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Exposição do texto: “A notícia como forma de conhecimento: um capítulo

dentro da sociologia do conhecimento”

Leopoldo Pedro Neto

Robert Park atuou como jornalista profissional antes de iniciar a carreira de sociólogo,
fator de sua trajetória que influenciou em suas curiosidades acadêmicas. O autor, por seu
turno, destacou-se como expoente da Escola de Chicago, uma das principais correntes de
pensamento expoentes do “interacionismo simbólico”, paradigma que de acordo com Melvin
DeFleur (1993, p. 52) busca “ressaltar o papel crítico da linguagem no desenvolvimento e na
manutenção da sociedade e na modelagem das atividades mentais do indivíduo”.
No que tange às suas discussões em relação ao jornalismo enquanto um objeto de
estudos, somente o artigo “A notícia como forma de conhecimento: um capítulo dentro da
sociologia do conhecimento”, publicado originalmente em 1940, no Jornal Americano de
Sociologia1, da Universidade de Chicago, encontra-se traduzido para a língua portuguesa.
Entretanto, o sociólogo norte-americano debruçou-se sobre o jornalismo em distintas outras
obras, como A Multidão e o Público2 (1903) – sua tese de doutorado, defendida na Alemanha
em 1903 e traduzida para a língua inglesa em 1972 – e A imprensa imigrante e os seus
problemas3 (1921); além de dezenas de artigos para revistas especializadas, com destaque
para História Natural do Jornal (1923) também publicado no Jornal Americano de
Sociologia, em 1923 (MACHADO, 2005).
Enquanto intelectual, entre outros objetos pertinentes, como a vida mental na
metrópole, Park desbloqueou analiticamente duas chaves-explicativas que se destacam para
refletir sobre o jornalismo: i) o jornalismo enquanto uma forma de conhecimento; ii) o
jornalismo seja estudado como uma instituição social (MACHADO, 2005).
Especificamente no ensaio “A notícia como forma de conhecimento: um capítulo
dentro da sociologia do conhecimento”, Park passa a notar a importância que o jornalismo
industrial adquire enquanto uma narrativa da modernidade. Na tentativa de discutir o papel
das notícias, o sociólogo adotou a distinção analítica entre dois tipos fundamentais de
conhecimento:

1
Tradução livre de American Journal of Sociology.
2
Tradução livre de Crowd and Public.
3
Tradução livre de The imigrant press and it’s problems.
a) “o conhecimento não-sistemático/conhecimento de”, “que vem do uso e costume
mais do que de qualquer tipo de investigação formal ou sistemática”; a exemplo, a intuição e
o senso comum;
b) “conhecimento sistemático/conhecimento acerca de”, aquele que “alcançou
algum grau de exatidão e precisão pela substituição de ideias pela realidade concreta e de
palavra por coisas”; a ver, a ciência e a filosofia.
No escopo dessas duas categorizações, o autor posicionou a notícia enquanto uma
forma de conhecimento que está em um processo contínuo entre essas duas supracitadas. A
partir de tal contribuição, Park passou a fornecer ferramentas para a pesquisa sobre a
constituição do jornalismo, porque compreendeu, ainda que de maneira limitada, dadas as
condições históricas e epistemológicas da primeira metade do século XX, que a notícia
merece estatuto próprio enquanto fenômeno da modernidade, diferenciando-se da ciência e do
senso comum. Afirma o autor: “Parece que a era é a era da notícia, e um dos mais importantes
eventos na civilização americana é o surgimento do repórter”.
No campo do jornalismo brasileiro, a contribuição de Robert Park é apropriada e
criticada por diversos autores. Dois exemplos proeminentes se tratam de Adelmo Genro Filho
– que, ao não ter contato com o “interacionismo simbólico” na época em que escreveu sua
dissertação, classifica erroneamente Park como um funcionalista; embora faça críticas válidas
aos princípios analíticos do autor interacionista – e Eduardo Meditsch – que ressalta a
importância de Park para explicar o que a notícia tem de diferente em detrimento de formas
sociais de conhecimento; porém, ressalta que a concepção de Park é insuficiente para
delimitar mais características.

Questão para debate


Partindo do pressuposto de que o jornalismo é uma forma social de conhecimento,
condicionada social e historicamente; que, na perspectiva de diferentes autores:
a) produz efeitos de sentido e efeitos de realidade no plano social – como ressaltou
Wilson Gomes;
b) constrói socialmente acontecimentos, atualizando e preservando o complexo e
multifacetado processo de construção social da realidade, como enfatizou Eduardo Meditsch a
partir da leitura de Berger e Luckmann;
c) orienta os sujeitos e a sociedade num mundo real, preservando a sanidade do
indivíduo e a permanência na sociedade, como frisou Robert Park;
d) reconstitui simbolicamente a singularidade, debruçando-se sobre o tempo presente,
não redutível às condições de gênese histórica e à ideologia da classe que o trouxe a luz, a
burguesia; condicionada por uma dimensão histórico-ontológica, como argumenta Adelmo
Genro Filho.
A partir de tal panorama, a minha pergunta tem por objetivo tensionar a relação entre
parâmetros normativos para se refletir sobre o jornalismo e parâmetros epistemológicos,
teóricos e metodológicos que pretendem compreender o jornalismo em sua dimensão
histórico-concreta. Do ponto de vista de nossa totalidade enquanto sujeitos, além de
pesquisadores e pesquisadoras, também somos cidadãos e cidadãs, trabalhadores e
trabalhadoras, que têm por objetivo viver em um ambiente democrático, no sentido concreto
do termo; ou seja, participação popular para tomadas de decisão coletivas – e também, creio
eu, radicalizar a democracia brasileira, que sempre tem capengado.
Nesse sentido, como podemos lidar com a relação entre apreender, enquanto
pesquisadores, como o jornalismo enquanto forma social de conhecimento circula nas
sociedades contemporâneas; e, ao mesmo tempo, como podemos – sem nostalgias ou
romantismos – estabelecer critérios normativos para pensar quais formas de jornalismo
queremos em qual modelo de democracia? Até que ponto se trata de um papel de nós
enquanto pesquisadores e de nós enquanto militantes? Quais são os limites, fronteiras e
hibridizações desses papéis sociais?

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