em que
quaisquer erros podem minar a credibilidade e o trabalho jornalístico. Quem utiliza as
técnicas de realidade virtual em jornalismo precisa estar bem ancorado e ter boa
capacidade de abstração para não ser derrubado. O único aliado é o tempo, que vai
revelar as conseqüências das afirmações através dos atos das pessoas.
A constatação de que os repórteres apuram cada vez menos são óbvias para quem
tenha um mínimo de inteligência e dignidade, e circule por alguns dias em uma
redação. Existe até uma rotina que revela a progressiva “terceirização perversa” do
trabalho da redação dos jornais: em primeiro lugar o repórter troca a rua pelo telefone;
depois, deixa de procurar pessoas para as matérias, recebendo ligações dos
personagens indicados pelos divulgadores; até finalmente, em um processo de atrofia
cerebral e moral, receber o texto pronto das fontes.
Mas a análise do caso Hélio Fernandes, com o referencial teórico criado por Carlos
Lacerda, permite apontar para outra solução. O dono da Tribuna da Imprensa
praticamente não sai de casa na hora de apurar as notícias. Lê todos os jornais —
mesmo assim, despreza fontes de informação como a “Sujíssima Veja”, revista que
ele afirma publicamente que não lê —, assiste aos telejornais, alguns programas de
entrevistas e muitas transmissões esportivas; fica no telefone grande parte do dia, e
costuma sair pouco para jantares e atividades sociais para garimpar informações; a
maioria das vezes em que H.F. vai a debates e a outros eventos se deve à participação
política, como manifestos contra a privatização da Vale, reuniões na ABI e no Clube
Militar e lançamentos de livros de amigos. (Analisar as atividades do dia-a-dia de
Hélio Fernandes é facílimo: tudo que ele assiste, escuta, lê ou participa gera algum
registro, por menor que seja, em sua coluna).
As notícias que ele apresenta em primeira mão são muito mais produto de análises e
interpretações pela lógica (realidade virtual) do que propriamente fatos empíricos
novos. Mesmo dentro das redações dos grandes jornais, a quantidade de informação
apurada é muito grande, por mais superficial, distorcida, equivocada ou cortada pelo
gatekeeping (decisão sobre o que é publicado ou não) que a maioria delas seja.
“’Fonte jorra água, não faz declarações’”, ele [José Silveira] costuma dizer. A fonte
jornalística ajuda a apuração da notícia, não a substitui. Para Silveira, a alma da
apuração — e do jornalismo, por extensão — é o repórter VER, não ouvir.
Contrariada esta norma, os jornais tornam-se um mero bate-boca entre fontes
declarantes. E haja desmentido, nesse disse-que-disse. Costuma acontecer, então a
atitude maliciosa dos editores, de negar ao desmentido o mesmo destaque com que foi
dada a primeira versão” [grifos nossos]
Para isso, nada melhor do que o exemplo de Dines. Não se pode cair na miopia de
achar que soluções individuais vão resolver algum problema. Difícil mesmo é
conseguir implantar uma estrutura industrial a partir da realidade virtual do e do lide
de sete perguntas, da mesma forma que o autor de O papel do jornal reformou o
Jornal do Brasil nos anos 60, mostrando que é possível se pensar em inteligência a
partir de uma indústria de produção de jornalismo.
6. BIBLIOGRAFIA
1) CEPEDOC — Dicionário histórico-biográfico brasileiro: 1930-1983. Org. Israel
Beloch e Alzira Alves de Abreu (Rio de Janeiro: Forense
Universitária/FGV/CEPEDOC)
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edição) 160 pp.
3) DÓRIA, P. — “O homem bala: entrevista com Hélio Fernandes” In: Interview, no
183, abril/95, pp. 60 e seguintes
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(Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992), 516 pp.
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or. Paulo Roberto Pires (Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, 1996)
6) HOHENBERG, J. — Manual de jornalismo (Rio de Janeiro: Fundo de Cultural,
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8) LIMA, G. — Releasemania: uma contribuição para o estudo do press-release no
Brasil (São Paulo: Summus, 1985), 116 pp.
9) MARRA, A. B. — Cadernos de Jornalismo do Jornal do Brasil, ano II, n. 7, pp. 5-
9
10)MUNIZ, A. — “O senhor secretário” In: Revista de Comunicação, número 30,
novembro de 1992
11)REFKALEFSKY, E. — A investigação jornalística nos cadernos de negócios dos
jornais. Anais do II Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, Rio
de Janeiro, dezembro/94
12)___________________ Hélio Fernandes: a gênese do jornalismo polêmico.
Dissertação-tese de Mestrado em Comunicação e Cultura, defendida em junho de 97,
na Escola de Comunicação da UFRJ. Orientação, professor Francisco Antônio Dória.
13)___________________ O jornalismo crítico de Hélio Fernandes. Anais do XVIII
Intercom/Congresso Brasileiro de Pesquisadores de Comunicação. Aracaju, setembro
de 1995.
14)___________________ “Os cadernos de negócios dos jornais brasileiros” In:
Intercom: Revista Brasileira de Comunicação; São Paulo Vol. XVIII, no 1,
Janeiro/Junho/1995, pp. 170-174
15)SOUZA, P. — “A chegada do ‘lead’ no Brasil” In: Revista de Comunicação, n. 30
- 1992, pp. 24-27
16)TINHORÃO, J. R. — “O máximo de notícia no mínimo de espaço”. In: Revista de
Comunicação, n. 7 - 1986, p. 24
SOBRE O AUTOR
Eduardo Refkalefsky é jornalista, professor e Coordenador do Curso de
Jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ. É Mestre em Comunicação e Cultura
pela mesma Escola, onde defendeu, em junho de 97, a dissertação-tese Hélio
Fernandes: a gênese do jornalismo polêmico, orientada pelo professor Francisco
Antônio Dória.
Foi editor das revistas Tendências do Trabalho e Marketing e Negócios, além
de ter trabalhado em diversos veículos e assessorias de imprensa. É consultor editorial
da Coleção Administração e Negócios, da Editora Rocco. Atualmente, é o responsável
na ECO/UFRJ pelas disciplinas “Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa I” e
“Jornal e Pesquisa”.